O capital e suas condições de superação para o Marx de 1857-58

June 25, 2017 | Autor: Zaira Vieira | Categoria: Philosophy, Marxism, Teoría Política
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O capital e suas condições de superação para o Marx de 1857-58


Zaira Rodrigues Vieira[1]


O texto que segue resulta de uma pesquisa sobre o tema da emancipação
no interior dos Grundrisse. Tem por objeto, portanto, exclusivamente este
texto de Marx, cabendo ressaltar ainda que, dados os limites de uma
comunicação, a pesquisa referida não se apresenta, aqui, em sua íntegra.
O tornar-se alienado e estranho do trabalho e de seu resultado, muito
embora seja algo inevitável e fundamental no modo de produção moderno, não
é, em Marx, porém, uma necessidade absoluta do processo de objetivação dos
homens. O trabalho é trabalho estranhado na forma social moderna porque,
nesta, "O acento está colocado não sobre o fato de ser objetivado, mas no
de ser estranhado (Entfremdet), alienado (Entäu(ert), ser vendável
(Veräu(ertsein), de não ser do trabalhador, mas ser das condições de
produção personificadas, isto é, sobre o pertencimento ao capital desta
prodigiosa potência objetiva, a qual confronta o trabalhador como um dos
seus momentos"[2].
Ao entender o trabalho estranhado e a inversão ou desefetivação humana
por ele estabelecida como objetividades, Marx não deixa de entender também
seu caráter finito e, portanto, superável, dado se tratar, segundo ele, de
uma necessidade 'histórica' e não de uma necessidade 'absoluta' do devir da
atividade[3]. Nos Grundrisse, junto à identificação das necessidades
históricas colocadas à atividade humano-sensível, Marx identifica, também,
as possibilidades do seu devir real.
Os elementos aí presentes que apontam para a possibilidade de uma
emancipação humana são precisamente aqueles que dão forma à
sociabilidade moderna. Tal afirmação não possui um sentido puramente lógico
ou cronológico, mas está calcada no desvelamento da legalidade ontológica
intrínseca a esta formação sócio-histórica. Segundo Marx, esta última traz
em si mesma os componentes de uma forma superior de atividade. A forma
social da atividade humana sensível em seu grau extremo de estranhamento
"representa um ponto de passagem necessário; e isto porque esta forma
invertida simplesmente apresenta em si a dissolução de todos os
pressupostos limitados da produção e, mesmo, ao contrário, cria e produz os
pressupostos não-condicionados da produção e, portanto, as condições
materiais plenas para o desenvolvimento total, universal, das forças
produtivas do indivíduo"[4].
O conjunto das possibilidades/necessidades de uma emancipação humano-
societária está calcado, para Marx, fundamentalmente no desenvolvimento
livre das potencialidades humano-produtivas. Desenvolvimento este
possibilitado na modernidade porque, nela, tais potencialidades constituem-
se em pressupostos ilimitados da produção, livres de toda determinação
natural. Segundo nosso autor, "(...) em todas as formas anteriores da
produção, não é o desenvolvimento das forças produtivas que constitui a
base da apropriação, mas uma relação determinada com as condições de
produção (formas de propriedade) que aparece como limite previamente posto
pelas forças produtivas; relação que só deve ser reproduzida (...)"[5].
Muito embora os modos de produção com base no valor de uso estivessem
sempre assentados sobre o desenvolvimento das forças produtivas, este
último constituía-se, neles, em fator problematizante. A partir de
determinado limite - aquele que definia precisamente a forma específica da
produção - o desenvolvimento das forças produtivas dos indivíduos colocava
em risco os pilares fundamentais do modo de apropriação vigente e o
suplantava, na efetividade, para dar origem a uma nova forma apropriativa
mais adequada a si. Assim, "Todas as formas anteriores de sociedade são
mortas com o desenvolvimento da riqueza ou, o que dá no mesmo, das forças
produtivas sociais. Fato pelo qual, entre os antigos, que disto tinham
consciência, a riqueza é diretamente denunciada como o que dissolve a
comunidade(...)"[6].
A produção com base na criação de mais-valia, de mais-tempo de
trabalho, implica, ao contrário, um desenvolvimento cada vez mais pujante
das forças produtivas. O pleno desenvolvimento destas últimas é, aqui, a
própria condição da valorização e, portanto, do modo de produção. A
produção não é mais limitada por condições específicas que lhe antecedem,
mas se pôs precisamente como processo de constante e contínuo superar de
condições. O livre desenvolvimento das forças apropriativas, da riqueza
social, é que se constitui como sendo o pressuposto do capital. O
pressuposto deste é seu próprio produto e não algo que lhe antecede e
determina a priori. Pela primeira vez, o desenvolvimento da riqueza e da
potência social vem a ser a condição e o fator determinante da produção -
posto não como desenvolvimento adstringido à reprodução de determinadas
relações, mas, ao contrário, como desenvolvimento que é e deve ser
ilimitado e que se supera continuamente a si próprio.
No entanto, como se sabe a partir de Marx, tais pressupostos
ilimitados da produção tornam-se, aí, forças ou potências coisificadas,
autônomas em relação aos indivíduos ativos. Daí porque Marx diz ser esta
forma assumida pela atividade uma forma a ser superada, pois, a mesma
tendência que possui de uma constante auto-superação de limites – na medida
em que se tratam de limites postos por ela própria – esta mesma tendência a
leva, enquanto forma de apropriação ou produção limitada, a sua própria
dissolução. Pois, constitui-se ela própria - a atividade estranhada - num
obstáculo à plena efetivação do desenvolvimento livre das capacidades
apropriativas dos indivíduos.
A emancipação humana consiste precisamente na superação do
estranhamento ao qual encontram-se submetidos os indivíduos ativos na
sociabilidade moderna. Significa, pois, que o aspecto predominante da
interatividade social não seja o pertencimento a outrem – ao próprio não-
ser dos homens – das condições de produção, mas que estas sejam recobradas
como potência própria aos sujeitos da objetivação. Uma tal configuração
social, não calcada no estranhamento, pressupõe que os meios de
objetivação, todos os resultados objetivos e subjetivos desta, percam,
portanto, seu caráter de potência dominadora e que existam, na verdade,
enquanto extensão efetiva das potências sociais dos indivíduos mesmos. As
potências sociais objetivadas pela atividade sensível seriam, elas
próprias, o pressuposto da atividade. Enquanto, no mundo do capital, é na
alienação de tais potências que se encontra assentada a atividade, nesta
sociabilidade por vir, "é o caráter social da produção que está
pressuposto; e a participação no mundo dos produtos, no consumo, não é
mediatizada pela troca de trabalhos ou de produtos do trabalho
independentes uns dos outros. Ela é mediatizada pelas condições sociais de
produção no quadro das quais o indivíduo exerce sua atividade". "O trabalho
do indivíduo singular é posto, de início, como trabalho social"[7] e não
mais como trabalho isolado e estranhamento em relação à sociabilidade.
Na forma de produção moderna, o processo universalizado das relações
entre os homens a partir de suas interações efetivas é apenas inicializado,
ou seja, trata-se de uma universalização unilateral, na medida em que tal
determinação da atividade permanece posta de forma estranhada em relação
aos indivíduos ativos singulares. O trabalho emancipado consistiria, para
Marx, na efetiva realização deste processo pelo qual a universalização ou
autonomização das relações humanas se efetivasse como sendo para os
indivíduos no interior mesmo do ato pelo qual eles se auto-põem. O trabalho
viria a ser, em si mesmo, trabalho universal, não mais dependendo de uma
mediação externa para o pôr enquanto tal.
A reconciliação entre as forças sociais objetivadas e os indivíduos
ativos singulares; entre as determinações do trabalho postas, de um lado,
sob a forma de valores de troca e, de outro, como valores de uso; a
superação desta imensa cissura ou estranhamento que caracteriza todas as
determinações do trabalho na sociabilidade moderna, é vista, por Marx, como
processo que desponta no interior do próprio modo de produção atual.
Como forma de produção de riqueza baseada na quantidade de tempo de
trabalho imediato extorquida ao trabalhador[8], o capital desenvolve-se
progressivamente como processo contraditório, que se põe e que, por este
mesmo ato, põe, também, aquilo que o nega. Pois, o desenvolvimento das
forças produtivas - posto como uma sua necessidade - se faz como
desenvolvimento de forças produtivas cada vez mais sociais ou gerais,
frente às quais, o tempo de trabalho vivo ou imediato aparece como algo
cada vez mais ínfimo e sem importância. O desenvolvimento do capital perfaz-
se sob condições nas quais sua valorização torna-se crescentemente
dificultada já que "à medida em que se desenvolve a grande indústria, a
criação da riqueza real depende menos do tempo de trabalho e do quantum de
trabalho empregado do que da potência dos agentes postos em movimento no
curso do tempo de trabalho - a qual, por sua vez, (a potência eficaz deles)
não tem, ela mesma, nenhuma relação com o tempo de trabalho imediatamente
dispensado para produzi-los, mas depende, sim, do nível geral da ciência e
do progresso da tecnologia, ou seja, da aplicação desta ciência na
produção. ( O desenvolvimento desta ciência (...) está, ele mesmo, por sua
vez, em relação com o desenvolvimento da produção material)"[9].
O processo de trabalho ganha, na indústria, uma feição automatizada.
Como o diz Marx, a divisão do trabalho chegou a um ponto tal de mecanização
que pôde ser substituída por um sistema automatizado de seus elementos. O
processo de trabalho, enquanto aplicação e desenvolvimento da ciência
natural; enquanto desenvolvimento das forças sociais gerais, aparece,
assim, como processo autômato, como processo natural frente aos indivíduos.
"Nesta mutação, não é nem o trabalho imediato efetuado pelo homem, nem seu
tempo de trabalho, mas a apropriação de sua própria força produtiva geral,
sua compreensão e sua dominação da natureza por sua existência enquanto
corpo social (...)que aparece como o grande pilar fundamental da produção e
da riqueza. O roubo do tempo de trabalho de outrem, sobre o qual repousa a
riqueza atual, aparece como uma base miserável comparada àquela,
recentemente desenvolvida, que foi criada pela grande indústria ela
mesma"[10].
Na indústria moderna, a base principal da produção da riqueza, dos
valores de uso, não é o trabalho imediato nela dispendido. A base e medida
da riqueza deixa de ser o tempo de trabalho excedente sobre o tempo de
trabalho necessário para tornar-se a própria desproporção entre a riqueza e
o poderio das forças produtivas objetivadas e a potência de trabalho. Não é
mais o trabalho vivo aquilo que fundamentalmente produz mas, sim, toda a
força produtiva dos indivíduos já objetivada, esta imensa potência concreta
tornada, em grande medida - mas não totalmente - autônoma em relação ao
trabalho do indivíduo singular. Desta forma, "Na exata medida em que o
tempo de trabalho (...) é posto, pelo capital, como o único elemento
determinante, o trabalho imediato e sua quantidade desaparecem enquanto
princípio determinante da produção - da criação de valores de uso - e
encontram-se rebaixados tanto quantitativamente a uma proporção reduzida,
quanto qualitativamente a um momento certamente indispensável, mas
subalterno em relação ao trabalho científico em geral (...), de um lado,
assim como em relação à força produtiva geral que se libera da articulação
social na produção global (...)"[11].
Tal fato não abole ou descaracteriza, portanto, segundo Marx, a
condição geral e necessária da existência do capital: o tempo de trabalho
imediato não pago ao trabalhador. Este último permanece sendo a única fonte
da mais-valia. O capital, por si mesmo, não cria valor. Como reitera o
autor, em várias oportunidades, valor é tempo de trabalho objetivado. E se
as condições objetivas de trabalho são, elas próprias, valores, não são,
porém, fonte de valor, elas não põem valor. O tempo de trabalho imediato
não pago ao trabalhador ou, em outras palavras, o trabalho excedente dos
indivíduos, embora não seja mais o parâmetro ou fator determinante da
riqueza produzida, continua sendo, porém, aquele do valor. As máquinas agem
na produção do valor apenas na medida em que são, elas próprias, valores,
trabalho objetivado, e na medida em que contribuem para o aumento do tempo
de trabalho excedente ou não pago.
A produção do valor pressupõe a troca do capital, do valor objetivado,
com o trabalho vivo. Tal relação foi, entretanto, restringida a uma parte
insignificante do capital existente, já que o trabalho vivo ocupa, agora,
lugar periférico e desprezível na forma automatizada da produção. A
extinção do trabalho vivo como força predominante na produção de
objetividades coincidiria, para Marx, com o fim da produção com base no
valor de troca. A fonte e medida da riqueza não sendo mais o tempo de
trabalho imediato, mas a potência social concreta, é a própria condição de
existência do capital, da produção de valor, que se põe como condição
ameaçada e em processo de extinção.
Descreve, o autor, este processo como sendo aquele do "livre
desenvolvimento das individualidades; no qual, não se reduz, portanto, o
tempo de trabalho necessário para se pôr mais-trabalho, mas se reduz o
trabalho necessário da sociedade a um mínimo, ao qual corresponde a
formação artística, científica, etc., dos indivíduos, graças ao tempo
liberado e aos meios criados por todos eles"[12]. O modo pelo qual o
capital mantém acesa sua chama, ou seja, a contínua e crescente redução do
tempo de trabalho necessário, tal mecanismo torna-se cada vez mais
ineficaz. A redução do tempo de trabalho necessário implica, como
conseqüência, a posição de mais capital sob a forma de capital fixo e,
portanto, a diminuição do próprio tempo de trabalho vivo necessário. E
quanto mais reduzido o tempo de trabalho vivo aplicado no processo de
produção, mais reduzido torna-se, também, o montante de valor criado em
relação àquele já existente.
O ponto alcançado com este processo é que a redução do tempo de
trabalho necessário não implica mais seu antigo par, qual seja, a criação
de mais-tempo ou trabalho excedente para outrem. Tal mecanismo não implica
mais em criação de valor. De mecanismo ou mecanismo para, a redução do
tempo de trabalho necessário torna-se fim. Redução do tempo de trabalho
necessário tout court ou, ainda, criação de tempo social livre. O que se
tem como resultado é a redução do tempo de trabalho necessário em geral, do
tempo de trabalho necessário à produção do próprio indivíduo social.
Extintas as condições de existência e de reprodução do capital, o que
surgem são aquelas para um trabalho emancipado, pois, a redução do
trabalho, do "dispêndio de força, a um mínimo (...) é a condição de sua
emancipação"[13].
Ao pôr o tempo de trabalho supérfluo ou excedente como condição cada
vez mais fundamental e necessária da produção, o capital, ao mesmo tempo em
que cava sua própria ruína, cria, por outro lado, as condições para o
desenvolvimento geral do indivíduo social: "A criação de muito tempo
disponível, para além do tempo necessário, para a sociedade em geral e para
cada um de seus membros (isto é, de lazer, para que se desenvolvam
plenamente as forças produtivas dos indivíduos e, portanto, também, da
sociedade) (...). Ele [o capital] contribui, assim, malgrado ele,
ativamente para a criação dos meios do tempo social disponível, tendendo a
reduzir o tempo de trabalho para a sociedade inteira a um mínimo
decrescente e a liberar, assim, o tempo de todos para os fins do
desenvolvimento deles próprios"[14].
O que foi reduzido, em geral, foi não apenas o tempo de trabalho
necessário à reprodução da capacidade viva de trabalho, mas aquele pelo
qual se reproduz o indivíduo ativo e todas as suas capacidades e
necessidades postas pelo estágio efetivo do desenvolvimento de suas forças
objetivas. Resultam postas, por conseguinte, as condições de uma
reapropriação, pelos indivíduos ativos, de toda a riqueza criada, pois, a
produção desta, o desenvolvimento pleno da individualidade humano-
societária, não depende mais da existência destes indivíduos como meras
potências de trabalho cindidas em relação a sua existência objetiva,
concreta.
A contradição engendrada pelo capital não implicaria, entretanto, uma
supressão imediata do modo de produção. Marx não deixou de entrever certos
desenvolvimentos pelos quais o capital buscaria, entrementes, se manter
como processo de valorização. Para não falar das crises e convulsões - as
quais agiriam como mecanismos subversivos sobre a tendência de
desvalorização do capital, ou seja, como mecanismos pelos quais tal
tendência seria, até certo ponto, contida no interior mesmo da circulação
do capital - Marx reconhece que "o capital porá em obra tudo para emperrar
a atrofia da relação do trabalho vivo com a grandeza do capital em geral
(e, portanto, também, da relação da mais-valia - quando expressa como lucro
- ao capital pressuposto)"[15].
Para manter o desenvolvimento das forças produtivas no interior dos
marcos da produção do valor, mecanismos diversos seriam engendrados pelo
capital, tais como processos em que parte dele se desvalorize. Mecanismos
dos quais, porém, o único efetivamente coerente com sua lógica reprodutora
é "reduzindo a parte do trabalho necessário e desenvolvendo ainda mais a
quantidade de mais-trabalho em relação ao conjunto do trabalho empregado. O
estado supremo de desenvolvimento da potência produtiva, bem como o maior
aumento de riqueza jamais conhecido, coincidirão, pois, conclui Marx, com a
depreciação do capital, a degradação do trabalhador e o esgotamento
sistemático de suas capacidades vitais"[16].
O processo pelo qual as condições da reprodução do capital tornam-se
cada vez mais inexistentes é - assim como o foram todos aqueles que, na
história humana, negavam as relações de produção já estabelecidas e
reproduzidas por longos períodos - entendido como um longo e difícil
processo. No curso do qual, crises, cataclismas ou catástrofes são postos
como inevitáveis no interior da insistente persistência de uma produção que
se debate com suas contradições: "Estas contradições conduzem certamente a
explosões, a crises nas quais a supressão momentânea de todo trabalho e a
destruição de uma grande parte de capital conduzem, este último, pela
violência, a um ponto em que ele estará em condições de explorar ao máximo
suas capacidades produtivas sem ser conduzido ao suicídio. No entanto,
estas catástrofes periódicas são condenadas a se repetirem numa escala
maior e conduzem, finalmente, à derrubada violenta do capital"[17].
O que resulta destes estudos de Marx sobre o capital é que este
realiza, na prática, sua auto-supressão na medida em que alcança, em seu
desenvolvimento, a superação efetiva - posta em suas próprias determinações
constitutivas - da cisão entre o indivíduo singular e as determinações de
sua vida ativa. O capital, enquanto sendo, ele mesmo, tais determinações,
alcança uma forma tal em que a supressão do estranhamento se põe como
realidade, pois, o trabalho do indivíduo, enquanto existência imediata, é
abolido em sua singularidade e é posto como trabalho social.
A forma alcançada pelas forças produtivas objetivadas, na grande
indústria, é uma forma que se, de um lado, adestrou e sujeitou
definitivamente a natureza à sociabilidade; de outro, pôs esta
sociabilidade como pressuposto efetivo da produção. O indivíduo ativo não
aparece mais, aí, de forma autônoma ou independente no processo de
trabalho, mas sob a forma de forças combinadas e entendimento social
objetivado. Daí porque "A concentração de provisões em uma só mão não é
mais necessária"[18]. Pois, já foram criadas as condições de total
emancipação destas provisões tanto em relação à natureza, quanto em relação
à propriedade privada. As condições de produção são, agora, condições
sociais gerais e científicas de produção e não necessitam mais da subsunção
do trabalho a um capital para criá-las, ou seja, não precisam mais da
exploração de mais-trabalho para existirem.
Pelo movimento próprio da ação dos homens, a ênfase que se encontrava
no estranhamento, na apropriação por outrem das condições de produção,
encontra-se, agora, sobre a produção mesma, sobre o valor de uso criado e
não mais no valor de troca. Este último deixa de ser, pois, aquilo que
determina a produção, o que fundamentalmente lhe dá forma. A forma
específica da produção desloca-se do valor de troca desta para situar-se em
seu caráter de produção de riqueza e potência social universal. A produção
e apropriação de riqueza não tem mais como condição precípua a
expropriação; pode aparecer sem esta mediação. A apropriação pode se dar,
agora, por meio de si mesma, ou seja, por meio da própria produção, da
relação dos indivíduos com seu mundo efetivo.
Na superação do estranhamento, da forma específica das relações
modernas de produção, Marx não deixa de perceber o lugar da subjetividade.
Este lugar é, porém, indissociável daquele da objetividade. Tal
entendimento, se reconhece o primado da objetividade - e, portanto, das
condições objetivas de existência do indivíduo social - só o faz
apreendendo o processo em toda a sua complexidade. Senão, vejamos a
passagem seguinte: "(...) no quadro da sociedade burguesa, da sociedade
fundada sobre o valor de troca, criam-se relações de troca e de produção
que são, também, minas para fazê-la explodir. (Uma massa de formas
contraditórias da unidade social das quais não se pode, porém, jamais fazer
explodir o caráter contraditório por meio de uma metamorfose silenciosa. De
um outro lado, se, na sociedade tal como ela é, não encontramos
dissimuladas as condições materiais de produção de uma sociedade sem
classes e as relações de troca que lhes correspondam, todas as tentativas
de fazê-la explodir seriam apenas donquichotismo)"[19]. O autor não deixa
de atentar para a necessidade de uma explosão ou revolução como desfecho
efetivo no processo de superação das relações sociais modernas. O que o
preocupa, nestes manuscritos, porém, é precisamente a urgência de mostrar
que tal explosão não ocorreria fora de condições objetivas e subjetivas
muito concretas que a possibilitasse. Mesmo porque são estas as condições
que lhe dão origem enquanto momento ideal. São as condições efetivas de
superação das relações estabelecidas que dão origem à consciência da
necessidade desta superação: "Reconhecer os produtos como sendo seus
produtos e julgar esta separação em relação às condições de sua realização
como algo inaceitável e imposto pela força representa uma imensa
consciência que é, ela própria, o produto do modo de produção fundado sobre
o capital e que anuncia o funeral de seu falecimento - da mesma maneira
que, quando o escravo tomou consciência de que ele não podia ser a
propriedade de um terceiro, quando ele tomou sua consciência de pessoa, a
escravidão viveu apenas parca e artificialmente e deixou de poder perdurar
como base da produção"[20].
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1 Mestre em Filosofia pela UFMG e professora do Centro de Ensino Superior
de Itabira e da Faculdade ASA de Brumadinho/ MG.

[1] Karl Marx, Manuscrit de 1857-1858 – " Grundrisse". Paris, Editions
Sociales, 1980, tomo II, p. 323.
[2] Idem, ibidem, tomo II, p. 323.
[3] Idem, ibidem, tomo II, p. 8.
[4] Idem, ibidem, tomo II, p. 96.
[5] Idem, ibidem, tomo II, p. 33.
[6] Idem, ibidem, tomo I, p. 109.
[7] Muito embora se trate de uma extorsão consentida e entendida
exclusivamente desta forma, julgamos perfeitamente cabível e coerente com o
pensamento de Marx, o uso deste termo, que, ademais, tem o mérito de
evidenciar o aspecto fundamental sobre o qual repousa tal relação: o
aspecto de não-troca ou troca sem contrapartida para o trabalhador.
[8] Idem, ibidem, tomo II, p. 192.
[9] Idem, ibidem, tomo II, p. 193.
[10] Idem, ibidem, tomo II, p. 188. Grifos nossos.
[11] Idem, ibidem, tomo II, p. 193.
[12] Idem, ibidem, tomo II, p. 190.
[13]Idem, ibidem, tomo II, p. 195.
[14] Idem, ibidem, tomo II, p. 237
[15]Idem, ibidem, tomo II, p. 237.
[16] Idem, ibidem, tomo II, p. 238.
[17] Idem, ibidem, tomo II, p. 106.
[18] Idem, ibidem, tomo I, p. 95.
[19] Idem, ibidem, tomo I, p. 402.
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