O Casamento e a Ressurreição: uma outra proposta interpretativa para Mateus 22:23-33

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1 O CASAMENTO NA RESSURREIÇÃO: Uma Outra Proposta Interpretativa Para Mateus 22:23-331 Elton Queiros

Resumo Este artigo versa sobre a maneira como as palavras de Jesus em Mateus 22:23-33 têm sido interpretadas atualmente a fim da validá-la hermeneuticamente. O autor, depois de uma rápida revisão das duas principais correntes interpretativas para este texto, constata que há pressupostos semelhantes com os quais os atuais intérpretes destes versos adotam ao estudálo. Após uma análise exegética da referida perícope, mediante um estudo da compreensão saduçaica quanto à ressurreição, do significado da lei do levirato e das palavras de Cristo, ele propõe que a resposta de Jesus aos saduceus não está relacionada com o casamento edênico, mas com o casamento levirático. Com base nestas conclusões, ele constata que as atuais interpretações para este texto estão parcialmente corretas e que utilizar-se de Mateus 22:23-33 para afirmar que o casamento edênico deixará de existir após a ressurreição pode constituir-se numa infração hermenêutica. Palavras-chave: Mateus, saduceus, lei, levirato, casamento, ressurreição. Abstract This article discusses about the way the words of Jesus in Matthew 22:23-33 currently have been interpreted for validate it hermeneutically. The author, after a quick review of the two major interpretive trends for this text, notes that exist similar assumptions with which the current interpreters adopt these verses to study it. After an exegetical analysis of this pericope, through a study of sadducees understanding about the resurrection, the meaning of levirate marriage and the words of Christ, he proposes that Jesus' answer to the sadducees is not related to the edenic marriage, but with the leviratic marriage. Based on these findings, he notes that current interpretations of this text are partially correct and that make use of Matthew 22:23-33 to affirm that edenic marriage will cease to exist after the resurrection may constitute an hermeneutic infraction. Keywords: Matthew, sadducees, law, levirate, wedding, marriage, resurrection.

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Salvo qualquer outra indicação, as citações bíblicas, em português, serão extraídas da versão Almeida Revista e Atualizada em sua primeira edição.

2 Introdução “O que Deus uniu não separe o homem”; “Até que a morte os separe”. Estas duas proposições são conhecidas nos círculos cristãos, pois estão relacionadas às suas práticas conjugais hodiernas, além de revelarem sua concepção acerca da insolubilidade do conúbio. Entretanto, dentro do cristianismo, e do cristianismo-adventista, existem basicamente duas correntes de pensamento e opiniões que são antagônicas no que se referem à vida conjugal no contexto escatológico pós-ressurreição. Enquanto que para alguns o casamento é algo pertinente somente à esta vida, para outros ele é uma instituição indissolúvel, inaugurada por Deus no Éden, e que perdurará para sempre. Os que adotam o primeiro ponto de vista, segundo pensam, o fazem porque as palavras de Cristo contidas nos evangelhos sinóticos (cf. também Marcos 12:18-27 e Lucas 20:27-40) são as afirmações que originam e sustentam esta posição2. Por outro lado, os que pensam diferentemente não veem na declaração de Jesus uma referência ao casamento em si, mas à procriação resultante dele, além de também recorrerem à protologia a fim de sustentarem sua visão escatológica “no mundo por vir” (BACCHIOCCHI, 1994, p. 87). A despeito deste antagonismo é possível notar que em ambos os grupos seus pressupostos são semelhantes, senão os mesmos. O primeiro deles tem que ver com a natureza do casamento. Tanto os que defendem seu término quanto os que defendem sua continuidade se aproximam desta passagem associando-a ao matrimônio instituído no Éden. Ou seja, para eles, Jesus fazia referência ao casamento edênico, o que é conhecido e praticado, com certas diferenças, ainda hoje. A segunda pressuposição está relacionada ao escopo das palavras de Cristo. Os dois grupos entendem-no com a ideia prévia de que ele abarca a escatologia pós-ressurreição, seja na condição de cessação ou de continuidade da união conjugal. Em outras palavras, para eles, Jesus, com sua declaração, se referiu diretamente ao período que se iniciará depois da ressurreição. Portanto, em vista disto, as

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Dentre as obras da literatura cristã que adotam este ponto de vista algumas são: Donald A. Hagner, World Biblical Commentary (Dallas: Word Incorporated, 2002); W. D. Davies; Dale C. Allison, A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew (London; New York: T&T Clark International, 2004); William Hendriksen; Simon J. Kistemaker, New Testament Commentary: Exposition of the Gospel According to Matthew (Grand Rapids: Baker Book House, 2002); John F. Walvoord; Roy B. Zuck, The Bible Knowledge Commentary: an exposition of the scriptures (Wheaton, IL: Victor Books, 1985); Warren W. Wiersbe, The Bible Exposition Commentary (Colorado Springs: ChariotVictor Publishing, 1989); Craig Blomberg, Matthew. electronic Edition (Nashville: Broadman & Holman Publishers, 2001; Logos Library Sistem: The New American Commentary 22); Russel Norman Champlin, O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo (São Paulo: Editora Agnus, 2002); F. Davidson, org., O Novo Comentário da Bíblia (São Paulo: Vida Nova, 1997); D. A. Carson, O Comentário de Mateus (São Paulo: Shedd Publicações, 2010). Na literatura cristã-adventista estão as seguintes obras: Francis D. Nichol, ed., The Seventh-day Adventist Bible Commentary (Washington, DC: Review and Herald Publishing Association, 1978), 5:483; Mario Veloso, Contando a História de Jesus Rei (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2006), 285; MORAES B. P. Moraes, “Haverá Casamento na Nova Terra?” Parousia 4 (2005), 89-110.

3 atuais interpretações para Mateus 22:23-33 tendem a abordá-lo, a priori, com semelhanças conceptivas. Diante desta situação, algumas perguntas podem ser elaboradas: no que se relaciona ao texto bíblico, no que criam os saduceus? O que levou alguns representantes deste segmento do judaísmo a questionar Cristo acerca do casamento na ressurreição? Estariam eles se referindo ao casamento edênico? Qual o propósito da lei do levirato mencionada por eles? Ademais, o que os levou a fazer menção desta lei? E quanto à resposta de Jesus, o que deveras estaria ele querendo dizer quando falou “na ressurreição não se casam nem se dão em casamento”? Estariam estas palavras associadas ao matrimônio edênico? Também estaria Cristo, no que tange a relação conjugal edênica, asseverando qual seria o estado dos ressurretos após o evento ressurreição? Por fim, no que diz respeito às atuais interpretações, seus dois referidos pressupostos se sustentam quando analisados à luz de um estudo exegético da perícope em questão? Eles se coadunam com esta declaração cristológica? Além disso, este texto sinótico pode ser usado para endossar o ponto de vista de que após a ressurreição o casamento edênico deixará de existir? Para que estas indagações obtenham respostas satisfatórias é válido ressaltar, primeiro, que este estudo não tem por objetivo responder se após o evento ressurreição, no milênio ou na nova terra3, haverá casamento ou não, mas sim de ratificar, ou não, se este texto neotestamentário fornece subsídio exegético suficiente para que seja feita a asserção de que após a ressurreição o matrimônio edênico perderá sua funcionalidade relacional. Em outros termos, o que este estudo objetiva é verificar a validade hermenêutica que tantos os adeptos da cessação do casamento quanto os adeptos de sua permanência fazem ao interpretá-lo. Em função disso, para que este fim seja alcançado, torna-se necessário que num primeiro momento se tenha uma compreensão apurada acerca dos saduceus e das razões que os levaram a desenvolver essas crenças a fim de que se entenda o propósito pelo qual eles interrogaram a Cristo fazendo menção do casamento na ressurreição. De antemão, já é de conhecimento que eles não criam na ressurreição dos mortos e adotavam como escritura apenas os cinco primeiros livros da literatura mosaica4. Por esta razão, mais uma vez, é preciso que se entenda o porquê de terem desenvolvido esse conjunto de doutrinas e qual sua relação com o casamento. Em seguida, também tornar-se-á igualmente necessária uma visualização adequada da relação da lei veterotestamentária do levirato, mencionada pela 3

Na visão escatológica adventista, após a ressurreição dos mortos terá início o período de mil anos no céu e, em seguida, a eternidade na qual os salvos viverão nesta terra purificada e renovada por Deus. 4 As fontes bíblica e extrabíblicas disponíveis para consulta acerca dos saduceus no período do segundo templo são relativamente hostis a eles o que acarreta algum grau de subjetividade a elas. Porém, são as que estão disponíveis: (1) Josefo, Guerra dos Judeus ii. 8.14; Antiguidades xiii. 5.9, 10.6; xviii. 1.4; xx. 9.1; (2) a Mishnah, ‘Eruvin vi. 2; Hagigah ii.4; Makot i.6; Parah iii.3,7; Nidah iv.2; Yadayim iv.6-8; (3) NT, Mt 3:7; 16:1,6,11,12; 22:2334; Mc 12:18-27; Lc 20:27-40; At 4:1,2; 5:17; 23:6-8.

4 facão judaica, com o casamento dentro do contexto da já referida perícope para se obter um entendimento acerca da indagação saduçaica e a réplica de Cristo. Por fim, uma análise léxicosintática contextual das palavras contidas na resposta de Jesus, principalmente aquelas registrada no verso 30, poderá tornar clara as questões relacionadas à natureza do casamento, ao estado dos ressurretos após a ressurreição e a validade hermenêutica que atualmente tem sido feita desta passagem. 1 A compreensão saduçaica da ressurreição A compreensão saduçaica com respeito à ressurreição está atrelada ao seu conceito de escritura. Este, por sua vez, pode ser entendido quando visto a partir do surgimento e do desenvolvimento do grupo judaico, que remonta ao período dos macabeus, em meados do segundo século antes de Cristo, quando correntes helenistas tiveram contato com o judaísmo palestinense. Segundo Flavio Josefo, os saduceus são um dos três grupos que compunham a religião judaica de seu tempo (Guerra dos Judeus, XX. 9.1). Todavia, para alguns, eles não eram meramente um dentre os demais grupos religiosos do judaísmo do segundo templo, mas também “um misto de partido político e seita religiosa” (GARDNER, 2005, p. 567). No que tange à origem deste segmento judaico, seja sua história ou seu nome, isto ainda é uma questão debatida, malgrado haja pontos já estabelecidos (GELSTON, 2006; PORTON, 1992). Para alguns pais da igreja, Epifânio (Heresias, I, 14) e Jerônimo (Comentário de Mateus 22:23), o termo deriva de

qyDI²c,, “justos”, enquanto que para autores modernos o nome tem origem em

Zadoque, um discípulo de Antígono de Soko e sumo sacerdote nos dias de Davi (1Sm 8:17; 15:24) e Salomão (1Rs 1:34; 1Cr 12:29), que provavelmente tenha contrariado seu mestre negando a ressurreição dos mortos (GOLDBERG, 1979). Mas a despeito destas divergências, com base em Josefo, há um consenso no que diz respeito ao contexto no qual os saduceus, como um segmento do judaísmo, emergiram, a época dos macabeus (PORTON, 1992). Ou seja, eles surgiram num período seguinte à revolta macabéia, quando os hasmoneanos procuraram conquistar a liberdade dos sírios (GOLDBERG, 1979). Nesses idos, é possível que esta revolta tenha se intensificado, a princípio, por uma questão interna dentro do próprio judaísmo, os que eram favoráveis a helenização contra os que se opunham a ela. Isto justificaria a atitude de alguns judeus de empunharem a espada contra seus próprios compatriotas e não contra os selêucidas (cf. 1Mc 2:43-46). Assim sendo, talvez os hasmoneus, sucessores dos macabeus, já tivessem sofrido alguma influencia do helenismo, mas de uma forma que este não contradissesse as verdades centrais de religião judaica (SKARSAUNE, 2006). Ou como diz Skarsaune (2006, p. 19), “[os que apoiavam o

5 helenismo] iam incorporando os elementos importantes da cultura helenística no judaísmo de tal forma que já não se via mais neles uma ameaça, e sim um enriquecimento”. Logo, neste cenário, um outro pilar religioso, além do templo, veio a ter destaque para os judeus palestinenses a fim de se resguardarem das influencias helênicas e para manterem sua identidade nacionalista: as suas escrituras. O conceito de escritura para os judeus nesse contexto passou a desempenhar a função de parâmetro pelo qual todas as coisas deveriam ser mensuradas e aceitas. Isto pode ter ocorrido devido à profanação pela qual o templo passara com as realizações de práticas espúrias pelos selêucidas e pela desconsideração dos hasmoneanos pelo sacerdócio arônico (GUNDRY, 2008). Consequentemente, sem a confiabilidade religiosa do templo, divergentes opiniões quanto ao papel das escrituras logo se polarizaram 5. Isto se coaduna com uma descrição que Josefo faz dos saduceus na qual ele afirma que estes aceitavam como escritura somente aquilo que fora outorgado por Moises (HORN, 1960).

Contentar-me-ei agora em dizer que os fariseus, que receberam essas constituições pela tradição de seus antepassados, as ensinaram ao povo. Os saduceus, porém, as rejeitavam, porque elas não estão compreendidas entre as leis dadas por Moisés, que estes afirmam serem as únicas que são obrigados a observar (Antiguidades, XIII. 18.544).

A verdadeira razão pela qual eles aceitavam somente a literatura mosaica como autoritativa ainda é desconhecida. Mas é provável que eles enxergassem os profetas, os hagiógrafos e a crescente literatura apocalíptica de sua época com anjos e referências à ressurreição como tendo sofrido alguma influência externa (MORIS, 1992) o que justificaria sua posição de não darem a estes escritos a mesma credibilidade da Torah, além de considerarem em alta conta o sistema sacrifical do templo, bem estabelecido nos escritos mosaicos (CHAMPLIN, 2002). Devido a isso, seria igualmente provável que eles estivessem associados aos hasmoneanos, grupo que tomou conta do sacerdócio a partir de então (GUNDRY, 2008). Logo, seria de se esperar que eles compusessem o partido aristocrático no segundo templo além de dentre eles ser escolhido, em geral, o sumo-sacerdote (WHITE, 2004). Esta situação parece estar em harmonia com a afirmação de alguns autores quando dizem que do ponto de vista religioso os saduceus não devem ser vistos como liberais, mas, ao contrário, devem ser vistos como os conservadores estritos (DANIEL-ROPS, 2008): 5

Dos assideus, ex-correligionários dos hasmoneus, dois grupos se ramificaram: (1) os essênios, que posteriormente viriam a produzir os manuscritos de Qumram (GUNDRY, 2008) e (2) os fariseus que passaram a valorizar não somente as escrituras, mas também as tradições dos antigos por julgarem que elas derivaram-se da própria Torah (SKARSAUNE, 2006).

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Ao negarem a existência dos espíritos, naturalmente negavam a existência dos anjos. Esse furto da substância das idéias [sic] metafísicas, para os saduceus, não era demonstração de liberalismo (conforme ele é ensinado atualmente), mas, em realidade, parecia-lhes evidência do conservadorismo, posto que a base dessa negação era o fato de que eles aceitavam como Escritura somente o Pentateuco, o que ali não fosse claramente expresso era rejeitado por eles (CHAMPLIN, 2002, p. 533).

Fundamentado na compreensão que os saduceus tinham das escrituras, as palavras introdutórias da perícope mateana (22:23-33) – “naquele dia aproximaram-se dele alguns saduceus, que dizem não haver ressurreição” (v. 23) – e as demais passagens neotestamentárias (Mt 3:7; 16:1,6,11,12; 22:23-34; Mc 12:18-27; Lc 20:27-40; At 4:1,2; 5:17; 23:6-8.) estão em consonância com a convicção saduçaica. Uma vez que na Torah o conceito de ressurreição não está explícito (BROWN, 2000) (cf. Gn 3:19; Jó 30:23; 7:7-10; 14:14), a negação do renascimento dos mortos por parte do grupo judaico coincide com sua convicção de que nada além da Lei de Moisés deve ser visto como autoritativo. Em outras palavras, como diz Gardner (2005, p. 567), “os saduceus não aceitavam qualquer doutrina que não fosse tirada dos cinco primeiros livros da Bíblia. Isso explica porque não acreditavam na ressurreição e nem nos anjos”. Ademais, esta ausência de evidência explícita em favor da ressurreição na Torah também explicaria porque Zadoque, séculos antes dos macabeus, contrariou seu mestre, Antígono de Soko, negando que os mortos pudessem reviver (GOLDBERG, 1979). Assim, com base em sua origem e no seu desenvolvimento, é possível notar que a crença escatológica dos saduceus em negar a ressurreição está enraizada nas escrituras, posto que esta, segundo eles, não forneciam subsídio para que tal posição fosse endossada. Entretanto, pela mesma razão, a valorização unicamente da Torah, é possível que eles, ao abordarem Jesus com seu questionamento, não estivessem intentando apresentar as razões escriturísticas para o término do casamento edênico uma vez que este estava presente nos ensinamentos mosaicos (Gn 1:28-28; 2:22-24). Isto também pode ser corroborado com base na sua crença de que se houvesse ressurreição, ela traria de volta às mesmas condições da vida anterior a morte, inclusive o casamento (CARSON, 2010). Nas palavras de White (2204, p. 605): “[eles concluíram que] as relações terrenas continuariam, marido e mulher estariam juntos, realizar-se-iam casamentos”. Ou seja, se em seu pensamento o casamento continuaria mesmo que se admitisse a possibilidade da ocorrência da ressurreição, então é admissível que se entenda que a indagação feita para Jesus não visava mostrar o término das relações

7 conjugais, mas talvez mostrar uma incompatibilidade entre a crença na ressurreição com alguma regulamentação das suas escrituras. 2 A compreensão saduçaica do levirato na ressurreição A regulamentação a qual os saduceus se referiram pode ser vista nas seguintes palavras: “Mestre, Moisés disse: Se alguém morrer, não tendo filhos, seu irmão casará com a viúva e suscitará descendência ao falecido” (Mt 22:24). Neste pronunciamento repousa uma das legislações veterotestamentárias, a lei do levirato (Dt 25:5-10. Cf. Gn 38 e Rt 4). “Levirato” é oriundo do latim levir, tradução do termo hebraico

~b'y", que

significa “cunhado” (DE VAUX,

2004; WRIGHT, THOMPSON, 2006). A lei prescrevia que se irmãos vivessem juntos e um deles morresse sem deixar descendência, um dos irmãos sobreviventes deveria tomar por mulher a viúva, e o primogênito desse novo casamento seria considerado legalmente como filho do falecido (KALMIN, 1992). Entretanto, caso quisesse, o cunhado poderia esquivar-se dessa obrigação mediante uma declaração feita ante aos anciãos da cidade. Contudo, se agisse assim, ele seria considerado desonrado por não perpetuar o nome de sua família. Desta forma, a viúva rejeitada o descalçava e lhe cuspia na cara. Isso ocorria porque ele “não edificava a casa de seu irmão” (DE VAUX, 2004, p. 60). Em virtude do que ela significava, deve ser considerado o fato de que esta lei não estava restrita somente aos israelitas. Outros povos anteriores a Israel e circunvizinhos a ele também a adotavam. Este é o caso dos egípcios e persas entre outros (MORAES, 2005). Brown (2000, p. 367) também afirma que essa “praxe [...] foi achada entre numerosos povos orientais, especialmente na Arábia e no Cáucaso”. Apesar do código de Hamurabi não falar desse costume, as leis dos assírios, por exemplo, reservam-lhe vários artigos. Nelas não se expressa a condição de que a viúva não tenha filhos, mas isto provavelmente se deve à uma lacuna no texto. Em compensação, essas leis assimilam, com respeito a isso, os esponsais a um casamento consumado, se um noivo morresse, sua irmã devia se casar com o irmão do falecido. Algumas leis hititas também destacam o levirato, contudo menos detalhadamente (DE VAUX, 2004). A prática existia de igual modo entre os Hurritas de Nuzu e, provavelmente, em Elam. Além destes, ela também é atestada em Ugarit (DE VAUX, 2004). Esta abrangência também pode ser percebida pelo fato de que “o casamento do levirato antecede Moisés no cânon (Gn 38.8). Ou seja, Moisés regulamentou a prática, mas não a iniciou” (CARSON, 2010, p. 536), o que sugere que este costume possa ter sido importado. Não obstante, tenha sido importada ou não, a lei do levirato parece estar em discrepância com duas passagens do livro de Levítico (Cf. 18:16; 20:21) (BROWN, 200). Algumas sugestões foram dadas para solucionar esta aparente divergência. De acordo com

8 Kalmin (1992, p. 296), “os rabinos reconciliaram a contradição entre Deuteronômio e Levítico pela declaração de que Leviticos estabelece o princípio geral e a lei em Deuteronômio aplicase apenas quando um homem casado morre sem deixar descendência”. Apesar dessa proposta conciliatória, o fato é que a lei do levirato ainda não havia sido pronunciada ou regulamentada (Dt 25:5-10) quando a ordem levítica fora promulgada (WRIGHT, THOMPSON, 2006), o que solucionaria essa aparente incoerência entre os textos bíblicos. De qualquer forma, o propósito da instituição da lei do levirato não é um ponto no qual haja total consenso entre os autores. De Vaux (2004, p. 61) afirma que já há muito se discutiu o significado deste costume. “Alguns explicam-no como meio de assegurar a continuidade do culto aos antepassados, enquanto outros descobriram nele um indício de sociedade fratriarcal”. Embora estas sugestões não devam ser desconsideradas em se tratando de outros povos, o fato é que no Antigo Testamento “a lei tinha por objetivo assegurar a manutenção da família e a não-alienação da propriedade” (MORAES, 2005, p. 95). “É por isso que a criança (provavelmente só a primeira) de um casamento levirático é considerada filha do falecido” (DE VAUX, 2004, p. 61). Em cima disso, é possível conjecturar dizendo que a lei talvez estivesse relacionada com o conceito de primogenitura da sociedade patriarcal além de que também pudesse servir como uma proteção social às mulheres desamparadas (Cf. Gn 38 e Rt 4). Em face dessa compreensão, a questão levantada pelos saduceus tinha como fundamento uma instituição legal e teológica visto que encontrava-se presente no cânon de suas escrituras (MORAES, 2005). O que não estava claro, entretanto, era se o caso da mulher que tenha se envolvido com sete homens por meio do levirato era um caso real, ou hipotético (HENDRIKSEN, 1975). De acordo com Gundry (1992), talvez a pergunta feita a Jesus fosse uma adaptação da história relatada por Tobias na qual uma personagem chamada Sara casara-se sucessivamente com sete maridos que foram mortos por um demônio antes que ela consumasse cada casamento (Cf. Tb 3:8, 15; 6:13; 7:11). Seja uma história ou estória, é possível que os saduceus tivessem o texto de Tobias em mente, pelo menos a quantidade de sete maridos (MORAES, 2005). De qualquer forma, o emprego da expressão parV h`mi/n, “entre nós”, “faz deste caso mais do que simplesmente hipotético” (HAGNER, 1995, p. 641). Com esta conjectura, os representantes saduçaicos, provavelmente, desejavam mais descredibilizar a reputação de Jesus diante da multidão do que ouvir seus ensinamentos propriamente ditos. “Procurando entrar em debate com Jesus, estavam confiantes de Lhe prejudicar o crédito, ainda que não pudessem conseguir Sua condenação” (WHITE, 2004, p. 605). Isto também pode ser notado pela utilização de uma expressão que talvez revelasse um falso respeito, mestre (CARSON, 2010).

9 Em vista de tudo isto, é provável que a real intenção dos saduceus não fosse desejar mostrar que na ressurreição o casamento edênico chegaria ao fim, mas mostrar uma explícita contradição, segundo eles, entre sua crença na impossibilidade da ressurreição com a prática da lei do levirato que visava suscitar descendência a um falecido a fim de perpetuar seu nome. Parece não ser sem motivo que o verbo empregado na apresentação que os saduceus fizeram do caso do levirato (v. 25) seja avni,sthmi, “suscitar descendência”, “procriar” (GÜNTHER, 1981), que é o mesmo verbo empregado pela Septuaginta de Ralphs para traduzir a raiz do verbo hebraico

~wq,,

“suscitar”, em Gênesis 38:8, também um caso de casamento levirático

(DANKER, 1979). Além disso, a conexão entre levirato e ressurreição pode ser igualmente vista na pergunta que eles elaboraram pelo uso do substantivo avna,stasij, “ressurreição” (v. 28). Logo, é provável que Mateus, ao redigir sua narrativa, visasse deixar compreensível para seus leitores que esse jogo de palavras significava haver alguma conexão entre o levirato e a ressurreição. Comentando o texto paralelo de Marcos 12:18-27 (“quando eles ressuscitarem”), Gundry (1992, p. 702) afirma que pelo modo como a frase está construída no grego, “Jesus se refere diretamente à mulher a aos sete irmãos”, isto é, um casamento levirático. Em síntese, à luz do significado do levirato e de suas conexões com a ressurreição dentro da perícope, não só é possível como é provável que os saduceus, ao elaborarem sua indagação, não tivessem em mente o casamento edênico, mas o casamento baseado na prática veterotestamentária da lei do levirato. 3 Análise léxico-sintática contextual das palavras de Jesus A perícope do texto contém, entre as palavras iniciais do narrador (v. 23) e a conclusão da seção (v. 33), um diálogo que envolve o grupo judeu (vv. 24-28) e a resposta apresentada por Jesus (vv. 29-33). A questão principal destes versos, que trata essencialmente da relação entre ressurreição e casamento levirático, é composta basicamente por três partes – (1) a menção à lei do levirato (v. 24); (2) o relato possivelmente histórico da mulher e seus sete maridos (vv. 25-27); (3) e o modo como a lei veterotestamentária se coadunaria com a ocorrência do evento ressurreição expressa por meio de uma pergunta (v. 28). De igual modo, a resposta de Cristo se desdobra em outras três partes – (1) o erro saduçaico baseado em seu desconhecimento das escrituras e do poder de Deus (v. 29); (2) uma resposta referente ao casamento (v. 30); e (3) uma resposta referente à ressurreição dos mortos (v. 31-32). 3.1 O erro saduçaico A resposta de Cristo diante da problemática levantada pelos saduceus começa com o verbo plana/sqe (“errais”), no presente do modo indicativo da voz passiva, conjugado na

10 segunda pessoa do plural. Sua forma léxica é plana,w, “errar” (RUSCONI, 2003). Entretanto, além deste significado, este verbo também tem o sentido de “estar enganado” (DANKER, 1979). Jesus associa este verbo à palavra grafa.j, “escrituras”, e é esta associação que torna a interpretação de suas palavras algo menos objetivo. Duas possibilidades de compreensão desta declaração podem ser consideradas legítimas: (1) o erro dos saduceus consiste em considerar apenas a Torah como escritura e desconsiderar os profetas e os hagiógrafos, ou (2) o seu erro consiste em entender erroneamente suas próprias escrituras. Apesar de que a palavra “escrituras” normalmente venha se referir a toda extensão do Antigo Testamento, Hagner (1995) sugere que neste contexto ela esteja relacionada à segunda possibilidade interpretativa, ou seja, os saduceus estavam enganados quanto suas próprias escrituras canônicas. Este ponto de vista se coaduna com restante da resposta de Jesus na qual ele retira do próprio Pentateuco (Ex 3:6) um caso que contraria a compreensão dos saduceus em negar a ressurreição dos mortos. Por esta razão, o desconhecimento de suas próprias escrituras, a reposta de Cristo relacionada ao erro saduçaico continua com uma segunda parte, eles também desconhecem o poder de Deus. À luz do contexto, a ressurreição futura, é provável que o poder de Deus esteja relacionado à capacidade divina em trazer os mortos de volta a vida. “A expressão ‘poder de Deus’ obviamente se aplica a habilidade divina de ressuscitar os mortos por ocasião da segunda vinda de Cristo” (MORAES, 2005, p. 96). 3.2 A resposta referente ao casamento e a ressurreição A réplica de Cristo diante da indagação saduçaica adentra a partir de agora num ponto central do texto, a associação do casamento com a ressurreição. Ela começa com uma conjunção coordenativa, ga.r, “porque”, “pois”, “produtor de uma causa ou razão” (DANKER, 1979, p. 189), o que mostra uma relação com sua afirmação anterior, o erros dos saduceus em desconhecer o seu próprio canon e o poder de Deus. Carson (2010, p. 536) sugere que esta partícula mostra que Cristo passa a introduzir uma explicação de “como o poder de Deus se manifestaria [...] na ressurreição”. Todavia, devido à estrutura de ideias paralelas desta seção, é possível também que esta conjunção tenha relação com a declaração anterior de Jesus na qual ele apresentou o erro dos saduceus. Isto pode ser notado porque a primeira parte da resposta de Cristo para o grupo saduçaico constitui-se de duas orações, o seu erro em desconhecer as escrituras e o seu erro em desconhecer o poder de Deus. A seção seguinte da mesma resposta também se desdobra em duas partes, uma explicação sobre o casamento (v. 30) e outra explicação sobre a ressurreição (v. 31) introduzida pela preposição genitiva peri., “a

11 respeito de”, “sobre”, “acerca de” (RUSCONI, 2003). Em outras palavras, há uma relação paralela entre as seções da primeira e da segunda parte da resposta de Jesus. A explicação de Cristo sobre o casamento vinculado à ressurreição (v. 30) tem relação com a o erro dos saduceus em desconhecer suas próprias escrituras canônicas (v. 29a) enquanto que a explicação sobre a ressurreição (vs. 31-32) está relacionada com o poder de Deus (v. 29b). Assim, parece que a declaração inicial de Cristo contida no verso 29 serve de introdução para suas explicações contidas nos versos seguintes. Em vista disto, Cristo continua seu discurso afirmando que “na ressurreição” não há casamento. Aqui o leitor de Mateus se depara com uma oração no caso dativo indicado pela preposição evn, “em”. Para Danker, “os usos desta preposição são muitos e diversificados, e frequentemente tão facilmente confundidos que um tratamento sistemático e estrito é impossível” (1979, p. 326). Por se tratar de uma ocorrência no dativo impessoal, ela possui um “significado teológico na Bíblia como denotando especialmente localidades celestiais” (OPKE, 1964, p. 537). Se este é o caso, então Carson (2010, p. 536) está correto quando afirma que evn mostra que a ressurreição deve ser vista “não como um único evento, mas como uma condição inaugurada pelo evento”, pois ela estaria denotando o início da vida no céu. Isto está em consonância com o texto paralelo de Lucas (20:35) quando ele menciona não ressurreição, mas a “era vindoura” que ela inicia. Não obstante, a despeito disso, por se tratar duma oração que se encontra no dativo, há um limite de espaço e de tempo nos quais os ressurretos estarão nesta condição de não se casarem, e este limite é o céu. Em outros termos, é no céu que os remidos não se casarão e não serão dados em casamento, serão como os anjos6. E neste ponto, uma questão de tradução deve ser revista. As traduções modernas vertem a expressão “no céu” como um complemento do objeto indireto da oração “eles são como os anjos” (“mas eles são como os anjos no céu”). Desta forma, a ideia que brota do texto é que os salvos serão como os anjos que estão no céu, os quais não se casam. Mas por outro lado, se “no céu” for traduzida como predicativo do sujeito “eles”, que está implícito no verbo

eivsin, conjugado terceira pessoa do plural (“mas eles são no céu como os anjos”), então uma das ideias a brotar do texto é que os salvos enquanto estiverem no céu serão como anjos, isto é, não se casariam, o que também estaria de acordo com a acepção que o dativo abrange, o limite de espaço e de tempo ou, de outra forma, um locativo. Esta segunda tradução, embora não adotada pelas traduções modernas, ao que parece, não estaria em desacordo com as regras gramaticais devido ao fato de que a gramática grega não é regida pela posição das 6

A afirmação de Moraes (2005, p. 100) – “ao contrário do que pensam alguns indivíduos, a declaração de Jesus ao céu abrange tanto o período de tempo do milênio [escatologia adventista] quanto da eternidade na Nova Terra” – não é conclusiva, pois embora ele dedique um tópico de seu artigo para falar sobre a referência de Jesus ao céu, ele não explica por qual razão ela deve se estender para o período além do milênio (Nova Terra) no qual os remidos estarão no céu.

12 palavras, como, por exemplo, no português, em orações com predicativos do sujeito, mas pela concordância dos termos que se estabelecem pelo caso, número e gênero no qual as palavras se encontram (SWETNAM, 2002). Além disto, esta proposta de tradução, o vínculo de “no céu” com o sujeito “eles” em vez de com o predicativo “como os anjos”, pode ser preferível pelas seguintes razões: (1) porque a ressurreição inauguraria uma nova era, como diz Lucas (20:35), na qual o remidos estarão no céu; (2) porque a preposição evn quando num dativo impessoal denota lugares celestiais (OPKE, 1964), ambiente no qual os salvos estarão e (3) porque se adéqua ao texto de Lucas que sequer menciona o céu em seu texto. Aliás, no texto lucano a comparação dos ressurretos com os anjos não é estabelecida pela característica dos seres angelicais de não se casarem ou serem dados em casamento, mas pela sua imortalidade inerente o que evidencia mais uma vez que este casamento em questão no debate entre os saduceus e Jesus não é o casamento edênico, mas o casamento levirático que objetivava suscitar descendência ou perpetuar o nome de um falecido. Desta feita, em face destas informações e do contexto da perícope, é admissível que se entenda as palavras de Jesus – “na ressurreição não se casam nem se dão em casamento” – não como fazendo referência ao casamento edênico, mas a lei do levirato, que visava suscitar descendência. Malgrado isto não possa ser conclusivo, também é possível que Mateus intentasse apresentar as palavras de Cristo em conexão com o casamento levirático pelo emprego do verbo game,w, “casar” (STAUFFER, 1964), posto que “sua raiz possivelmente se relaciona com gennaō, ‘gerar’, ‘dar à luz’” (GÜNTHER, 1981, p. 374). Alem disso, é igualmente possível que Jesus estivesse querendo dizer que apenas enquanto os remidos estiverem no céu, uma nova era inaugurada pela ressurreição, é que eles estariam na mesma condição das hostes angélicas. Ou seja, Ele estaria asseverando qual seria o estado dos ressurretos após o evento ressurreição apenas no que tange àquilo que a ela estiver associado, neste caso, a vida no céu. Conclusão Após uma breve revisão na história dos saduceus e como estes se originaram e desenvolveram suas crenças, foi possível notar que sua compreensão no que se relaciona à associação entre o casamento e a ressurreição tem raízes em suas próprias escrituras, única e exclusivamente a Torah. Influenciados, direta ou indiretamente, por assimilação ou por oposição, pelas correntes helenísticas que adentraram nas terras palestinenses em meados do segundo século antes de Cristo, eles, para manterem sua identidade religiosa, procuraram firmar suas convicções apenas nos cinco primeiros livros de Moisés. É provável que esta tenha

13 sido a razão para que em sua visão escatológica eles viessem a rejeitar por completo a doutrina da ressurreição e dos anjos. Todavia, é provável que por esta mesma razão, ter como escritura apenas a lei mosaica, ao abordarem Jesus, eles não estivessem objetivando mostrar base escriturística para o término do casamento edênico, presente no Pentateuco (Gn 1:28-28; 2:22-24), mas sim de apresentar alguma incompatibilidade entre a crença na ressurreição com a regulamentação veterotestamentária. E é neste ponto que o final da resposta de Jesus motiva as multidões a se maravilharem da sua doutrina (v. 33). Ele retirou da própria escritura dos saduceus (Ex 3:6) um texto que subsidiaria a crença na ressurreição posto que Deus não é Deus de mortos, mas de vivos (v. 32). Por esta razão, Abraão, Isaque e Jacó estariam vivos por conta da ressurreição. De igual modo, após um breve estudo sobre a regulamentação a qual os representantes dos saduceus mencionaram a fim de mostrar uma incompatibilidade entre a crença na ressurreição com determinações mosaicas, viu-se que a lei do levirato prescrevia que se irmãos vivessem juntos e um deles morresse sem deixar descendência, um dos sobreviventes deveria tomar por mulher a viúva, e o primogênito desse novo casamento seria considerado legalmente como filho do falecido (Dt 25:5-10). Sua principal finalidade era a de perpetuar o nome da família por meio da procriação. Logo, em vista da pergunta saduçaica ter sido elaborada com base no casamento levirático, então é provável que fosse a este casamento que Cristo estivesse fazendo referência quando disse que “na ressurreição não se casam nem se dão em casamento” (v. 30). Mais uma vez, este raciocínio de Cristo seria outro motivo pelo qual as multidões se maravilhariam da Sua doutrina (v. 33). Numa nova era inaugurada pela ressurreição na qual a morte deixaria de existir, um casamento que objetivasse apenas a perpetuação de um nome ou a suscitação de descendência a algum falecido, de fato, seria irrelevante. Ademais, uma vez que o costume do levirato provavelmente tenha sido importado de outros povos, ao contrário do casamento edênico que fora instituído por Deus, seria de se esperar que por ele ter sido apenas regulamentado e não instituído, também viesse a ter um fim num ambiente no qual esta regulamentação não se fizesse mais necessária. Esta posição pode encontrar mais fundamentação quando vista a partir de uma análise das

palavras

de

Jesus

em

sua

resposta

ao

desafio

proposto

pelos

saduceus.

Etimologicamente, é possível que ao afirmar que na ressurreição os salvos não se casariam, Mateus estivesse visando conectar este casamento ao levirato por meio do emprego do verbo

game,w, “casar”, cuja raiz pode significar “gerar”, “dar a luz”. Entretanto, isto ainda é hipotético visto que o uso do verbo game,w e de seus derivados é bastante diversificado no Novo Testamento tendo um campo semântico mais amplo e de difícil definição. Não obstante, também é igualmente possível que ao fazer uma referencia ao céu, Jesus estivesse desejando

14 mostrar que os remidos estariam na mesma condição angélica, isto é, não se casariam, apenas enquanto estes estivessem no céu. Isto pode encontrar fundamento no fato de que a afirmação de Cristo está construída no caso dativo, do qual uma das acepções é a ideia de locativo, o que estabelece um limite geográfico-temporal para a comparação com a condição angelical. Em outras palavras, o evento ressurreição inauguraria a condição celestial dos remidos e seria apenas esta condição que teria paralelo com o estado dos anjos. Assim, uma projeção dessa condição para a Nova Terra, uma era que se iniciará após o milênio na visão escatológica adventista, pode constituir-se numa infração exegética. Por fim, com base nas conclusões obtidas deste estudo, os pressupostos adotados pelos interpretes modernos ao lidarem com esta passagem, seja quanto à natureza do texto (é o casamento edênico), ou quanto ao o seu escopo (é a condição do casamento após a ressurreição), tendem, parcialmente, a não se sustarem quando analisados à luz de um estudo exegético da perícope em questão. O primeiro pressuposto parece não se coadunar com a asserção de Jesus de que “na ressurreição não se casam e não se dão em casamento” posto que este casamento não é o casamento edênico, mas o casamento levirático. No que concerne ao segundo pressuposto, o escopo das palavras de Jesus, conclui-se que este texto sinótico o sustenta, desde que ele tenha como limite apenas o estado dos ressurretos no céu, inaugurado pelo evento ressurreição, visto que a declaração de Jesus se encontra num dativo locativo. Portanto, o uso hermenêutico que autores modernos fazem desta passagem está parcialmente correto, ou dependendo da perspectiva, parcialmente errado.

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