O caso da Perda de controle: uma falha da racionalidade instrumental ou uma falha de ortonomia?

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Caroline Izidoro Marim, UFRJ, [email protected] Doutoranda do programa de pós­graduação em Filosofia da UFRJ, Área: Filosofia Prática.  Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Clara Dias. O caso da Perda de controle: uma falha da racionalidade instrumental ou uma falha  de ortonomia? I. Racionalidade instrumental e ortonomia Se  toda  ação  é  motivada  por  um  desejo,  como  é  possível  que  os  nossos  desejos  estejam alinhados com nossas crenças? Podemos ou não exercer o autocontrole? De  acordo  com  a  perspectiva  cognitivista  de  Michael  Smith1,  a  perda  de  controle  pode  estar  relacionada  a  falta  de  racionalidade  instrumental,  i.e.,  falta  da  capacidade  de  satisfazer  nossos  desejos  dadas  as  nossas  crenças;  ou  falta  de  ortonomia2,  i.  e.,  falta  da  capacidade de agir de acordo com nossas razões normativas. Assim, imagine uma situação  na qual um agente, chamado João, que gosta de chocolate, ganha da namorada, Maria, uma  caixa  de  bis.  Eles  começam  a  comer,  mas  não  conseguem  parar.  Contudo,  João  em  um  determinado  momento  diz  que  eles  precisam  parar  de  comer  senão  eles  podem  ficar  doentes.  E  Maria  diz  que  então  ela  vai  comer  o  último  bis  e  assim  eles  podem  parar  de  comer.  Mas  eles  não  param  e  comem  mais  um  e  mais  um.  Quando  João  grita  que  eles  precisam de força de vontade. Maria pergunta: o que é força de vontade? E João responde  que é tentar fortemente não fazer algo que você realmente quer fazer.  O  exemplo  dado  pode  ser  analisado  de  dois  modos.  Primeiro  como  um  caso  de  irracionalidade  instrumental  e  segundo  como  uma  falta  de  ortonomia.3  Há  dois  desejos  intrínsecos:  a)  ser  saudável;  b)  ter  prazer  imediato  e  dois  desejos  extrínsecos  que  os  acompanham:  a)  comer  mais  bis;  b)  não  comer  mais  bis.  Se  eles  são  instrumentalmente  plenamente  racionais  e  o  desejo  intrínseco  de  ter  saúde  for  mais  forte  do  que  o  prazer  imediato,  eles  parariam  de  comer  mais  bis,  pois  o  desejo  intrínseco  seria  seguido  do  1 Smith, M. Ethics and the A Priori: selects essays on moral psychology and meta­ethics. Cambridge  University Press, 2004. 2 A ortonomia é um tipo de racionalidade distinta da mera racionalidade instrumental, pois é uma capacidade  de formar desejos de acordo com as razões normativas. 3 No primeiro eles não têm controle e no segundo eles estão perdendo o controle. 1

respectivo desejo extrínseco de não comer mais bis. Mas, caso lhes faltasse a racionalidade  instrumental,  eles  não  conseguiriam  parar  de  comer,  pois  falta  a  capacidade  de  autocontrole. Segundo, se eles são instrumentalmente plenamente racionais e tem apenas o  desejo intrínseco de ter prazer imediato, eles têm a capacidade, mas estão fora de controle e  quando  João  diz  que  eles  deveriam  parar  de  comer  porque  eles  ficarão  doentes,  ele  está  apresentando  uma  justificativa  para  parar  de  comer,  ele  está  tentando  exercer  o  autocontrole, mas não consegue. Se eles são instrumentalmente plenamente racionais tout  court4,  eles  têm  uma  razão  normativa  compelindo­os  a  agir  de  certo  modo  em  certas  circunstâncias,  mas  eles  não  conseguem  exercer  essa  capacidade  e  por  isso  é  um  caso  de  falta de ortonomia. O agente ortônomo é aquele cujos desejos estão alinhados com as razões normativas  que ele teria se fosse plenamente racional, isto é, quando seus desejos igualam em conteúdo  e  força  aos  desejos  que  ele  teria  se  fosse  plenamente  racional.  A  ortonomia  pode  ser  dividida em duas partes: 1) o agente tem crenças verdadeiras sobre suas razões normativas;  2)  o  agente  deseja  fazer  o  que  ele  acredita  (verdadeiramente)  ter  razões  normativas  para  fazer. Por isso, no exemplo dado, João e Maria manifestam uma falta de ortonomia porque  seus desejos intrínsecos fortes deveriam ser um desejo de ser saudável, não um desejo de  prazer imediato e seu desejo extrínseco deveria ser um desejo de não comer mais bis. Essa  interpretação é chamada de “natural”, pois normalmente nos vemos diante dessa situação,  na qual não temos o desejo para agir do modo que julgamos ter uma razão normativa nos  compelindo para agir. Mas, como não falhar em exercer a capacidade de autocontrole, i.e., como exercer a  capacidade  de  ortonomia?  João  e  Maria  devem  tentar  exercitar  o  autocontrole  de  dois  modos: autocontrole diacrônico e o sincrônico. Considerando dois tempos diferentes T1 e  T2. No exercício de autocontrole diacrônico, no tempo T1, o agente estaria na condição de  se perguntar o que ele mais quer fazer e a resposta pode ser que ele quer assegurar que no  momento T2 ele não perca o controle. Nesse caso, se ele não está fora de controle no tempo  T1, ele pode exercer o autocontrole diacronicamente, prevendo as circunstâncias da ação no  4 Tout court significa que os agentes são CRI + conhecem tudo dos fatos relevantes, i. e., o agente esta  completamente informado. O conjunto de desejos sem limitações cognitivas e racionais é o conjunto de  desejos “maximamente informado, coerente e unificado” tal como foi proposto por Bernard Williams em  Moral Luck. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.

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tempo  T2,  de  modo  a  remover  a  possibilidade  de  perder  o  controle.  Assim,  João  coloca  como  desejo  mais  forte,  não  perder  o  controle,  i.e.,  não  comer  mais  bis  e  para  isso  cria  algumas possibilidades para que o desejo de comer bis não seja forte, como, por exemplo,  pedir à namorada para não comprar bis, ou colocar a caixa em um lugar longe do alcance.   Contudo,  não  há  contradição  porque  os  desejos  estão  em  momentos  diferentes,  sendo  possível  que  o  desejo  do  tempo  T1  se  sobreponha  ao  T2.  Nos  casos  de  autocontrole  diacrônico  os  agentes  estão  tentando  não  fazer  o  que  eles  realmente  querem  fazer,  eles  querem que o desejo forte não seja agir de acordo com o seu desejo forte de comer bis, que  pode surgir em T2.5  Considerando T1 e T2 como um mesmo tempo, fica difícil exercer o autocontrole,  pois há uma contradição em desejar comer mais bis e não desejar comer mais. Contudo, se  mesmo  diante  da  forte  tentação  de  comer  bis  em  oposição  ao  fraco  pensamento  de  ter  saúde, eles estiverem dispostos ao mesmo tempo de ter certos pensamentos como o de que  o bis é um amontoado de gordura que ficará revirando seus estômagos e não uma causa de  prazer,  talvez  eles  possam  exercer  o  autocontrole.  E  supondo  que  o  efeito  de  ter  tais  pensamentos é que João e Maria se encontram desejando, extrinsecamente não comer mais  nenhum bis. Assim se seus desejos intrínsecos de ter saúde combinarem com suas crenças  de que se eles comerem mais bis eles ficarão doentes, isso produziria um desejo intrínseco  de não comer mais bis, mesmo que antes eles o desejassem.6 Portanto, nesse caso, João e  Maria seriam capazes de exercer autocontrole sincrônico, pois mesmo estando vulneráveis  a perder o controle eles o exercem por ter tais pensamentos. Para  Smith,  o  autocontrole  não  é  uma  ação,  mas  uma  atividade,  que  tem  como  matéria certos tipos de pensamentos. Ele considera que certos pensamentos podem não ser  uma ação. Assim, o exercício de autocontrole sincrônico é exigido porque a racionalidade  demanda que nossos desejos se alinhem com nossas crenças sobre o que nós temos como  razões normativas para fazermos, ou seja, temos o dever da coerência racional. Mas pensar  que  nossos  desejos  devem  estar  alinhados  com  nossas  crenças  pode  falhar,  porque  nem  sempre pensamentos de que bis é um amontoado de gordura podem se conectar aos desejos  intrínsecos  para  saúde.  Isso  é  contingente;  os  mesmos  pensamentos  podem  funcionar  de 

5 Smith (2004); p. 79. 6 Ibidem. 3

maneira  diferente  para  os  mesmos  agentes  em  circunstâncias  diferentes  e  também  podem  funcionar de modo diferente para outros agentes. João  e  Maria  podem  exercer  o  autocontrole  sincrônico  a  favor  da  ortonomia,  principalmente se eles estão dispostos a ter pensamentos vividos sobre o que constitui boa  saúde  no  momento  em  que  eles  estão  dispostos  a  satisfazer  seus  desejos  de  comer  bis.  O  fato deles, hipoteticamente, ter tais pensamentos seria suficiente para reabilitar um desejo  intrínseco  prioritário  para  ser  saudável.  Essa  disposição  de  ter  tais  pensamentos  na  hora  certa, de ter pensamentos que podem nos causar a ter desejos que se comparam ao conteúdo  e força dos desejos que nós teríamos se fossemos completamente racionais, funciona como  um  mecanismo  de  ajuda  para  os  agentes  serem  ortônomos,  mesmo  no  momento  de  uma  possível  falha.  Ter  essa  capacidade  de  aprender  constitui  a  capacidade  de  autocontrole  sincrônico  a  serviço  da  racionalidade  instrumental.  Se  João  e  Maria  possuem  essa  capacidade,  eles  de  fato  podem  tentar  fortemente  não  fazer  o  que  eles  mais  querem  fazer  naquele momento. E nesse caso, não há contradição, pois a ação não precisa ser explicada  por  um  desejo,  mas  pode  ser  uma  matéria  de  certos  pensamentos  sobre  bis.  Isso,  então  constitui parcialmente nossa capacidade de autocontrole sincrônico a serviço da ortonomia.  Eles  podem  ter  pensamentos  sobre  boa  saúde  ao  mesmo  tempo  em  que  eles  estavam  dispostos a atacar os bis, e assim parar de comê­los. Contudo, mesmo que João exerça o autocontrole sincrônico, ele pode duvidar de sua  capacidade de permanecer do mesmo modo no futuro, pois ele pode se sentir infeliz com a  idéia  de  simplesmente  colocar  os  bis  na  geladeira,  ou  colocá­los  mais  alto,  longe  de  seu  alcance.  Mesmo  exercitando  o  autocontrole  sincrônico,  ele  exercita  o  diacrônico  e  essa  estratégia  parece  boa,  mas  mesmo  que  ele  crie  pensamentos  e  modos  de  não  comer  mais  bis, ele pode permanecer fora de controle, quando Maria, incapaz de autocontrole, mina sua  tentativa de autocontrole diacrônico, ao ir para casa fazer um bolo.   II. Capacidades racionais e desejo Como o autocontrole se relaciona aos casos de negligência, fraqueza da vontade e  compulsão?  Suponha  que  uma  mulher  intencionalmente  bebe  uma  cerveja  e  que  em  um  contexto  avaliativo,  ela  não  deve  beber  outra  cerveja  porque  ela  será  incapaz  de  cumprir 

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algumas  de  suas  obrigações.  Essa  situação  pode  ser  descrita  de  três  modos:  1)  casos  de  negligência; 2) fraqueza da vontade; e 3) casos de compulsão.7 No  caso  de  negligência,  a  mulher  sabe  que  o  que  ela  está  fazendo,  mas  aceita  as  conseqüências.  Sua  escolha  é  beber  ou  arriscar  a  beber.  Ela  age  de  acordo  com  seu  julgamento. No caso da fraqueza da vontade, a mulher sabe que beber mais uma cerveja é  contrário a seu melhor julgamento e nesse caso, a explicação para essa falta de autocontrole  é que ela tem uma vontade fraca. No caso de compulsão, ela sabe que beber é contrário ao  seu melhor julgamento, mas ela é vítima de um desejo compulsivo (irresistível) de beber.8  Nos casos de negligência, os agentes são movidos por crenças avaliativas “erradas”,  i.e.,  crenças  que  negam  ou  contradizem  outras  crenças  avaliativas  endossadas,  noutras  ocasiões,  pelos  mesmos  agentes.  Assim,  uma  mulher  que  vê  na  abstenção  de  beber  um  valor, “esquece” momentaneamente este valor e é guiada pela crença avaliativa que beber,  nas circunstâncias em que ela se encontra, é bom. A suposição, feita por Smith, é que ela  poderia ter formado a crença correta (não beber). Ela tem a capacidade racional de formar  crenças.  Ocorre  que  ela  não  exerceu  a  capacidade  em  questão.  Nos  casos  de  fraqueza  da  vontade,  o  agente  de  vontade  fraca  é  concebido  como  alguém  que  não  tem  o  desejo  adequado  aos  seus  juízos  avaliativos.  Ela  poderia  ter  formado  seus  desejos  em  harmonia  com suas crenças avaliativas, pois tem a capacidade racional de alinhar seus desejos e suas  crenças  avaliativas,  mas  ela  não  exerce  essa  capacidade.  Ao  contrário  disso,  o  agente  compulsivo tem o desejo errado, mas não por uma falha na capacidade racional de alinhar  desejos a crença avaliativa, mas porque não tem essa capacidade.

7 Distinção feita por Watson, Gary. “Skepticism about Weakness of Will”, in The Philosophical Review, 86  (1977): 316­39, apud Smith, p. 114. 8 Negligência (Reckless) – problema com a crença: ­ age de acordo com o seu melhor julgamento, mas ele é problemático; ­  tem  a  capacidade,  mas  falha  ou  porque:  a)  perdeu  a  capacidade  de  avaliar  as  evidências;  b)  possui  a  capacidade, mas sua crença foi produto de auto­engano. Fraqueza (Weakness) – problema com a capacidade: ­ age contrário ao seu melhor julgamento; ­ o problema é que tem o desejo de refrear, mas não consegue e por isso falha em exercer sua capacidade,  falhando assim em agir de acordo com a crença.  Compulsão (Compulsion) – problema com o desejo: ­ age contrário ao seu melhor julgamento, mas ela é vítima de um desejo compulsivo (irresistível) de beber; ­ nesse caso não desejou refrear.

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Portanto, no caso do negligente, o agente tem pleno controle do que faz e por algum  engano repreensível no seu julgamento não faz o que seria o certo na situação descrita. No  caso da fraqueza da vontade, o agente cede a um desejo sabendo que repeti­lo seria mais  desejável,  deste  modo,  ele  tem  controle,  mas  não  o  exerce.  No  caso  do  compulsivo,  o  agente é compelido quando está literalmente fora de controle agindo movido por um desejo  irresistível. A motivação para Smith é composta de crenças avaliativas (o que um agente deveria  fazer)  +  a  tendência  a  coerência  (capacidade  racional)  que  geram  ()  o  desejo  correspondente  (de  fazer  A).  Vale  ressaltar  que  esse  modelo  é  diferente  do  modelo  humeano no qual a crença9 mais o desejo10 geram motivação. O modelo de Smith inclui a  capacidade  racional,  que  é  a  tendência  a  coerência.  Ele  quer  colocar  as  crenças  e  desejos  como produto de uma capacidade racional, sendo assim o modelo proposto, no qual insere  as crenças avaliativas, torna claro como e porque desejos devem e podem ser o produto da  capacidade  racional.11  O  par  de  estados  psicológicos  mais  coerente  é  aquele  no  qual  a  crença avaliativa (“beber não é desejável”) está conectado ao desejo de não beber12, pois  há  desequilíbrio  ou  falha  de  consistência  ao  acreditar  em  algo  e  não  desejar  agir  deste  modo.  É  incoerente  agir  de  um  modo  que  o  próprio  agente  repudia,  isto  não  faz  sentido,  dados os restantes dos seus desejos. Desse modo, a coerência parece estar ao lado do par  que  inclui  tanto  a  crença  da  mulher  de  que  ela  deseja  se  abster  de  beber,  em  certas  circunstâncias de ação, e o desejo de se abster de beber. Se ela é racional, no sentido de ter  9 Crença ­ estado psicológico, que entre outras coisas é sensível a evidência. Agentes racionais têm, portanto,  a capacidade de revisar suas crenças à luz da evidência e das relações semânticas com outras crenças. 10 Desejos (Hume) ­ “existências originais”, estados psicológicos não sensíveis a considerações racionais de  qualquer tipo. Para Smith essa descrição humeana de desejo é radicalmente equivocada. Desejos (Smith) – pode ser um produto de uma capacidade racional. Está relacionado às crenças avaliativas  (crença  sobre  desejos).  Eles  não  são  gerados  por  uma  cognição  pura,  mas  isto  não  significa  que  não  se  relacionam  a  uma  cognição  (eles  podem  ser  racionalmente  justificados).  Há  uma  relação  entre  desejo  e  crenças avaliativas.  11 O conteúdo da crença avaliativa, de que uma ação é desejável, é dado a partir de um conselho que o agente  dá a si mesmo em condições ideais, ou seja, são as razões normativas sob as quais em condições de plena  racionalidade o agente desejaria. O conteúdo de tal conselho é fixado pelos conteúdos dos desejos que o  agente dá a si mesmo se seus estados psicológicos tiverem sido purgados de todas as limitações cognitivas e  falhas racionais. (Smith apresenta o modelo do conselho em substituição ao modelo do exemplo dado por  Korsgaard. Essa discussão é tratada no cap. 1, p. 17­39.). Resumindo: a ação é desejável + crença de que ela é  aconselhável + a crença de que eu quero agir assim tendo um conjunto de desejos que foi purgado de todas as  limitações cognitivas e falhas racionais. Ou seja, a ação desejável é aquela em que seu eu racional desejaria  que você (não plenamente racional) realizasse. 12 E não o Par 2 de Estados psicológicos – crença avaliativa (“beber não é desejável”) + desejo de beber.

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a  capacidade  de  ter  estados  mentais  requeridos  pela  coerência,  então,  pelo  menos  quando  essa  capacidade  é  exercida,  ela  acabará  tendo  um  desejo  que  se  alinha  a  sua  crença  avaliativa.  Em  outras  palavras,  ela  acabará  perdendo  seu  desejo  de  beber  e  adquirindo  o  desejo de se abster de beber, se ela for racional.  A  crença  avaliativa  parece  assim  capaz  de  causar  nela  a  aquisição  de  um  desejo  correspondente quando opera em conjunção com a capacidade de ter estados psicológicos  coerentes,  como  vimos  nos  casos  de  ortonomia.  Ou  seja,  a  crença  avaliativa  é  capaz  de  causar  um  desejo  correspondente,  quando  opera  em  conjunção  com  a  capacidade  de  ter  estados  psicológicos  coerentes.  Assim,  no  caso  da  mulher  fraca,  ela  falhou  em  exercer  o  autocontrole; ela falha na sua capacidade de desejar de acordo com sua crença avaliativa,  de alinhar os desejos coerentemente e esta é a explicação ao fato de que ela bebe. No caso  da mulher compulsiva, ela tem o desejo de beber, mas não desejou refrear, assim faltou a  capacidade  de  ter  esse  desejo  de  refrear,  apesar  da  coerência  requerer  esse  desejo  dela.  Portanto,  a  mulher  fraca  poderia  e  a  mulher  compulsiva  não  poderia  ter  resistido  ao  seu  desejo de beber, isto é, a primeira poderia exercer o autocontrole, enquanto a segunda não.  A  mulher  fraca  falha  em  exercer  a  capacidade  de  desejar  de  acordo  com  sua  crença  avaliativa e essa falha explica o fato dela beber, mas nós temos que ter cuidado em não nos  acharmos  capazes  de  explicar  em  todas  as  circunstâncias  porque  ela  falhou.  Porque  ela  pode  se  imaginar  em  circunstâncias  nas  quais  uma  criança  a  vê  beber  e  ao  avaliar  as  conseqüências dessa situação isso pode realmente alterar seu desejo.  III. Considerações finais  O  objetivo  desse  artigo  foi  mostrar  como  e  se  é  possível  que  os  nossos  desejos  estejam alinhados com nossas crenças. E, se a exigência de que nossos desejos se alinhem  com  nossas  crenças,  sobre  o  que  nós  temos  como  razões  normativas  para  fazer  o  que  devemos, é apenas uma exigência de coerência racional ou se é realmente uma demanda de  nossa racionalidade. Mas, como podemos saber se o desejo intrínseco de João de ter saúde  é mais forte ao exercer o autocontrole sincrônico? Ter uma razão normativa para querer ser  saudável, não implica necessariamente uma razão motivacional. Ser saudável é contrário ao  prazer?  Para  Smith  certos  desejos  podem  ser  o  produto  de  desejos  antecedentes,  mas 

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também  de  convicções  e  de  certas  capacidades,  que  podem  estar  entre  os  antecedentes  causais  da  ação.  Mas,  para  Hume  os  desejos  têm  um  aspecto  qualitativo  diferente  das  convicções,  eles  não  são  sensíveis  a  quaisquer  considerações  racionais,  assim  parece  inconsistente  uma  defesa  que  se  apresenta  como  neo­humeana,  onde  os  desejos  estão  atrelados às crenças avaliativas (crenças sobre desejos), mesmo que eles não sejam gerados  por  uma  cognição  pura,  como  defende  Smith.  E  do  mesmo  modo,  se  consideramos  uma  posição  humeana,  não  existem  casos  de  fraqueza  da  vontade,  já  que  o  problema  não  é  a  ausência de autocontrole, mas a ausência do desejo de refrear, i.e., a ausência do desejo de  não beber. Referências bibliográficas Hume, David. A Treatise of Human Nature. Edit by David Fate Norton and Mary J. Norton.  Oxford: Oxford University Press, 2000. Smith,  M.  Ethics  and  the  A  Priori:  selects  essays  on  moral  psychology  and  meta­ethics.  Cambridge University Press, 2004. Watson,  Gary.  “Skepticism  about  Weakness  of  Will”,  in  The  Philosophical  Review,  86  (1977): 316­39. Williams, B. Moral Luck. Cambridge: Cambridge University Press, 1981.

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