O caso do edifício republicano do Castelinho dos Mouros (Alcoutim) – Um exemplo de arquitetura mediterrânica no Baixo Guadiana?

July 14, 2017 | Autor: Gerald Grabherr | Categoria: Roman Villae, Mediterranean archaeology, Roman Architecture, Castellum Republicano, Algarve Romano
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Alexandra Gradim Câmara Municipal de Alcoutim. [email protected]

Gerald Grabherr1, Barbara Kainrath2, Karl Oberhofer3 , Thomas Schierl4 e Felix Teichner5 Universidade de Innsbruck – Áustria. (1) [email protected], (2) [email protected], (3) [email protected] (4) Universidade de Bonn – Alemanha. [email protected] (5) Philipps Universität Marburg – Alemanha. [email protected] Palavras-chave castellum, romano, republicano, fortificação 1. Introdução Quando em 2007 se encarou a possibilidade de constituir uma equipa internacional com vista ao desenvolvimento de um projeto de investigação no sítio do Castelinho dos Mouros no concelho de Alcoutim (Algarve), o que subsistiu foi a perspetiva de aprofundar a análise sobre um tema tão atrativo quanto complexo como é a questão do processo de romanização, com as persistências e alterações nas formas de ocupação do território durante a fase de implantação romana na Península Ibérica. Neste panorama, os edifícios fortificados, inicialmente denominados “castella”, tem constituído nas últimas quatro décadas um elemento fulcral no debate científico sobre a tipologia e funcionalidade destas construções em estreita relação com o processo de ocupação romana. A identificação do presente sítio arqueológico como fortaleza romana ocorreu na década de 70 (da anterior centúria), no âmbito de trabalhos de prospeção realizados por Manuel Maia (Maia, 1974a, 1974b e 1978). Trinta e quatro anos mais tarde, em 2008, a Câmara Municipal de Alcoutim, a Universidade de Innsbruck, na Áustria, e a Universidade de Frankfurt am Main, na Alemanha, uniram esforços e encetaram um plano de trabalhos que abrangeu, inicialmente, um programa plurianual de quatro anos (PNTA 2008-2011) e que finalizou em 2013 com uma intervenção já apenas liderada pelo município de Alcoutim e a universidade austríaca. O quinquénio de escavações realizadas estendeu-se ao largo de 561,17m2 no topo de um cerro alcantilado na margem direita do Guadiana, a cerca de 7km a Sul da vila de Alcoutim. Os trabalhos revelaram um sítio de ocupação romana republicana com uma área monumental composta por um edifício central secundado, numa plataforma inferior, por edifícios integrados num terraço amuralhado. O conjunto preservado distribui-se por uma área de 483,98m2.

Fig. - 1 – Modelo digital da área monumental sobre levantamento topográfico

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2. A arquitetura do edifício fortificado e os seus aspetos construtivos O edifício central do Castelinho dos Mouros foi construído no cume de um cerro, tendo sido selecionado o ponto mais alto, com uma cota de 32m de altura (acima do nível do mar), para aí se edificar a fachada norte, orientada paralelamente ao rio Guadiana (Fig. 1). O perímetro deste núcleo central apresenta uma configuração retangular irregular com algumas particularidades, como os cantos arredondados nos extremos noroeste e nordeste. Neste espaço central é patente a simetria arquitetónica do piso térreo composto por quatro secções longitudinais, separadas por três paredes-mestras. No seu interior, os trabalhos efectuados e cujos resultados foram já parcialmente publicados (Gradim et al, 2010, 2014) identificaram oito compartimentos. A secção localizada a Oeste é composta por dois compartimentos. No extremo norte, numa área profundamente afetada por trabalhos ilícitos ocorridos em finais da década de 30, inícios da de 40 do século passado, foi construído um espaço quadrangular irregular (1,90x1,85m) que é desprovido de qualquer tipo de entrada, não tendo deste modo nenhuma ligação com o outro compartimento que se prolonga para Sul e que é um dos mais extensos (7,20x1,85 m). Esta zona do edifício deverá ter sido utilizada para armazém, como parece indicar a sua vasta área interior aliada ao facto de aqui ter sido recuperado um elevado número de fragmentos cerâmicos, sobretudo de contentores anfóricos, mas igualmente de louça de mesa (paredes finas e campaniense) e alguns potes. A reforçar esta ideia verifica-se a total ausência de ligação à parte central, tornando-se o acesso a esta ala oeste apenas possível através de um piso superior, com recurso a uma escada que, tudo indica, assentaria sobre o compartimento mais a Norte. Nas duas secções que compõem a parte central existem cinco compartimentos, dois deles com corredores (um em cada uma destas seções centrais). O corredor mais Ocidental e estreito, localizado na parte norte da secção que sucede à acima descrita, teria como função o acesso ao piso superior através de uma escada provavelmente móvel, uma vez que nas paredes preservadas, com mais de 2m, não se encontrou qualquer indício da fixação de degraus. Esta secção contempla na parte sul a primeira entrada para o edifício, ao qual se acedia através de um pequeno compartimento de configuração retangular. No canto nordeste deste compartimento, uma porta com 1m de largura permitia a passagem ao compartimento com corredor e restantes compartimentos da zona central. No extremo este, a última seção é preenchida por apenas um compartimento, o maior do edifício central. Em perfeita simetria com a ala oeste, evidencia igualmente um total isolamento em relação ao restante, o que, em conjunto com a inexistência de qualquer entrada do lado exterior, obrigava a

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que o acesso se efetuasse a partir do primeiro andar de forma descendente, tal como sucede no lado oposto. A hipótese da existência de pisos superiores delineou-se não só com base no acima descrito, como se impôs perante a verificação do volume de derrubes registados no interior dos compartimentos escavados o que, aliado à altura máxima de 2,35m dos muros preservados, aponta para um edifício que poderia possuir mais dois pisos e atingir uma altura de aproximadamente 10m. Peculiar no seu modelo arquitetónico é sem dúvida a entrada para o edifício. Numa primeira fase, será construída uma porta descentrada, localizada no extremo sudoeste do edifício, que virá posteriormente a ser entaipada e transferida para a zona noroeste, onde foi construído um conjunto de rampas paralelas que permitia o acesso a esta nova porta de entrada. O primeiro acesso era efetuado pelo nível inferior do cerro, no canto noroeste da muralha que delimita o terraço que albergava as estruturas auxiliares exteriores. O desnível vencia-se com recurso a uma escada de orientação radial/circular, composta por 11 degraus de dimensões variáveis e cuja base foi construída diretamente na rocha natural. O edifício prolonga-se para Sul numa plataforma adjacente e de cota inferior que foi cortada no seu extremo sul pela construção da estrada municipal EM 507 durante a década de 80 do século precedente (Fig. 1). Esta interferência no terreno ocasionou a destruição parcial da muralha exterior, sendo impossível precisar o seu término. A erosão originada por esta perturbação foi igualmente responsável pela destruição parcial das estruturas edificadas neste terraço amuralhado, pertencentes a duas fases construtivas. O espaço exterior composto por este terraço amuralhado teria originalmente mais de 300m2, área bem superior à do próprio edifício principal que, mesmo incluindo as rampas de acesso na parte norte, pouco ultrapassaria os 250m2. No seu interior foram edificados pelo menos dois edifícios, um no seu canto nordeste, adossado ao pano exterior do edifício central e em estreita ligação às escadas que lhe dão acesso, e um outro, independente, construído na periferia, provavelmente adossado à muralha sudoeste do terraço. O primeiro compartimento de contorno retangular possui uma porta descentrada, localizada tendencialmente no lado sudoeste da fachada sul. Neste anexo não se recolheu durante a escavação do seu interior qualquer evidência que pudesse clarificar a sua função, sendo certo que, pelo seu posicionamento, deverá tratar-se de um edifício secundário eventualmente relacionado com a exploração agrícola ou comercial a que certamente se dedicavam os seus habitantes. O segundo compartimento encontra-se muito destruído, restando apenas o canto nordeste, devido à erosão que o terreno sofreu no extremo oeste e ao corte do cerro, a Sul. A conservação de uma lareira no seu interior, com dois níveis, pressupõe a utilização deste compartimento como cozinha do edifício. Este edifício evidencia igualmente uma fase anterior que se materializa nos restos dos muros que aqui foram identificados. Em termos construtivos, toda esta plataforma artificial que constitui o terraço amuralhado e que se estende para Sul do edifício principal foi elevada através da construção maciça de dois níveis de enchimento (o último dos quais formado por pedras de grande dimensão e com uma altura previsível de vários metros) onde assenta um pavimento de terra bem compactada. Por sua vez, o modus operandi empreendido no edifício central apresenta soluções díspares, recorrendo a alicerces no lado interior dos muros de vários compartimentos, mas utilizando camadas de enchimento por vezes menos espessas mas mais comprimidas sob os pavimentos de terra batida, os quais chegam a sobrepor-se diretamente sobre o geológico, nalguns casos. A utilização de grandes pedras é um recurso mais pontual, como, por exemplo, para colmatar uma fossa do geológico existente num dos compartimentos centrais.

A construção das paredes exteriores e divisórias interiores, de menor largura, possui fundações erguidas diretamente sobre o geológico composto por grauvaque e xisto. Esta matériaprima foi igualmente utilizada para o talhe dos blocos de dimensão variável e forma irregular que serão posteriormente empregues no assentamento das fiadas horizontais, cujo ligante será a terra. Em alguns trechos da muralha exterior, como no paramento este, é usado um cuidado e belo aparelho de tonalidade cinzenta e ocre, onde os blocos facetados na face visível, de média e grande dimensão, articulam com outros bem menores que servem de calços, reforço de ligações e remates. No tocante às coberturas, é provável que o material usado fosse o xisto, pois verificou-se uma total ausência de vestígios de tégulas ou imbrices. Tanto mais que a identificação de um conjunto de placas de xisto, na sua maioria muito fragmentadas, que indiciam constituir os restos do abatimento do telhado antigo ocorrido na fase de destruição/abandono da construção, encontradas em nível precedente ao do chão de terra de um dos compartimentos centrais, vem reforçar esta tese.

3. O Castelinho dos Mouros e a sua integração histórica O conjunto de dados recolhidos na investigação arqueológica efetuada e a análise do espólio exumado no conjunto monumental, uma boa parte do qual em níveis de derrubes do edifício, permitiram identificar a ocupação romana deste espaço em período republicano. O Castelinho dos Mouros integra um conjunto material exíguo em objetos de metal. Os raros e pontuais que foram encontrados não forneceram qualquer tipo de dado cronológico que auxiliasse na datação da construção. Ao nível da cerâmica, o seu universo revelou-se bem mais vasto e diversificado, sendo as presenças anfóricas aquelas que pela sua quantidade e representação mais significado cronológico e económico aportam. O conjunto anfórico recolhido, composto por algumas dezenas de fragmentos de bordos, fundos e asas, atesta uma evidente supremacia das ânforas importadas (italianas e sobretudo da costa Ulterior/Baetica), sobre as de produção local, refletindo naturais ligações fluviais com a costa mediterrânica e tendo a baía de Cádis como o seu maior centro abastecedor. O tipo anfórico mais representado, com 28 indivíduos, são as ânforas conhecidas por Mañá-Pascual, integradas nas séries 11 e 12 de Ramón Torres. São contentores de preparados piscícolas cuja produção e comercialização recua a finais do século VI a.C. até à segunda metade do século I a. C. (Santos, 2009; Sáez, 2014). Registaram-se igualmente três ânforas de tipo Carmona/Ramon Torres 8.2.1.1. Mais polémica é a matériaprima do seu conteúdo, prevalecendo a dúvida entre preparados de peixe ou produtos oleícolas e/ou vinícolas da Campina Gaditana (Filipe, 2010: 63), que foram produzidos e comercializados entre a primeira metade do século IV e finais do século II a.C. (400-100/75 a. C) (Sáez, 2014). Indiciando, muito provavelmente, a importação e consumo de vinho, registaram-se sete ânforas Haltern 70 (Classe 15) enquadráveis desde 60 a.C. até à primeira metade do séc. I. O exemplar lusitano de tipo Castelinho 1 foi produzido desde o segundo quartel do século I a. C., desaparecendo entre o final do século I e inícios do II. As ânforas itálicas estão representadas com as Dressel 1, principais contentores por excelência do comércio vinícola em período tardo-republicano e comuns em sítios com ocupação do séc. I a.C. Em associação a este conjunto anfórico recolheram-se fragmentos de cerâmica de paredes finas e de campaniense (pequenos e raros), além dos de cerâmica comum, verificandose uma total ausência das sigilatas. Este panorama material aponta para uma ocupação do edifício republicano desde finais do séc. II a.C./inícios do I a.C. até às últimas décadas que antecederam o início da nossa era.

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4. O edifício republicano no contexto peninsular e os modelos mediterrânicos Esta arquitetura romana de aspeto fortificado insere-se num conjunto de realidades semelhantes, mas particulares, que começou a ser explorado no sul peninsular pelo menos desde os anos 70 do século passado. Com exemplos conhecidos, quer na Andaluzia, quer na Estremadura espanhola, estes complexos edifícios parecem concentrar-se em Portugal sobretudo em dois grupos maioritários, um abrangendo o Alto e Baixo Alentejo e um outro que cobre a área sudeste do Algarve. As suas balizas cronológicas cobrem, maioritariamente, o século I a.C. até ao século primeiro da era cristã. Caracterizados por uma robusta construção, tal como no Castelinho dos Mouros, as suas plantas evidenciam um edifício principal e estruturas secundárias que se constroem, geralmente, num plano inferior da encosta do cerro escolhido para a sua implantação. Esta localização acontece tendencialmente em locais de significativa altura, a partir dos quais dominam o território circundante. Um dos mais antigos e melhor conhecidos é o Castelo da Lousa (Mourão), que foi o primeiro a ser devidamente escavado em solo português, tendo por isso um papel chave na compreensão de complexos semelhantes. A primeira interpretação deste edifício alentejano foi a de uma forma de instalação militar (Paço e Leal, 1966,1968). No entanto, a reapreciação feita por Jürgen Wahl no Castelo da Lousa, em 1985, levou à conclusão de que esta estrutura e as suas congéneres do Baixo Alentejo se relacionavam com a atividade agrícola (Wahl,1985). As suas “Wehrgehöfte” – cujas precursoras ele atribuía às construções helenísticas como as chamadas “Nekromanteion” (Ephyra, Grécia) – foram interpretadas como sendo elementos cuja função era a de protegerem as produções agrícolas dos colonos romanos das investidas dos bandidos lusitanos. Da mesma forma, Pierre Moret viu estas notáveis estruturas como sinais do que ele designou por “romanização do campo” (Moret, 1999). No seu entender, as características da arquitetura destes edifícios apresentam similitudes com as da arquitetura rural italiana, do mesmo modo que as técnicas construtivas podem ser facilmente identificadas quer em Itália quer em Espanha. A ausência de argamassa como ligante não pode, como tal, ser usada como prova de uma técnica local construtiva. Com base em prospeções recentes, Rui Mataloto dividiu este universo em “redutos fortificados”, “torres”, “casas fortes” e “recintos-torre” (Mataloto, 2002, 2004). Estas estruturas simbolizam para ele ambos os lados – militar e civil – da inicial exploração rural romana do Sul da Ibéria. A considerável área monumental do Castelo da Lousa foi investigada entre 1997 e 2002 (Gonçalves et al., 2004, 2010). A identificação de um forno e de uma base de um lagar de azeite apontam para o seu carácter rural e documentam a exploração agrícola que ocorreu no sítio. Por outro lado, a descoberta de algumas armas reflete uma componente militar. O início da ocupação parece não recuar a antes de 50 a. C., o que torna o Castelo da Lousa uma das estruturas mais antigas (Moret e Chapa, 2004). Baseado nesta nova informação, Carlos Fabião reinterpretou o Castelo da Lousa como o protótipo para todas as estruturas similares (Fabião, 2002), o qual, no entanto, ele interpreta novamente como tendo uma função militar. Apesar da discussão alargada sobre a função militar de algumas destas construções, o carácter civil do Castelinho dos Mouros parece-nos indubitável, sendo oportuno frisar que nenhum objeto aqui recuperado denuncia uma utilização militar do sítio, o que, em conjunto com a escassa área agrícola apenas confinada a uma pequena zona entre as colinas e o rio, aponta para a primazia da importância da via fluvial que alimentou o consumo e/ou comércio de vinho, possivelmente de azeite e, seguramente, de preparados piscícolas dos habitantes do Castelinho dos Mouros. Estes produtos eram importados, sendo responsáveis pelo seu abastecimento a costa Bética, so-

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bretudo a zona de Cádis e, de forma mais ténue, a região da Itália, permitindo assim inferir importantes circuitos comerciais no rio Guadiana. Dentro da sua especificidade arquitectónica, este edifício residencial apresenta paredes externas bem mais espessas que as interiores, em tudo similares aos exemplos conhecidos destas estruturas fortificadas (Fig. 2), que necessitavam de trabalhos preparatórios de grande envergadura para o estabelecimento de muralhas e muros de suporte. Os modelos denotam uma certa geometrização comum à construção romana, onde espaços domésticos se organizavam em redor de um pátio central aberto, ausente no caso em destaque. A planta da área superior (que se designou por castellum, inicialmente), mesmo se estandardizada numa configuração tendencialmente quadrangular, teria de adaptarse à localização revelando cambiantes de métrica, por vezes de perímetro e, sobretudo, de compartimentação interior. A planta central do Castelinho dos Mouros, subdividida em quatro seções, revela similitudes com o exemplo andaluz de El Tesorito (neste caso com total simetria das seções) e afasta-se dos exemplos alentejanos, com apenas três alas na maioria dos casos. Por outro lado, tal como no da Estremadura espanhola que se diferencia dos restantes pela sua configuração, a particularidade do caso algarvio, com o terraço amuralhado que prolonga o edifício num plano inferior, não tem paralelo conhecido até ao momento. Notórias são, sem dúvida, as modificações arquitetónicas ocorridas que indiciam uma estrutura de aspeto menos fortificado, visível nos elementos indicadores de uma alteração do seu uso. São disso exemplo o acesso ao edifício central que, numa primeira fase, apenas se realizava através do átrio amuralhado localizado na parte sul do edificado, mais tarde substituído por um sistema de rampas construídas no lado norte do monumento, o que permitirá a entrada direta na área habitacional a partir do seu exterior. Esta mudança estrutural poderá também significar uma necessidade que se fez sentir neste tipo de edifícios, possivelmente em face das alterações políticas que surgiram no início do Império Romano. No Castelo da Lousa toda a atividade parece ter terminado no período de Augusto. Aparentemente, tal não foi o caso do Castelinho dos Mouros. A curta distância e ainda entrevisível fica o Montinho das Laranjeiras, numa suave enseada ribeirinha. A ocupação desta villa romana datará do final da ocupação do Castelinho dos Mouros correspondendo igualmente, em geral, ao principal período de ocupação destes edifícios no Baixo Alentejo. Provavelmente, o que se passou no Castelinho dos Mouros foi semelhante ao caso do Alto Alentejo, onde os bem-sucedidos grandes complexos agrícolas procederam de pequenas estruturas defensivas, cujo processo levou por vezes a uma alteração de sítio. As estruturas edificadas acima descritas precisam de ser encaradas como edifícios que forçosamente se tiveram de adaptar, tanto ao contexto geográfico da área da sua implantação, quanto às circunstâncias do turbulento momento histórico que ocorreu no final do período republicano, início do Império Romano. As suas diferenças temporais evidenciam, no entanto, que elas existiriam subsequentemente como entidades económicas separadas. Ao produzirem produtos agrícolas, as “casasfortes” teriam, com toda a probabilidade, um papel semelhante às posteriores e mais extensas villae. Estas construções restritas e confinadas muitas vezes a uma topografia muito acidentada não possuíam condições para sobreviver às novas exigências arquiteturais e económicas dos séculos I e II da nova era que vieram centralizar os excedentes agrícolas junto dos acessos das novas infraestruturas de transporte. Na área principal de distribuição destas estruturas no Baixo Alentejo, as mudanças ocorridas nos circuitos fluviais devido à mineração do ouro podem ter igualmente contribuído para o desaparecimento desta arquitetura durante o séc. I a. C. De toda a forma, não ocorreu no Sul uma exten-

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Fig. 2 – Arquitetura tardo-republicana do sul da Lusitânia, planta dos edifícios centrais (adaptado de Teichner, 2008: fig.262)

siva reorganização com o surgimento das villae. Fulcral na extinção das “casas-fortes” do Baixo Alentejo foi a alteração das circunstâncias económicas surgidas neste período, enquanto no Alto Alentejo as mesmas fomentaram, em parte, o seu desenvolvimento para o latifúndio. Durante as últimas décadas, a investigação revelou um número crescente de diferenças nas particularidades e funções de cada uma das estruturas descobertas, alimentando a discussão mais abrangente da “romanização”. No entanto, estes sítios deverão ser considerados dentro do seu contexto local antes de podermos estabelecer as conexões entre eles, sendo certo que para atingirmos a compreensão da sua dinâmica de desenvolvimento é necessária mais investigação. Bibliografia FABIÃO, C. (2002). Os chamados Castella do Sudoeste: Arquitectura, Cronologia e Funções. In Archivo Español de Arqueologia, 75: 177-193. Madrid: CSIC. FILIPE, V. (2010). As ânforas de tradição pré-romana de Mesas do Castelinho, Almodôvar. In Revista Portuguesa de Arqueologia, 13: 57-88. Lisboa: IGESPAR, I.P. GONÇALVES, A. e CARVALHO, P.C. (2004). Intervención arqueológica en el Castelo da Lousa (1997-2002): Resultados preliminares. In MORET, P. e CHAPA, T. (eds.).Torres, atalayas y casas fortificadas. Explotación y control del territorio en Hispania (S. III a. de C. – S. I d. de C.), pp. 65-76. Jaén. Gonçalves, A., ALARCÃO, A., E CARVALHO, J. P. C. (2010) Castelo da Lousa – Intervenções Arqueológicas de 1997 a 2002. In Studia Lusitana, 5. Mérida. GRADIM, A. (2010). Um novo exemplo dos “Castella” da fase da fundação da Lusitânia romana? – O caso do Castelinho dos Mouros. In XELB, 10: 215-234. Silves. GRADIM, A. (2010). O Castelinho dos Mouros (Alcoutim) – Um edifício republicano do Baixo Guadiana, no período de fundação da Lusitânia romana. In Anejos de Archivo Español de Arqueología, LXX: 45 -64. Mérida. MAIA, M. (1974a). 1.ª Campanha de Escavações Realizada no Cerro do Castelo do Manuel Galo (Mértola). Uma possível Fortaleza Romana. In Actas das II Jornadas Arqueológicas (Lisboa, 1972), Vol. II: 139-155. Lisboa: AAP.

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