O celtismo na Galiza: algumas controversias.

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O CELTISMO NA GALIZA: ALGUMAS CONTROVÉRSIAS* IDEOLOGIA E CIÊNCIA NA DEFINIÇÃO DO PASSADO CÉLTICO GALEGO.

LUÍS MAGARINHOS IGREJAS INVESTIGADOR

esde tempos remotos o ser humano vem a estabelecer marcos ou paradigmas científicos nas distintas disciplinas e ramas de conhecimento que sem dúvida evoluem e modificam o statu quo dominante na sociedade ao se inserirem estes novos descobrimentos no marco social estabelecido. Isto porém, também acontece nas ciências humanas e mais concretamente na pré-história e na arqueologia. Onde se calhar as indefinições e incertezas sejam de grau ainda maior.

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O filósofo da ciência Imre Lakatos, define evolução da ciência dentro do ele denomina programas de investigação dentro dos quais se desenrolam uma série de teorias e conceitos progressivos. Um programa de investigação consiste numa série de teorias em desenvolvimento, essas teorias giram em torno de um «núcleo firme» que se define por ser a cosmovisão ou ideologia inicial que sustenta o desenrolo posterior do programa. A «heurística» (interpretação) do programa proporciona meios para resolver esses problemas, e a sua «cintura protetora» de hipóteses auxiliares protege o núcleo firme. Lakatos diz que o conhecimento é produzido pela própria metodologia dos programas de pesquisa e portando condicionado a esta. Também Paul Feyerabend nos fala da subjetividade da ciência ao afirmar que “uma comunidade utilizará a ciência e os cientistas de um modo que essencialmente concorde com os seus valores e os seus fins, e corrigirá as instituições cientificas que alberga a fim de as adaptar melhor aos seus próprios propósitos” Também Mário Bunge aponta a relação existente entre a ideologia e a ciência, já que para ele “em todas as culturas modernas a ciência coexiste com diversas ideologias, existência que às vezes é pacífica e às vezes conflituosa,” No caso do estudo pré-histórico na Galiza este conflito binomial ciência-ideologia tornou-se ao longo dos últimos dois séculos certamente tempestuoso. O enfrentamento quase visceral entre os que defensarem e defensam uma forte presença da civilização Celta no território da Galiza (entenderíamos por Galiza o marco da Gallaecia histórica, incluindo porém o atual norte de Portugal e as comarcas da Galiza oriental em território espanhol) e os 78

que a negam sistematicamente. Um conflito que continua vivo a dia o hoje na Galiza entre os celtistas e celtofobos, e no que o elemento primordial desta polêmica é que a base ideológica que sustenta às duas correntes enfrentadas pretende nos dois casos afirmar a identidade cultural e nacional da Galiza frente à castelhana-espanhola. E dizer; na sua maioria, tanto os autores celtistas como os celtófobos coincidem à hora de apontar a forte personalidade diferencial do passado histórico galego, e ambos grupos reivindicam a personalidade nacional da Galiza ainda que por linhas diferentes. Uns através do celtismo e outros sustentando exclusiva cultura que se desenrolou no noroeste da península. A cultura castreja. O grupo de historiadores e arqueólogos que negam a celticidade galega (e portanto afirmam a cultura dos castros ou castreja, mas não celta, como civilização que se desenrolou exclusivamente na Galiza) é hoje predominante no âmbito acadêmico galego. Sobretudo na Universidade de Santiago de Compostela, e também na Universidade de Vigo (Campus de Ourense) ainda que em menor grão. Esta negação do celtismo existente nos círculos acadêmicos galegos ainda hoje responde para Suso de Toro à imposição na Galiza desde o começo da ditadura franquista em 1936 de uma ideologia castelhanista-espanholista negadora de toda particularidade diferencial da Galiza frente a Castela-Espanha. Para De Toro duas disciplinas no âmbito académico e universitário galego sofrem essa amputação desde a segunda metade do século XX. A história e a língua galega (ou portuguesa da Galiza) que passam a ser ferreamente dirigidas desde as universidades castelhanas de Madrid que criam sucursais nos departamentos universitários galegos para transmitir a sua ideologia cientifica no sentido apontado por Bunge, Lakatos ou Feyerabend. Para o escritor galego formado também na faculdade de história da Universidade de Santiago de Compostela “Todos [os alunos chegados a essa faculdade] aprendemos que os nossos antepassados não eram celtas, não: eram uma outra coisa rara e distinta para a que lhe houve * A direção de “Análise empresarial” recomenda seguir o debate que sobre este se realizou na TVG e que se topa no seguinte endereço: http://video.google.com/videoplay?docid=7942081032203341330&hl=e

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que inventar um nome, bem feio: os “castrejos…”” E assim segue dizendo que ele não põe “…em dúvida os rasgos específicos da Cultura dos Castros no noroeste peninsular, mas tira-los do contexto da civilização indo-europeia à que pertencem é pura ideologia. Puro ódio de colonizador…” Portanto para Suso de Toro a negação dessa celticidade galega é produto da colonização cultural e política que ainda hoje sofre a Galiza por parte de Castela-Espanha. Isso para ele também acontece na língua e na ortografia castelhana utilizada pelas instituições oficiais para escrever o galego (ou Português da Galiza), além da negação da dimensão universal dessa mesma língua. De todas formas e em contradição com as afirmações de De Toro são hoje alguns dos pré-historiadores de fora da Galiza (a Galiza política atual não a histórica) os que reivindicam precisamente a o passado celta da Galiza em contradição com a corrente dominante nos círculos académicos galegos. Armando Coelho da Silva desde a Universidade do Porto ou Martin Almagro e Ruiz Galvez-Priego desde a Universidad Complutense de Madrid afirmam sem reservas esse passado projetando essa diferenciação cara a sua cosmovisão e valorizando a importância dos supostos assentamentos celtas na meseta central da Península Ibérica no caso dos autores Espanhóis. Porém hoje na Galiza pré-historiadores “neoceltistas” (que trabalham quase sempre à margem das instituições acadêmicas oficiais) da importância de André Pena Granha sim reclamam (continuando a linha aberta pela geração NÒS (F. Lopes Cuevilhas, F. Bouza Brei ou E. Pondal,) na primeira metade do S. XX.) essa celticidade galega afirmando com caso de André Pena que é na Galiza o único lugar da Europa onde se acham referencias epigráficas explícitas aos celtas e ao seu mundo. Desde o norte de Portugal arqueólogos da importância de Armando Coelho da Silva afirmam também a celticidade galega. E desde outras áreas da Europa, Markale, Kruta ou Cunliffe também afirmam a celticidade galaica. Entre os autores anticeltistas ou celtófobos que hoje desenrolam a sua atividade na Galiza (formados na sua maioria na Universidade de Santiago de Compostela) destacam F. Calo Lourido, A. de la Peña Santos e Pereira Mennaut. Para eles o desenrolo da forte e diferenciada personalidade cultural da Galiza se deveu ao seu isolamento sofrido do resto da Península Ibérica e da Europa dentro duma cultura particular e exclusiva que costuma a denominar-se “cultura dos castros” ou “castreja”, e que nada tinha a ver segundo eles com o resto de povos existentes na idade do bronze e ferro na Europa atlântica. Para estes autores essa forte diferenciação e isolamento secular da Galiza permitiu conservar esses traços de identidade até os nossos dias. Tanto os autores anticeltistas como celtistas aplicam nº 38/2007

na Galiza hoje os mesmos modelos interpretativos e científicos para chegar a conclusões contrapostas enquanto por exemplo ao modelo de relações econômicas e comerciais existentes na Galiza proto-histórica, as quais ao mesmo tempo contradizem o estipulado por Lakatos quando afirma que o conhecimento é produzido “pela metodologia dos próprios programas de pesquisa, e portanto condicionado a esta”. E dizer como afirma Diaz Santana que “o mesmo modelo teórico dos sistemas econômicos pré-históricos centro-periferia, leva a Ruiz Galvez, Calo Lourido e Pena Granha a conclusões diferentes e mesmo antagônicas. Portanto podemos resumir dizendo que as posições sobre a condição celta da Galiza continuam hoje enfrentadas e seguem a desenrolar as suas linhas de pesquisa muitas vezes coincidindo nos métodos e resultados materiais, mas que diferem na interpretação desses resultados e o tipo de civilização à que pertencem os diversos achados materiais e epigráficos. Os lastres duma ciência mutilada por 40 anos de ditadura no Estado espanhol e na Galiza, são desde o meu ponto de vista o elemento principal dessa discórdia cientifica existente. Seria bom para rematar remeter-se de novo às palavras de Suso de Toro quando afirma que “haveria que imaginar como teria sido a história da Galiza e como seria hoje a nossa sociedade se a rebelião dos militares golpistas tivesse fracassado em 1936. Reconstruir virtualmente outra Galiza possível. Imaginável.” REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AAVV. História Geral da Galiza. Ed. A Nosa Terra. Vigo. 1997 BUNGE, MÁRIO. Seudociencia e ideologia. Alianza Universidad. Madrid. 1989 DE HOZ, JAVIER. Língua e etnicidade na Galiza antiga. Em “cadernos do Museu do Povo Galego”. 1997. DE TORO, SUSO. “O problema da celticidade na Galiza” em “A Nosa Terra.” 16 Outubro de 2004. DIAZ SANTANA, BEATRIZ. Os Celtas en Galicia. Ed. Toxosoutos. Noia. 2002 FEYERABEND, PAUL. Contra o método. Ed. Relógio d´Água. Lisboa. 1993 LAKATOS, IMRE. Falsificação e metodologia dos programas de investigação científica. Lisboa. PEREIA GONZÁLEZ, F. Primeiras referencias aos celtas na historiografia galega. Em “Gallaecia” número 22. Universidade de Santiago de Compostela. 2003 SILVA, ARMANDO COELHO FERREIRA da A Cultura Castreja no Noroeste de Portugal, Museu Arqueológico da Citânia de Sanfins, Paços de Ferreira. 1986 TOVAR, A. Etnia y lengua en la Galicia antigua: El problema del celtismo. “em separata do Instituto de Estudos galegos padre Sarmiento.” Universidade de Santiago de Compostela. 1983. 79

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