O CENTRO DE VITÓRIA (ES) ENTRE O CORREDOR E O PONTO CIRCUITO

July 23, 2017 | Autor: Clara Miranda | Categoria: Urbanismo e Ordenamento do Territorio, Globalização, Centro urbano
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O CENTRO DE VITÓRIA (ES) ENTRE O CORREDOR E O PONTO CIRCUITO

Politicc, Célula Emau, Departamento de Arquitetura e urbanismo; de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFES (1) Clara Luiza Miranda [email protected] Célula Emau, Departamento de Arquitetura e urbanismo; Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo, UFES (2) Vivian Albani [email protected]

RESUMO A Região Metropolitana da Grande Vitória, onde se situa a capital do Espírito Santo, Vitória, exerce funções de cidade de passagem para a globalização e conecta fontes dos recursos, campos de operação rotineira e territórios das comutações coordenadores da produção, integrados pelas redes mundiais. Tal produção multilocalizada se expande espacialmente, de modo que as delimitações tradicionais ou funcionais são ultrapassadas pela circulação efetiva e virtual. Os centros tradicionais não conseguem dar conta das novas demandas, o que leva algumas de suas partes a perderem capacidade de uso e de significado. O Centro de Vitória, como outros centros urbanos que atuam como cabeça ou coração da cidade, havia passado por situações críticas decorrentes de movimentos centrífugos e multipolarizadores. A produção flexível e a nova situação do centro configuram-se como um hiperterritório. Isso requer a revisão da escala de abordagem do centro da cidade-região. Essas situações críticas acontecem com intensidade em localidades portuárias como Vitória. As três perguntas que movem este ensaio são estas: como devemos tratar a “perda gradual” do centro? O que acontece com os centros urbanos sob o impacto das redes mundiais? E como o Centro de Vitória pode participar das dinâmicas que se disseminam na sua cidade-região? Palavras-chave: Cidade de passagem. Planejamento regional. Hiperterritório. Região Metropolitana da Grande Vitória.

ABSTRACT/RESUMÉ The metropolitan area of Vitória, where the capital city of Espirito Santo State is located, has acted as a gateway city for globalization because this region connects funding sources, fields of routine operation and territories of switching production coordinators integrated by global networks. This multi-site production expands spatially in such a way that the traditional or functional field boundaries are overtaken by effective and virtual movement. The traditional center is not able to take account of new demands so that some of its parts lose capacity of use and meaning. The Center of Vitória, as other urban centers that act as city heads or city cores, had gone through critical situations due to centrifugal and multi-polarizing movements. The flexible production and the new situation of the center are configured as hiperterritory. This requires a revision of the approach scale of the city-region center. These critical situations occur with intensity in port places like Vitória. The questions that drive this article are: "How should we deal with the center gradual loss "? What happens to the urban centers under the impact of global networks? How can the Center of Vitória participate in the dynamic that is spreading in its city-region? Keywords: Gateway city. Regional Planning. Hiperterritory. Metropolitan Area of Vitória

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1. INTRODUÇÃO Quem se obriga a amar um estrangeiro, deve ter sempre em mente o esquecimento. Se foi essa a sua escolha, que estejas sempre pronto a esquecer. (Bernadette Lyra, 1997).

Trata-se de um ensaio sobre a cidade de Vitória, situada no Estado do Espírito Santo, cujo centro fundacional desejou ser uma capital e uma praça comercial, se firmou como corredor de exportação nos anos 1980, e pode se converter em cidade de passagem nos anos 2000. As escolhas e as decisões, assim como as contingências que a colocaram nessa posição intensificam-se na presente etapa da globalização. A logística – a ciência do movimento - afeta dramaticamente a cidade e sua hinterlândia, que encarna aquilo que “[...] a globalização exclui para se constituir” (CANCLINI, 2004, p. 44). No caso de Vitória, a promiscuidade entre infraestrutura, produção e cidades cria áreas de influência e elos que reforçam a territorialidade da Região. Assim, no presente não se pode abordar o centro principal ou fundacional (de Vitória) duma “aglomeração”, que é a Região (Grande Vitória), sem relacioná-lo a tais elos e áreas, posto que se encontrem entrelaçados e simbioticamente relacionados. A integração dessa aglomeração com o corredor que a liga às minas, às usinas, às vias de transporte e aos portos constitui, também, uma conjugação entre cidade e empresas. Entre a Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV), especialmente Vitória, e a sua hinterlândia forma-se um extenso intervalo “sincopado” por cidades funcionais onde prevalece o vazio econômico – espaços lentos de homens lentos. No vazio da lentidão se gesta uma experiência de tempo que não se deve negligenciar, mas que no momento foge ao escopo deste ensaio. A RMGV é formada originalmente por Vitória, Serra, Vila Velha, Cariacica, Viana e, recentemente, inclui os Municípios de Guarapari e Fundão, ocupando uma área total de 2.286,54km² e representando cerca de 5% da área total do território do Estado do Espírito Santo. Além disso, apresenta-se como a principal aglomeração de desenvolvimento urbano e industrial do Estado. De acordo com os primeiros dados do Censo 2010/IBGE a RMGV possui 1.685.384 habitantes, aproximadamente, 48 % da população do estado. O município de Vitória possui 325.453 habitantes em 2010 que corresponde a um pouco mais de 19 % da população da RMGV Para compreensão da inclusão de Vitória e da RMGV nas redes mundiais e para categorizar de que modalidade de inclusão se trata, recorre-se à fórmula de Pierre Veltz. De acordo com essa fórmula, a espacialização da produção mundializada se decompõe em dois territórios II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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dominantes: o território das influências mútuas e os territórios de intervenções e produções diárias. O “território das interações” que incorpora a dinâmica de reconcentração dos sistemas de controle e de coordenação são as cidades transacionais ou centros de troca de informação da economia mundial. Enquanto os “produção rotineira” tendem a descentralizar as atividades meramente operacionais para fora das metrópoles (VELTZ, 2000, p. 197). Excluídas essas duas possibilidades, resta o modo diferenciado como as cidades de países em desenvolvimento, sobretudo as cidades portuárias, são afetadas pela globalização. A reabilitação da noção de cidade de passagem (gateways) tem como objetivo preencher essa lacuna. O termo é desenvolvido por Grant e Nijman (2000) para localidades envolvidas no comércio internacional mediado pela navegação. A função de passagem é inerente às cidades, pois tal função define circulação, entradas, saídas e localiza fluxos. Do mesmo modo, muitas cidades estão aptas a executar a função de passagem para os diversos fluxos da globalização, porém, as cidades de passagem são as que demonstram contínua aprendizagem urbana, incubando formas criativas de se manterem numa posição estratégica. Essas cidades também devem adaptar-se e retroalimentar uma economia metropolitana dinâmica, articulando-se consistemente às redes mundiais (GRANT; NIJMAN, 2000). Gilles Deleuze e Felix Guattari definem a “cidade como o correlato da estrada”, cuja existência se dá em função da circulação e dos circuitos (DELEUZE; GUATTARI, 2002, p. 122). Para eles, a cidade é um ponto notável de circuitos que criam redes, visando a estabelecer contato com outras cidades. Porém, reconhecem também a presença da cidade como um local limitado, como um lugar que adquire definição física com o cadenciamento e a definição desses fluxos. A nova situação do espaço físico dos centros urbanos coloca problemas da dificuldade de circunscrição do território – a cidade contemporânea parece se diluir no território (PANERAI, 2006). Outra implicação que dificulta delimitar uma cidade é a programação do local por influências produtivas extraterritoriais. Nesse sentido se coloca a pergunta de Massimo Cacciari: “aonde é que habitamos hoje? [...] habitamos cidades? Não, habitamos territórios”. Esses territórios são indefinidos, seus limites são artificiais. Além disso a produção e as trocas estão por “todo lado”. Cacciari diz que “[...] é verdade que ainda há polarizações e atividades centrais” que orientam os elos e os movimentos (Cacciari, 2010, p. 52), mas também elas podem se metapolarizar (extrapolar dos polos) assim II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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como as metápoles, que são processos de urbanização que englobam e ultrapassam a polis (definição de metapólis de François Ascher ( 2001). Nesse contexto, a escala local cede à escala regional-global como meio de apreensão dessa nova situação territorial, designada por hiperterritório (ASCHER apud GAUSA, Et allii). Nesta análise, o termo converge com a constatação de que “[...] não há mais um fora” (HARDT, 2000, p. 358), não há mais terra incógnita e limites fixos, enfim o planeta inteiro está sob a jurisdição do mercado, da regulamentação extraterritorial e dos circuitos de segurança telemáticos. Nos anos de 1940-60, Vitória havia adquirido o status de cidade capital como um lugar que acumulava capacidade administrativa, recursos e patrimônio; um cenário onde os capitais buscavam tirar rentabilidade da concentração urbana. A base da economia estadual era a monocultura cafeeira. Em seguida, passava a assimilar-se às cidades funcionais. Sob uma visão mais sistêmica do planejamento urbano, entre os anos 1970 e 1980, fundaram-se órgãos estatais de planejamento, para se elaborarem planos de desenvolvimento regional, visando a amadurecer uma idéia de Região Metropolitana e normatizar o crescimento urbano dos Municípios. Nos anos de 1970, Vitória se consolidava como polo para Vila Velha, Cariacica, Serra e Viana. Essa Região passava a ser denominada Grande Vitória. Nesse período, a economia do Espírito Santo era assimilada ao filão de acumulação de grandes empresas estatais e multinacionais de mineração e de siderurgia. Vitória, ponto circuito para as cidades do entorno, se convertia em sede do corredor de exportação do comércio exterior, lugar de passagem de fluxos. O centro principal de Vitória passa por movimentos centrífugos em direção aos Municípios vizinhos, devido expansão do tecido urbano, agenciada pela especulação imobiliária e pelo planejamento integrado. No fim dos anos 1980, adveio a primeira crise do centro principal. A ‘perda’ do centro principal é concomitante ao processo de metropolização da Grande Vitória. Nos anos 2000, finalmente se compreendeu a inserção regional nos fluxos de comércio global, o discurso ‘planejador’ se dirigiu à “maximização de atividades ligadas às vocações estratégicas de Vitória”, que incluiu o centro por ser ele a base de atividades portuárias e atividades de logística. Isso implicou a ênfase do papel de Vitória enquanto espaço de conexão especializada (CALIMAN, 2002). A sociedade civil reclama que os complexos econômicos implantados no Estado geram grandes problemas sociais e ambientais, a vulnerabilidade a lógicas adventícias e ainda que e a perda de espaço político local para negociação amplia-se com a globalização. Isso se aplica às decisões adventícias sobre venda, fusões e aquisições de empresas cruciais à economia estadual, sobre a construção ou a duplicação de grandes plantas industriais próximas às II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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cidades ou áreas de proteção ambiental. Por sua vez, os ufanistas comemoram empregos, investimentos e índices econômicos. Constatou-se até 2008 uma desproporção abissal entre investimentos nos setores infraestruturais (corporativos) em comparação com os investimentos urbanos ou relacionados às necessidades coletivas. Então, na RMGV, os negócios (em sua versão dura) praticamente suprimiram o “ócio” - a cidade como lugar de trocas afetivas e da boa vida. Massimo Cacciari conta que a cidade européia cedo se dividiu em lugar para ócio, para as trocas humanas afetivas, em lugar para morar e em lugar que permite fazer negócios com o mínimo impedimento. Neste último caso, a cidade se converteu numa máquina, uma função, sobrepondo-se ao projeto revolucionário de “vida associada” (CACCIARI, 2010, p. 24). Por aqui, os negócios ainda prevalecem, assim como “[...] números e outros dados duros, macrossociais que descorporificam os lugares”. Nestor Canclini assevera que esses, “[...] contudo, ao mesmo tempo, [podem promover] a investigação das descrições socioculturais, que captam processos específicos do lugar e as possibilidades de ação em tais processos” (CANCLINI, 2003, p. 33). É crucial monitorar os impactos dos processos da globalização numa cidade que oscila entre ser um mero corredor ou, com sorte, ser uma cidade de passagem (gateway). A análise das percepções e ações decorrentes também se faz necessária, a fim de confrontar as agendas que preterem a cidade ou projetos que apostam na cidade-território.

2. Crise(s) dos centros urbanos O enredamento global não pretende dar uma importância excessiva à cidade tradicional, e proclama a obsolescência do espaço manufaturado ao subsumir o espaço no estatístico, em dados e em senhas. A visibilidade que a coordenação/controle extraterritorial estabelece numa cidade advém de níveis funcionais ou operacionais de suas conexões, sejam materiais, sejam imateriais, e ainda, de seus nexos econômicos de cooperação e de coordenação. Isso se manifesta na diferença entre empresas que apenas alugam um galpão no porto seco ou que têm uma planta industrial ou uma empresa sediada na cidade. As cidades não perdem sua posição como locais privilegiados da produção, mas o seu planejamento passou a ser ainda mais vinculado à organização da produção. A empresa capitalista permanece sendo uma máquina de disciplina, mas, de modo progressivo, o seu controle funciona por meio de redes flexíveis e moduláveis. Nesse contexto, o espaço público é passível de privatização, difícil de circunscrever ou posicionar. O mercado é o exemplo mais

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conveniente da ubiqüidade das redes mundiais; o planeta inteiro é seu domínio; e não há lugares fora. Na escala local, a nova estruturação urbana e o tipo da atividade econômica emergente embaralham a distinção entre áreas urbanas e rurais, entre atividades industriais e de serviços. Algumas cidades modificam o caráter de divisão social do espaço típico fordista por causa da necessidade de se mobilizarem atividades imateriais e uma diversidade de atividades presenciais (VELTZ, 2000). A intensificação dos fluxos da matéria-energia, da população, da alimentação e do urbano gera descodificações que tendem a escapar para a periferia (DELEUZE; GUATTARI, 2002, p. 171), desestabilizando as centralidades. Ou seja, há um descolamento do centro em relação aos conjuntos territoriais, criando uma margem interior (NEGRI apud. DELEUZE; GUATTARI, 2002). No interior das cidades, estão as ilhas de prosperidade ou polos de competências que repercutem aspectos de exclusão socioeconômica ou inclusão diferencial, mesmo em países desenvolvidos. Enquanto isso, as periferias repelem seus limites, evidenciando conflitos entre infraestrutura e interstício, entre territórios corporativos e cidade. Diante desse quadro de mudanças nos processos produtivos, encontram-se atitudes perplexas que, por um lado, assinalam a “perda” do centro, como o declarou Marina Waisman, ainda em 1995 (p. 19): Como devemos tratar essa perda gradual do centro? Devemos tentar recuperar novamente sua unidade perdida? Isso é possível ou desejável? Pois qualquer tentativa de reunificação parece anti-histórica: a perda do centro é uma consequência física da fragmentação social. Certamente, não vai ser com a pureza formal que poderemos reverter essa tendência, visando à reunificação física da cidade.

Há, por outro lado, os que comemoram a libertação do “cativeiro do centro”, como Rem Koolhaas (2004, p. 73), e, ainda, dois tipos de resignação, como a de Françoise Choay (1996, p. 9), que admite “[...] sem sentimentalismo o desaparecimento da cidade tradicional”, contudo interrogam-se sobre a “natureza da urbanização” e sobre a “não-cidade” das sociedades avançadas; nota-se, todavia, a constatação expressa por Philippe Panerai (2006, p. 14) que está convencido de que essa “[...] cidade não é menos urbana que aquela do passado, apenas sua urbanidade é de outra ordem”. No desenvolvimento das etapas dos estudos sobre o centro principal de Vitória, tanto das autoras quanto de outros pesquisadores, realizados sobre o período de 1970 a 2010, cada um destes sentimentos se apresenta: ora a perplexidade com a descentralização urbana e com a reação mediante revitalização pontual e reformista; ora a resignação ou o otimismo ufanista. II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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Nos anos 2000, estudos e planos expressam idéias de requalificação do centro, visando à sua inserção na dinâmica econômica da globalização. Nos anos de 1970 a 2010, verificava-se uma sequência de situações críticas vivenciadas pelos centros urbanos tradicionais, por conseguinte, em suas espacialidades e em suas urbanidades típicas. Essas situações decorriam da espacialização flexível disseminada pelas redes mundiais de empresas e pela fragmentação de suas unidades operacionais. A dinâmica do capital passou a ser pensada alheia aos limites geográficos locais, institucionais e políticos. Os sistemas de infraestrutura, de comunicação e de transportes, que funcionam em redes, passam a estabelecer as ligações entre as diversas realidades que compõem a cidade-território. A contínua transformação da estrutura das firmas, sob o impacto da financeirização e da globalização, conduz a transformação radical no paradigma produtivo que ultrapassa a oposição fordismo versus toyotismo (MOULIER-BOUTANG, 2003). Esse modelo se mostra insuficiente para designar as novas modalidades produtivas, pois tal processo não se limita evidentemente a características industriais e materiais. A desindustrialização se manifesta parcialmente como item do processo de multilocalização do procedimento industrial (VELTZ, 2000) dos componentes e de montagem para a periferia mundial. Assim, o que se estabelece é o que se denomina de produção flexível. A informatização da produção, o aumento crescente da produção imaterial e a flexibilidade espacial têm sido fatores incorporados à exploração dos lugares. As firmas usam a multilocalização da produção e/ou a “deslocalização” da coordenação como elemento de pressão em relação às restrições do território e do regateio dos trabalhadores (NEGRI; HARDT, 2002, p. 301-324). Multilocalização e “deslocalização” têm como efeitos a perda de autonomia e a desestruturação parcial dos sistemas produtivos locais e nacionais: as empresas mais importantes passam a ser controladas por firmas multinacionais. Em todo caso, a dispersão geográfica é contrabalançada pela dinâmica de reconcentração dos sistemas de coordenação, que forma o território das interações ou das comutações. Por sua vez, a tendência de descentralização das atividades rotineiras para fora das metrópoles (VELTZ, 2000, p. 197-221) expressa a fragmentação e a dispersão da produção flexível. A coordenação das firmas transnacionais configura as cidades como interfaces entre o global e as regiões de operação rotineira. A RMGV não se situa em nenhuma dessas situações, mas intermedeia o território das interações e os campos de operação. Essa disposição local-global da RMGV é tomada como desdobramento entre os fluxos globais, os territórios corporativos e os espaços operativos rotineiros que se constituem no II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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contato/fricção com a cidade. Estes últimos espaços se expressam na Região pela coexistência de velocidades distintas. A articulação de dispositivos que situam a RMGV no espaço dos fluxos das redes mundiais leva a insistência em designar Vitória como virtual conexão especializada, como cidade-região desdobrada em escala regional-global hiperterritorial. Desse modo, Rem Koolhaas parece ter razão: “o centro é demasiado pequeno para desempenhar as novas funções designadas” (KOOLHAAS, 2004, p. 74).

3. O corredor versus o ponto circuito É recente o processo de densificação do tecido urbano dos Municípios de Vila Velha, Cariacica e Serra em torno de Vitória. Desde o início da colonização, no Século XVI, até 1974, a urbanização não alcançava mais do que 7km de raio a partir do centro principal. Esse alcance em 1985 já media de 15km; em 1990, essa distância alcançava 20km de tecido urbano estendido (SANTOS, 1987). O crescimento metropolitano manifesto no aglomerado de cidades em torno da capital, Vitória, nos anos 1970-90 foi concomitante à sua consolidação econômica e à repercussão migratória devido à desestruturação da produção rural e à implantação de grandes empresas na RMGV. A Região passava a abrigar as instalações técnicas dos sistemas portuário, ferroviário e rodoviário, interpostos com a urbe, e configurava-se como um dispositivo territorial infraestrutural de comércio exterior. Nesse quadro, Vitória se estabelecia como a principal cidade, que dominava e organizava o espaço regional, que influenciava funcional, econômica e culturalmente as outras cidades da Região Metropolitana. Porém, é frágil a hierarquia entre as cidades da Região. O ideário do planejamento e da gestão físico-territorial dos anos 1970 provocou o processo de descentralização urbana em direção aos espaços periurbanos e ainda induziu o deslocamento de sedes administrativas municipais, estaduais, federais, legislativas das áreas centrais para bairros do Norte e do Leste de Vitória. A base desse ideário são as teorias da contraurbanização. Essas teorias propõem a inversão de tendência da maior aglomeração nas metrópoles, estabelecendo um redirecionamento para pequenos e médios centros urbanos (PEIXOTO, 2001). O planejamento de escala Nacional - Plano Decenal, programas e órgãos do planejamento do Governo Federal como o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, (Sherfau) e o Sistema Nacional de Planejamento local Integrado (SNPLI) - ressalta a concentração urbana excessiva nas metrópoles São Paulo e Rio de Janeiro, indicando medidas de ação preventiva nas demais II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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metrópoles. No contexto que alvitra descentralização urbana, os Municípios da Grande Vitória se beneficiam do programa de cidades de porte médio1. Esse mesmo ideário de planejamento passou a considerar que o centro principal de Vitória apresenta “excessiva” concentração de atividades e que os bairros mantêm “estreita dependência em relação ao centro”, como se confere no Plano de Estruturação do Espaço da Grande Vitória – PEE (1976). O PEE visa a uma organização espacial da Grande Vitória polinucleada e propõe “[...] unidades urbanas semiautônomas, dotadas de suficiente individualização e caráter”. Esse plano também determina a definição de “centros de animação” que correspondem ao “conceito comum de centro de cidade”. Sugere também locais fora do centro principal de Vitória, com alta densidade demográfica, boa acessibilidade, localização em nó de comunicações, zona de comércio principal e de prestação de serviços, dispondo de equipamentos de saúde, ensino, cultura e lazer. Nos anos de 1970-80, os Municípios da Grande Vitória configuravam um aglomerado de cidades médias entrelaçado a um sistema infraestrutural rodo-ferroviário e portuário, conectado ao sistema de comércio exterior de commodities. A transição da economia agrícola para a hegemonia do grande capital inseriu o Espírito Santo no eixo de expansão do capitalismo avançado, garantindo-lhe uma posição na divisão nacional e internacional da produção (ABE, 1999). O conjunto industrial implantado por esforços estatais, somado à constituição dum mercado de trabalho e consumidor, converteu a Grande Vitória num polo de atração de novos investimentos nas décadas seguintes (MORANDI; ROCHA, 1991). A dotação de infraestrutura garantiu o sucesso dos grandes empreendimentos das empresas como CVRD (Vale), CST (Acellor Mital) e Aracruz Celulose, trazendo influências sobre aspectos diversos da sociedade da Grande Vitória. A produção do espaço urbano foi modificada; a economia de serviços, ampliada; o mercado imobiliário e a construção civil, estimulados. O processo migratório se intensificou, provocando a transformação da estrutura social, assim como as mudanças do padrão de vida de diferentes grupos sociais. Os Municípios de Vitória, Serra, Cariacica, Vila Velha, juntamente com Viana, ao final do processo de transição da economia capixaba ao capitalismo avançado finalmente configuraram a Região Metropolitana, que, segundo André Abe (1999, p. 193): [...] passou durante a última década [1990] por transformações que não foram apenas quantitativas, mas, pela natureza do processo, requalificou-se e veio a consolidar o seu caráter metropolitano, constituindo-se num dos elementos estruturantes para o processo de desenvolvimento ora em curso no Espírito Santo.

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A ‘ânsia de modernização’ transformou a Grande Vitória; a degradação do centro principal foi uma das consequências dessa transformação. De certo modo, o PEE teve seus objetivos concretizados no desenvolvimento da polinucleação que se sucedeu com advento da centralidade no bairro de Campo Grande (Município de Cariacica), da sede do Município de Vila Velha, do bairro de Carapina e, depois, do bairro Laranjeiras (ambos em Serra). A polinucleação, especificamente em Vitória, se deu concomitantemente à aposta de adensamento, no raio de 7 km, de áreas “lucrativas” ao capital imobiliário (bairros litorâneos de Vitória). Esse processo de descentralização da habitação, do comércio e de serviços para os novos polos já assinalados ocorreu sem provisão de novas perspectivas ao centro principal, sem estruturar e equipar os novos polos adequadamente. No entanto, essa descentralização não resultou em descongestionamento do centro principal de Vitória, que foi tomado pelo comércio popular e manteve a concentração de aspectos funcionais produtivos: porto; instituições federais, do executivo estadual, do judiciário, além de trabalho e tráfego, o que indicou sua centralidade em termos de mobilidade intra-urbana2. Na condição de eixo de passagem metropolitano, as avenidas que atravessam o centro principal exercem função vital para a operacionalidade das atividades próprias do centro e, além disso, para a interligação de Vitória com os Municípios situados ao Sul e Norte e destes entre si. O centro principal de Vitória, nos anos 2000, possuía uma população domiciliada de 26 mil habitantes (8,6% da população de Vitória). Ainda acumulava 41% dos empregos da Região (HERKENHOFF et álii, 2002) , sendo o ponto comercial mais tradicional do Espírito Santo. Não obstante, o centro demonstra sinais de desestruturação espacial e social, o que o desfavorece como localização. O centro principal de Vitória se coloca como lugar onde a capacidade de uso e capacidade de significação estão em desequilíbrio. Pesquisa de 2007, realizadas por professores da IFESInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (Vitória), registra que é expressivo o número de imóveis abandonados ou subutilizados (de difícil recuperação) no centro de Vitória, contudo nesse cômputo é pequena a quantidade de edificações de uso industrial ou comercial. A profusão de imóveis abandonados e descaracterizados demanda investimentos tanto por parte da iniciativa privada como do poder público, para reverter esse quadro (BARRETO NETO et alii, 2007). As políticas centrífugas foram aplicadas mundialmente, nos anos 1970, ocasionando um processo de emigração para as cidades médias, próximas aos centros de gravidade das metrópoles. Mas estas não conseguiram inibir o crescimento das periferias das grandes cidades II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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(inclusive na RMGV). Nos anos 1980, as políticas centrífugas foram substituídas pelas políticas de revitalização dos centros metropolitanos e urbanos tradicionais (PEIXOTO, 2001). Nos anos 1990, iniciaram-se as discussões sobre a revitalização do centro de Vitória. De 2002 aos anos 2009, diversos planos setoriais institucionais foram lançados na RMGV. A fim de computar as convergências e a integração entre ações de planejamento e de gestão entre os municípios da RMGV, realizaram-se análises comparativas entre tais planos, examinando sua atenção às situações dinâmicas do desenvolvimento da cidade. Para a efetivação desta pesquisa numa área que abarca o centro principal e áreas contíguas (ao Sul da ilha onde se situa o centro principal de Vitória), foram catalogadas as ideologias, as práticas correntes e as novas abordagens do planejamento físico-territorial. Os planos analisados foram: Vitória do futuro: Agenda 21 da cidade de Vitória; Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU); Plano de Desenvolvimento da Zona Portuária (PDZP); e Planejamento Urbano Interativo do Centro de Vitória. O Plano Vitória do futuro (Agenda 21 da cidade de Vitória) foi realizado na gestão de Luiz Paulo Velloso Lucas (1997-2004). A ideologia/ teoria recorreu ao planejamento participativo, à metodologia de diagnóstico, projeção de cenários e visões futuras e ao desenvolvimento de estratégias, projetos e ações. Propôs os seguintes tipos de intervenção: desenvolvimento como centro logístico e de serviço; “revitalização” do centro; combate à pobreza e integração social: investimento em habitação de interesse social e regulamentação fundiária (Projeto Terra), com provimento de equidade socioeconômica e cultural, empregabilidade e qualificação profissional aos moradores atendidos pelo projeto. Destacou-se, ainda, a proposição da articulação da Região Metropolitana com gestão integrada e a promoção de instâncias participativas. No plano Vitória do Futuro de 2002, ao se compararem as propostas setoriais (economia, comércio exterior, urbanismo) para o centro de Vitória percebeu-se a intenção compartilhada de sua reconversão em elemento de dinamização da economia do Município, sobretudo no caso da reintegração do porto à cidade (na ocasião, aventada por economistas e não por urbanistas). .

Essa é a tendência do quadro das principais cidades portuárias do mundo, que romperam com

cisão entre porto e cidade, típica do período industrial, e redescobriram a cidade no estágio da globalização contemporâneo (1990-2000). Contudo, no mesmo plano, observa-se o descompasso de percepções entre os diversos estudos temáticos citados. O estudo específico feito por arquitetos sobre o centro principal de Vitória, com seu prognóstico de “esvaziamento econômico” da área central, “um processo aparentemente irreversível” (HERKENHOFF et alii, 2002), está aliado ao ideário restrito de reforma urbana, não consegue assimilar a vigente vitalidade produtiva (é a segunda praça II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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comercial em arrecadação do Município) e popular do lugar, desvinculando-se duma economia de subjetivação coletiva. A abordagem reformista difere das abordagens que propõem a dinamização dos fatores de conexão do antigo centro às redes de comércio internacional propostas por economistas. De qualquer modo, na visão dos arquitetos, na gestão municipal de 1997 a 2004, o Projeto de Revitalização do Centro foi “[...] alçado a projeto prioritário de Governo, prevendo ações estruturais e integradas, no sentido de sua valorização cultural, artística e turística, com ganhos sociais e econômicos para a região.” (HERKENHOFF et álii, 2002). O centro voltou a ter a atenção do poder público em função da ideologia de intervenção urbana que apregoava a “qualidade de vida”, a “valorização do patrimônio histórico” e a “participação popular”. Ideário influenciado pela “perspectiva empreendedorista do city marketing americano e do planejamento estratégico catalão”, as políticas públicas do Município nortearam por um planejamento [reforma] de resultados, que idealizava a inserção da cidade num contexto de globalização, a partir de sua imagem (BOTELHO, 2005, p. 58). Esse descompasso das percepções (local e global) é sobrepujado quando a ‘cidade’ compreende que está envolvida numa situação crítica que ultrapassa as determinações locais ou regionais e desdobra-se na escala dos fluxos globais (macroeconômico). Essa inserção nas redes mundiais envolve todos os Municípios da RMGV, conectados com outros territórios produtivos e com os mercados estrangeiros. Não obstante o descompasso constatado neste ensaio, o Plano Estratégico de Vitória de 2002 explicita a compreensão de que a complexidade urbana em que Vitória está envolvida extrapola os limites administrativos da RMGV e aspira a criação de instâncias metropolitanas para se implementarem programas e projetos comuns. O Plano Vitória do futuro pretendeu manter a capital do ES como vetor de prestações de serviços na Grande Vitória e corroborar sua competitividade no comercio exterior. Para isso, teve como estratégia promover condições para a implantação de centros logísticos e de serviços, que dariam suporte a essas demandas, vindas, principalmente, da exploração de petróleo no litoral capixaba. A intenção (e fica nisso) seria explorar as vantagens competitivas da infraestrutura logística do Município, especialmente o porto e o aeroporto. O plano problematiza a capacidade de tráfego que reduz a “[...] atratividade socioeconômica e habitacional da cidade, pela falta de mobilidade proporcionada por um bom transporte de massa metropolitano e por um sistema viário com adequada capacidade” (VITÓRIA DO FUTURO, 2002). A fim de dirimir essa problemática, até o momento nenhuma gestão encontrou ambiente econômico e principalmente político para avançar. II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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O Plano Diretor de Transporte Urbano (PDTU) de 1999 tem abrangência metropolitana, com o objetivo de solucionar questões de mobilidade urbana, equalização entre transporte público e tráfego. O PDTU mostra a necessidade de investimento amplo em infraestrutura de transporte coletivo e de tráfego (publico/privado), e indica intervenções nas principais artérias (as mais congestionadas se encontram no centro de Vitória). Entre os tipos de intervenção propostos e realizados parcialmente, conta a construção de terminais e estações fora do Município de Vitória. As propostas dos planos oferecidos e os que serão apresentados a seguir, sobretudo os que afetam a população ou a metrópole circulam, mas poucas são concretizadas, não derivando nas ações e intervenções efetivas que seus resultados implicam. Alguns managers dos planos estratégicos chamam esse malogro dos planos de zapping - intermitência e instabilidade no mercado competitivo de cidades. Isso reincide em cidades cuja dinamização econômica e urbana é meramente promocional ou inconsistente (DACHEVSKY, 2001). O Plano de Desenvolvimento da Zona Portuária (PDZP, 2002) tem abrangência estadual. Nesse contexto, a RMGV tem como premissa acompanhar a evolução do transporte marítimo internacional com a construção dum megaporto fora do eixo de comércio exterior à Região Metropolitana, mantendo, entretanto, o porto urbano com funções adequadas a essa inserção. Na gestão municipal de 2005 a 2012, os esforços da Secretaria de Desenvolvimento da Cidade (SEDEC-PMV) se dirigem ostensivamente para manter o porto principal deslocando-o para o Porto de Tubarão, área mais adequada a um porto de águas profundas no Município. Pode-se prever a ruína de sua boa posição regional caso haja a perda da polarização e interação provocada pelo porto em Vitória. O Planejamento Urbano Interativo do Centro, realizado entre 2005 e 2006, foi um plano setorial que teve a intenção de estruturar o espaço urbano do Centro. Objetivava-se a definir a “vocação natural” do Centro de Vitória com ações voltadas para o fortalecimento de sua identidade e sua revitalização ambiental e econômica, por meio de propostas de políticas de gestão. A intenção era melhorar a imagem local, os aspectos, culturais, econômicos e o retorno à centralidade. Esse plano se propôs a revitalizar e requalificar o centro sem provocar gentrificação. Recorreu ao planejamento interativo com parceria entre o poder público, iniciativa privada e população. Os tipos de intervenção propostos para o centro foram a qualificação do espaço urbano público; o desenvolvimento econômico e habitacional; o incentivo ao retorno de instituições públicas para o centro; a ampliação do programa “Morar no Centro”; a valorização turística e cultural, entre outros. Esse programa se destacou por realizar a readequação de prédios abandonados e sua II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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transformação em moradias populares. A habitação é uma via segura para requalificação do centro, assim, a demanda tem sido excelente, podendo reduzir o déficit habitacional da Capital. O projeto Morar no Centro colabora na revitalização da área central de Vitória, dando função social a edifícios abandonados ou mal aproveitados e tornandoos uma ferramenta para diminuir o déficit habitacional da capital. O repovoamento da área central de Vitória, servida de toda infraestrutura (abastecimento de água, coleta de lixo e oferta de equipamentos de saúde, ensino e de lazer) (site da PMV- Sehab – 04/02/11).

O Plano Interativo do Centro para a sua requalificação inclui além dos programas citados mais um conjunto de ações integradas em que se distinguem: os Incentivos financeiros e fiscais aos proprietários e aos cidadãos que preservem imóveis e marcos históricos privados ou públicos e o “Programa de Identificações de Imóveis” de interesse histórico.

Figura 1 – Espacialização na ilha de Vitória sobre foto de Hiparc de áreas e vias abrangentes nos planos analisados. 2006. A seta aponta para o Norte de Vitória onde ficam seus bairros continentais e o Município de Serra; a Oeste fica Cariacica, do outro lado da baía, ao Sul, fica Vila Velha. Fonte: Vivian Albani; Clara Miranda (2006)

A RMGV cumpre um papel ambíguo de ser ao mesmo tempo um elo logístico desterritorializador, que serve principalmente a interesses de empresas transnacionais, e uma ligação de articulação entre a economia regional e o mercado global. Desse modo, essa ambigüidade estrutural entre instalação produtiva e urbe mostra que a RMGV constitui uma cidade de passagem, mais no sentido de “correlato da estrada” (na composição de linhas dos fluxos da globalização) do que no sentido de “ponto circuito” (polo das comutações e II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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coordenação da produção localizada nas cidades). É significativa presença de agentes externos à formação socioeconômica na definição de sua trajetória de desenvolvimento recente do Espírito Santo. A localidade da Grande Vitória certamente é mais que um campo de operações rotineiras, entretanto, não é um “teatro de acumulação” flexível. As sedes de firmas que operam no Estado estão localizadas no Rio de janeiro (CVRD, Aracruz Celulose, Petrobrás) e negociam suas ações em São Paulo, em cidades mundiais como Londres e Nova York. A função comercial da RMGV a posiciona incontestavelmente no hiperterritório da globalização. Assim, é um dispositivo de comércio exterior da rede mundial, é uma conexão entre o global e o local, que experimenta situações territoriais complexas e tendências evolutivas imprecisas. A ênfase do “[...] papel de Vitória enquanto espaço de conexão especializada” - que constituem “[...] atividades de inteligência (informações mercadológicas e estratégicas), de logística e também de operações de caráter mais especializado (serviços especializados de consultoria, apoio operacional.” - é coerente com a nova dimensão espacial da globalização. A idéia é manter “[...] a tendência concentradora das atividades econômicas na região metropolitana”, qualificá-la como locus de conexão com o comércio internacional e com a economia nacional, reforçando o papel de nó de logística e de infraestrutura em rede: ferrovia, rodovia, portos e telecomunicação (CALIMAN, 2002). Esse tipo de abordagem renova a importância das cidades envolvidas com o comércio internacional, destinando-se a atividades e funções que requerem a concentração de infraestrutura e a prestação de serviços. Para manter uma boa posição nesse contexto, as cidades precisam de zonas de negócios aliadas às zonas de transportes nacionais e internacionais. Além disso, seus espaços urbanos devem ter qualidade e multifuncionalidade, aliando atividades de negócios, comércio, moradias, lazer e educação (ASCHER, 2001). Como reverter os problemas sociais e ambientais gerados pelos grandes complexos econômicos implantados no Espírito Santo? Como regatear espaço político de negociação e de reivindicação social? A versão otimista dominante propagou o “aquecimento econômico” no Espírito Santo, em 2007, ligado ao crescimento dos empregos, ao boom imobiliário (2008), mas, também associado a novos investimentos infraestruturais no setor de petróleo e gás, na indústria de transformação e na extração mineral. Mesmo após a crise de 2008, que abalou extremamente o Estado, verificou-se que os investimentos não foram reduzidos. Eles mantêm-se para os setores II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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infraestruturais, sendo reduzida a defasagem em relação aos investimentos urbanos ou relacionados à sociedade em geral. A cidade ao olhar do economista é o lugar para o negócio. Deve dispor de vantagens comparativas dinâmicas, principalmente locacionais, de infraestrutura rodo-ferro-portuária e, em grau menor, incentivos fiscais e financeiros do Estado. Ou ainda, deve viabilizar as chamadas vantagens competitivas que estão ligadas a aspectos concentrados localmente, empresas de coordenação forte, arranjos produtivos consolidados, clusters (CALIMAN, 2003). No ponto de vista das empresas, a cidade deve ceder elementos que consolidem externalidades positivas, ou seja, ambiente técnico administrativo, serviços públicos, atividades-meio, que agreguem competências requeridas pelas empresas para a captação da subjetividade das demandas. Essas expectativas restritas dirigem a consolidação da RMGV como corredor e corroboram sua tendência a sujeitar-se a ser território das operações rotineiras da produção flexível, em outras palavras, a manter-se como território da indústria fordista e processadora de commodities, que degradam o ambiente natural e o habitado. Essa tipologia de investimento demonstra o comando dos setores coorporativos, gerando desenvolvimentos ligados aos fluxos globais desterritorializados sem, entretanto, converter-se num ponto de acumulação local expressivo (reterritorialização).

4. CONCLUSÃO A idéia de Agenda, derivada da mídia, se coloca como estruturação de percepções sobre a realidade social, referindo-se, aqui, especificamente ao tipo de enquadramento das temáticas de políticas públicas que aludem as respostas a recentes modalidades de produção do território. Aparentemente, arquitetos e urbanistas aderiram à noção de Agenda. Diane Girardo (2006) diz que os arquitetos têm tergiversado os problemas sociais e culturais. Girardo aponta urgência de atuar nas políticas públicas de intervenção da cidade, para agenciar uma agenda política. A cidade é o negócio, pois os lugares tendem a se autossustentar na base de suas infraestruturas físicas e dum espaço funcionalizado. As funções produtivas precisam, paradoxalmente, dum espaço intensivo (desfuncionalizado) de relações sociais: “Este espaço é o da cidade e dos reservatórios de qualificações e competências que elas proporcionam” (COCCO; SILVA, [s.d].). A cidade enquanto sistema de contato e interface é solicitada, o que confirma que a produtividade está largamente socializada3. De modo que “[...] planejar os territórios é cada vez mais participar substancialmente da organização da produção. [...] A

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questão não é mais a de administrar os territórios”; as políticas públicas devem colocar-se com o objetivo de desenvolvê-los. (COCCO; SILVA, [s.d].). Em 2008, no topo da pauta da mídia e dos governos estadual e municipais, estavam os investimentos em infraestrutura e na produção industrial de tipo fordista enquanto os investimentos na cidade não encontravam “ambiente” econômico e político. O investimento e a publicidade gerada pelo setor imobiliário são incorporados com ufanismo na pauta. Em 2009 se observa uma mudança substantiva nessa pauta. Em 2008-09, aparecem pautados, de modo inédito, os investimentos em saneamento/urbanismo, educação, saúde, meio ambiente e segurança pública e ainda há o setor Comércio/Serviço e Lazer. Em plena crise mundial de 2008, os investimentos – de que a cidade inteira pode se beneficiar – crescem substancialmente no setor de comércio/serviço e lazer, desde as obras de engenharia, como a construção de Shoppings centers, até empreendimentos imobiliários residenciais e comerciais. Os investimentos nesse setor consistem inclusive de obras para o comércio varejista e atacadista, para hotelaria e para o turismo de negócios na RMGV (IPES, 2009). Valores do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) colaboram para a redução da defasagem capital/cidade referida anteriormente. As prioridades desse investimento são no setor de energia e de infraestrutura social e urbana. Sem dúvida, é um investimento diverso do habitual, pois, até então, a velocidade e o volume, com que os investimentos públicos e privados têm sido encaminhados em proveito das externalidades ou da especulação, vêm obedecendo à dinâmica e aos agenciamentos da teia de relações estabelecidas pelos “centros de poder” que as grandes empresas representam. Diante do impacto da globalização na RMGV, governos, empresários locais, sociedade, população e pesquisadores situam-se diante duma temporalidade fugaz e contingente, que exige “inteligência prática”. Essa sensação de tempo fugaz, filósofos a chamam de kairós, essa rapidez e senso de oportunidade esbarram com a coexistência de distintas velocidades de trânsito das cidades de passagem. Na contramão da agenda macroeconômica, órgãos federais, estaduais e municipais, tentam responder ao “momento oportuno” com projetos de grande escala para a sociedade: o porto de águas profundas, o aeroporto internacional, os complexos culturais, outros equipamentos urbanos, projetos em habitação e infraestrutura urbana coletiva. Assuntam o pressuposto de que fazer políticas públicas seria desenvolver o território? Desenvolvê-lo em suas potencialidades imateriais (investimentos em educação aparecem pela primeira vez desde 2002), pois essas geram ambientes de alta densidade social, cultural, cognitiva e técnica. II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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Assuntam que a prioridade deve ser dada aos investimentos no capital humano e aos investimentos na organização? (MOULIER-BOUTANG, 1997). Uma cidade de passagem pode ser uma cidade de trânsito de mercadorias ou de pessoas, mas, também, pode ser um espaço liminar, uma zona de experimentação, de aprendizagem contínua,

de

inovação,

alimentando

uma

economia

dinâmica,

multipolarizada

ou

metapolarizada. Tal característica de liminaridade (gateway, como umbral) coloca a cidade numa conectividade independente dos grandes negócios de grandes empresas, mas de redes de empresas de variados tamanhos. Essa liminaridade tem de ser construída, pois, o trânsito local maior é desterritorializado. Para isso, servem os centros na globalização, servem para o cadenciamento, para atuar na definição desses fluxos, quando o ponto circuito atua em sua magnitude.

AGRADECIMENTOS Ao orientador da Tese de Doutorado de Clara Miranda Dispositivos Territoriais das redes Mundiais desenvolvida na PUCSP, em 2001-04, Nelson Brissac Peixoto, e também coordenador das pesquisas realizadas pelo Grupo MG-ES (PUCSP-Ufes), ao colega Andre Abe do Grupo Conexão-Vix (Ufes). À Facitec-PMV pela bolsa concedida ao subprojeto de Iniciação científica Transversalidades e sinergias entre os planos para a Região Metropolitana da Grande Vitória de Vivian Albani (2005-06). Agradecemos ainda a Capes a bolsa parcial de doutorado (2003).

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O Programa Cidades de Porte Médio visava a conter o intenso fluxo migratório para as grandes metrópoles (São Paulo e Rio de Janeiro), resolvendo o seus problemas de concentração econômica e populacional. As cidades médias possuíam população de 50 mil a 500 mil habitantes nos anos 1970 (ANDRADE; SERRA, 1997). 2 Pesquisa origem-destino da Ceturb-GV, do PDTU. 3 Pierre Veltz entrevista a Sonia Guelton. Pierre Veltz, Des lieux et des liens – Le territoire à l'heure de la mondialisation, éditions de l'Aube, Paris: Institut d'Urbanisme de Paris, 2003 II Seminário Internacional Urbicentros – Construir, Reconstruir, Desconstruir: morte e vida de centros urbanos Maceió (AL), 27 de setembro a 1º. de outubro de 2011

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