O cientificismo no Rio Grande do Sul: sua interface com Portugal

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O cientificismo no Rio Grande do Sul e sua interface em Portugal: um estudo de recepção e troca cultural no final do século XIX

Marçal de Menezes Paredes1

Resumo: Este artigo chama atenção para a interface portuguesa do cientificismo gaúcho. Através da análise da recepção da obra de dois importantes intelectuais do final do século XIX no Rio Grande do Sul – A terra e o homem à luz da ciência moderna, publicada em 1884 por Carlos von Koseritz e A República Federal, editada em 1881 por Joaquim Francisco de Assis Brasil –, o presente estudo expõe a existência de concomitâncias no processo de renovação de idéias e correspondências interpretativas entre o cientificismo regional e Portugal. Palavras-Chave: História das idéias. Cientificismo. Relações culturais luso-brasileiras.

Em março de 1880, Luiz Pereira Barreto, no prefácio de suas Soluções Positivas da Política Brasileira, declara o seguinte: “O Portugal de hoje não é o Portugal de há cinqüenta anos atrás”. Sua constatação tinha esteio na percepção de que “durante muito tempo, Portugal atardou-se na trilha da evolução por não se preocupar com o movimento filosófico do norte e centro da Europa. Por nossa vez, temos cometido o mesmo erro, por não querermos ver o movimento que nos deixa a perder de vista na marcha geral das nações. Estamos vivendo na persuasão de que nada temos mais a aprender com Portugal”. O intelectual paulista, positivista heterodoxo e demo-liberal, havia “tomado emprestado” o título da obra de igual propósito escrita por Teófilo Braga, chefe do positivismo portu-

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Doutor em História, Universidade de Coimbra, Portugal. Professor-substituto do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. e-mail: [email protected] Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.241-254, jan./jun. 2007 Disponível em:

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guês.2 Ele acrescenta ainda ser “nosso dever de patriotas confessar francamente que há, do outro lado do Atlântico, nessa mesma terra que nos serviu de embriogênio berço, existe hoje uma plêiade de homens cuja estatura não encontra entre nós paralelo. Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Felipe Simões, Guerra Junqueiro, G. de Vasconcelos, Eça de Queirós, Antero de Quental, Gomes Leal, Consiglieri Pedroso, Oliveira Martins, Luciano Cordeiro, Júlio de Mattos, Adolfo Coelho, Horácio Ferrari, Alexandre da Conceição, Teixeira Bastos, Cândido de Pinho, Ernesto Cabrita, Augusto Rocha, Bittencourt Raposo, Amaral Cirne, Guilherme de Azevedo e tantos outros, são todos nomes que afirmaram a autonomia de uma nacionalidade em via de progresso”.3 Mais do que indício de uma provável interface entre paulistas e portugueses, o depoimento de Luiz Pereira Barreto acusa a percepção de um processo de mudança ideária ocorrido em Portugal e que, em sentido lato, pode ser denominado “cientificismo”. Fenômeno análogo, aliás, ao que, no Brasil, foi celebrizado por Sílvio Romero como sendo a chegada de bando de idéias novas. Referindo-se ao decênio 1868-1878, o crítico sergipano manifestou, em seu discurso na recepção de Euclides da Cunha, na Academia Brasileira de Letras, em 18 de dezembro de 1906, o impacto da chegada das “idéias novas” para sua geração: “Um bando de ideias novas esvoaçou sobre nós de todos os pontos do horizonte. Hoje, depois de mais de trinta anos, hoje, que são elas correntes e andam por todas as cabeças, não têm mais o sabor da novidade, nem lembram mais as feridas que, para as espalhar, sofremos os combatentes do grande decénio. Positivismo, evolucionismo, darwinismo, crítica religiosa, naturalismo, cientificismo na poesia e no romance, folk-lore, novos processos de crítica e de história literária, transformação da intuição do direito e da política, tudo então se agitou e o brado de alarma partiu da escola do Recife”. 4

2 É consensual, entre os principais intérpretes portugueses, o diagnóstico de só ter existido em Portugal a corrente heterodoxa do positivismo, não havendo, portanto, naquele país, a derivação ortodoxa do Apostolado Positivista que, no Brasil, como se sabe, foi chefiado por Miguel Lemos e Raimundo Teixeira Mendes. Para uma análise do pensamento de Teófilo Braga, consultar HOMEM, Amadeu Carvalho. O Positivismo em Portugal: o contributo de Teófilo Braga. Coimbra: Minerva, 1989. 3 BARRETO, Luiz Pereira. Obras Filosóficas. Vol. III. Organizado por Roque Spencer Maciel de Barros. São Paulo: Humanitas, 2003, pp.18-19. 4

ROMERO, Sílvio. Provocações e Debates (Contribuições para o Estudo do Brasil Social). Porto: Livraria Chardron, 1910, p.359-360. Utilizamos aqui a edição portuguesa também como exemplo justamente da interface cultural entre Brasil e Portugal. Pode-se consultar o mencionado discurso, em edição brasileira, por exemplo, em ROMERO, Sílvio. Realidades e Ilusões do Brasil: parlamentarismo e presidencialismo e outros ensaios. Petrópolis: Vozes/ Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1979, pp.153-186.

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Recife, inevitavelmente. Claro que à pena romeriana convinha ressaltar a proeminência de Pernambuco na renovação de idéias ocorrida no Brasil, nos últimos trinta anos do século XIX.5 Essa discussão, porém, não nos interessa. Queremos chamar atenção menos para as questões de primazia e mais para o aspecto das dialogias e inter-relações entre movimentos intelectuais ocorridos em diversas partes do Brasil e em Portugal. A este respeito vale dizer que dois elementos merecem destaque na citações feitas anteriormente. O primeiro é a constatação de uma verdadeira miríade de postulados teórico-dogmáticos sendo incorporados às discussões do que já se chamou Geração de 70 luso-brasileira.6 O certo é que a chegada do bando de idéias novas manifesta-se mais pela diversidade de teorias que por uma suposta uniformidade de idéias. O consenso existia apenas quanto ao que combater: o clericalismo, o ultramontanismo, o ecletismo, a metafísica, o escravismo, a filosofia espiritualista, o aristocratismo monárquico, o romantismo. Para além da unidade frente ao “inimigo comum”, as águas dividir-se-iam em diferentes propostas políticas (monarquia-liberal/república, centralização/federalismo) e teórico-filosóficas (positivismo heterodoxo/ortodoxo, darwinismo/ transformismo, etc.). O segundo elemento a destacar é a percepção, em diferentes regiões brasileiras, da concomitância luso-brasileira desse processo de renovação ideária e, num certo sentido, da aglutinação de forças no combate contra as velhas instituições e a compreensão de mundo que as sustentavam. Neste ponto é que ressaltamos a interface da intelectualidade gaúcha nesta pugna filosófica dezenovista.

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São sintomáticas as considerações de Sílvio Romero em polêmica travada sobre a proeminência da Escola do Recife em relação ao movimento análogo de mudança ideária observado no Rio Grande do Sul, no qual Carlos von Koseritz teve papel importante. Afirma o crítico literário que, no Rio Grande do Sul, a importante ação de Carlos von Koseritz na divulgação do monismo haeckeliano deve ser entendida pela influência sua e de Tobias Barreto, pois, segundo ele “durante vinte e dois longos anos, de 1852 a 1874, Carlos von Koseritz fez jornalismo político em o Rio Grande do Sul, tomou parte em todos os debates mais notáveis ali tratados, jamais fez a propaganda por Tobias iniciada no Recife em 1870. Em 1874 é que, havendo o autor sergipano enviado a Richard Mathes, redactor então da Deutsche Zietung do Rio de Janeiro, a carta em língua alemã, cuja tradução vai neste livro, e logo após o prospecto do seu jornal naquela língua, Deutscher Kämpfler, e sendo uma coisa e outra publicadas na gazeta de Mathes, Carlos von Koseritz exultou no Rio grande, transcreveu esses artigos e pôs-se ao lado de Tobias, que nessa faina nós acompanhávamos, em termos, desde 1870”. ROMERO, Sílvio. “Considerações indispensáveis” In: BARRETO, Tobias. Estudos Alemães, Obras Completas. Volume XVIII. Sergipe: [s.ed.], 1926, p. XIX. 6

Veja-se, por exemplo, BERRINI, Beatriz. Brasil e Portugal: a Geração de 70. Porto: Campo das Letras, 2003. Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.241-254, jan./jun. 2007 Disponível em:

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II Não resta dúvida, entretanto, que o potencial crítico finissecular, simbolizado pela chegada das novas filosofias (positivismo, darwinismo, spencerianismo, haeckelianismo, etc.), bem como suas subdivisões internas (entre moderados e radicais, por exemplo), no seio de uma sociedade tradicional como a gaúcha, não passou despercebido pela intelectualidade residente no Rio Grande do Sul. Para atestarmos o que estamos a dizer, basta que prestemos atenção, uma vez mais, às palavras de Luiz Pereira Barreto, no mencionado prefácio de 1880: “Resta-me ainda um tributo a pagar, agradecendo à imprensa do Rio Grande do Sul em geral e à imprensa teuto-brasileira em particular, o honroso acolhimento que deu aos meus artigos. É com vivo estremecimento que aqui assinalo o nome de Carlos von Koseritz, o batalhador infatigável que tem posto ao serviço da pátria adotiva trinta anos de sua vida, consagrando todas as forças do seu talento à defesa dos nossos mais altos interesses intelectuais, morais e sociais, serviços esses que a nova pátria tem pago com uma iniqüidade legislativa”.7 A ação de Carlos von Koseritz8, na divulgação das idéias científicas e evolucionistas no Rio Grande do Sul, foi muito importante. Suas atividades de crítica ao teologismo e à metafísica foram, entretanto, muito inspiradas no exemplo vindo da escola do Recife, em Pernambuco, liderada por Tobias Barreto, na qual Silvio Romero teve papel fundamental. Desde 1876, ao menos, Koseritz propagava o nome de seus companheiros do nordeste brasileiro, no manifesto de lançamento de seu jornal Echo do Ultramar, editado em Porto Alegre. Conforme vemos na nota de abertura da publicação, afirmava que “muitas vezes fomos levados a refletir no fato de que a grande maioria dos nossos compatriotas [estão completamente] isolados do movimento literário e científico das outras nações,

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BARRETO, Luís Pereira. Op. cit., p.19.

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De acordo com Lothar Hessel, “Karl von Koseritz nasceu em Dessau, ducado de Anhaldt, Alemanha, em 03/02/1834 e faleceu em Porto Alegre, em 30/05/1900. Koseritz fez parte do Exército e da Armada de sua pátria. Fixou no Rio Grande do Sul em 1851. Foi soldado em Rio Grande e aprendiz de pintor, cozinheiro, carregador, operário e guarda-livros em Pelotas. Nesta última cidade, a partir de 1856, iniciou-se no magistério, dirigindo uma escola. Em 1862, dirigia outro educandário, o Ateneu Rio Grandense, na cidade de Rio Grande. Jornalista no sul da Província, foi diretor de A Sentinela do Sul, (1867) e do Jornal de Pelotas (1861), ambos de Pelotas, e diretor do Ramilhete Rio-Grandense, em 1857, em Rio Grande. Como redator, trabalhou em O Povo e O Eco do Sul, ambos de Rio Grande. A partir de 1864, foi redator, já em Porto Alegre, de A Reforma (que dirigia em 1886) e do Jornal do Comércio. Em Porto Alegre dirigiu mais, em 1886, o Combate, entre 1864 e 1881, o jornal na língua alemã Deutsche Zeitung. Aqui fundou em 1882, também em alemão, o Koseritz Deutsche Zeitung. Foi deputado à assembléia Provincial em 1882” HESSEL, Lothar Francisco. O Partenon Literário e sua obra. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro, 1976, 135.

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[mostrando-se] indiferentes pelo que neste sentido vai aparecendo entre nós, ainda que em modesta escala”. Daí surge a tentativa de “fundar um jornal semanal que à par da análise das novidades literárias se dedicasse à reprodução, por meio de elaboradas e conscienciosas traduções originais daqueles trabalhos que modernamente tem avultado na Inglaterra, Alemanha, França, Itália, etc., [tendo como objetivo] vulgarizar entre nós as idéias dominantes daqueles cultíssimos países [no sentido de buscar apresentar] aos espíritos de nossos patrícios os tesouros inexauríveis das literaturas européias”. Seu intuito era, claramente, contribuir para a criação, no Rio Grande do Sul, de “um genuíno gosto literário em lugar da exclusiva imitação de autores franceses, que hoje impera entre nós”. A inspiração no rechaço à imitação das modas parisienses vinha, entretanto, do Recife. Nesta “cruzada” em apelo às particularidades regionais, ele declara o seguinte: “alistamo-nos de todo o coração sob o pendão dos Tobias e Romeros que no Norte do Império já vão encaminhados no que agora encetamos”.9 Não surpreende, então, que Romero tenha encontrado junto à Koseritz o apoio necessário à publicação de seu livro, A Filosofia no Brasil, em 1878. Para Guilhermino César, tímidos eram os traços realistas do teutogaúcho, recém chegado da Alemanha. Foi no Brasil e por influência pernambucana, que Koseritz teria as linhas gerais de seu pensamento, aliás, inclusive, a influência da filosofia de Ernst Haeckel. Em termos gerais, pode-se dizer que tanto Koseritz quanto Tobias Barreto, um dos líderes da Escola do Recife, possuíam o mesmo objetivo: a substituição do idealismo romântico e a divulgação do criticismo cientificista. O Rio Grande do Sul, diz Guilhermino César, “sempre inquieto, deu-lhe uma tribuna afeiçoada ao que pretendia dizer. O alemão deparou o campo meio limpo – e plantou. No jornal, como nos trabalhos sobre o homem primitivo e a imigração, etnologia, folclore e paleontologia, o que sobrenada da sua obra não é só o liberal no sentido político-partidário, mas em particular o racionalista agressivo e contundente. Aliou-se por isso aos que no Brasil e Portugal defendiam também o evolucionismo. Estreitou relações com Sílvio Romero e Teófilo Braga, não sem lhes dizer com franqueza o que pensava de suas obras e doutrinas, apontando as razões da divergência e narrando aos companheiros as dificuldades que encontrava”.10 As considerações de César são reforçadas por Antônio da Rocha Almeida. Segundo este, a interface de Carlos von Koseritz com os líderes da chamada Escola do Recife, bem como com os intelectuais portugueses teve nas pági-

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Echo do Ultramar, literatura, ciências e artes. N.º1, Ano 1, 1876, Porto Alegre, p.1.

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CÉSAR, Guilhermino. História da Literatura do Rio Grande do Sul (1737-1902). Porto Alegre: Editora Globo. Coleção Província, Volume 10, 1956, p.251-252. Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.241-254, jan./jun. 2007 Disponível em:

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nas do jornal O Combate um campo privilegiado de interação, debate e divulgação cultural.11 Mas se a mudança de idéias ocorrida em Portugal era percebida pelos brasileiros – como atestam Luiz Pereira Barreto, Sílvio Romero e Carlos von Koseritz –, a chegada do bando de idéias novas ao Brasil também foi acompanhada pela intelectualidade portuguesa? Não apenas foi percebida, mas foi acompanhada com vivo apreço, diga-se. Não parece ser outra a impressão que se tem do comentário escrito pelo português Júlio de Mattos na revista O Positivismo, editada em Lisboa e dirigida por ele e por Teófilo Braga. Conforme o mencionado autor, entre Portugal e Brasil havia “uma elaboração mental, um princípio de renovamento literário, sintomas um tanto raros ainda, é certo, mas que não deixam por isso de ter importância para a previsão dos destinos espirituais destas nações”. Escrevendo em 1879, Julio de Mattos traça paralelos e analogias da cena cultural, considerando que “no Brasil, como cá, os homens superiores que tentam colocar-se ao nível do pensamento moderno, que procuram impulsar o espírito público no sentido da ciência e dos métodos hodiernos, constituem na hora presente o menor número; formam a pequena família dos que a ignorância geral chama revolucionários, a despeito dos meios pacíficos da sua nobre propaganda e do intuito construtivo que nunca os abandona no seu trabalho obscuro e desprotegido”.12 A circulação de idéias entre as diferentes províncias brasileiras e Portugal é confirmada nas páginas de O Positivismo que, em secção específica, informava a seus leitores o intercâmbio de publicações realizado pelos editores da revista – Teófilo Braga e Júlio de Mattos – mencionando, da mesma forma, as revistas, livros e jornais recebidos. No número 6, fascículo Agosto/Setembro, de 1879, estava impresso, na contracapa da revista, o recebimento de A Filosofia no Brasil, de Silvio Romero, das Vigílias literárias, de Clóvis Beviláqua e José Isidro Martins Júnior, bem como da Oração fúnebre de António Cândido da Costa.13 No fascículo de outubro/ novembro de 1880, vemos explícito o intercâmbio: “temos continuado a receber com regularidade os periódicos brasileiros Tribuna Liberal e Gazeta

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Antônio da Rocha Almeida informa que em “10/04/1886 aparecia, de sua propriedade O Combate, de parceria com Argemiro Galvão, a lutar contra a Igreja e a Companhia de Jesus. Na lista dos colaboradores vinham Silvio Romero, Tobias Barreto, Graciano Azambuja, Rangel Pestana, Campos Sales, Teófilo Braga, Alcides Lima, Teófilo Mesquita, Oliveira Martins”. ALMEIDA, Antônio da Rocha, “Vultos da Pátria – 260 – Carlos von Koseritz”, Jornal Correio do Povo, 15/08/1965. 12 MATTOS, Júlio de. Secção “Variedades”. O Positivismo: revista de filosofia. Ano I, n.º5, junhojulho, 1879. In: O Positivismo: revista de filosofia. Direcção Teófilo Braga e Júlio Mattos. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz Editores, Volume I (números 1 a 6), 1879, p.402. 13

O Positivismo: revista de filosofia. Primeiro Ano, n.º 6, agosto/setembro, 1879, Contracapa. In: O Positivismo: revista de filosofia. Direcção Teófilo Braga e Júlio Mattos. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz Editores, Volume III (números 1 a 6), 1880, 449p.

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de Porto Alegre. Recebemos o Echo Académico e o Arquivo Literário. Dos livros que nos ofereceram de Portugal e Brasil adiamos a nossa apreciação por falta de espaço”.14 Comunicados como este são bastante recorrentes nas páginas da mencionada revista portuguesa.15 Em 1880, no fascículo de fevereiro/março, Júlio de Mattos retoma o assunto sobre a popularização das idéias positivas no Brasil. No texto “A Popularização das ideias positivas no Brasil” afirma que “vão-se tornando manifesto e cada vez mais acentuados os sintomas de renovação mental no Brasil. Na filosofia como na literatura e na ciência, são evidentes os esforços com que naquele vasto país se tentam partir os moldes consagrados, mudar a direcção tradicional dos espíritos, combater os preconceitos teológicos e metafísicos, velhos ídolos perniciosos dia a dia eliminados diante das aspirações da consciência moderna”. Conforme ainda Júlio de Mattos, este movimento de renovação nas idéias possui, tanto no Brasil como em Portugal, os obstáculos da tradição e da inércia a serem vencidos para sua ideal realização. Diz ele ainda que, “no entanto a agitação que actualmente se manifesta o Brasil e em Portugal é indício seguro de que se há de entrar num caminho de progresso, porque muitos espíritos se sentem mal e aspiram a encontrar-se melhor”. Assim sendo, faz votos de que “obreiros do pensamento novo se reunam na evangelização dos seus credos literários, científicos e filosóficos, e as aspirações de hoje serão as realidades de amanhã”. Para isto, acredita no poder da associação das forças positivas em âmbito luso-brasileiro, pois, para ele, “associar forças é centuplicá-las; associem-se pois os pensadores brasileiros que assim conseguirão de um modo lento mas seguro o renovamento a que se propõem”.16

14 O Positivismo: revista de filosofia. Terceiro Ano, n.1, outubro-novembro, 1880. O Positivismo: revista de filosofia. Direcção Teófilo Braga e Júlio Mattos. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz Editores, Volume III (números 1 a 6), 1880, 449p. 15 Por exemplo: “Temos continuado a receber com regularidade os periódicos brasileiros Tribuna Liberal e Gazeta de Porto Alegre. Recebemos o Echo Académico e o Arquivo Literário. Dos livros que nos ofereceram de Portugal e Brasil adiamos a nossa apreciação por falta de espaço”. O Positivismo: revista de filosofia. Terceiro Ano, n.2, dezembro-janeiro, 1881. Assim como: “temos continuado a receber com toda regularidade as revistas estrangeiras e nacionais que nos fascículos anteriores costumamos nomear nesta página. Recebemos mais o Pantheon, revista literária, e a Sentinela da Fronteira. A todos, os nossos agradecimentos”. O Positivismo: revista de filosofia. Terceiro Ano, n.3, fevereiro-março, 1881. E ainda: “além das publicações costumadas recebemos mais, do Brasil: A Pátria Brasileira de Teixeira Mendes e Visões de Hoje, de Martins Júnior, livros que não podemos examinar agora por falta de espaço”. O Positivismo: revista de filosofia. Terceiro Ano, n.6, Agosto-Setembro, 1881. 16 MATTOS, Júlio de. “Popularização da Filosofia Positiva no Brasil”. O Positivismo: revista de filosofia. Segundo Ano, n.3, fevereiro/março, 1880, In: O Positivismo: Revista de Filosofia. Direcção Teófilo Braga e Júlio Mattos. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz Editores, Volume II (números 1 a 6), 1879-1880, p.250.

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Será neste ambiente de propaganda ideária que dois importantes intelectuais do Rio Grande do Sul terão suas obras recebidas e analisadas em Portugal: o pensamento de Carlos von Koseritz será comentado nas páginas da Revista de Estudos Livres e as idéias de Joaquim Francisco de Assis Brasil serão positivamente consideradas nas páginas da revista O Positivismo. Ao estudo destes casos de interface e recepção cultural nos ocuparemos a seguir.

III Júlio de Mattos não foi o único positivista português a fazer a recepção de textos brasileiros.17 Na Revista de Estudos Livres, Teixeira Bastos e Teófilo Braga noticiaram o surgimento de diversos opúsculos brasileiros que buscavam a divulgação da ciência positiva junto a seus congêneres lusitanos.18 Quanto à recepção da obra de Carlos von Koseritz, A Terra e o Homem à luz da moderna ciência, publicada em Porto Alegre, em 1884,19 Teixeira Bastos considera tratar-se de “uma obra de divulgação científica”, ressaltando que Koseritz era “discípulo e amigo do grande Haeckel, e como ele partidário convicto da filosofia monística, doutrina que tem imensas afini-

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No cômputo das recepções críticas feitas por Teixeira Bastos, constam textos sobre a obra de Silvio Romero Introdução à história da literatura brasileira, publicado no Rio de Janeiro em 1882, sobre o livro A Terra e o Homem à luz da moderna ciência, publicada em Porto Alegre, em 1884, por Carlos von Koseritz. Teófilo Braga fez a recepção crítica também da obra de Alberto Sales, publicada em São Paulo em 1885. Além destas recepções, observa-se nas páginas da Revista de Estudos Livres também a publicação, na íntegra, de dois artigos de autores brasileiros: Isidro Martins Júnior e seu estudo sobre A função histórica da economia política e o importante texto de Sílvio Romero sobre As Teorias da História da Literatura Brasileira que, anos depois, serviria como parte introdutória à sua História da Literatura Brasileira, editada em 1888. 18 Embora Beatriz Berrini afirme ter havido pouca abertura das publicações portuguesas a escritores brasileiros, nossa pesquisa identificou, na Revista Ocidental, dirigida por Jaime Batalha Reis e Antero de Quental (1875), na Revista de Estudos Livres, dirigida por Teófilo Braga, Teixeira Bastos, Sílvio Romero, Carlos von Koseritz e Américo Brasiliense (1883-1884 e 1885-1886), e ainda na revista O Positivismo, dirigida por Teófilo Braga e Júlio de Mattos (1879-1880), bem como na Revista de Portugal, dirigida por Eça de Queirós, uma interessante e profícua relação entre os escritores brasileiros e portugueses. Nesse caso, além das recepções críticas do que era publicado no Brasil, também vemos artigos importantes de brasileiros publicados em algumas dessas revistas. Para mais informações PAREDES, Marcal de Menezes. Fronteiras Culturais Luso-Brasileiras: Demarcações da História e Escalas Identitárias (1870-1910). Coimbra: Faculdade de Letras. Tese de Doutoramento em História, 2007. 19

BASTOS, Teixeira. “A Terra e o Homem à luz da moderna ciência. Duas conferências feitas em 1878 por Carlos von Koseritz. Porto Alegre, 1884, 151p”. In: Secção “Bibliografia” Revista de Estudos Livres, ano II, 1885-1886, Directores literário-científicos Doutor Teófilo Braga e Teixeira Bastos. Lisboa: Nova Livraria Internacional, 1887.

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dades com o positivismo, como o compreendem hoje muitos pensadores, sobretudo italianos, e mesmo como é interpretado entre nós”. A atitude do escritor teuto-gaúcho é elogiada, pois visava a “naturalmente a destruir nos seus fundamentos o velho teologismo e as doutrinas metafísicas, que dominam os espíritos no novo continente com a mesma força que ainda tem no antigo”.20 O paralelo traçado entre o combate de idéias em âmbito luso-brasileiro parece evidente, fato que, certamente, abriu as portas para os escritores gaúchos divulgarem suas idéias em Portugal. Seguiremos mais um pouco as considerações de Teixeira Bastos sobre o opúsculo de Koseritz, por ele considerado “um trabalho de vulgarização”. Seu autor é referenciado como “um dos homens que mais honram as letras contemporâneas no Brasil, sua pátria adoptiva”. Apresenta ao leitor a origem alemã de Koseritz, aludindo que é “discípulo e amigo do grande Haeckel, e como ele um partidário convicto da filosofia monística, doutrina que tem imensas afinidades com o positivismo, como o compreendem hoje muitos pensadores, sobretudo italianos, e mesmo como é interpretado entre nós”. O mencionado português informa o tema das duas conferências que deram origem à publicação de Koseritz: a primeira tratava da teoria da evolução sob uma perspectiva bastante naturalista; a segunda versava sobre a teoria da descendência e da selecção de um ponto de vista caro às teses de Haeckel. Nesse ponto, vale ressaltar que Teixeira Bastos faz ressalvas à adoção por Koseritz das teses de Haeckel sob um ponto de vista “dogmático”, fato que o próprio jornalista gaúcho declarava abertamente. A esse respeito, o crítico positivista português emenda o alemão naturalizado brasileiro dizendo que aceita as teses haeckelianas, mas como “hipótese”. Vale realçar que as informações sobre a filiação teórica haeckeliana de Koseritz foram informadas por ele mesmo aos positivistas lusitanos. Em carta a Teófilo Braga, escrita em Porto Alegre, em 22 de dezembro de 1884, definia-se como um “darwinista convencido”, um “franco adepto da escola de Jena, materialista científico” e que divulgava com “coragem” as idéias propagadas pelo espírito da moderna ciência “numa terra essencialmente metafísica pela educação oficial”. Koseritz enviara a missiva em forma de agradecimento às apreciação que Teófilo tinha feito sobre seu outro livro, Bosquejos etnológicos.21 Na carta, afirma ainda que na divulgação científica está “o único mérito do trabalho, que dediquei aos meus poucos companheiros brasileiros” [Silvio Romero e Tobias Barreto], aduzindo, ainda, saber que Teófilo Braga era “positivista e que como tal não partilha todas as minhas opiniões, não obstante, porém, considerará

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BASTOS, Teixeira. Op. cit., p.96. O grifo é nosso.

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Fragmentos deste trabalho estão transcritos em GERTZ, René. Karl von Koseritz: seleção de textos. Porto Alegre: Edipucrs (Coleção Pensadores Gaúchos), 1999. Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.241-254, jan./jun. 2007 Disponível em:

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o meu livrinho como um sintoma culturhistórico no Brasil e como tal lhe dedicará alguns momentos de atenção”.22 Teixeira Bastos, discípulo de Teófilo Braga, aduzia, ainda, que, no seu conjunto, a obra de Koseritz “merece os nossos sinceros elogios como um valioso trabalho de propaganda científica, que, honrando o autor, deve ser um incentivo de estudo para as gerações brasileiras contemporâneas”.23 As diferenças teóricas existentes entre os positivismos ortodoxo e heterodoxo, o darwinismo, o materialismo monista de Ernst Haeckel e o evolucionismo de Herbert Spencer vão muito além dos objetivos deste trabalho. Apenas como referência, importa considerar que se, por um lado, todas estas correntes teóricas compaginam-se na perspectiva cientificista (em oposição ao clericalismo, por exemplo), por outro, elas se distanciam muito entre si em diversas questões teóricas referentes à compreensão cosmológica ou no que concerne às mobilizações da temporalidade, bem como no que diz respeito ao encadeamento destes postulados com propostas políticas muito concretas (ditadura/democracia, centralismo/federalismo, etc.).24 O certo é que, no final do século XIX, os debates em torno destas inúmeras alternativas ocuparam sobremaneira a intelectualidade luso-brasileira, neste âmbito incluída, obviamente, a existente no Rio Grande do Sul.

IV Joaquim Francisco de Assis Brasil é outro autor que merece destaque nesta interface luso-brasileira da intelectualidade gaúcha. Seu opúsculo A República Federal, publicado em 1881, no Rio de Janeiro, foi comentado com interesse pelos positivistas portugueses. Dentre eles, coube ao médico legista Júlio de Mattos fazer um longo texto no qual incorpora uma série de considerações da obra de Assis Brasil, aplicando-as ao contexto ibérico da época. Ressurge, uma vez mais, o paralelo entre “velhas”

22 Carta de Carlos von Koseritz a Teófilo Braga de 22/12/1884. In: Quarenta Anos de Vida Literária 1860-1900) – Cartas a Teófilo Braga, com um prólogo “Autobiografia mental de um pensador isolado”. Lisboa: Tipografia Lusitana – Editora Artur Brandão, 1902, p.210-211. 23

BASTOS, Teixeira, “A Terra e o Homem à luz da moderna ciência. Duas conferências feitas em 1878 por Carlos von Koseritz. Porto Alegre, 1884, 151p”. In: Secção “Bibliografia” Revista de Estudos Livres, ano II, 1885-1886, Directores literário-científicos Doutor Teófilo Braga e Teixeira Bastos. Lisboa: Nova Livraria Internacional, 1887, p.97. 24 Consultar, entre outros, BECQUEMONT, Daniel. Darwin, Darwinisme, Évolutionisme. Paris : Édition Kimé, 1992 ; MAYR, Ernst. Una larga controversia : Darwin y el darwinismo. Barcelona : Crítica, 1992 ; MONTALENTI, Guiseppe. Carles Darwin. Lisboa: Edições 70, 1984 e PEREIRA, Ana Leonor. Darwin em Portugal. Filosofia. História. Engenharia Social. Coimbra: Almedina, 2001.

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e “novas” idéias, articulado em larga escala (inclua-se nisto, diversas regiões espanholas, portuguesas e brasileiras, como se verá). No número 6, fascículo de agosto/setembro de 1881, o positivista lusitano considera que “A República Federal é o título de um formoso volume que acaba de ser-nos oferecido pelo autor, um dos talentos mais robustos e mais bem orientados da moderna geração brasileira”. Trata-se de um “volume tão vigorosamente pensado como vagarosamente escrito” que se destina aos que “«alimentam a aspiração revolucionária, sem disciplina e, muitas vezes, com perfeita consciência»”.25 Por isso, veremos que a compreensão positivista de Assis Brasil – acerca da necessária suplantação da Monarquia pela República – foi também ecoada por Júlio de Mattos, em Portugal. Um positivismo demo-liberal, de inspiração necessariamente cosmopolita, buscava alianças na circulação de idéias e na divulgação doutrinária nas duas margens atlânticas. Daí que Julio de Mattos propagasse que “a questão de amanhã para os países de raça latina não é de monarquia ou de república, mas de unitarismo ou federalismo”. É que, segundo rezava a doutrina positivista não-radical, a troca do regime monárquico pelo republicano se resolveria pela simples consumação de “leis da história”. Segundo o português, “a república far-se-á, graças à monarquia, que é apenas uma transigência provisória entre a tirania e a liberdade e que, porque o é, dia a dia nos está mostrando de um modo iniludível, consequente, fatal a pouca consistência dos seus sofismas e a sua manifesta incompatibilidade com a corrente das modernas aspirações”.26 Ora, deste trecho, já podemos tirar algumas ilações interessantes. Por exemplo, a compreensão que a “evolução” fará extinguir a Monarquia, no Brasil e em Portugal, pelo seu natural desenvolvimento. Há, aqui, um exemplo curioso do amálgama existente entre as teorias naturalistas do final do século XIX, com o projeto político republicano, de cariz positivista. Entenda-se que a aceitação tácita deste postulado histórico – e natural, consoantes as teorias válidas na época – condicionou a recepção e divulgação da obra de Assis Brasil em Portugal: se a evolução tinha rumo certo (a República), importaria discutir acerca da forma que esta assumirá no futuro (unitarista ou federalista). Não surpreende, assim, que Júlio de Mattos afirmasse que “a parte do livro do Sr. Assis Brasil que mais nos interessou é a que se refere ao federalismo e em que esta ideia se

25

MATTOS, Júlio de. “A República Federal, por Assis Brasil” O Positivismo: revista de filosofia. Terceiro Ano, n.6, agosto/setembro, 1881. O Positivismo: revista de filosofia. Terceiro Ano, n.4, abril/maio, 1881. O Positivismo: Revista de Filosofia. Direcção Teófilo Braga e Júlio Mattos. Porto: Livraria Universal de Magalhães & Moniz Editores, Volume III (números 1 a 6), 1880, p.438. 26

MATTOS, Júlio de, Op. cit., p.439-440. Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.241-254, jan./jun. 2007 Disponível em:

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discute, confrontando-a teórica e praticamente com a sua antagónica – o unitarismo. É brilhante e extraordinariamente vigorosa esta parte do livro”.27 E será justamente no tocante à discussão entre unitarismo e federalismo que o autor português, a respeito das idéias de Assis Brasil, estabelece paralelos interessantes entre os contextos português e brasileiro. Deste modo, Júlio de Mattos dirá que “assim como aos brasileiros, a nós, portugueses, embora por motivos em parte diferentes, a discussão madura dos sistemas federal e unitário importa-nos duplamente: como questão interna e como questão internacional”. Enquanto questão interna, argumentava que “o federalismo representa a total inversão dos nossos atrofiantes hábitos actuais [pois reforça] “a mais ampla expressão democrática da descentralização”, fato que fazia os positivistas portugueses preconizarem a esfera municipal como estruturação administrativa republicana. Como questão internacional, dizia Mattos, porque o debate unitarismo/federalismo exprimiria a relação de um país pequeno territorialmente como Portugal diante de um país de maiores dimensões, como a Espanha, onde debate-se muito a questão do unitarismo e da federação. Para Mattos, “Portugal, como o Brasil, como a Espanha, como todos os países monárquicos, vive na centralização mais completa e mais asfixiante que é dado conceber”.28 Tal como Assis Brasil, relativamente ao Brasil, Júlio de Mattos, alusivamente a Portugal, menciona a importância de estabelecer um regime federativo em seus países, no sentido de diminuir a força do centralismo político, representado pela monarquia e entendido como óbice sufocante ao desenvolvimento social. Feitas estas considerações, afirma que em face ao exterior, “a questão federal não é menos séria nem menos importante” para Portugal. Afinal, avizinha-se a Espanha que é considerada como um “vasto país formado pela junção violenta de muitos estados, de muitas nacionalidades diferentes, que a despeito da unificação secular que as reduziu à categoria de simples províncias de um grande todo, nem por isso deixam de reclamar a sua autonomia, como as revoluções separatistas e cantonais do tempo da República o demonstram”. Por isso, para Júlio de Mattos, “os espíritos sérios em Espanha têm apenas uma esperança – a federação”, lembrando o nome de Pi y Margall,29 que propunha a autonomia das

27

Idem, ibidem, p.440.

28

Idem, ibidem, p.440-441.

29

Veja-se, por exemplo, PI Y MARGALL, Francisco. Las nacionalidades. Madrid: Imprenta y Libreria de Eduardo Martinez, 1877 e PAXECO, Fran. Portugal não é ibérico. Lisboa: Tipografia Torres, 1932.

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regiões espanholas e a existência de diversas nacionalidades no âmbito ibérico. Frente a um quadro ibérico de possível fragmentação, não restava ao positivismo português outro questionamento, senão este: que resta a Portugal fazer? “Proclamar uma república unitária? Seria criarmo-nos uma situação absurda, perder todos os benefícios da confederação, alienar enfim todas as simpatias desses estados, vizinhos no território e irmãos na raça. O que naturalmente nos convinha fazer, o que logicamente deveríamos fazer – era entrar com os nossos hábitos tradicionais de autonomia na vasta confederação dos Estados Unidos da península ibérica. Só o não compreenderão assim os que ainda hoje, mau grado todos os progressos das ciências sociais, persistem no erro lastimoso de confundir federação e unionismo”.30 Em última instância, pode-se dizer que foi em tal atmosfera intelectual e política que os ecos do positivismo rio-grandense de Assis Brasil foi introduzido nas discussões acerca da reestruturação positivista e republicana em Portugal, pois, conforme Mattos, suas considerações foram feitas “simplesmente para mostrar ao talentoso autor de A República Federal todo o interesse que nos despertaram os capítulos do seu livro em que debate a questão do unitarismo e dos federalismo [desejando que esta obra] se propague em edições sucessivas de modo a levar tão longe quanto possível as justas ideias que contem”.31

V O presente texto teve apenas e tão-só o propósito de revelar a leitura que os positivistas portugueses fizeram de duas obras de intelectuais gaúchos, A terra e o homem à luz da ciência moderna, de Carlos von Koseritz, editada em 1878, e A República Federal, de Joaquim Francisco de Assis Brasil, publicada em 1881. Este propósito, entretanto, possui, em nosso entender, um alcance alargado do ponto de vista teórico-metodológico, a saber: que os movimentos filosóficos e de divulgação ideária, existentes em profusão no final do século XIX, não se resumiam às escalas regionais e nacionais, mas abrangiam linhas de contato e interfaces em diversas direções, estabelecendo relações em escalas transnacionais. Frente a esta questão, cabe ao historiador estar atento ao fato que, se o trio analítico cientificismo/positivismo/autoritarismo assumiu características bastante

30

Idem, ibidem, p.443.

31

O que de fato aconteceu. A República Federal, editada inicialmente em 1881, foi reimpressa em 1885, 1887, 1888 e 1889, conforme ASSIS BRASIL, Joaquim Francisco de. Joaquim Pedro de Assis Brasil: perfil biográfico e discursos (1857-1938). Organização de Carmen Aita. Porto Alegre: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2006. Idem, ibidem, idem. Ciênc. let., Porto Alegre, n.41, p.241-254, jan./jun. 2007 Disponível em:

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específicas no Rio Grande do Sul, como se sabe, esta referencialidade regional não pode ser tomada como ponto de partida analítico, mas precisa, antes, ser considerada como o momento jusante de um longo processo de reconfigurações teórico-políticas em escopo bastante mais expandido. Nas interfaces à montante, incluem-se, sem dúvida, articulações e trocas culturais com diversas regiões brasileiras (Pernambuco e São Paulo, por exemplo), bem como internacionais (positivismo português). Dito de outro modo: a assunção da escala regional como referencialidade primacial para o entendimento de uma “intelectualidade gaúcha” deve ser entendida como construção inerente à dispersão dos postulados da chamada geração de 1870 e do bando de idéias novas que esvoaçou no horizonte, no final do século XIX, como se disse à época, e como bem se sabia no Rio Grande do Sul.

Recebido em abril de 2007. Aprovado em maio de 2007.

Title: Scientificism in Rio Grande do Sul and its interface in Portugal: a Study of Reception and Cultural Exchange in the late Nineteenth Century. Abstract: This article studies the Portuguese interface of gaúcho scientificism. Trough an analysis of the reception of the works of two important late nineteenth century intellectuals in Rio Grande do Sul – A terra e o homem à luz da ciência moderna, published in 1884 by Carlos von Koseritz and A República Federal, published in 1881 by Joaquim Francisco de Assis Brasil –, this paper shows the existence of concomitants in the process of renewal of ideas and interpretative correspondence between the regional scientificism and Portugal. Key-words: History of ideas. Scientificism. Luso-Brazilian cultural relationship.

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