O cinema amador em Cinearte

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O cinema amador em Cinearte1      

Amateur cinema in Cinearte Lila Foster2 (Doutoranda – Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais – ECA/USP)

Resumo: Breve descrição das colunas dedicadas ao cinema amador Um pouco de técnica e O desenvolvimento do cinema de amadores em nosso país publicadas na revista Cinearte entre 1926 e 1930. Nelas encontramos os primeiros indícios da formação do campo do cinema amador no Brasil.

Palavras-chave: Cinema brasileiro, cinema amador, Cinearte.

Abstract: Brief description of the columns dedicated to amateur cinema published in Cinearte magazine between 1926 and 1930. Therein we find initial evidence of the formation of the amateur cinema field in Brazil.

Keywords: Brazilian cinema, amateur cinema, Cinearte.

                                                                                                                        1

   Trabalho  apresentado  no  XVII  Encontro  Socine  de  Estudos  de  Cinema  e  Audiovisual  na  sessão   Cinema   no   Brasil:   dos   primeiros   tempos   à   década   de   1950,   Unisul,   Florianópolis   –   Santa   Catarina.   Publicado   nos   Anais   de   Textos   Completos   do   XVII   Encontro   Socine   Acessado   em:   http://www.socine.org.br/anais/2013/AnaisDeTextosCompletos%28XVII%29.pdf.     2    Mestre  pelo  Programa  de  Pós-­‐Graduação  em  Imagem  e  Som  -­‐  UFSCar  com  projeto  dedicado  ao   acervo  de  filmes  domésticos  da  Cinemateca  Brasileira.    

 

   

  Desde a sua primeira edição, lançada em março de 1926, a revista Cinearte

dedicou especial atenção ao cinema amador. Entre 1926 e 1932, foram publicadas aproximadamente 250 colunas assumindo três títulos diferentes: “Um pouco de técnica”, “O desenvolvimento do cinema de amadores em nosso país” e “Cinema de Amadores”. Adquirindo feições diversas no que tange ao perfil do amador ao qual se endereçavam, as flutuações e as particularidades das colunas são respostas ao meio cinematográfico ainda em formação, compreendendo aqui o seu aspecto mais amplo incluindo a produção de filmes, a exibição, a distribuição e técnica cinematográfica. O que segue é uma breve descrição das colunas dedicadas ao cinema amador em Cinearte, como elas ecoaram as transformações no mercado cinematográfico carioca e a campanha pelo cinema nacional empreendida pelo grupo da revista. Para entendermos a formação do campo do cinema amador no Brasil é preciso considerar um dos marcos da cultura amadora: o lançamento, em 1923, da CineKodak, uma câmera 16mm que utilizava o filme reversível, o que possibilitou o barateamento do processamento de filmes e estabeleceu o 16mm como bitola para uso amador. Em 1922, a empresa francesa Pathé também lançara a Pathé-Baby, câmera leve e de fácil manuseio utilizando o filme 9,5mm. O começo dos anos 1920 marca, portanto, a escalada mundial do equipamento amador incluindo a venda de projetores, câmeras, aluguel de filmes e uma forte campanha de marketing por parte das empresas. Em meados da década de 1920, a coluna “Um pouco de técnica” já trazia referências a lojas de equipamentos Pathé-Baby e Cine-Kodak apontando para a presença, mesmo que incipiente, do segmento amador no mercado brasileiro. Entre março de 1926 e novembro de 1927 foram publicadas setenta colunas “Um pouco de técnica”. De forma geral, podemos dividir as colunas em quatro eixos temáticos: noções de fotografia e cinematografia, técnicas laboratoriais e aparelhos (n.01 ao n.18), manutenção e conservação de cópias, distribuição de filmes, exibição e estruturas de projeção (n.20 ao n.55), técnicas de colorização e receitas de viragem e de tingimento (n.57 ao n.65) e cinema amador (n.71 ao n.90). Dirigida inicialmente ao amador da cinematografia, o público-alvo de “Um pouco de técnica” não se restringia aos amadores e variava de acordo com eixos temáticos incluindo também operadores profissionais e projecionistas. Escrita pelo anônimo Filmophilo, todas elas são ilustradas com fotos de filmagens, estúdios, cinemas ou laboratórios estrangeiros, fortalecendo a imagem de um ideal estrangeiro  

      a ser alcançado. Algumas trazem no final pequenas fofocas ou comentários sobre o cinema americano e máximas que ecoam a campanha de industrialização do cinema nacional implementada pela revista: “Se apreciarmos com cuidado um filme nacional teremos o prazer de ver o nosso rápido desenvolvimento cinematográfico” (Cinearte, v.01, n.19, 7 de julho de 1926) e “A indústria espanhola está em grande atividade e já se pensa em proibir a entrada de filmes estrangeiros! E a filmagem brasileira?” (Cinearte, v.01. n.08, 21 de abril de 1926). No primeiro eixo temático as colunas são bem detalhadas com informações sobre fotometria, aparelhos, fórmulas para revelação. Na primeira coluna, o redator estabelece a quem ela é direcionada: Esta seção se destina aos amadores de cinematografia. A multiplicidade dos aparelhos ao alcance de todas as bolsas que hoje se encontram no mercado, de diferentes marcas e várias origens, cada vez torna mais possível a adoção de mais essa diversão por parte dos leigos no assunto (…) Os amadores são de diferentes espécies também. Uns se dedicam apenas à tomada de vistas deixando as operações posteriores, revelação, fixagem e impressão ao cuidado dos laboratórios que tantos existem hoje e todos não tendo mãos a medir esse novo maná que do céu lhes cai sob o aspecto de filmes de amadores a revelar. Outros, porém, e principalmente os do interior, que não dispõem de laboratórios que lhes aliviem a tarefa, adquirindo um aparelho de tomada de vistas, tem que se prover da demais aparelhagem para as operações fotográficas indispensáveis. A esses, especialmente, é que deverá interessar esta seção (Cinearte, “Um pouco de técnica”, v.01, n.01, fev.1926).

Os aparelhos ao alcance de todas as bolsas não são necessariamente as câmeras amadoras disponíveis no mercado e incluem as máquinas de tomadas de vistas em 35mm. Ao se dirigir aos operadores que trabalham com cinema, os profissionais do período, e àqueles cinegrafistas do interior carentes de informação, o que se pretende é ensinar a própria técnica cinematográfica e aperfeiçoá-la já que diversas vezes o redator critica a qualidade técnica dos filmes nacionais. Em outros momentos, o circuito cinematográfico no Rio de Janeiro também é criticado. A qualidade das salas de exibição, das projeções e dos cuidados com as cópias durante a distribuição é o que marca as colunas do n.20 ao n.55. Em um período no qual novas salas começavam a ser abertas na Cinelândia, a atenção se volta para as novas estruturas do comércio cinematográfico, com elogios aos novos  

      cinemas, porém sempre com advertências. Nas colunas seguem detalhados parâmetros técnicos para câmaras de projeção, como fazer emendas e conservar cópias, a lubrificação ideal dos projetores, a distância ideal das telas de cinema e padrões de segurança e precaução de incêndios: uma campanha pela normatização técnica desses novos espaços. No terceiro eixo temático, os textos dedicados às técnicas de colorização, muitas delas traduzidas dos manuais da Kodak mantêm como público-alvo tanto profissionais como amadores. A virada para um público mais específico acontece na edição n.71: O CINEMA AMADOR O cinema parece disposto a tomar o lugar da fotografia também. Substituindo as maquinazinhas Kodaks e outras, já vão aparecendo na mão de muita gente as pequenas máquinas de Cinema. Cinearte, na ânsia de progredir, vai dar mais atenção a esta seção de técnica que passará a ser fornecida em doses maiores e o cinema amador será uma das nossas principais cogitações. Dará, além de tudo, mais um impulso à indústria brasileira. Passar de amador a operador de verdade não é coisa impossível. E o que são muitos dos nossos produtores, artistas e operadores, senão adoráveis amadores? (Cinearte, Um pouco de técnica, v.01, n.71, 6 de julho de 1927, p.25).

A generalização da qualificação amadora para o profissional implica que o amadorismo aqui é mais uma condição do que um fator de distinção entre produtores de imagem. Após exaustivas colunas técnicas, tal definição aponta a condição ainda artesanal do cinema brasileiro do período, sendo o acesso ao conhecimento um fator que contribuiria para a superação desta etapa. Filmar no Brasil também implica estar longe dos centros que produzem a matéria-prima para a manufatura cinematográfica. Compartilhar fórmulas químicas, processos laboratoriais e comemorar a invenção de uma nova película mais sensível, o que possibilitaria a economia de eletricidade em diversas filmagens, se torna fundamental para a própria constituição do cinema nacional como mostra o título Teremos cinema no Brasil na seção que anuncia a invenção de uma película hiper-sensível. Mesmo que as câmeras específicas para o nicho amador já tivessem sido citadas, com a virada da coluna elas receberão mais atenção. Depois do n.71, a coluna é interrompida por sete edições e retorna com a transcrição de um livro estrangeiro dedicado ao cinematographista amador. “Um pouco de técnica” se encerra

 

      na edição n.90 em novembro de 1927 e a coluna de cinema amador retornará somente um ano depois. Sérgio Barreto Filho assinou as colunas de cinema amador entre novembro de 1928 até 1933, ano de sua morte. “O desenvolvimento do cinema de amadores no nosso país” estreia em novembro de 1928 e segue até março de 1929 somando ao todo dezessete colunas. Nelas o redator faz uma introdução ao amadorismo, aos princípios da cinematografia e aos equipamentos disponíveis no Brasil. Afora as questões extremamente técnicas, cada coluna vai ser dedicada a um assunto: a interpretação, a fotografia, a iluminação, a scenarização, a direção, o vestiário, a titulagem, a edição, a maquiagem, a montagem, a publicidade e a locação. Notemos aqui que o padrão da cinematografia de amadores é o filme narrativo hollywoodiano e não o filme de família ou até mesmo filmes mais libertos da padronização da indústria. Nas suas descrições, porém, as fotos estrangeiras não serão mais maioria. Ilustram os exemplos citados nas colunas cenas dos filmes como Barro Humano (Adhemar Gonzaga, 1929), Brasa Dormida (Humberto Mauro, 1928) e as atrizes Eva Nil, Eva Schnoor e Lia Torá. Sérgio Barreto Filho foi um dos atores de Barro Humano e participou, anos mais tarde, de Ganga Bruta de Humberto Mauro. Envolvido nos esforços práticos do grupo de Cinearte na realização de filmes, o amadorismo defendido pelo redator era de total adesão a este projeto. Um prenúncio do que vai pautar as discussões de “Cinema de Amadores”, a prática com essas pequenas câmeras disponíveis no mercado, mesmo que precariamente, poderia formar grandes cineastas como foi o caso de Humberto Mauro rodou o seu Valadião, o cratera (1925), com uma Pathé Baby. A introdução à coluna na sua primeira edição também evidencia os diversos amadores aos quais se dirige: o progresso que o cinema representa em relação à fotografia para o pai que faz filmes de família, o fã que quer fazer filmes a maneira de Hollywood, o cinema brasileiro que precisa que seus filhos “tão intuitivos e inteligentes” aprendam a filmar e assim constituir o verdadeiro cinema brasileiro. A atenção, no entanto, é dada majoritariamente ao cineasta amador que visa aprender a técnica e contribuir para o progresso do cinema nacional. Comparando as colunas “Um pouco de técnica” e “O desenvolvimento do cinema de amadores no nosso país” percebemos que elas situam o amadorismo em lugares distintos. A relação com o profissional no primeiro leva em consideração a  

      precariedade técnica, a falta de estrutura laboratorial e técnica a qual o operador nacional tinha que lidar. O conhecimento técnico deve, em última instância, melhorar a qualidade do trabalho do operador-fotógrafo (as aulas sobre fotometria), a qualidade dos negativos e das cópias (as aulas sobre técnicas laboratoriais) e, quem sabe, culminar em uma profissão vantajosa como tomador de vistas. É do trabalho que se trata, afinal, e uma verdadeira indústria precisa de estrutura e de conhecimento técnico. São novas coordenadas no universo de produção de imagens, o cinema sendo mais complexo do que a fotografia neste sentido, pois não é uma atividade de um homem só. Sua comercialização e circulação em escala industrial, ou pelo menos rentável, é também muito mais complexa. Neste sentido, as novas coordenadas espaciais, sociais e estruturais da modernidade representada pelo cinema em seus mais variados aspectos – a instalação dos novos cinemas na Cinelândia e a alteração urbana do centro carioca, o consumo de filmes e a chegada de novos aparelhos e equipamentos, o star system, a alteração do sistema de distribuição de filmes – requeriam adaptações e ajustes sendo este o norte do caráter instrutivo das colunas. No caso da segunda coluna, é o tom de delírio e sonho de proximidade com o cinema norte-americano que estabelece outro eixo na relação profissional-amador. A iconografia, que é o lugar reservado para o ideal nos dois casos, simboliza muito bem essa diferença. Na primeira, é a foto Luís de Barros, um dos diretores mais prolíficos do cinema brasileiro, no set de filmagem de A capital federal (1923) em meio aos seus aparatos. Na segunda, são as atrizes representantes de um star-system brasileiro. Na edição n.151 de janeiro de 1929, duas fotos do grupo de atores da turma de Cinearte representam, nas palavras da revista, O Moderno Cinema Brasileiro. É o trabalho de Paulo Benedetti, Adhemar Gonzaga, Humberto Mauro, Sérgio Barreto Filho, o grupo de Cinearte, que sedimenta este ideal. Atualização às novas condições modernas, civilização e progresso serão o mote de ambas as colunas, o ideal de Cinearte no qual a técnica e a competência terão papel fundante o ideal do cinema brasileiro. Com a coluna “Cinema de Amadores”, a campanha de Sérgio Barreto Filho pela técnica como ideal civilizatório e mais do que necessário para a constituição de um verdadeiro cinema nacional ficará mais evidente. Ao mesmo tempo, incentivados pela troca de informações entre o colunista, amadores ao redor do Brasil começam a criar as associações e notícias  

      sobre filmagens em diversas cidades do país circulam pelas páginas da revista. Em meio a mais e mais informações técnicas sobre equipamentos e processos de revelação, a troca de correspondências e o anuncio de associações formam um primeiro capítulo da cultura amadora no Brasil.. Um estudo mais aprofundado das colunas “Cinema de Amadores”, publicadas entre 1929 e 1932, permitirá compreender não somente as demandas do grupo de Cinearte, mas também de cineastas amadores ao redor do Brasil.

Referências CINEARTE. Rio de Janeiro: Sociedade Anônima O Malho, 1926-1942. Semanal. Disponível em: www.bjksdigital.museusegall.org.br. GOMES, P.E.S. Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte. São Paulo: Perspectiva, Editora da Universidade de São Paulo, 1974. XAVIER, I. Sétima arte, um culto moderno: o idealismo estético e o cinema. São Paulo: Perspectiva, 1978. GONZAGA, A. Palácios e poeiras : 100 anos de cinema no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record/Funarte, 1996.  

 

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