O Cinema e a filosofia: Uma ferramenta de produção de significados

June 6, 2017 | Autor: Patrick Carvalho | Categoria: Philosophy, Cinema
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O Cinema e a filosofia: Uma ferramenta de produção de significados Patrick Martins de Carvalho Não é uma realidade muito distante desde que o cinema começou a ser utilizado como uma ferramenta visual para discutir os mais diversos problemas e para fermentar debates sociais e filosóficos. Kracauer em O Ornamento da Massa1, ao mesmo tempo dirá que o ornamento da massa - que são esses veículos culturais-, por um lado são um reflexo estético da sociedade e, por outro, tem por função entreter e distrair a multidão, pois há por trás deles um verdadeiro prazer estético. Mas o que buscarei mostrar a diante é refletir se esse modo de produzir cultura é somente um ornamento ilusório da razão ou se ela pode vir a ser uma ferramenta que gera reflexões e consequentemente a produção de novos significados. Para Benjamin, a melhor ferramenta de investigação filosófica é a representação, seja ela uma ferramenta visual, como o é o cinema, ou outro recurso artístico, representação essa que busca pensar o universal ao mesmo tempo em que não colocará de lado o caso particular, pois considera que uma vez que os fenômenos estejam longe das ideias eles correm o risco de evaporar num mero pensamento abstrato. Porém, para Benjamin, os conceitos na medida em que representam as coisas do mundo conseguem salvaguardar os fenômenos e a representação de ideias e, assim, essas coisas se elevam 2

ao universal. Portanto, o cinema será essa referência ficcional da realidade que serve como uma ferramenta eficaz para discutir temas essencialmente filosóficos quando bem utilizados e com um fim bem definido.

O cinema pode servir, por seu poder imagético, de tratar em forma de imagens sobre os mais diversos temas, até porque sua forma ficcional o permite essas diferentes abordagens, sendo assim, o cinema demonstra uma realidade e possibilita certa compreensão do mundo.

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Kracauer, O Ornamento da Massa, p.95.

BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. Editora Brasiliense, 1984, As ideias e as coisas origem do drama barroco alemão, p.13.

Desta forma, o cinema proporciona um discurso filosófico diferente, porque não se limita a um discurso científico sistemático. Pois o cinema, diferente da ciência, não tem a obrigação se prender sistematicamente a demonstrar a realidade tal como é, e consequentemente ser um veículo que meramente descreve a realidade, mas antes é uma ferramenta que permite demonstrar o irreal e pensar as mais diversas possibilidades, justamente por conta do seu poder ficcional. Isto é, quando o cinema não é entendido como uma obra de arte e se torna um mero objeto de mercadoria que habita o plano do momentâneo. Esta perde sua qualidade artística e se limita ao que é dado, como um mero objeto. Portanto, a experiência que se tem com uma obra artística é sempre esse se perder num outro universo. E esse movimento da obra não é cumprido quando não tira o espectador do seu lugar comum, não o transporta do seu lugar. A obra deve proporcionar esse se esquecer de si e sempre que possível transpor o espectador do seu lugar comum. E, não deve, em outras palavras, o remetê-lo a uma experiência de si mesmo, mas antes disso o fazer experimentar outro efeito estético. Sendo assim, toda obra não deve ser puramente objetiva ou subjetiva, mas sempre um meio. Pois a obra puramente subjetiva não importa a não ser para si mesmo, então deve haver algo que é exterior a ela e que forneça um sentido tanto objetivo quando subjetivo para que seja bem sucedida. Para Cabrera, em seu livro O cinema pensa ele mostra como nomes notáveis do cinema como Stanley Kubrick, Spielberg e Bergman, são, além de cineastas, também filósofos. Uma vez que, para ele, filmes não são meramente experiências estéticas e sensíveis para divertimento das massas, mas, também, são conceitos-imagem, no sentido em que buscam retratar conceitos universais e de suma importância para a vida do homem. E, assim, ele busca demonstrar como certos filmes tem um alcance muito maior de conceitos-imagem que alguns filósofos conseguem atingir. Ora, se o cinema tem esse poder de discutir a realidade e mesmo o irreal, que se transpõe para uma mídia diferente e que pode ser um meio para demonstrar todo tipo de discussão, seja de religião, ciência, política, tecnologia, também seria uma arte que, assim como a filosofia, busca questionar e problematizar problemas universais. A respeito dessa distinção, Cabrera dirá sobre a limitação na exposição de pensamentos na filosofia: 3

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Julio Cabrera, Cinema e Filosofia - De como o cinema pensa e a filosofia se estremece.

Eu penso que os filósofos tiveram, ao longo de toda a história, um problema mal resolvido com a exposição de pensamentos através de imagens e meios sensíveis, desde a República platônica até as análises habermasianas de Italo Calvino. É surpreendente como os filósofos do século XX que conviveram com o surgimento e posterior desenvolvimento do cinema, não tenham produzido reflexão filosófica específica sobre cinema e filosofia até as recentes obras de Deleuze (as tentativas anteriores de Bérgson, Merleau-Ponty, Benjamin, Adorno, etc, apesar de seu inegável interesse, sempre me pareceram decepcionantes, na medida em que o cinema era ali pensado sempre de maneira lateral). Penso que o cinema tem muito a dizer ao filósofo, inclusive muito mais do que Deleuze conseguiu dizer.

O que tem importância aqui é o conteúdo pelo qual o cinema pode ser um meio eficiente para uma discussão filosófica, pois no momento em que a filosofia entra em choque com a limitação da sua linguagem sistemática, o cinema pode ser usado como recurso para tentar transcender as barreiras instrumentais dessa linguagem.

Cabrera irá discorrer a respeito disso dizendo que "é na mediação com algo sensível que consiste o 'mostrar' do cinema" (CABRERA, 2006, p.389). Isto é, esse 'mostrar' artístico teria por objetivo servir como um referencial para aquilo que a linguagem escrita não consegue incorporar. Ou seja, o cinema teria esse poder de completar o referencial que falta na linguagem referencial. Pois, para Cabrera, o cinema não somente mostra personagens e atos, mas, antes disso, apresenta-os dramatizando e fazendo com que o espectador se coloque em uma posição em que esteja inserido no problema, talvez pela familiaridade com os personagens, de forma que se sente na pele deles e enfrente seus dilemas éticos. Portanto, o cinema teria essa esfera em que coloca quem assiste na posição de alguém que faz parte das ações que acontecem em cena. E que isso poderia se observar, diz Cabrera, no poder que o silêncio fílmico tem de expressar algumas coisas que não podem ser ditas por meio, por exemplo, da teoria da linguagem do Tractactus (CABRERA, 2006, p.389). Sendo assim, o cinema teria esse

poder de ir além da linguagem proposicional articulada, de forma que conseguiria expressar coisas que a linguagem formal não poderia dizer.

Marcel Martin dirá a respeito desse veículo visual, que primeiro, filmes não devem ser entendidos tanto pelo que mostram ou pela maneira como mostram, mas antes disso devem ser entendidos em sua sensibilidade, naquilo que desperta em quem assiste. A respeito disso dirá:

Há portanto uma defasagem importante entre a palavra e a imagem. Cabe perguntar então como o cinema consegue exprimir ideias gerais e abstratas. Primeiro, porque toda imagem é mais ou menos simbólica: tal homem na tela pode facilmente representar a humanidade inteira. Mas sobretudo porque a generalização se opera na consciência do espectador, a quem as ideias são sugeridas com uma força singular e uma inequívoca precisão pelo choque das imagens entre si: é o que se chama de montagem ideológica. [...] é preciso aprender a ler um filme, a decifrar o sentido das imagens como se decifra o das palavras e conceitos (MARTIN, 2003, p. 23 – 27).

Essa passagem retoma a discussão anterior, que existe uma diferença entre as linguagens escritas e cinematográficas. Primeiro, para Martin (MARTIN, 2003, p. 16), houve no cinema um processo pelo qual ele foi se tornando lentamente uma linguagem, como é o caso de Griffith e Eisenstein, ambos são fundamentais nessa mudança de interpretação que se tinha do cinema, pois fermentaram uma mudança progressiva no modo de se fazer cinema e em suas diversas expressões fílmicas e, assim, o cinema foi pouco a pouco se afirmando como uma autêntica linguagem e criação artística.

Bibliografia BENJAMIN, Walter. Origem do Drama Barroco Alemão. Editora Brasiliense, As ideias e as coisas, origem do drama barroco alemão,1984. CABRERA, Julio. Cinema e Filosofia - De como o cinema pensa e a filosofia se estremece, acesso em 26/02/2013 em http://filosofojuliocabrera.blogspot.com.br/2011/08/cinema-e-filosofia.html

CABRERA, Julio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. KRACAUER, Siegfried . Ornamento da Massa, Coleção: Cinema, teatro e modernidade, 2009. MARTIN, Marcel. A Linguagem Cinematográfica. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Editora Brasiliense, 2003.

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