O COLETIVO DO PENSAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS NO ENSINO DE BIOQUÍMICA

May 29, 2017 | Autor: Renato Moul | Categoria: Epistemology, Education
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O COLETIVO DO PENSAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE CONCEITOS NO ENSINO DE BIOQUÍMICA RENATO ARAÚJO TORRES DE MELO MOUL EIXO: 20 EDUCAÇÃO E ENSINO DE MATEMÁTICA, CIÊNCIAS EXATAS E CIÊNCIAS DA NATUREZA

Resumo O ensino de Bioquímica na educação básica se mostra com desafios a serem vencidos pelo fato desta disciplina utilizar muito da abstração, além de exigir conhecimentos básicos de química. Uma alternativa é conhecer as concepções que os estudantes tem sobre temas em Bioquímica para assim orientar as abordagens do conteúdo. A fim de investigar quais as concepções que os discentes do ensino médio possuem sobre gorduras, utilizamos a análise do discurso textual para conhecer os coletivos do pensamento que regem as visões dos estudantes, de acordo com a epistemologia de Fleck. Como resultado, observamos que muitas concepções se baseiam na Biologia, na Química e também na própria cultura, como a mídia e os casos familiares de doenças. Palavras chave: Educação, epistemologia, bioquímica, discurso. Resumen La enseñanza de Bioquímica en la educación básica se muestra con retos a superar ya que utiliza una gran cantidad de abstracción y requieren conocimientos básicos de la química. Una alternativa es conocer las concepciones que los estudiantes tienen sobre

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temas en Bioquímica para guiar metodologías apropiadas. Con el fin de investigar lo que las concepciones que tienen los estudiantes de secundaria sobre la grasa, usamos el análisis del discurso textual para saber con el pensamiento colectivo que regula las opiniones de los estudiantes, de acuerdo con la epistemología de Fleck. Como resultado, se observó que muchas ideas se basan en la biología, en química y también en la cultura en sí, ya que los medios de comunicación y los casos familiares de la enfermedad están bien citados. Palabras claves: Educación, epistemología, bioquímica, el habla.

Introdução O ensino de Bioquímica na educação básica se mostra com desafios a serem vencidos, tanto pelos docentes quanto pelos próprios estudantes, pois, de acordo com Martínez-Vaz (2014), a quantidade de conteúdo que e o nível de informação que temos acerca de sistemas biológicos há crescido de maneira exponencial devido à sequenciação de genomas e a facilidade de predizer e modelar a estrutura de muitas proteínas. O conhecimento da bioquímica tem sido construído historicamente a partir da pesquisa e essa construção possibilita a compreensão de vários fenômenos biológicos, podendo ser aplicado a outras ciências, como Medicina e Agronomia. A Bioquímica é uma ciência que tem se desenvolvido de forma vertiginosa, tornando cada vez mais complexo o desafio de manter-se atualizado (HUANG, 2000; SILVA E BATISTA, 2004). Albuquerque et al. (2012) apontam que a Bioquímica é uma ciência complexa e importante, pois estuda os processos químicos envolvidos nos organismos vivos. Esses processos abrangem alguns componentes básicos, como proteínas, carboidratos, ácidos nucleicos e lipídeos, tratando das suas formas e funções no metabolismo. Os autores ainda afirmam que a tática de ensino de uma matéria tão complexa e em nível molecular deve ser elaborada de maneira dinâmica, a ponto de instigar os alunos a pensar por que estudar

determinada

reação,

molécula

e

mecanismo

ao

invés

de

simplesmente

decorá-los. Muitos estudos (PINHEIRO et al., 2009; ESPÍNDOLA et al., 2010; CARVALHO et al., 2012) relatam dificuldades de estudantes, principalmente da área de saúde em conceitos de bioquímica. Francisco Jr., (2007) mostra que mesmo nos livros didáticos há muitos erros conceituais acerca do tema.

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A disciplina de Bioquímica nos currículos tradicionais, apesar de ser apresentada com coerência e organização, normalmente é definida pelos estudantes como uma coleção de estruturas químicas e reações, dificilmente assimiladas e desintegradas de sua prática profissional (Vargas, 2001) Por outro lado, a preocupação com a variedade e a quantidade de noções, conceitos e informações vem sendo, aos poucos, substituída pela preocupação com a formação do pensamento reflexivo do aluno. Dessa forma, o aluno deixa de ser um mero receptor de informações para se tornar agente atuante em seu processo de ensino e aprendizagem, o que gera a necessidade de conhecer aquilo que o estudante pensa sobre os mais diversos temas (Figueira e Rocha, 2016). No ensino de Ciências, os temas tratados possuem relações diretas com o cotidiano dos alunos, sendo importante por isso, conhecer previamente suas concepções antes de abordá-los. O conhecimento adquire sentido para o aluno quando ele é capaz de articulá-lo aos conceitos já consolidados, estabelecendo novas relações, ampliando desta forma, suas possibilidades de compreensão da realidade (MOREIRA, 1983, MORTIMER, 2000, CARVALHO, 2004). O professor então, no processo de ensino, deve usar de várias estratégias para representar e disponibilizar o conteúdo de sua disciplina, pois sem as quais a disciplina pode ser percebida pelo aluno como uma simples teia de conteúdos complexos e incompreensíveis, o que muitas vezes ocorre no ensino de Bioquímica, que trata das substâncias e suas transformações em nível celular. (Azevedo et al., 2004). Logo, por representar uma área interdisciplinar – haja vista que está baseada nas ciências químicas e biológicas - a Bioquímica, segundo Francisco Jr. e Francisco (2006), constitui-se num nicho

temático

muito

rico

e

promissor

para

abordagens

interdisciplinares,

contextualizadas social e experimentalmente. Nesse sentido, a abordagem didática, no ensino das Ciências Biológicas, não considera apenas os conteúdos do objeto de estudo, mas também o aprofundamento da análise das situações de sala de aula, como, por exemplo, as representações dos alunos, seus modos de raciocínio e da maneira como eles decodificam os conteúdos ensinados (ASTOLFI; DEVELAY, 2011). Bachelard (1957) aponta que muitas vezes os docentes não refletem que os estudantes chegam às aulas com conhecimentos empíricos já constituídos, não se trata então de adquirir uma cultura experimental, e sim de mudar de cultura experimental, de derrubar

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obstáculos já amontoados pela vida cotidiana, permitindo uma ruptura. Para isso, é necessário o empenho sugerido por Nardi (2004), em estudar mais profundamente as noções que os estudantes trazem para a sala de aula, previamente ao ensino formal. A epistemologia fleckiana Nessa perspectiva, pode-se tomar como referencial a epistemologia de Ludwik Fleck, médico polonês que desenvolveu, entre as décadas de 1920 a 1930, uma forma de abordar a questão do conhecimento por meio de uma epistemologia comparativa. Epistemologia essa que está direcionando diversas pesquisas no ensino de ciências (DELIZOICOV, 1995; LIMA, 1999; DELIZOICOV, 2002; LEITE, 2004; SCHEID, 2006; BERTONI, 2007;LORENZETTI, 2008; MUENCHEN, 2010) Fleck (1986) tem como pressuposto básico que o conhecimento é resultado de processos históricos efetuados por coletivos em interação sociocultural, ou seja, o conhecimento se dá em uma interação entre o sujeito e o objeto, mediada por uma dimensão que é social e culturalmente determinada. Em seu trabalho, ainda suscita questões importantes sobre o processo de assimilação de uma cultura, pois: não se trata de absorver uma coleção fixa e estável de fatos científicos, mas de interiorizar tradições de pensamento ou estilos de pensamento, de investigações abertas à contestação, à mudança, ao desenvolvimento. Os conceitos ou fatos científicos são herdados. O passado continua vivo em várias facetas: nas abordagens dos problemas, nos erros, no que aprendemos com eles, nas doutrinas das escolas, na linguagem e também na vida cotidiana. Tudo isso acompanha a gênese dos conceitos e fatos científicos. Pode-se dizer que boa parte do nosso conhecimento pode ser explicado pela história do pensamento (MASSONI e MOREIRA, 2015, p.10). Pfuetzenreiter (2002) mostra que a gênese e o desenvolvimento de um fato científico sob a perspectiva fleckiana - são explicados pelas ideias iniciais relativas ao fato, surgidas no passado, e que, apesar das modificações, continuam existindo. Estas ideias são paulatinamente modificadas, sofrendo reinterpretações de acordo com o pensamento em evidência. Assim, o pensamento vai se adaptando ao meio em consonantemente com o sistema. O observar é dirigido, por meio de um condicionamento histórico-cultural,

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sempre levando em consideração um conceito pré-formado. Dessa forma os conceitos apresentados a um estudante em sala de aula, sobre temas em bioquímica, por exemplo, serão confrontados com suas experiências anteriores, com seus pré-conceitos advindos das concepções primeiras. E estas concepções farão parte de um universo mais global, onde se expressa uma coletividade de pensamento do meio social. Como afirmam Massoni e Moreira (2015), sistemas de pensamento não são lógicos, representam as concepções dominantes de uma época, incluem restos de concepções passadas e predisposições de concepções futuras, em analogia a todas as formas sociais. O que constituem os estilos de pensamento. Os autores apontam ainda que as relações históricas e estilísticas mostram que aquilo que se conhecia influencia o novo conhecimento, uma vez que o processo de conhecimento se encarrega de renovar, refrescar e ampliar o sentido do conhecimento. Assim, a existência do estilo de pensamento torna necessária a construção do conceito de coletivo de pensamento. De acordo com Fleck, o estilo de pensamento é o direcionador do modo de pensar e de agir de um grupo de pesquisadores de uma determinada área do conhecimento. Já o coletivo de pensamento pode ser compreendido como uma comunidade de indivíduos que compartilham práticas, concepções, tradições e normas (LEITE; FERRARI; DELIZOICOV, 2001), no qual a maneira singular de ver o objeto do conhecimento e de interagir com o mesmo, determina o estilo de pensamento. Na caracterização do coletivo de pensamento, Fleck (1986) distingue os círculos esotérico e exotérico, onde o primeiro se refere aos especialistas, enquanto o segundo representa os leigos e leigos formados. As pessoas poderiam pertencer a vários coletivos simultaneamente, atuando como veículos na transmissão de ideias entre os coletivos. Sendo assim, concebe uma noção de evolução da ciência associada à estrutura da comunidade de pesquisadores, do coletivo de pensamento que possui um estilo de pensamento que é influenciado pelo desenvolvimento histórico das ideias e conceitos (MASSONI e MOREIRA, 2015), onde: na

comunidade

de

pessoas

que

trocam

pensamentos

ou

se

encontram numa situação de influência recíproca de pensamentos, temos,

em

cada

uma

dessas

pessoas

um

portador

do

desenvolvimento histórico de uma área de pensamento, de um determinado estado do saber e da cultura, ou seja, de um estilo específico de pensamento. (FLECK, 2010, p. 82).

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Assim, Fleck propõe categorias epistemológicas, com as quais analisa a gênese e a difusão de conhecimentos e práticas produzidos por esses coletivos (Lorenzetti, Muenchen e Slongo, 2011). Essa categorização pode ser fundamental para os docentes rastrearem onde se apoiam os conhecimentos prévios dos estudantes, na tentativa de viabilizar a transição para a consolidação do conhecimento científico em sala de aula. Para isto, é necessário realocar o espaço do estudante nos ambientes de ensino, de mero receptor a agente ativo, com postura crítica e reflexiva na aprendizagem. A fim de observar quais as influências socioculturais na formação de conceitos em bioquímica, investigamos as concepções de estudantes, da série inicial do Ensino Médio sobre as gorduras, um tema por vezes polêmico, buscando compreender os coletivos de pensamento que norteiam estas concepções. Metodologia A pesquisa foi realizada com trinta e oito estudantes da série inicial do Ensino Médio, de uma escola privada na Região Metropolitana do Recife, Pernambuco, Brasil. Inicialmente, os estudantes foram convidados a responder, numa ficha em branco, de forma anônima e individual a dois questionamentos: O que são gorduras? Para que servem as gorduras no organismo? Esse tipo de pesquisa é qualitativa exploratória. De acordo com Oliveira (1999) a abordagem qualitativa permite descrever a complexidade de problemas e hipóteses, além de analisar interações entre variáveis e oferecer contribuições no processo de mudanças, criação

ou

formação

de

opiniões

de

determinados

grupos

e

interpretação

das

particularidades dos comportamentos ou atitudes dos indivíduos. Como referencial para análise das respostas dos estudantes, do ponto de vista da bioquímica molecular, utilizamos a definição abaixo: Tipicamente, os lipídios servem como moléculas armazenadoras de energia, geralmente na forma de gordura e óleo, sendo sua diferença o estado físico sob temperatura ambiente, pois os óleos são líquidos e as gorduras são sólidas, possuindo como componentes majoritários os triglicerídeos, também conhecidos como triacilgliceróis, sendo ésteres de glicerol, que possuem como componentes majoritários os

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ácidos graxos. Os triacilcliceróis são óleos de vegetais e gorduras de origem animal. Eles incluem substâncias tão comuns quanto o óleo de amendoim, de soja, de milho, de girassol, a manteiga, a banha e o sebo (SOLOMONS & FRYHLE, 2012, p.475). Em seguida, utilizamos a análise textual discursiva, que é uma abordagem de análise de dados que transita entre duas formas consagradas de análise na pesquisa qualitativa que são a análise de conteúdo e a análise de discurso. Esta análise, descrita por Moraes e Galiazzi (2006) utiliza um processo que se inicia com uma unitarização em que os textos são separados em unidades de significado, que por si mesmas podem gerar outros conjuntos de unidades onde se passa a fazer a articulação de significados semelhantes em um processo denominado de categorização. Neste processo agrupam-se as unidades de significado semelhantes, dando origem a variados níveis de categorias de análise. Todo texto possibilita uma multiplicidade de leituras, leituras essas tanto em função das intenções dos autores como dos referenciais teóricos dos leitores e dos campos semânticos em que se inserem. (MORAES, 2003). Desse modo, as categorias advindas da análise das unidades de significado permitem a formulação de eixos para observação dos coletivos de pensamento presentes nas concepções dos estudantes, coadunando com a epistemologia de Fleck, que propõe categorias epistemológicas para gênese do conhecimento. Resultados e discussão A partir das respostas dos estudantes acerca das duas questões, “o que são gorduras”, e “ qual a sua função” , procedendo com a consequente análise textual, obtiveram-se quatro categorias de coletivos do pensamento e suas ocorrências, representadas no quadro abaixo, onde R1 se refere à primeira questão e R2 à segunda. Quadro 1. Coletivos do pensamento sobre gorduras.

Categoria Coletivo da Biologia Coletivo da Química Coletivo da Bioquímica Coletivo da Cultura Fonte: o autor

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Ocorrência - R1 13,9% 27,8% 27,8% 30,5%

Ocorrência - R2 45,7% 20% 25,7% 8,6%

Em relação à descrição de gordura e suas importância, a categoria que representa o coletivo da Biologia aponta descrições num aspecto funcional dentro do organismo vivo, como podemos ver em alguns trechos, “É usada como reserva de energia”, “São células gordurosas que se acumulam devido ao consumo exagerado de alimentos”, “É um excesso de comida ingerida que entra na corrente sanguínea e se dissolve na forma de gordura”. Aqui se observa a alta incidência do conhecimento de gorduras como reserva de energia, bem presente nos livros didáticos através das discussões entre fontes e reservas de energia para os seres vivos. As respostas aqui trazem ainda fortemente a ideia de gorduras como causadoras de doenças, como a muito citada aterosclerose. Vale ressaltar que esta categoria foi a mais utilizada para as respostas à segunda questão, trazendo à tona o conhecimento que os estudantes já possuem sobre os danos causados pelo excesso de gordura no organismo. Já o coletivo de pensamento da Química traz descrições que utilizam aspectos moleculares ou atômicos dos lipídios, como “São substâncias orgânicas conhecidas como lipídios”, “É quando o lipídio é composto de triglicerídeos e trincas de ácido graxo”. Percebe-se aqui alguns conhecimentos prévios já assimilados, como o caráter orgânico das biomoléculas e, ainda que equivocadamente, a composição de um tipo de lipídio, os triglicerídeos. É bem presente também a visão de gordura como participante da estrutura dos adipócitos, embora apareça com outros termos como “lençol de gordura” e “bolsas gordurosas”. O coletivo da Bioquímica engloba discursos que apontam fatores estruturais das moléculas bem como as funções desempenhadas por elas no organismo, simultanemente. Isso pode ser visto em algumas respostas como “Uma camada de ácidos graxos que servem de cobertura para certos animais”, “São lipídios que se acumulam no corpo para gerar energia quando as principais fontes se esgotam”, São compostos orgânicos que participam de algumas coisas como a estrutura da célula”. Esta categoria já aponta a interdisciplinaridade da Bioquímica e as relações que os estudantes realizam com o conteúdo enquanto constroem o conhecimento. Por último, a categoria do coletivo de pensamento da Cultura traz descrições que utilizam fatores do meio social – principalmente a mídia - para expressar as ideias. Aqui, muitas concepções se expressam ao longo das respostam, por exemplo: “É o acúmulo de massa nas pessoas causando obesidade”, “Em excesso pode causar doenças, então não é

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recomendado ter muita gordura no corpo”, “São excessos de comida com alta quantidade de óleo, como a mídia nos mostra”. É importante ressaltar também a frequência com que os termos “maléfica e benéfica” aparecem, explicitando as relações que a sociedade nutre com os alimentos gordurosos, através das dietas, dos exercícios de academias e da obesidade. Isso pode ser visto pelo fato desta categoria ser a mais utilizada no coletivo de pensamento dos estudantes em suas respostas à primeira questão. Para a segunda resposta, aparecem muitas citações de doenças quiçá ocorridas com amigos e familiares. Os dados obtidos por vezes se cruzam, mesmo em coletivos de pensamento diferentes, o que se assemelha ao dito por Leite, Ferrari e Delizoicov (2001), onde apontam que coletivos de pensamento distintos, que compartilham diferentes estilos de pensamento, ao “olharem” para o mesmo objeto, apresentam aproximações divergentes. As respostas acima revelam diversas concepções primeiras – ou protoideias - que podem servir de ponto de partida na construção do conhecimento, pois, segundo Pfuetzenreiter (2002), as protoidéias não podem ser classificadas como corretas ou incorretas, mas devem ser analisadas dentro do contexto sócio-histórico e cultural em que estavam inseridas no momento de seu surgimento. A autora assinala que há uma tendência à persistência de ideias que já estão infiltradas dentro de um estilo de pensamento. Cabe então ao docente ser o mediador nesta transição de estilo de pensamento. É preciso dedicar atenção a estes discursos, pois, segundo Figueira e Rocha (2016), vemos na mídia uma imagem das gorduras como vilões de uma vida saudável, o que pode ser um obstáculo ao aprendizado que conceitos científicos, sendo necessário um ensino de Bioquímica que considere as concepções dos estudantes em cada nível de ensino, partindo delas para a elaboração de atividades que possam auxiliar numa aprendizagem significativa, persistente e que sirva de apoio para tomada de decisões. Fleck (1986) analisa a conexão entre o modo de pensar de uma época e os conceitos que são considerados pertinentes para este mesmo período, através de um condicionamento histórico-cultural, o que lhe faz concluir que o pensamento seria formado a partir de uma rede intrincada de ideias estruturadas que garantem a natureza homogênea das opiniões. Nesse caso, como sugere Azevedo et al., (2004), é preciso disponibilizar a informação necessária para o entendimento do conteúdo, procurando modelar de forma mais eficiente o conhecimento que o aluno deverá construir, incluindo a rede de conceitos envolvidos nesse conteúdo. E ainda Figueira e Rocha (2016) apontam que as pesquisas

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sobre concepções alternativas apresentadas pelos estudantes podem contribuir para uma compreensão

mais

ampla

sobre

os

aspectos

relacionados

ao

processo

ensino-aprendizagem, pois, em geral, as concepções sobre os conceitos de gorduras trazem uma grande conotação simplista e de senso comum. As novas tendências no ensino de Bioquímica exigem que o estudante participe ativamente do processo de aprendizagem, pois, como afirma Martinez-Vaz (2014), ao invés de professores que ditam lições, as salas de aula devem se converter em centros de discussão científica, nos quais os estudantes discutem os conceitos fundamentais de Bioquímica. Para isto, é vitalmente necessário que o docente adote, de acordo ASTOLFI e DEVELAY (2011), a responsabilidade de adotar metodologias ou recursos de ensino que tentem atingir a maior parte possível do seu público, evitando uma única modalidade de intervenção . Fleck, como outros epistemólogos do século XX opõe-se à visão empírico-indutivista e ahistórica que vê o conhecimento como algo comprovado, evidente, derivado de um “método científico” algorítmico (MASSONI e MOREIRA, 2015). Desse modo, abordagens do conteúdo que levam em consideração as concepções primeiras dos estudantes em direção

à

assimilação

de

conceitos

mais

sólidos,

possibilitem

a

construção

do

conhecimento científico mais próxima da realidade dos discentes, desmistificando a visão de natureza da ciência ahistórica e acrítica. Pode-se pensar assim, que o estilo de pensamento, que governa um coletivo de pensamento, explica tanto o esforço para gerar avanço de uma área quanto o seu caráter temporário, coletivo, dinâmico e colaborativo. (MASSONI e MOREIRA, 2015). Sendo estas características atribuídas à ciência bem presentes em diversas visões epistemológicas contemporâneas.

Considerações finais É nítido que a utilização de categorias propostas pela epistemologia de Fleck possibilitam a reflexão da importância do meio sociocultural para a formação de ideias e construção de conceitos em ciências, e mais especificamente em bioquímica, explicitando as diversas fontes de onde o conhecimento se origina. Este trabalho não se encerra aqui, pois em continuidade, a pesquisa pretende analisar se e como sequências didáticas pautadas nas concepções prévias dos estudantes permitem

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uma melhor assimilação do conteúdo. Pretendemos contribuir com as novas tendências no ensino de ciências, promovendo uma ruptura no modelo tradicionalista de ensino, encaminhando os estudantes para uma construção ativa e efetiva do conhecimento científico.

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* Mestrando em Ensino de Ciências/PPGEC-UFRPE; Membro do Grupo de Pesquisa Biologia Sistêmico Complexa; [email protected]

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