O COMPLEXO DE VIRA-LATA DO BRASILEIRO NO FUTEBOL E NA LUTA POLÍTICA

June 9, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Sociology, Economics, Social Sciences, Political Science
Share Embed


Descrição do Produto

O COMPLEXO DE VIRA-LATA DO BRASILEIRO NO FUTEBOL E NA LUTA POLÍTICA Fernando Alcoforado* Complexo de vira-lata é uma expressão criada pelo dramaturgo Nelson Rodrigues quando se referiu ao trauma sofrido pelo povo brasileiro com a derrota da Seleção Brasileira para o Uruguai na partida final da Copa do Mundo de 1950 no Maracanã e que só teria se recuperado do choque em 1958, quando ganhou a Copa do Mundo pela primeira vez na Suécia. Para Nelson Rodrigues, o complexo de vira-lata não se limitava somente ao campo futebolístico. Segundo ele, o complexo de vira-lata é a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Ainda segundo Nelson Rodrigues, o brasileiro seria um narciso às avessas não encontrando pretextos pessoais ou históricos para a autoestima. A ideia de que o povo brasileiro é inferior a outros povos não é nova. No século XIX, nas décadas de 1920 e 1930, várias correntes de pensamento digladiavam-se quanto à origem desta suposta inferioridade. Alguns pensadores, como Nina Rodrigues, Oliveira Viana e até mesmo Monteiro Lobato, proclamavam que a miscigenação do povo brasileiro era a raiz de todos os males e que a "raça branca" era superior às demais. Outros, como Roquette-Pinto, afirmavam que a inferioridade era um problema de ignorância do povo brasileiro, não de miscigenação. O complexo de inferioridade é reforçado pelo fato de o Brasil jamais ter tido sua produção científica reconhecida através de um prêmio Nobel, enquanto outros países latino-americanos já conquistaram 19, como é o caso da Argentina, Colômbia e Venezuela. O complexo de inferioridade do brasileiro é reforçado ainda mais pelo fato de vivermos em um país que é detentor de imensas riquezas naturais e não termos tido a capacidade de alcançar a condição de país desenvolvido se ombreando com as grandes nações do planeta. Os sucessivos escândalos de corrupção nos quais o governo brasileiro e a classe política vivenciaram nas últimas décadas e continuam envolvidos fazem com que haja um descrédito em nossa capacidade de transformar o Brasil em um país sério. Este complexo de inferioridade do brasileiro é reforçado também pela flagrante incapacidade do povo brasileiro de assumir protagonismo ao longo da história do País. Pode-se afirmar que, no Brasil, nunca houve, de fato, uma revolução social. A própria Independência do Brasil não resultou da luta do povo brasileiro, mas sim da vontade do Imperador D. Pedro I. A Independência do Brasil diferiu da experiência dos demais países da América Latina porque não apresentou as características de um típico processo revolucionário nacional-libertador. O nativismo revolucionário, sob a influência dos ideais do liberalismo e das grandes revoluções de fins do século XVIII cedeu terreno no Brasil à lógica do conservarmudando que prevalece até hoje, cabendo à iniciativa de D. Pedro I, príncipe herdeiro da Casa Real portuguesa, e não ao povo brasileiro o ato político que culminou com a Independência. A Independência do Brasil foi, portanto, uma "revolução sem revolução" porque não houve mudanças na base econômica e nas superestruturas política e jurídica da nação. O Estado que nasce da Independência do Brasil mantém o execrável latifúndio e intensifica a não menos execrável escravidão fazendo desta o suporte da restauração que realiza quanto às estruturas econômicas herdadas da Colônia. 1

Apesar das inúmeras revoltas populares registradas ao longo da história do Brasil, uma verdadeira revolução política, econômica e social capaz de realizar mudanças estruturais profundas e promover o desenvolvimento em benefício da população brasileira nunca aconteceu efetivamente no País. Todas as tentativas revolucionárias realizadas no Brasil foram abortadas com dura repressão pelos detentores do poder. É sabido que, no mundo, os países que avançaram politicamente são aqueles cujos povos foram protagonistas, através de revoluções sociais, das mudanças realizadas nos planos econômico e social. O Brasil foi o último país do mundo a acabar com a escravidão no século XIX cuja abolição resultou da concessão realizada pelos detentores do poder e não da luta dos escravos. A reforma agrária ainda está por se realizar porque a malfadada estrutura agrária baseada no latifúndio continua existindo no Brasil, modernizada na atualidade com o agronegócio, e o processo de industrialização foi introduzido tardiamente no Brasil, 200 anos após a Revolução Industrial na Inglaterra. Isto tudo reflete o atraso econômico e político do Brasil em relação aos países mais desenvolvidos. As crises econômicas enfrentadas pelo Brasil ao longo de sua história não foram capazes de gerar crises políticas que levassem o povo brasileiro à revolução social e colocassem em xeque o sistema econômico e os detentores do poder visando a promoção de seu desenvolvimento econômico e social. Os mais importantes eventos históricos do Brasil encontraram uma resposta que ficou configurada na intenção explícita de manter fora do âmbito das decisões, as classes e camadas sociais “de baixo” com a “conciliação pelo alto” como ocorreu com a Independência e a Abolição da Escravidão ou a concretização de golpes de estado, quando a “conciliação pelo alto” se tornou impossível como ocorreu na Proclamação da República, na Revolução de 1930 e na implantação da ditadura militar em 1964. Podese afirmar que as transformações ocorridas na história do Brasil não resultaram de autênticas revoluções, de movimentos provenientes de baixo para cima, envolvendo o conjunto da população, mas se encaminharam sempre através de uma conciliação entre os representantes dos grupos opositores economicamente dominantes ou a realização de golpes de estado quando a conciliação não era possível. Muito dificilmente, a crítica situação política, econômica e social em que se encontra o Brasil no momento atual encontrará no protagonismo do povo brasileiro uma solução que impeça a repetição da “conciliação pelo alto” ou a emergência de um golpe de estado na impossibilidade da conciliação entre os detentores do poder econômico e político do Brasil. O frágil protagonismo do povo brasileiro resulta, de um lado, da ausência de partidos políticos e de lideranças confiáveis com propostas capazes de galvanizar a grande maioria da população e, de outro, da alienação política em que se acha possuída a maioria da população cuja maior demonstração é sua presença maciça na farra do Carnaval mesmo com o País moribundo, em situação pré-falimentar. Diante da incapacidade do povo brasileiro de impor um rumo para o Brasil no momento atual, tudo leva a crer que o desfecho da crise atual terminará com a “conciliação pelo alto” com a manutenção dos atuais detentores do poder se a situação econômica não se deteriorar ou a realização de um golpe de estado se a situação econômica se agravar tornando-a insustentável. * Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento

2

regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).

3

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.