O CONAR como agente de empobrecimento moral brasileiro

June 24, 2017 | Autor: Sheylla Souza | Categoria: Ética
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ­ USP ESCOLA  DE COMUNICAÇÃO E ARTES ­ ECA  DEPARTAMENTO DE RELAÇÕES PÚBLICAS, PROPAGANDA E TURISMO – CRP             

  SHEYLLA LIMA SOUZA               

O CONAR  como agente de empobrecimento  do ato moral brasileiro                 

  São Paulo  2015 

1 Introdução  O  homem  enquanto  ser  social  estabelece  regras  de  convívio,  que  visam  possibilitar  a  vida  na  coletividade.  A  determinação  dessas  regras  está  relacionada  a  história e  desenvolvimento da  sociedade  de  cada sociedade.  Assim,  espera­se  que  os  indivíduos inseridos naquele contexto cumpram os padrões estabelecidos.   No  entanto,  algumas vezes ocorrem  conflitos,  que  estabelecem regras de ação.  São  as  concordância e  discordância  que  determinam  o que a sociedade aceita e o que  ela rejeita.  Segundo  Vasquez  (2000:  p.8):  “Muitas  teoria  éticas  organizam­se  em  torno da  definição  do  bom,  na  suposição  de  que,  se  soubermos  determinar  o que  é, podemos  saber o que devemos fazer ou não fazer.”   Mas como estabelecer quem tem o poder de definir o que bom ou mau?  certo ou  errado? Qual pessoa ou entidade poderia ter o poder de julgar o que é moral ou imoral?  Haveria  mesmo  algo  ou  alguém  com  supremacia  suficiente  para  responder  tais  questões?  O  Conselho  Nacional  de  Autorregulamentação  Publicitária  (CONAR),  teoricamente,  tem  o   papel  de  julgar  a  aplicação  dos  conceitos  morais  na  publicidade  brasileira.  Segundo  a  própria  entidade,  a  missão  do  CONAR  é  “Impedir  que  a  publicidade  enganosa  ou  abusiva  cause  constrangimento  ao  consumidor  ou  a  empresas e defender a liberdade de expressão comercial.” (CONAR.ORG)  Este trabalho visa analisar as implicações éticas do poder auto atribuído ao  CONAR para julgar a moral na sociedade brasileira atual, baseado em campanhas  divulgadas pela própria entidade em 2014.     

2 Campanhas    Em  fevereiro  de  2014  o  CONAR  lançou  uma  campanha  publicitária,  composta  por  alguns  vídeos  e  cartazes  em  que  hostiliza   a  atuação  de  militantes  e  movimentos  sociais.  Todas as peças  da  campanha  terminam com uma  mensagem  que diz que “[...]   o  CONAR  recebe  todos  os  dias  dezenas  de  reclamações.  Muitas  são  justas,  outras,   nem  tanto”  e  termina  dizendo:  “Confie  em quem entende. Confie no CONAR.”  Em  um  dos  vídeos  é  de  um  rapaz  que  sobe  no  palco  onde  um  palhaço 

chamado 

Peteleco 

se 

apresenta.  O  rapaz  acusa­o  de  fazer  apologia   à  violência,  atrair  crianças  com  recursos  visuais  de  estímulo  irracional  e  fazer  pouco  caso  da  sustentabilidade  ao  usar  uma  flor  que  “desperdiça”  água.  Trata­se  de  uma  provocação  dirigida  a  movimentos  contrários  à  publicidade  infantil  e  à  apologia à violência em horários de classificação etária livre.      Outro  vídeo  da  campanha,  mostra  um  casal  questionando  as  opções 

de 

alimentos 

de 

um 

restaurante,  afirmando  que  eles  promoveriam  o racismo, o machismo   e  o  apelo  sexual.  O  vídeo  é  uma  crítica  clara  contra o feminismo e os  movimentos negros.         

 

E  ainda,  há  um  cartaz  que  retrata  comentários  descomunais  em  um  vídeos  fictícios  de   uma  criança  tomando  banho  com  um  patinho  de   borracha.  Os  comentários  seriam  sátiras 

de 

críticas 

feitas 

por 

movimentos  negro  e  de  proteção  aos  animais.       

Fonte: http://www.conar.org.br/apresentacoes/patinho.jpg

3 Análise    No  conjunto  de regras  morais  da sociedade,  existe  uma  diferença  entre  o  plano  normativo  (normas)  e  o  factual  (comportamento).  O normativo e o factual estão ligados,  por  que  a  norma  postula  o  tipo  de  comportamento  que  se considera  devido, incluindo  uma exigência de realização.  Muitas  vezes,  entretanto,  os  comportamentos  ainda  não  estão  englobados  dentro  do  conjunto  de  normas  morais  ou  não  atendem mais  às  necessidades  daquela  sociedade.   "Por conseguinte,  na vida real, defrontamo­nos com problemas práticos [...],  dos  quais  ninguém  pode  eximir­se.  E,  para  resolvê­los,  os  indivíduos  recorrem  a  normas,  cumprem  determinados  atos,  formulam  juízos  e,  às  vezes  se  servem  de   determinados argumentos  ou razões para justificar  a decisão adotada os os passos  dados." (VASQUEZ, 2000, p.6) 

. A  definição  de   Vasquez  (2000:p.50,  grifo  do  autor)  para  moral  é  a  seguinte  “​ a  moral  é  um  conjunto  de  normas,  aceitas  livre  e  conscientemente,  que  regulam  o  comportamento  individual e social dos homens.​ ” No entanto esse conjunto de normas é 

variável  e  sofre  mudanças  constantes  conforme   o  desenvolvimento  das  sociedades  e  culturas.  Crianças  fumando,  nudez  infantil, venda  de  pessoas e  violência aos animais,  são  alguns  dos  exemplos  de  normas  de  conduta  que já  foram  aceitas em  certa época  da sociedade brasileira,  mas  que  atualmente  são  fortemente  banidas  da comunidade e  da cultura nacional, ou seja, não pertencem mais à moral positiva dessa sociedade.  “[...]  o  progresso  moral,   se  caracteriza  entre  outras  coisas,  por  uma  aumento   do  grau  de   consciência  e  de  liberdade  e  por  conseguinte,  de  responsabilidade  pessoal  no   comportamento  moral.  Isso  implica  portanto  numa   participação  mais  livre e  consciente do indivíduo na regulamentação moral de seu  comportamento  e   numa  diminuição  do  papel  do  costume  como  sua  instência  reguladora.” (Vasquez, 2000, p 58) 

Os  movimentos  sociais  buscam  participar  na  regulamentação  da  moral  social,  construindo um  cenário  mais  amigável  para  as  pessoas e ambientes incluídos em suas  causas.  O  objetivo  dos  movimentos  é  difundir  informações  que  pode  evitar casos  de  preconceito,  que  levam à  violência e ao  abuso,  promover  a conscientização a respeito  dos  recursos  disponíveis  e  discutir  conceitos  que  podem  não  atender  mais  às  demandas sociais. 

 

Além  disso,  como  os  casos  de  aplicação  dos  valores  morais  são  múltiplos  e  diversos,  mesmo  que  haja  normas  já  definidas  na  sociedade,  as  soluções   também  serão  diversas.  Cada  situação tem sua peculiaridade, singularidade e imprevisibilidade,  tornando  impossível  a  existência de um código  moral  que englobe todas as situações.  Ou seja,    “[...] oferecendo ao sujeito uma decisão  segura, isto é apresentando­lhe  por  antecipação  o  que deve decidir  em  cada caso, empobrece imensamente a sua vida  moral,  porque   reduz  a  sua  responsabilidade   moral  na   tomada  de  decisão  correspondente  e   na  eleição  dos  meios adequados  para  realizar o  fim  desejado.”  (VASQUEZ, 2000, p.67)  

Independente  das  causas  serem  englobadas  pela  sociedade  ou  não,  ao  ridicularizar os movimentos,  o  CONAR,  que  se  coloca  como  fiscal  da moral, não só tira  a  autonomia  desses  grupos,  mas  também  se  mostra   como  uma  instituição  intransigente,  que  não  está  disposta  a  avaliar  os  casos  apresentadas.  Mostrando  que  atua  de  forma  autoritária  e  opressiva.  Esse  comportamento  não  condiz  com  a  moral,  mas  se  aproxima  muito  mais  das  vias  de  direito,  onde,  para  assegurar  o  seu  cumprimento,  as  instituições  fazem  uso  de  formas  coercitivas  para  assegurar  o  cumprimento das regras.       

 

 

4 Conclusão    A  moral  é  uma  forma  de  comportamento  humano,  que  compreende  tanto  os  aspectos  teóricos  (factual),  quanto  os  aspectos  práticos  (normativo).  O  ato  moral  faz  parte  do  código  que  vigora  em  uma  determinada  sociedade,  em  uma  determinada  época.  Ele  deve ser  consciente,  voluntário  e  aceito  por uma convicção íntima e não, de  forma coercitiva ou impessoal.   Sendo  assim,  é  importante  a  participação  de  todos  os  membros  e  instituições  sociais  na definição dos valores. A  responsabilidade  na  tomada  de  decisões  enriquece  a vida  moral  da  sociedade  e proporciona  uma série  de  normas que irá atende ao maior  número de pessoas pelo maior tempo possível nessa comunidade.  Assim,  após  a  análise  da  campanha  do  CONAR  sob  a  ótica  de  Vasquez,  conclui­se  que,  ao  desmerecer as denúncias realizadas por pessoas e grupos sociais, o  CONAR,  os  coloca  num  nível  moral  inferior, empobrecendo  a  vida moral da  sociedade  brasileira.       

5 Bibliografia    CONAR. Disponível em: . Acesso em 20 set. 2015  SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Ética. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.      

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