O conceito de desenvolvimento urbano sustentável e sua apropriação ideológica pelo mercado imobiliário

June 15, 2017 | Autor: Mariana Guerra | Categoria: Sistema Urbano e Desenvolvimento Sustentável, Mercado imobiliario
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Anais da VIII Semana de Geografia da Unicamp 24 a 28 de setembro de 2012

Mariana Falcone Guerra [email protected] Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Palavras-chave: sustentabilidade, desenvolvimento urbano sustentável, loteamentos fechados

Introdução e objetivo Neste começo de século, as perspectivas para enfrentamento dos problemas urbanos gerados por um modelo irracional de ocupação do espaço são bastante desanimadoras. Num contexto de incertezas quanto ao futuro das cidades, o paradigma do desenvolvimento urbano sustentável ganhou força ao procurar estabelecer parâmetros para um crescimento urbano equilibrado. Termos como “adensamento urbano”, “otimização dos transportes públicos”, “controle de resíduos sólidos”, entre outros, passaram a fazer parte da agenda política das grandes cidades, e do vocabulário de atores ligados à produção do espaço urbano como gestores públicos, promotores imobiliários e agências multilaterais de desenvolvimento. Esse trabalho tem como objetivo compreender o conceito de desenvolvimento urbano sustentável, bem como a apropriação ideológica desse conceito pelo mercado imobiliário. O conceito de sustentabilidade Publicado em 1987, o Relatório Brundtland inaugurou o debate público internacional em torno da noção da sustentabilidade, definida por ele como aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das

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gerações futuras de suprir suas próprias necessidades. Apesar de bem intencionado, o texto é vago e sujeito a inúmeras interpretações. Fundamentalmente, a noção de sustentabilidade estaria relacionada à duração quantitativa e qualitativa da base material das sociedades. Tratar-se-ia de projetar para o futuro, o modelo urbano ideal e desejável para as cidades, discriminando as práticas predatórias relacionadas ao modelo de “progresso a qualquer custo”, e suas consequências para a base material das cidades, como poluição, congestionamento, violência urbana etc. Designaremos por sustentabilidade, pois a categoria pela qual, a partir da última década do século XX, as sociedades têm problematizado as condições materiais da reprodução social discutindo os princípios éticos e políticos que regulam o acesso e a distribuição dos recursos ambientais – ou, num sentido mais amplo, os princípios que legitimam a reprodutibilidade das práticas espaciais (ACSELRAD, 2009, p. 19).

Segundo Acselrad (2009), duas racionalidades são observadas no debate sobre a sustentabilidade. A primeira, de caráter prático, foca a longevidade do sistema capitalista vigente com base na racionalidade econômica e eficiência global. A segunda enxerga além da simples lógica utilitária, vislumbrando na experiência prática da sustentabilidade uma possibilidade de transformação social, ao incorporar valores como ética, equidade e democracia na formulação de um novo modelo de desenvolvimento. Por volta do início da década de 1990, várias cidades (notadamente europeias) se articularam para pôr em prática os princípios do desenvolvimento sustentável. Em 1992 aconteceu no Rio de Janeiro a ECO92, cujo resultado prático foi a elaboração da Agenda 21, documento que norteia políticas e ações voltadas ao desenvolvimento sustentável. A partir de então, o debate sobre sustentabilidade urbana ganha força, dando origem a diversas rearticulações políticas através das quais atores ligados à produção do espaço urbano procuraram dar legitimidade às suas ações, enfatizando a compatibilidade destas com os princípios da Agenda 21. Segundo este documento, os principais preceitos do desenvolvimento urbano sustentável seriam:  Densidades urbanas mais elevadas e forma urbana compacta

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O maior adensamento maximizaria o uso da infraestrutura instalada, diminuindo o custo de sua implantação e a necessidade de expansão da cidade para áreas periféricas e ambientalmente frágeis.  Usos urbanos diversificados A monofuncionalidade implica em maiores deslocamentos, que normalmente são feitos através de transporte individual e queima de combustível fóssil, além de desencorajar o pedestrianismo.  Adoção do sistema de transporte coletivo, em detrimento do transporte individual Esse aspecto está relacionado ao adensamento. Densidades baixas estão associadas a transportes de baixa capacidade. Por sua vez, densidades mais altas viabilizam a implantação de transportes coletivos de massa, notadamente trem e metrô, que além de contribuírem para melhorar a circulação urbana, consomem eletricidade como insumo energético, ao invés da queima de combustível fóssil. Nobre (2004) afirma que a associação desses três fatores (cidade densa e compacta/usos diversificados/transporte coletivo) resultaria no modelo urbano sustentável. Com o acirramento do debate sobre sustentabilidade urbana na década de 90, o discurso “ecológico” foi rapidamente incorporado pelos empreendedores imobiliários que passaram a adotar algumas inovações como coleta seletiva e tratamento de esgoto nos novos empreendimentos numa tentativa de suprir a demanda dos consumidores por “condomínios verdes”. A Construtora Takaoka, a mesma responsável pelos outros loteamentos fechados de Alphaville, para fazer frente a essa nova demanda criou em 2002 o Residencial Gênesis. Na ocasião do lançamento, a construtora dizia tratar-se de um novo padrão de urbanização de loteamentos, no qual “procurou incorporar o conceito de desenvolvimento sustentável de forma completa, buscando o equilíbrio social, econômico e ambiental”.1 Segundo a construtora, no Gênesis foram respeitadas as condições naturais do terreno, realizando um padrão de urbanização assentado harmonicamente sob o suporte físico, e conservando boa parte dos 1

Texto retirado do site da construtora na ocasião do lançamento do Empreendimento Gênesis.

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atributos naturais: “o resultado é um empreendimento totalmente adaptado à região”.2 Apesar de ser constantemente citado como um grande paradigma para os “condomínios verdes” e ter ganhado vários prêmios como o “Top Ecologia 2002/2006”, não houve uma grande evolução quanto à implantação do condomínio. O Gênesis foi erguido sobre a mesma paisagem desgastada por cortes, aterros, muros de arrimo e terrenos com ravinamento, presente na construção dos residenciais mais antigos de Alphaville. A “área verde preservada” equivale a áreas de APPs protegidas por lei (o empreendimento foi erguido em um sítio íngreme, com a presença de nascentes e lagos). O paisagismo não incorporou espécies da mata original, não houve a preocupação com a utilização de materiais e técnicas não convencionais como pisos drenantes, biovaletas etc. A implantação foi orientada para possibilitar a máxima oferta de terrenos a serem comercializados. Considerações finais É

bastante

questionável

atribuir

o

termo

“sustentável”

a

empreendimentos como o Alphaville e Gênesis. Em primeiro lugar, ao promover um processo de alisamento territorial com a substituição de uma realidade pré-existente (pequenos sítios onde era praticada a agricultura de subsistência por posseiros), por um espaço novo destinado a uma minoria abastada, a construtora contribuiu para aumentar o quadro de fragmentação social e segregação urbana. Em segundo lugar, o desenho urbano desses loteamentos é constituído de zonas monofuncionais rigidamente separadas em locais de moradia, trabalho, lazer e consumo. A ligação entre esses elementos é feita através de longas avenidas, que não possuem sequer calçadas adequadas, desencorajando o pedestrianismo. Além disso, o transporte público em Alphaville é insipiente. Via de regra, os deslocamentos são feitos através de automóvel, sendo que o trânsito é uma das principais reclamações daqueles que ali moram e trabalham. O fato de localizar-se distante da capital também contribui para aumentar grandes deslocamentos através de automóveis, o que contraria o princípio da cidade compacta. As “modernizações ecológicas” presentes nos condomínios como coleta seletiva e tratamento de esgoto beneficiam apenas uma minoria abastada. Além 2

Idem.

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disso, a implantação de grandes empreendimentos em áreas ambientalmente frágeis acentua a degradação dos recursos ambientais. Finalmente, do ponto de vista social, a instalação desses loteamentos fechados nas franjas metropolitanas de São Paulo, contribui para o recrudescimento das tensões sociais provocadas pela presença dos muros e equipamentos de segurança que separa esses dois mundos, o da “cidade rica”, habitada exclusivamente por membros da mesma classe social e o da “cidade pobre”, habitada pelos diferentes, os “de fora”.

ACSELRAD (org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009.

CMMDA. Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Getúlio Vargas, 1988.

CALDEIRA, Teresa Pires. Cidade dos muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: 34, 2001.

NOBRE, Eduardo A. C. Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade: uma reflexão sobre a Grande São Paulo no começo do século XXI. NUTAL, 2004.

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