O conceito de Liberdade: a polêmica entre os neorepublicanos e Isaiah Berlin

June 3, 2017 | Autor: Ivo Coser | Categoria: Teoria politica contemporánea
Share Embed


Descrição do Produto

2



Macpherson, 1973.
MacCallum, 1967.
Pettit, 2002 (1997), ch. Before Negative and Positive Liberty. Em diversos textos, Pettit inicia sua discussão com uma crítica ao argumento de Berlin e também apresenta seu conceito como uma alternativa ao de Berlin.
Diversos trabalhos seus mencionam diretamente esse aspecto, entre os quais podemos mencionar: The idea of negative liberty: philosophical and historical perspectives, Liberty before liberalism ou The republican ideal of political liberty.
Pettit, 2002 (1997), pp. 8-9.
Viroli,2002, p.13.
Pettit, 2002 (1997), p. 9 e Viroli, 2002, p. 6.
Gostaríamos de postular dois preceitos de caráter linguístico que nos auxiliarão tanto no esclarecimento quanto na interpretação do conceito de liberdade. Pelo termo interferência, estamos compreendendo a ideia de uma ingerência sob o cidadão amparada no direito. O termo direito, nas línguas latinas, possui um conteúdo distinto daquele presente na língua inglesa. Nas línguas de origem latina, droit, diritto e direito são usados sem que haja uma contradição entre uma intervenção para assegurar o que é justo e o que é do direito de alguém. A coerção, nessa circunstância, é plenamente legítima. Por sua vez, no inglês, o termo right, que pode ser traduzido por direito, é distinto da ideia de dever (duty), a qual remete para o sentido de obrigação, pois right denota a opção de fazer ou não fazer tal ato, não devendo ocorrer uma intervenção que o obrigue a realizar tal ato. Ver Hart, H.L.A. (1955), 2008, p. 282. Por sua vez, o termo liberdade, na língua portuguesa, carrega duas dimensões que estão separadas na língua inglesa. Segundo Pitkin, 1988, a língua inglesa possui uma distinção entre liberty e freedom que não se encontra nas línguas de origem latina. O termo liberty estaria relacionado a ser livre de opressão, dispor de um espaço de ação que não está sujeito ao controle externo, enquanto freedom diz respeito à possibilidade de participar dos assuntos públicos. O sentido do termo liberty está associado à ideia de direitos legais que asseguram ao indivíduo que ele não sofrerá uma interferência; dessa maneira, no vocabulário inglês, está mais próximo ao termo right. Conforme a própria autora destaca, Berlin usa, frequentemente, os dois termos de maneira intercambiável sem atentar para a diferença. Ocorre que, em alguns momentos, ele os utiliza distintamente; sempre que tal procedimento for verificado, destacaremos. Em que pese a pouca precisão semântica no argumento de Berlin, quando aparece a ideia de uma intervenção amparada no direito, esta possui o sentido de proteção a uma esfera na qual o indivíduo é livre para realizar suas escolhas. Veja Introduction, 1969 ,p. p. xlv-xlvi, este ideia será discutida mais adiante.
Berlin, 1969, p. 131-134.
Berlin,1969,p. 122-123.
Pettit, 2002 (1997), p. 51-52.
Pettit, 2002 (1997), p. 119.
Pettit, 2002 (1997), ch. 1 e 2 e Pettit, 2001, ch. 6.
Pettit, 2002 (1997), ch. 1, 2 e 3 e Skinner, 2008, p. 409.
Usualmente, as análises acerca do conceito de liberdade em Berlin se prendem, exclusivamente e limitadamente, a seu famoso ensaio Os dois conceitos de Liberdade. Um dos nossos objetivos foi ampliar a análise do seu argumento, o que nos permitiu analisá-lo na sua complexidade. Nesse sentido, é um equívoco deixar de lado diversos textos nos quais esse tema é tratado. Por outro lado, a Introdução escrita 11 anos após a publicação do famoso ensaio deve ser analisada como um texto complementar que, ao mesmo tempo, reformula diversos aspectos e responde às críticas que lhe foram formuladas inicialmente. Sobre as ideias discutidas na Introdução e sua relevância, vejam-se Crowder, 2004, Gray, 2000, Pettit, 2011 e Ricardi, 2007.
"Let me say once again that positive and and negative liberty in the sense I use these terms, start no great logical distance from each other". (Berlin, 1969, p.xliii).
Berlin, 2002 (1958),p.237.
Berlin, 2002 (1964 ),p 151
Crowder, 2004, p.83-86.
Berlin,1969,p.xliv.
Crowder,2002,Ch 4, p.88.
Berlin,1969, Introduction, p.xxxix.
Vejam-se Berlin, 1997, (1964), p. 111, Berlin, 1969, p. XXXIX, p. 135 e Berlin, 1997, (1958) item III, The retreat to the inner citadel.
Pettit,2002 (1997),p.55.
Crowder, 2004 e Gray, 2000.
Ver Pitkin, 1988.
Berlin, 1969, p. xlix, note 1.
Veja-se Berlin, 1969, p. xlv.
Para uma visão distinta, veja-se Casarin, 2008.
Ver Gray, 2000a, p. 16-19. Perry Anderson (2002) manifesta espanto que a reflexão de Berlin não conceda atenção à estrutura institucional para a proteção à liberdade negativa, preocupação tradicional no pensamento liberal. Anderson não percebe que Berlin não acredita na solução proposta por Rawls. Como assinala Gray, no argumento de Berlin, a noção de justiça não se encontra acima dos valores relativos a igualdade, liberdade, tolerância, entre outros.
Sobre a história do pensamento político republicano, vejam-se Pettit, 2002, ch. 1, Skinner, 1984, 1993 e 1998, Viroli, 1999. Sobre os temas mais recentes, veja-se Laborde, 2008.
Viroli, 1999, p. 38.
Pettit, 2002 (1997), p. 9 e Viroli, p. 1999, p. 52.
Pettit, 2002 (1997), ch. 4.
Pettit, 2011, p. 715. Nesse último trabalho, Pettit efetuou um tratamento mais atento do argumento de Berlin.
Crowder, 2004, ch. 4 , Gray, cap. 1, e Lamore, 2004.
Manent, 1994, p. 85
Berlin, 1969b.
Berlin, 1969b, p. 57-58, e Hanley, 2007, p. 166-167.
Berlin, 2001 (1968) e 1990 (1975).
Berlin, 2002 (1961), p. 65.
Berlin, 2002 (1958), p. 236.
Berlin, 1968.
Crowder, 2007, ch. 4.
Skinner, 1984 e 1993.
As normas são distintas do gosto; sua adoção implica aprovação, enquanto sua não realização acarreta reprovação dos membros da sociedade. O gosto é moralmente neutro, pode-se gostar ou não gostar sem cair na reprovação da sociedade. A norma é um comportamento social que é aceito como benéfico para todos. Ver Pettit, 2002(1997), ch. 8.
Pettit, 2002(1997), e Skinner, 1998.
Veja-se Pettit(1997), 2002, ch. 8.
Skinner, 1990, p. 302. Para um enfoque que critica a substituição da virtude cívica pela civilização republicana, veja-se Bignotto, 2000.
Pettit, 2002(1997), p. 124. No capítulo 4 do livro Republicanism, Pettit efetuou um esforço teórico ao apresentar o conceito de liberdade como não dominação como igualmente "igualitário e comunitário". O nome do capítulo denota a intenção de debater o assunto com o pensamento comunitário "Liberdade, igualdade, comunidade." Posteriormente, Pettit (2009) estabeleceu a necessidade de que a liberdade como não dominação possua vínculos com os grupos que compõem a sociedade; em outras palavras, a liberdade como não dominação não seria um bem desfrutado isoladamente por um cidadão sem vínculos com comunidades particulares dentro da sociedade.
Taylor, 2009.
Pettit, 2002(1997), p. 120-121.
Laborde, 2008, e Pettit, 2009, p. 50 .
Pettit, 2002(1997), cap. 1, p.42.
"There is only so much that such a state can be usefully state can do anything useful on the intrapersonal front. On the contrary, it seems all too likely that were the state to embrace the ambition of improving people´s psychology in the respects required the it might well degenerate into a oppressive agency. The point is familiar one and does not need any emphasis here (Berlin, 1969, Essay 1)" Pettit, 2001, p.127.
Skinner, 1984, p. 302.
Segundo os neorrepublicanos, os neoatenienses seriam Hannah Arendt e Charles Taylor.
Pettit, 2002 (1997), e Skinner, 1984.
"I happen to agree with Berlin that there are many different ends that we can equally well pursue." Skinner, 2008, (2001) p. 400. Existe uma diferença entre as formulações de Pettit e as de Skinner. Segundo o primeiro, a restrição à liberdade de escolha em razão da interferência da lei é um mal menor do que a violação arbitrária. Já Skinner confere o mesmo peso para a violação da liberdade de escolha, seja pela lei, seja pelo arbítrio dos particulares. Sobre essa diferença, vejam-se Pettit, 2002b, e Skinner, 2008 (2001).
MacCallum, 1967.
Segundo Silva, 2008, p. 172, o esforço de McCallum termina por corroborar o sentido das conclusões de Berlin, pois, ao fim, só haveria um tipo de liberdade: a liberdade negativa. O equívoco de Silva consiste em não perceber a diferença fundamental entre o conceito de Berlin e o de McCallum. O conceito de liberdade de McCallum não possui semelhança alguma com o de Berlin, pois McCallum pressupõe a existência de um fim, enquanto o conceito de Berlin refuta, radicalmente, a ideia da necessidade de um fim para a ação livre. No argumento de Berlin, a liberdade positiva se corrompe quando passa a pressupor a ideia de um fim. Sobre essa diferença, vejam-se Gray, 2000 e 2000a, e Crowder, 2007.
Taylor, 1979, p. 177-78
Gray, 2000, e Crowder, 2004, postulam interpretações distintas do pensamento de Berlin, mas concordam na centralidade do valor da liberdade de escolha.
2



Palavras chaves: Liberdade, Isaiah Berlin, Neorrepublicanismo, Liberdade negativa, Liberdade Positiva.
Resumo:
Análise da polêmica entre o neorrepublicanismo e Isaiah Berlin em torno do conceito de liberdade. A teoria neorrepublicana sustenta que o conceito de liberdade de Isaiah Berlin permite a emergência da arbitrariedade, sendo necessário desfazer a relação negativa entre intervenção e liberdade que caracterizaria o argumento do autor inglês. Assinalo que o conceito de liberdade em Berlin não refuta a possibilidade de intervenção para impedir a opressão. No argumento de Berlin está presente o tema da interferência do Direito como um instrumento para assegurar o exercício tanto da liberdade negativa como positiva. Tomando como ponto de partida as ideias de liberdade negativa e liberdade positiva, exponho a partir da obra deste autor que tais aspectos são manifestações de um conceito mais amplo, que envolve, principalmente, a liberdade de escolha dentre diversas alternativas. Chamo a atenção para a convergência entre as duas correntes acerca da inexistência de fins últimos para o exercício da liberdade.

















"Freedom for the wolves has often meant death to the sheep." (Isaiah Berlin)

1.0- Introdução
O tema deste artigo é a polêmica acerca do conceito de liberdade entre a teoria neorrepublicana e as ideias de Isaiah Berlin e apresenta uma proposta de revisão da crítica formulada pelos neorrepublicanos ao argumento de Berlin. Do argumento deste autor, destaco que o aspecto central do conceito de liberdade reside no valor da liberdade de escolha, considero que a partir desta ideia devem ser pensadas as tensões e a complementariedade entre os polos da liberdade negativa e da positiva. Em seguida, aponto para a construção desse conceito como antípoda ao tema da opressão e a presença do tema da intervenção como uma garantia da liberdade. Tomando como base a liberdade de escolha, apresento os motivos pelos quais o pensamento do autor concedeu precedência ao polo da liberdade negativa. Também efetuo uma análise do tema da finalidade no conceito de liberdade e indico congruências entre o argumento de Isaiah Berlin e o dos neorrepublicanos, uma vez que ambos refutam o valor de um fim último que justifique o exercício da liberdade.

2.0- Os dois conceitos de liberdade e seus principais críticos
Em 1958, Isaiah Berlin apresentava sua aula inaugural em Oxford, intitulada "Dois conceitos de liberdade". No mesmo ano, a aula seria publicada como um ensaio, o qual desencadeou um intenso debate. Em 1969, o ensaio seria publicado no livro Os quatro ensaios sobre liberdade. Nessa nova edição, o texto era acrescido de diversas notas que não constavam na edição original, além de uma longa introdução na qual o autor procurava responder a diversas críticas. O ensaio foi redigido durante a Guerra Fria, e as marcas desse embate eram ressaltadas pelo próprio texto. Segundo Berlin, o objetivo era indagar sobre questões que se encontravam no meio da "... guerra aberta que está sendo travada entre dois sistemas de ideias que dão repostas diferentes e conflitantes ao que tem sido há muito tempo a questão central da política - a questão da obediência e da coerção." (Berlin, 2002 (1958), p.228). As duas visões de liberdade, negativa e positiva, estavam associadas, respectivamente, ao mundo liberal democrático e comunista.
O ensaio teve um enorme impacto e foi discutido por diversos teóricos. Entre aqueles situados à esquerda, é exemplar a crítica formulada por C. B. Macpherson, segundo o qual o valor central do conceito de liberdade negativa era a ausência de interferência. A liberdade negativa requereria apenas um espaço livre de interferências do Estado, da Igreja, dos sindicatos, dos grupos etc, sem atentar para o aspecto fundamental de que a liberdade é a capacidade de um sujeito de agir segundo seus desejos. Para a concretização dessa capacidade são necessários recursos. Segundo Macpherson, como a pobreza não se constitui numa interferência, o conceito de liberdade de Berlin terminaria por não considerá-la um obstáculo. O argumento de Berlin trataria a superação da miséria e da pobreza como assuntos secundários, o que acarretaria o endosso a uma política de um mínimo de intervenção governamental, tal qual aquela defendida pelo laissez-faire ou por liberais como Hayek e Robert Nozick. Uma segunda crítica foi formulada por Gerald MacCallum, que teve bastante impacto no mundo anglo-saxão e mereceu, inclusive, respostas por parte de Berlin quando da republicação de seu ensaio. De acordo com MacCallum, Berlin busca atribuir validade a um dos polos da liberdade, no caso a liberdade negativa, o que termina por criar distinções que nunca são claras. Tal imprecisão decorre da operação de dividir a liberdade. Segundo MacCallun, a liberdade é um conceito uno, é uma ação, sempre em face de algum constrangimento, interferência ou impedimento, em fazer ou não fazer algo.
Apesar das críticas, a formulação de Berlin permaneceu como uma das mais influentes na teoria política. O principal ataque não viria nem da esquerda marxista nem dos neoliberais, muito dos quais viam seu pluralismo de valores como pouco comprometido com o liberalismo, mas do neorrepublicanismo, corrente teórica que emergiu no começo dos anos 90, cujos principais autores são Phillip Pettit e Quentin Skinner. Essa corrente firmou-se como uma das mais importantes na teoria política contemporânea, buscando articular uma teoria política normativa com uma pesquisa no campo da História das ideias. Seu ponto de partida foi a crítica à concepção de Berlin. Phillip Pettit começa seu clássico Republicanism com uma discussão sobre o conceito de liberdade antes da divisão proposta por Berlin; por sua vez, no campo da história das ideias Skinner realizou buscou recuperar um sentido de liberdade que se opusesse ao argumento de Berlin.
O neorrepublicanismo pretendeu se distanciar tanto do neoliberalismo dominante na maioria dos países ocidentais como da reflexão marxista. Seus principais autores refutavam também aspectos do republicanismo clássico. A participação nos assuntos públicos não era entendida como a mais alta forma de liberdade, o envolvimento na esfera pública era essencial, já que promovia a liberdade como não dominação, mas não porque fosse a verdadeira dimensão da liberdade. O tema da glória, a busca da ação que transcende seu tempo e alcança a perenidade que se constituía em um valor central no republicanismo clássico, era abandonado pelos neorrepublicanos em favor da participação de cidadãos que visavam à liberdade para não serem dominados; a virtude cívica demandada pela república era uma paixão civilizada e ordinária. O neorrepublicanismo recuperava a importância da separação dos poderes como uma barreira frente à tirania da maioria, refutando qualquer simpatia por um ideal populista de um Estado que tenha o povo como seu senhor incontestável.

3.0- As duas liberdades

O conceito de liberdade de Isaiah Berlin é constituído de dois polos: a liberdade negativa e a liberdade positiva. O conceito de liberdade positiva envolveria a ideia de uma ação na qual o cidadão age por seus motivos e não por causas externas; é uma liberdade para a realização de algo. Por outro lado, a liberdade negativa diz respeito àquela esfera de que um sujeito dispõe sem que possa sofrer nenhuma forma de interferência de outros homens ou de sujeitos coletivos. É importante assinalar que as duas liberdades são distintas, porém não estão logicamente em oposição, o conflito nasce ao longo da História.

A liberdade que consiste em ser seu o seu próprio senhor e a liberdade que consiste em não ser impedido por outros homens de escolher como agir podem parecer diante das circunstâncias, conceitos não tão distantes entre si do ponto de vista lógico- nada mais do que as formas negativa e positiva de dizer mais ou menos a mesma coisa. No entanto, as noções positiva e negativa de liberdade desenvolveram-se historicamente em direções divergentes, nem sempre por passos logicamente respeitáveis, até entrarem por em conflito direto uma com a outra" (Berlin, 2002 (1958), p. 237)

Vejamos a crítica que a teoria neorrepublicana formula ao argumento de Berlin. A definição neorrepublicana postula que a liberdade nasça de uma situação na qual o cidadão não esteja submetido a uma interferência arbitrária e que possa manter suas escolhas e suas ações frente a alternativas sem que tema por sua segurança. A necessidade de intervenção decorre da possibilidade de que existam poderes assimétricos na sociedade, que afetariam a segurança do cidadão – poderes tais como o de patrões sobre trabalhadores ou o de maridos sobre esposas. Essa intervenção não representaria uma perda de liberdade. A teoria neorrepublicana contemporânea aceita a interferência como um mecanismo de garantia da liberdade e sustenta que, a partir desse enfoque, estaria desfazendo a oposição estabelecida por Berlin de que a interferência implicaria uma diminuição da esfera da liberdade. O pensamento neorrepublicano estabelece sua distinção com a abordagem de Berlin, a partir da qual o mal a ser evitado é a dominação (dominum), que seria caracterizada por uma relação entre senhor e servo. Nesse tipo de ligação, o senhor pode intervir de maneira arbitrária nas escolhas do dominado sem que tenha de considerar as opiniões da pessoa afetada. Pettit enfatiza que a dominação pode acontecer sem ser necessária a ocorrência da intervenção; a ameaça e o sentimento de temor levam o sujeito a restringir suas escolhas, buscando satisfazer aquele que pode, sem a necessidade de ponderar os interesses do outro, forçá-lo a um dado comportamento.
Na sua Introdução (1969) ao livro que reuniu o texto Os dois conceitos de Liberdade, Berlin refuta várias das críticas e enfatiza alguns aspectos em função de trabalhos publicados posteriormente ao famoso ensaio. Em primeiro lugar, Berlin reafirma que as perguntas presentes nos dois polos não possuem distância lógica, mas ensejam respostas diferentes.

Devo dizer mais uma vez que a liberdade positiva e a liberdade negativa no sentido em que uso ambos os termos não possuem grande distância lógica entre si. As perguntas ´Quem é o mestre ?´ e ´Qual a área na qual eu sou o mestre´ não podem permanecer inteiramente separadas. Eu desejo determinar a mim mesmo e não ser dirigido por outros, não importa o quão sábios ou benevolentes eles sejam; minha conduta deriva seu valor do fato de é minha e que não me foi imposta" (Berlin, 1969, p.xliii).

A definição de liberdade positiva possui dois valores extremamente importantes para o argumento de Berlin. Em primeiro lugar, está a ideia da autonomia do sujeito, "o desejo de ser alguém". O indivíduo é um sujeito e não um escravo que não possui a liberdade de escolher sua conduta e não é reconhecido com um agente autônomo, capaz de fazer uso das suas faculdades livremente. O agente é capaz de "conceber metas e políticas próprias e de realiza-las". Em segundo lugar e atrelada aquela está a ideia de que o sujeito anseia por estabelecer ele próprio os fins que almeja, sem ser forçado por outros a fazê-lo, a escolha da sua conduta é um ato livremente selecionado. E não algo imposto por um sábio. Ambos os elementos não podem ser separados da ideia de liberdade de escolha. Se a autonomia pessoal é valiosa, então deve existir uma variedade de opções para a sua escolha, pois isto aponta para o reconhecimento da sua capacidade em conceber suas metas. O elemento de autonomia do sujeito presente no conceito de liberdade em Berlin não possui nenhum sentido de perfeccionismo moral, corresponde antes a um status mínimo que o sujeito possui, e, que lhe permite buscar os fins que lhe parecem desejáveis.

Desejo ser alguém, e não um ninguém; um agente- decidindo, e não deixando que outros decidam - guiado por mim mesmo e não influenciando pela natureza externa ou por outros homens como seu eu fosse um animal ou um escravo incapaz de desempenhar um papel humano, isto é de realizar metas e políticas próprias e de realiza-las.(...) Sinto-me livre na medida em que acredito que isto seja verdade, e escravizado na medida em que sou convencido do contrário. (Berlin, 2002,(1958),p. 237)

Tais valores foram suprimidos pela transformação histórica da ideia de liberdade positiva. A ideia de autonomia do sujeito foi transformada pelos teóricos da liberdade positiva em favor de um Eu Superior o qual de maneira benevolente e, autoritária, conduziria os indivíduos para a verdadeira liberdade impedindo-os de decidirem como querem conduzir suas vidas. "Devo fazer pelos homens (ou com eles) o que não podem fazer por si mesmo, e não posso lhes pedir permissão ou consentimento, porque eles não estão em condição de saber o que é melhor para eles; (Berlin, 2002, (1958), p.254). Neste momento, segundo Berlin, os teóricos da liberdade positiva traem o conceito de liberdade: "aquilo que tinha se iniciado como uma doutrina da liberdade veio a se transformar numa doutrina de autoridade, e algumas vezes, da opressão, tornando-se a arma do despotismo, fenômeno familiar ao nosso tempo." (Berlin, Introduction,1969, p.xlvi). É chave destacar que Berlin não está criticando a liberdade positiva como um todo, mas sua transformação em uma doutrina autoritária. Devo destacar o que desapareceu com esta distorção foi a autonomia do sujeito em dispor da liberdade de escolha; reescrevendo a metáfora berliniana, a partir de então existirá um Eu superior que irá indicar ao sujeito que porta ele obrigatoriamente deverá passar.

Na Introdução, o autor rejeita, enfaticamente, a possibilidade de que o conceito de liberdade seja idêntico ao de liberdade interior, a qual deve ser entendida da seguinte maneira: um indivíduo frente a um constrangimento arbitrário escolhe se retirar para sua dimensão mais recôndita, a sua mente. O exemplo do escravo que se adequou aos desejos do mestre arbitrário é analisado por Berlin, que conclui que o escravo não é livre. Isso porque a liberdade não diz respeito ao retiro do cidadão para a cidadela interior na qual ele pode tratar do que sua vontade deseja, pois remover o desejo de agir não aumenta a liberdade. A liberdade, seja no seu sentido positivo ou negativo, não poderá emergir a partir da extinção dos desejos e das escolhas em razão do receio de colidir com uma autoridade.

Porque se ser livre negativamente é simplesmente ser impedido por outras pessoas de fazer o que se deseja, então uma das maneiras de alcançar a liberdade é extinguindo os próprios desejos. Critiquei essa definição, e toda essa linha de pensamento no texto, sem perceber que ela era incompatível com a formulação por mim apresentada. Se graus de liberdade eram uma função da satisfação dos desejos, eu poderia, de maneira eficaz, aumentar a liberdade seja eliminando desejos seja satisfazendo-os; eu poderia tornar os homens livres (inclusive eu), condicionando-os a perder os desejos originais, os quais decidi não satisfazer. Em vez de resistir ou remover as pressões que se abatem sobre mim, posso internalizá-las. É isso o que Epicteto consegue, quando afirma que um escravo é mais livre do que o seu mestre. Ignorando os obstáculos, esquecendo-os, elevando-se acima deles, tornando-se inconsciente deles, posso alcançar a paz e serenidade, um nobre desapego dos medos e ódios que afligem outros homens - liberdade, em certo sentido, é verdade, mas não na acepção que eu desejo falar. (Berlin, 1969, p. XXXVIII).

Berlin, ao usar o exemplo do escravo, pretende diferenciar-se da concepção estoica de liberdade. Segundo ele, quando um cidadão acomoda seus desejos a um estreito campo de oportunidades, em razão de um constrangimento externo, e o faz com o objetivo de se adequar a essa situação, ele pode ganhar em serenidade ou em racionalidade, mas isso não é liberdade. Em outras palavras, o argumento de Berlin aponta para o domínio opressor praticado sem a necessidade de uma intervenção, apenas pela submissão do sujeito à vontade discricionária de um agente. De maneira mais clara, para que ocorra a perda da liberdade não é necessário a presença da intervenção. Neste sentido, ausência de intervenção não significa liberdade. Tal ideia foi repetida em diversos de seus ensaios.
Vejamos o segundo aspecto. Berlin é enfático ao afirmar que o constrangimento na liberdade de escolha pode decorrer de uma de intervenção deliberada ou não:
O critério da opressão é o papel que acredito estar sendo desempenhado por outros seres humanos, direta ou indiretamente, com ou sem a intenção, para frustrar meus desejos. Ser livre, neste sentido, para mim significa não sofrer a interferência dos outros. Quanto maior a área de não interferência, mais ampla a liberdade. (Berlin. 2002 (1958), p.230).

É fundamental destacarmos que a famosa ideia de Berlin quanto maior a área de não interferência maior a liberdade está associada à perspectiva de que ser livre é dispor de uma esfera na qual o indivíduo possa realizar suas escolhas sem sofrer uma interferência, intencional ou não, que venha a moldar a vontade do indivíduo de maneira contrária ao seu desejo. Dispor de uma esfera livre de interferência, mas na qual ele seja oprimido não permite uma ação livre. Como veremos em seguida, o argumento de Berlin, se corretamente compreendido, aceita um nível de intervenção, desde que esta se destine a assegurar a liberdade de escolha. A ideia de opressão em Berlin reside na percepção dos sujeitos de que seus desejos são frustrados por uma ação que não reconhece a sua liberdade de escolha. Podemos sugerir que a ideia de opressão em Berlin está muito próxima à ideia de arbitrariedade nos neorrepublicanos. Segundo Pettit, a segunda cláusula para considerar um ato arbitrário consiste em que um agente possui a capacidade de interferir sobre a vida de outro sem levar em consideração os interesses e as opiniões daquele que é afetado pelo ato; sua ação poderá estar orientada apenas pelo seu juízo.
O terceiro aspecto seria o tema da intervenção. Conforme observamos anteriormente, a crítica situada à esquerda considerava Berlin um teórico cuja definição de liberdade acarretava política de um Estado mínimo. Essa visão, entretanto, corresponde a uma concepção bastante restrita do seu conceito. No argumento de Berlin, a intervenção pode ocorrer como um instrumento que vise assegurar a liberdade de escolha.
A história sangrenta do individualismo econômico e da competição capitalista desenfreada, eu deveria ter pensado, que não seria mais necessária ser enfatizada. No entanto, tendo em vista as surpreendentes opiniões que alguns dos meus críticos me atribuem, eu deveria, talvez ter tido clareza de sublinhar certas partes do meu argumento. Eu deveria ter tornado ainda mais claro que os males do
laissez-faire irrestrito e dos sistemas sociais e jurídicos que o permitiram e incentivaram levaram a violações brutais da liberdade negativa (negative liberty) de direitos humanos básicos (sempre uma noção negativa: uma barreira contra os opressores), incluindo o direito da liberdade de expressão ou de associação, sem a qual pode existir justiça e fraternidade e até mesmo alguma felicidade, mas não é uma democracia. (...) É extremamente necessária a intervenção do Estado ou de outra agência eficaz para assegurar condições para a liberdade positiva, e um mínimo de liberdade negativa, para os indivíduos. (Berlin, 1969, p. xlv-xlvi, grifos meus).

Conforme Berlin destaca, a liberdade não significa um modelo de laissez-faire sem que existam órgãos capazes de assegurar certos direitos, barreiras que impeçam que opressores bloqueiem, intencionalmente ou não, o exercício da liberdade. O conceito de liberdade, tanto no aspecto da liberdade negativa como no da liberdade positiva, requer um grau de intervenção sem o qual a liberdade fenece. Mesmo que reconheçamos que, na maioria das passagens, Berlin use indistintamente o termo liberdade (liberty) para se referir aos direitos (rights) e para a participação nos assuntos públicos (freedom), podemos perceber que, no trecho acima, ele concebe a ideia de que o direito, na acepção de obrigar, intervir, deve ser utilizado para assegurar a liberdade, seja no sentido positivo (freedom), seja no negativo (rights). A ideia de ingerência sob o cidadão amparada no direito não possui nenhuma relação com a perspectiva de "obrigar o cidadão a ser livre", ideia atribuída a Rousseau, mas simplesmente proteger a esfera na qual o cidadão realiza livremente suas escolhas. A intervenção que Berlin aponta, no trecho citado, como necessária para o exercício da liberdade assinala a ideia de proteção, mas não de uma ação que dotada de um conteúdo substantivo obrigue o indivíduo a uma ação "livre".
Na discussão sobre o ensaio de T. H. Green publicado no final do século XIX, em 1881, Berlin aponta que, naquele contexto, na relação entre patrões e empregados, marcada pela ausência de intervenção, os trabalhadores dispunham apenas formalmente de uma liberdade negativa, mas sem nenhuma condição de realizá-la, pois se encontravam sujeitos à vontade dos patrões. A liberdade negativa, nessa situação, é um ganho vazio (hollowgain), pois a vontade dos trabalhadores se encontra submetida a uma vontade arbitrária. A mistura entre "dawinismo social" e ausência de interferência resultou, segundo Berlin, na perda de liberdade dos desafortunados sociais. O argumento de Berlin não estabelece que liberdade e igualdade social estejam em permanente conflito, nem que esses dois valores devam ser compatíveis. Em certas circunstâncias, a intervenção que visa reforçar a igualdade social é um instrumento para assegurar a liberdade. Entretanto, pode-se apontar sem dificuldade que existem na teoria política ocidental diversos experimentos teóricos nos quais esses dois termos estiveram em campos opostos. A compatibilidade depende do que os cidadãos entendem como os valores que regem a boa vida, neste sentido diferentes visões de bem geram diferentes concepções de justiça, as quais podem eventualmente entrar em conflito com a liberdade. O argumento de Berlin não considera factível estabelecer uma regra normativa acerca das relações entre liberdade e igualdade, pois seu pluralismo de valores aponta para a possibilidade da emergência de conflitos entre as diversas noções de bem, recusando a possibilidade de uma harmonia entre elas.
O tema de que a liberdade possa requerer uma intervenção nos conduz, logicamente, ao anseio manifesto pela teoria neorrepublicana de que sua reflexão seja distinta daquela defendida pelo liberalismo. Essa distinção estaria presente tanto no passado do pensamento político ocidental como na reflexão contemporânea. Segundo o pensamento neorrepublicano, a teoria política liberal é caracterizada da seguinte maneira:
"Nos últimos duzentos anos do seu desenvolvimento, o liberalismo têm sido associado, na maior parte das suas variações mais influentes com a concepção negativa de liberdade, como ausência de interferência e com o pressuposto de que não há nada de inerentemente opressivo no fato de que alguns tenham poder de dominar sobre outros, desde que não exerçam este poder nem que venham a exercê-lo." (Pettit, 2002, p. 8-9).

Segundo Viroli, o liberalismo de Constant e Berlin não mencionaria a liberdade como a ausência de dependência pessoal, pois é voltado apenas para as situações nas quais ocorreu uma interferência arbitrária. O neorrepublicanismo sustentaria que a lei torna os cidadãos livres não porque expressa sua vontade, mas porque seria um comando universal e abstrato que protege os cidadãos das arbitrariedades de outros. O republicanismo iria em direção contrária ao populismo de corte rousseneano, pois sustenta que o povo não seria o mestre, enquanto o Estado seria o mero servo da vontade do povo; nos termos de Pettit, o povo seria o depositante (trustor), e o Estado, depositário (trustee) dessa vontade. Os pontos principais dessa relação seriam: as exigências de universalidade e de interesse comum devem estar acima da vontade da maioria, o poder deve estar disperso pela sociedade, e não concentrado num único órgão e, por último, é necessário que existam controles constitucionais para o exercício do poder.
Posteriormente ao seu livro Republicanism (1997), Pettit efetuou uma distinção entre as correntes que abordaram o conceito de liberdade. Em vez de dividi-las em duas, conforme havia feito, propôs três abordagens: non-limitation, non-domination e non-interference. Pettit distingue o argumento de Isaiah Berlin da corrente hobbesiana-utilitarista. Para Berlin, seria igualmente importante a diversidade de opções, bem como a proteção que o ator possui. O argumento de Berlin, no entanto, favoreceria uma estratégia de adaptação, acomodação por parte de um agente que se defrontasse com a vontade, manifesta ou não, de outro agente mais forte. Por que o argumento de Berlin não conferiu ênfase ao tema da não dominação e da interferência? Segundo Pettit, porque a única alternativa no argumento de Berlin seria o reforço do polo da liberdade positiva. Na nossa interpretação, com essa divisão tripartite, Pettit incorpora as críticas que lhe foram feitas quanto à estreiteza da sua caracterização do liberalismo e do argumento de Berlin.
Como observamos anteriormente, o conceito de liberdade para Berlin envolve o repúdio a opressão, reconhece que esta possa ocorrer de maneira intencional ou não, basta que ela seja percebida pelo cidadão e, por último, a intervenção deve existir sempre que a liberdade, seja na sua dimensão negativa, seja na positiva, requeira-a para seu exercício. No mesmo sentido, não há recusa à ideia de liberdade positiva como parte integrante do conceito de liberdade; a autonomia do sujeito é um valor central para que ele possa dispor da liberdade de escolha, aspecto fundamental no conceito desenvolvido por Berlin. Podemos, portanto, considerar que as críticas formuladas pela teoria neorrepublicana ao argumento de Berlin podem ser refutadas. Se o conceito de liberdade é compatível com a ideia de intervenção, torna-se importante investigar a relação entre liberdade e os fins em Berlin e nos neorrepublicanos.

4.0- A finalidade da liberdade

O argumento de Berlin estabelece uma distinção entre o conceito de liberdade e a ideia de fim. Analiso como o argumento do autor efetua essa separação e, em seguida, aponto o mesmo processo no argumento neorrepublicano. Para analisar tal distinção, é necessário compreender como Berlin critica a noção de que existam fins últimos que justifiquem a ação livre. Nesse sentido, analiso a crítica que o autor formula à noção de inevitabilidade histórica.
O ensaio Os dois conceitos de liberdade, de Berlin, retomava as ideias presentes em Benjamin Constant, no texto Da liberdade dos antigos comparada à dos Modernos, mas, ao mesmo tempo, se afastava em um aspecto importante: o papel da História para Constant, segundo o qual a liberdade dos modernos estaria assentada não num hipotético estado de natureza, mas na História. Esta era um palco de conflitos, as antigas instituições eram substituídas por novas, fundadas em outros princípios adequados à marcha da História. Um dos erros dos jacobinos, segundo Constant, teria sido pretender impor instituições que não respeitavam a liberdade do indivíduo. Tal movimento estava assentado na vontade dos atores políticos, mas não na marcha da História, e esse descompasso resultou em instituições inadequadas para o espírito do seu tempo. Segundo Constant, como para os doutrinários, a História desempenharia o papel de uma autoridade que legitima os princípios da liberdade dos modernos.
Berlin recusa fundamentar o conceito de liberdade na História, principalmente, por dois motivos. O primeiro seria que visões metafísicas ou cientificistas buscam enxergar na História a realização de um princípio, seja de natureza teológica, seja de natureza racional, o qual, ao mesmo tempo, explicaria os eventos e justificaria as ações adequadas para a realização de tal ideia. Ao tocar no tema da inevitabilidade histórica, Berlin critica as teorias que abordam os fenômenos humanos a partir de uma perspectiva que procura descobrir forças que funcionam inexoravelmente sobre os atores políticos. Nessa abordagem, o cientista deve identificar a força motriz que condiciona os atores, dos quais se podem apontar os enganos, "sua ignorância" ou "sua racionalidade", sempre tendo como referência as supostas leis.
Tal procedimento reduziria o espaço da liberdade, pois quanto mais esse princípio é revelado, por métodos científicos ou não, menor seria a possibilidade de escolha para os agentes. As leis da História apontam para um sentido cujo valor não cabe aos atores escolher ou julgar; o papel do conhecimento seria o de afastar os atores dos rumos contrários ao princípio, nunca o de apontar para outras possibilidades ou para valores distintos. Analisar o argumento de Berlin acerca da liberdade envolve pôr em relevo sua análise do contrailuminismo e da vontade romântica. Segundo tais princípios, destaca Berlin, enfrentar as leis universais era um ato de liberdade, mesmo que essa ação fosse irracional. Cada cultura expressa sua própria visão e possui a liberdade de fazê-lo, e os modos de vida de cada cultura expressam valores incomensuráveis. Na nossa interpretação, quando Berlin analisa esses fenômenos, um dos aspectos que ele mais destaca consiste no direito desses movimentos em dispor da liberdade de escolha frente às escolas de pensamento que afirmam a determinação do comportamento humano a partir de leis pretensamente universais.
Em referência ao segundo motivo, Berlin enxerga na História e na política o campo do conflito entre diversos valores. A política se impõe na medida em que diversos fins estão em luta para a sua realização, sem que nenhum possa requerer uma superioridade sobre os demais; os valores seriam incomensuráveis. Uma ideia de História ou de Razão que traga no seu bojo um único princípio avaliaria os conflitos como fruto da falsa consciência ou da ignorância, sem que o indivíduo pudesse escolher qual a alternativa. Ao analisar essa concepção de História, Berlin está tratando também do problema da liberdade. A existência de processos inexoráveis reduz "a área da liberdade", em outras palavras, encurta a liberdade de escolha.
Quanto mais conhecemos, mais estreita se torna a área da liberdade humana e, consequentemente, da responsabilidade. Para o ser onisciente, que percebe por que nada pode ser diferente do que é, as noções de responsabilidade ou culpa, de certo e errado, são necessariamente vazias; e a percepção disso é o primeiro sinal da maturidade intelectual. (Berlin, 1969a, p. 58-60).

A partir da crítica de Berlin a essa concepção de História, podemos analisar com mais profundidade seu conceito de liberdade. Se a História não será mais a autoridade que fundamenta a liberdade dos modernos frente à dos antigos, outros valores deverão ser construídos. Segundo Berlin, a necessidade de estabelecer uma distinção entre a liberdade positiva e a negativa não nasce nos seus aspectos formais, mas nos conflitos entre esses dois modelos. Mais especificamente, a diferenciação nasce quando a liberdade positiva postula a existência de um padrão a partir do qual são considerados legítimos os motivos da ação. Em outras palavras, os indivíduos somente seriam livres quando agissem de acordo com um padrão que pode ser a Razão, a História ou a Religião ou diversos outros fins. Nem todas as ações podem ser consideradas autônomas. Com esses valores, segundo Berlin, os teóricos da liberdade positiva justificam intervenções que visam conformar os indivíduos a tal padrão.
A análise que Berlin efetua do papel do conhecimento permite perceber que seu conceito de liberdade é mais complexo do que a simples leitura da liberdade negativa, como ausência de intervenção, possa apontar:
O conhecimento só vai nos tornar mais livres se de fato houver mais liberdade de escolha – se com base em nosso conhecimento pudermos nos comportar diferentemente do modo como teríamos nos comportado sem ele (...), isto é, se pudermos nos comportar e nos comportarmos de modo diferente com base em nosso novo conhecimento, mas sem a obrigatoriedade de nos comportar desse modo. (...) Se somos livres para escolher, então um aumento em nosso conhecimento pode nos dizer quais são os limites dessa liberdade e o que a expande ou contrai. (Berlin, (1964), 2002, p. 143, destaque meu)

Percebemos que o conhecimento não pode determinar o conteúdo da ação livre. O conhecimento pode ser instrumento para revelar diversas opções, mas não deve estabelecer o único modelo de ação livre. O indivíduo, em Berlin, está sempre limitado pelo pertencimento a uma determinada comunidade, a uma linguagem, a costumes e a hábitos nacionais, e a reflexão do autor é extremamente crítica aos postulados do iluminismo, com seu indivíduo abstrato e racional. Essas limitações, entretanto, não cancelam a ideia de que o conceito de liberdade seja definido a partir da liberdade de escolha. No argumento de Berlin, é uma contradição definir a liberdade como algo além da liberdade de escolha, pois, se estabelecemos um fim para ação livre, somente somos livres quando agimos de acordo com aquele fim, ou seja, não somos livres. No debate político, os defensores da liberdade positiva sustentaram que os indivíduos podem ser coagidos a agir de acordo com um fim contrário à sua vontade, porque é o conteúdo presente nesse fim que, de fato, confere liberdade à ação. A lógica da liberdade positiva pode permitir a intervenção tuteladora sobre os indivíduos. É esse aspecto que Berlin critica:
Uma vez adotada essa visão, estou em posição de ignorar os desejos reais dos homens ou das sociedades, de amedrontá-los, oprimi-los, torturá-los em nome e no interesse de seus eus "reais", com base no conhecimento seguro de que tudo o que é a verdadeira meta do homem (a felicidade, o desempenho do dever, a sabedoria, uma sociedade justa, auto-realização) deve ser idêntico à sua liberdade - a escolha livre de seu eu "verdadeiro", ainda que frequentemente inarticulado. (Berlin, (1958), 2002, p.238)

Podemos considerar, portanto, que o conceito de liberdade de Berlin aponta uma tensão entre seus dois polos, na medida em que a liberdade positiva implica estabelecer um fim ao qual se destina a liberdade, sendo ela um meio para esse fim. O indivíduo somente é livre se escolher X. Para Berlin, a liberdade não deve outro ter fim que não seja ela mesma, isto é, a escolha entre opções. Quando o argumento de Berlin mobiliza o tema da intervenção, seu sentido deve estar direcionado para que assegure a liberdade de escolha.
A teoria neorrepublicana formula o conceito de liberdade como não dominação como uma resposta à teoria liberal. Seu argumento pretende apontar que não existiria um conflito irreparável entre a liberdade ancorada em valores comuns e o cidadão tomado na sua individualidade. Em outras palavras, a liberdade do cidadão não seria restringida pelos valores comuns a toda sociedade.
Em dois trabalhos sobre Maquiavel, Quentin Skinner se afasta do contextualismo da escola de Cambridge que marcou seu trabalho sobre os fundamentos do pensamento político moderno e efetua uma análise do pensamento de Maquiavel em busca de um conceito de liberdade distinto daquele presente em Isaiah Berlin.
Ao analisar a relevância de Maquiavel e dos republicanos ingleses do século XVI, Skinner destaca ideias como bem comum e virtu, que passam a denotar uma capacidade em realizar certos conteúdos, os quais envolvem tanto a liberdade individual como a pública. A intervenção não apenas protege, mas também conduz a certos fins que devem ser compartilhados pela sociedade.
Analisando a obra de Maquiavel, Skinner aponta que a ação livre não é construída contra a ideia de bem comum; ao contrário, ela requer a capacidade do cidadão em agir de acordo com esse tipo de ação. O pensamento neorrepublicano aponta que o bem comum requerido para a ação livre não pode ser a ação de cidadãos autointeressados que, por mecanismos fortuitos (invisible hand), terminam por gerar resultados virtuosos. Segundo Skinner, caso fosse esse o mecanismo para produzir o bem comum, o resultado seria simplesmente a corrupção.

Teorias contemporâneas da liberdade social, analisando o conceito da liberdade individual em termos de direitos básicos, acabaram por depender fortemente da doutrina da mão invisível. Se todos buscarmos nosso próprio autointeresse esclarecido, garantem-nos, o resultado será de fato o maior bem da comunidade como um todo. Do ponto de vista da tradição republicana, no entanto, esta é apenas uma outra maneira de descrever a corrupção; considera-se a superação desta uma condição necessária para maximizar nossa própria liberdade individual. Para os escritores republicanos, por conseguinte, a questão mais profunda e mais preocupante ainda permanece: como podem, naturalmente, os cidadãos autointeressados serem persuadidos a agir virtuosamente, de tal forma que possam desejar maximizar uma liberdade, que deixada a eles próprios, inevitavelmente irão desperdiçar. (Skinner, 1993, p. 304-05).

O mecanismo que conduz o cidadão a contribuir para o bem comum seriam as leis, intencionalmente construídas para tal fim, e as normas difundidas entre os membros da sociedade. A lei não apenas protege o cidadão contra o arbítrio, conforme postula a liberdade negativa, mas também o conduz a determinados fins e protege um espaço no qual as diversas opiniões podem emergir.

Para um escritor, como Maquiavel, entretanto, a justificativa da lei nada tem a ver com a proteção dos direitos individuais, um conceito que não aparece, de maneira alguma, nos Discorsi. A principal justificativa para o seu exercício é que, coagindo as pessoas a agir de forma a defender as instituições de um Estado livre, a lei cria e preserva um grau de liberdade individual que, na sua ausência, logo causaria um colapso conduzindo à servidão absoluta. (Skinner, 1993, p. 305).

Para os neorrepublicanos, a intervenção compatível com o exercício da liberdade seria aquela que espelhasse bens comuns a todos. Esses bens não possuem um fim em si mesmo, e, a partir deles, os cidadãos dispõem de liberdade para estabelecer os meios e os fins os quais desejam alcançar. Nesse sentido, esses bens são instrumentais, e os neorrepublicanos sustentam que tais bens não podem ser realizados pelas instituições políticas isoladamente, demandando o apoio dos cidadãos; para tanto, lhes são requisitadas virtude cívica e participação, as quais são pré-condições para que os cidadãos disponham da liberdade para alcançar seus fins particulares. O pensamento neorrepublicano mobiliza com ênfase mais o tema da civilização republicana do que propriamente o da virtude, denotando, dessa maneira, que não é demandada aos cidadãos uma ação heroica, mas a adoção de normas de solidariedade que beneficiam todos. Nesse enfoque, não está presente nenhuma dimensão heroica; a liberdade como não dominação não significa um estímulo à busca da glória, mas de segurança.
O argumento neorrepublicano pretende que a noção de bem comum que estaria orientando a intervenção seria apenas um valor neutro; liberdade como não dominação fornece ao cidadão a segurança que lhe permita buscar, autonomamente, os meios e os fins que lhe interessam. A liberdade como não dominação fornece segurança ao cidadão, porque a interferência que o conceito requer estará assentada na lei como expressão do bem comum. Uma vez que as leis expressem um interesse comum, o cidadão é livre para agir de acordo com seu julgamento e vontade sem estar submetido à vontade de outros cidadãos. O pensamento republicano contemporâneo afasta, portanto, o conceito de liberdade de qualquer relação com um telos. Não existiria uma finalidade última na liberdade, exceto aquela que o cidadão estabelece. Dessa forma, liberdade é um meio e não um fim em si mesma, um instrumento a partir do qual os cidadãos dispõem de um espaço no qual lhes é permitido buscar seus fins específicos.
A relação que o pensamento neorrepublicano estabelece entre bem comum e liberdade como não dominação pretende responder às críticas formuladas pelos comunitaristas ao liberalismo . Segundo os comunitaristas, o bem comum é pensado como uma concepção substantiva da boa vida formulada pela comunidade. Esse bem comum, em vez de se ajustar ao padrão de preferências das pessoas, provê um padrão a partir do qual elas são avaliadas. Nessa perspectiva, a liberdade corresponderia à autodeterminação, da qual o cidadão faz uso a partir do momento em que se encontra seguro frente a qualquer dominação arbitrária.
De acordo com Pettit, quando aderimos à promoção da não dominação, a primeira tarefa que temos de reconhecer é que a política adequada a essa tarefa não pode consistir em um projeto atomístico, deverá ser ajustada ao plano dos indivíduos como um todo. Se sou membro de uma população indígena na Austrália ou no Canadá, o grau de não dominação de que disponho está intimamente ligado ao grau de não dominação obtido por outros grupos indígenas. O desfrute dessa liberdade é um ato coletivo, mas num sentido distinto daquele entendido pelos comunitaristas; o cidadão desfruta de um bem que é de todos igualmente, caso assim não o seja, significa que todos possam vir a ser constrangidos arbitrariamente a qualquer momento. A segurança de que todos dispomos é um bem coletivo, mas o prazer do desfrute de certos fins permanece preso ao grupo. A liberdade como não dominação é um valor comunitário na medida em que a sua neutralidade assegura a pluralidade de bens. O bem comum presente na lei que intervém de maneira a assegurar a não dominação garante a expressão de identidades parciais, protege-as, fornecendo-lhes reconhecimento e voz. Segundo Pettit, a proteção de uma minoria étnica requer não apenas o direito de abrir um processo contra a discriminação, mas também o poder de organizar o grupo e, em alguns casos, o direito de viver sob uma proteção do governo. O que nos interessa destacar é que, para o pensamento neorrepublicano, o bem comum que legitima a intervenção e que a torna compatível com a liberdade possui um conteúdo neutro, assegura que diversos modos de vida possam manifestar-se sem que sofram arbitrariedades. O pensamento dessa corrente teórica destaca que a liberdade como não dominação não envolve qualquer ideia de fins últimos para a ação livre e assegura ao cidadão a livre escolha na determinação do que seria a boa forma de vida. A interferência que pode vir a ocorrer se justifica tendo em vista a garantia de que não será orientada por conteúdo específico algum, mas apenas deverá assegurar que os cidadãos possam realizar livremente suas escolhas.
Para os neorrepublicanos, pode-se permitir a interferência de uma instituição com a condição de que promova os interesses dos cidadãos e seja realizada de acordo com critérios compartilhados entre todos. Os instrumentos de um Estado democrático são meios para promover a liberdade dos cidadãos e não fins em si mesmos. A liberdade do cidadão é distinta da participação no governo; esta é entendida como um meio para assegurar aquela. Esse aspecto está ligado, diretamente, à crítica dos neorrepublicanos à ideia de fins últimos da ação livre.
Segundo Pettit, nesse aspecto, citando o argumento de Berlin, a ideia de que o Estado deva ter como meta aperfeiçoar o cidadão resultaria numa instituição despótica e contrária à liberdade. Viver sob um Estado livre é não ser constrangido a buscar certos fins e dispor de uma autonomia para ir em direção aos fins que o sujeito entendido como autônomo escolheu. O cidadão participa dos assuntos públicos não porque entenda que, principalmente, nessa dimensão, desfrute da liberdade, abordagem que seria adotada pelos neoatenienses, mas apenas porque visa preservar a sua esfera livre de interferências arbitrárias. A defesa da liberdade recai na sustentação de um regime em que os cidadãos participem, tendo em vista a necessidade de preservar sua liberdade. Nesse sentido, o tema do bem comum, no argumento neorrepublicano, sinaliza a noção de que nenhum grupo dispõe de um poder arbitrário sobre os demais, o que proporciona segurança e conduz, por intermédio de leis, os cidadãos a contribuírem para esse bem comum, o qual é, antes de tudo, do interesse de todos.
O pensamento neorrepublicano herda da reflexão de Berlin a ideia de que a liberdade não deva possuir um fim último que justifique a ação livre, e existem na sociedade diversos fins que devem estar disponíveis para os cidadãos . Introduzir fins que visem aperfeiçoar o cidadão, estabelecer uma intervenção na qual os valores de um grupo, majoritário ou não na sociedade, prevaleçam sobre outros são processos refutados pelos neorrepublicanos. Ao mesmo tempo, a segurança que a teoria neorrepublicana oferece aos cidadãos para que possam efetuar sua ação é plenamente compatível com o argumento berliniano de que a autonomia do sujeito requer uma área livre de interferência opressora. A arbitrariedade, segundo Pettit, ou a opressão, segundo Berlin, emergem quando a ação livre é forçada a seguir um fim que não seja o de fornecer segurança aos cidadãos para que possam escolher livremente entre os diversos fins.

5.0- A liberdade de escolha

Após ressaltar a dissociação entre ação livre e fim, gostaria de analisar a crítica de MacCallum ao argumento de Berlin, além de reforçar a ideia principal do conceito berliniano. Segundo MacCallum, a liberdade é sempre caracterizada por uma relação triádica, na qual um agente (X) é (não é) livre de uma barreira (Y) para fazer (não fazer) algo (Z). O autor pretende dissolver, dessa maneira, qualquer distinção entre liberdade positiva ou liberdade negativa, estabelecendo uma concepção tripartite.
A abordagem de McCallum parte do mesmo equívoco da leitura dos neorrepublicanos, isto é, compreende o conceito de liberdade de Berlin como sendo dividido entre dois modelos, a liberdade positiva e a liberdade negativa obscurecendo sua ideia principal. Tal leitura não percebe que o conceito de liberdade de Berlin reside fundamentalmente na ideia de escolha.
Vejamos esse aspecto. O conceito de liberdade em Berlin refuta, enfaticamente, a ideia de um fim, presente em McCallum. Segundo Berlin: "Um homem que luta contra seus grilhões, ou um povo que desafia sua escravidão, não precisa visar conscientemente qualquer outro estado definitivo. O homem não precisa saber como usará sua liberdade, ele apenas quer livrar-se do seu jugo. O mesmo ocorre com classes e nações" (Berlin, 1969, note I p. xliii). No argumento de Berlin, liberdade é a ação de escolher entre opções; realizar uma ação sem que o ator disponha de possibilidades não corresponde à liberdade. Poderíamos pensar no absurdo que seria postular que alguém é livre quando age tendo apenas uma alternativa: "Ação é escolha; a escolha é um compromisso com este ou aquele modo de comportamento, vida e assim por diante; as possibilidades nunca são menos que duas: fazer ou não fazer; ser ou não ser." (Berlin, (1964), 2002, p.136).
Segundo Taylor, a liberdade positiva seria um conceito que envolve o exercício, enquanto a liberdade negativa seria de oportunidade. O conceito de liberdade formulado por Berlin permite que um sujeito que não aja em razão do receio em violar normas internalizadas, mas que dispusesse de um leque de opções, viesse a ser considerado livre. A ênfase na ideia de oportunidade, criticada por Taylor, ocorre porque o argumento de Berlin confere centralidade à liberdade de escolha do agente; a partir dela, o agente pode preencher com seus valores e fins o campo da sua ação. Dispor de oportunidades para agir significa que o agente possuiu uma diversidade de opções, aspecto que é tão importante quanto a ação em si mesma, e sua concretização é o ponto final de um processo. Dispor de meios como o conhecimento ou o dinheiro, mas não possuir alternativas, somente podendo aplicá-los de uma única maneira, não se configura numa ação livre. A ação está presente no argumento de Berlin conjuntamente à ideia de oportunidades; elas não se encontram separadas. Nesse sentido, a formulação de Berlin para o conceito de liberdade confere centralidade ao seguinte aspecto: a presença da oportunidade de escolher entre diversos fins, sem que essa escolha esteja separada da ação.

Ser livre é ser capaz de fazer uma escolha não forçada; e a escolha acarreta possibilidades concorrentes – no mínimo duas alternativas abertas, desimpedidas. E isso, por sua vez, pode muito bem depender das circunstâncias externas que deixam apenas alguns caminhos desbloqueados. Quando falamos da extensão da liberdade desfrutada por um homem ou sociedade, temos em mente, presumo, a largura ou extensão dos caminhos à sua frente, o número de portas abertas, por assim dizer, e o grau de sua abertura." (Berlin, (1964), 2002, p.151, grifos meus).

A própria definição da extensão da liberdade em Berlin está diretamente associada à possibilidade de realizar escolhas, algumas destas são apenas potenciais, ou seja, o sujeito não irá concretizá-las, mas o autor entende que estas possibilidades devam estar ao seu alcance: "A extensão da minha liberdade social ou política consiste na ausência de obstáculos não apenas às minhas escolhas reais, mas também para minhas escolhas potenciais- o meu modo de agir de uma maneira ou de outra, conforme minha escolha." (Berlin, 1969, p. Xl)
O ponto que confundiu seus críticos foi que não perceberam que a liberdade negativa e a positiva são definidas pela escolha entre diversos fins. Ambas as dimensões da liberdade são relevantes como meios para assegurar a escolha.
Podemos perguntar: por que diversas leituras se prendem unicamente à ideia de ausência de intervenção? A ênfase que porventura seu argumento confere à ideia de liberdade negativa decorre da inexistência, nessa definição, do valor do fim último. Se a liberdade negativa não requer a ideia de um fim que justifique a existência de uma esfera livre de interferências arbitrárias, a liberdade positiva formalmente enfatiza a autonomia do sujeito, rechaçando, dessa maneira, a ideia de um fim último que justificasse uma tutela sobre o sujeito. O debate histórico político, entretanto, forneceu à liberdade positiva a ideia de que a ação livre somente seria verdadeiramente livre caso fosse guiada por um fim, o mercado, a justiça social, a história, a igualdade etc. Berlin não refuta que a liberdade positiva seja necessária para desfrutar da liberdade; o problema reside quando seus defensores postulam a supressão da liberdade de escolha.

6.0- Conclusão

O aspecto central do conceito de liberdade, em Isaiah Berlin, aponta para a liberdade de escolha; agir é dispor da oportunidade de eleger um entre vários fins. A liberdade positiva e a liberdade negativa são aspectos distintos desse mesmo princípio, e que entraram em conflito historicamente. A primeira remete à autonomia do sujeito em escolher quem irá governar os assuntos públicos de maneira que assegurem a liberdade de escolha. Já a liberdade negativa diz respeito ao direito em fazer ou não fazer, esfera na qual o cidadão está protegido pelas leis. Conforme foi demonstrado, a interferência deve ser utilizada em situações nas quais a escolha encontra-se ameaçada, sem que essa interferência possua fim algum que venha a subordinar tal intervenção. Esses dois postulados são distintos e, historicamente, entrarão em conflito sempre que os teóricos da liberdade positiva pretenderem estabelecer um modelo ao qual a liberdade estaria submetida, ou seja, ela seria um meio. Desse modo, Berlin assinalou a violação da ideia central do conceito de liberdade, a oportunidade de escolher entre diversos fins.
A sujeição a uma interferência opressora, seja ela intencional ou não, viola o exercício da liberdade. Tal ideia esteve presente no argumento de Berlin. O exemplo do escravo que se adequada a vontade do senhor, constitui-se num exemplo negativo. A teoria republicana buscou construir parte significativa do seu conceito de liberdade na crítica ao domínio arbitrário. A intervenção seria um mecanismo moralmente legítimo, desde que tivesse como meta impedir o domínio arbitrário; tal estrutura seria controlada por leis e por uma sociedade participativa. O conceito de liberdade como não dominação afasta quaisquer ideias de fins últimos, seguindo neste aspecto a formulação de Berlin. Uma sociedade republicana, entretanto, requer cidadãos que sejam movidos por princípios de bem comum, o qual não poderia ser o resultado de uma mão oculta que conduzisse cidadãos autointeressados. Nesse aspecto, a teoria neorrepublicana qualifica a intervenção de uma maneira que não havia sido formulada por Berlin. Nessa teoria, o modelo de ação livre requer não somente a proteção contra a arbitrariedade, mas também um cidadão capaz de estabelecer um diálogo com outros, de expor suas ideias e de ser capaz de receber os valores de outros cidadãos. Essa dimensão comunicativa esteve inteiramente ausente do argumento de Berlin, preocupado em enfatizar a pluralidade de concepções de bem na sociedade e o conflito decorrente.


Bibliografia citada

ANDERSON, Perry. O pluralismo de Berlin. In Afinidades eletivas. São Paulo: Boitempo, 2002.
BERLIN, Isaiah. Ainda existe a teoria política? (1961). In Estudos sobre a humanidade. Henry Hard and Roger Hausheer (edição). São Paulo: Companhia das letras, 2002.
_____________.Da esperança e do medo libertados (1964) In Estudos sobre a humanidade. Henry Hard and Roger Hausheer (ed.). São Paulo: Companhia das letras, 2002.
_____________.Dois conceitos de liberdade. (1958) In Estudos sobre a humanidade. Henry Hard and Roger Hausheer (edição). São Paulo: Companhia das letras, 2002.
_____________. Introduction. In Four Essays on Liberty. Oxford: Oxford University Press, 1969.
_____________.Historical invevitability (1953). In Four Essays on Liberty. Oxford: Oxford University Press, 1969b.
_____________. The counter-enlightenment (1968). In Against the current. Princeton University Press, 2001.
_____________.Nationalism: past neglect and present power. (1972). In Against the current. Princeton University Press, 2001.
_____________. The apotheosis of the romantic will: the revolt against the myth of an ideal world. (1975) In The crooked timber of humanity. Princeton, New Jersey: Princenton University Press, 1990.
BIGNOTTO, Newton. Humanismo cívico hoje. In Pensar a República. Newton Bignotto (org.). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.
CALLUM, Gerald Mac. Negative and Positive Freedom. In The Philosophical Review, Vol. 76. Nº 3 (Jul. 1967) pp. 312-334.
CASARIN, Júlio César. Isaiah Berlin: afirmação e limitação da liberdade. In Revista Sociologia e Política, v. 16, n.30,pp. 283-295, Curitiba, 2008.
CROWDER, George. Liberalism and value pluralism. Continuum, New York, Unitede States, 2002.
_________________. Isaiah Berlin: Liberty and Pluralism. Polity Press, Cambridge, UK, 2004.
GRAY, John. Two faces of Liberalism. United States of America: The New Press, NY, 2000a.
___________. Isaiah Berlin. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000.
HANLEY, Ryan Patrick. Berlin and History. In The one and the many: reading Isaiah Berlin. George Crowder and Henry Nardy (ed.). New York: Prometheus Books, 2007.
HART, H.L.A. Are there any natural rights? (1955). In Contemporary Political Philosophy: an anthology. Robert Goodin and Philip Pettit (ed.). Blackwell Publishing, USA, 2008.
LABORDE, Cécile. Critical Republicanism: the hijab controversy and political philosophy. Oxford: University Press, 2008.
LARMORE, Charles. A critique of Philip Pettit´s republicanism.In Philosophical Issues, 11, Social, Political and Legal Philosophy, 2001.
________________. Liberal and Republican Conceptions of Freedom.In Daniel Weinsctock and Christian Nadeau. In Republicanism: history, theory and practice. London: Frank Cass Publishers, 2004.
MACHPHERSON, C. B. Berlin´s division of liberty. In Democratic theory: essays in retrieval. Oxford: Clarendon Press, 1973.
MANET, Pierre. Benjamin Constant and Liberalism of Opposition. In An Intellectual History of Liberalism. New Jersey: Princenton University Press, 1994.
PETTIT, Philip. Republicanism. Theory of Freedom and Government. (1997) Oxford: Oxford University Press, 2002.
__________. A theory of freedom. Oxford: Oxford University Press, 2001.
__________. Rules, reasons and norms. Oxford: Oxford University Press, 2002.
__________.Keeping republican freedom simple: on a difference with Quentin Skinner. In Politicaltheory, 2002b; 30; 339.
__________. Agency-freedom and option-freedom. In Journal of Theoretical of Politics 15 (4) p. 387-403, 2003.
__________. Discourse Theory and Republican Freedom. In Republicanism: History, Theory and Practice. Daniel Weinstock and Christian Nadeau (editors), Frank Cass Publishers, London, Great Britain, 2004.
__________. Law and Liberty. In Laws and Republicanism. Samantha Besson and José Luis Marti (ed.) Oxford University Press, 2009.
__________. The instability of freedom as Noninterference: the case of Isaiah Berlin. In Ethics, Vol. 121. Nº 4 (July 2011) p. 693-716.
PITKIN, Hannah. Are freedom and liberty twins? In Political Theory, Vol 16, Nº 4, 1988. p. 523-552.
RICCIARDI, Mario. Berlin on Liberty. In The one and the many: reading Isaiah Berlin. George Crowder and Henry Nardy (ed.). New York: Prometheus Books, 2007.
SILVA, Ricardo. Liberdade e lei no neorrepublicanismode Skinner e Pettit. In Lua Nova, São Paulo, 74, p.151-194, 2008.
SKINNER, Quentin. The idea of negative liberty: philosophical and historical perspectives. In Philosophy in History. Richard Rorty, J. B. Schnnewind and Quentin Skinner (ed.), London: Cambridge University Press, 1984.
_________________. The republican ideal of political liberty.In Machiavelli and Republicanism. Gisele Bock, Quentin Skinner and Maurizio Viroli (ed.), London, Great Britain: Cambridge University Press, 1993.
_________________. Liberty before liberalism. United Kingdom, University Press, 1999.
_________________. A third concept of liberty. (2001). In Contemporary Political Philosophy: an anthology. Robert Goodin and Philip Pettit (ed.). Oxford, Blackwell Publishing, Great Britain, 2008.
TAYLOR, Charles. What´s wrong with negative liberty? In The Idea of Freedom: essays in honour of IsaihBerlin. Edited by Alan Ryan. Oxford, Oxford University Press, 1979.
VIROLI, Maurizio. Republicanism. New York: Farrar, Strauss and Giroux, 2002.



Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.