O Conceito de \"Mercê\" no Livro I das Ordenações Afonsinas

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O Conceito de "Mercê" no Livro I das Ordenações Afonsinas


O objetivo da pesquisa cujos resultados estão aqui sendo apresentados, foi estudar o conceito da mercê, tal como esse é apresentado no primeiro livro das Ordenações Afonsinas. Foi entender o que se compreende por "mercê" nessa documentação, assim como as maneiras como a palavra é utilizada no discurso da monarquia medieval portuguesa da época. Além de procurar os sentidos do vocábulo, procurou-se perceber como ele é utilizado, quando, e com que objetivos. Principalmente, procurou-se perceber a sua carga simbólica.
As Ordenações Afonsinas constituem um grande esforço de compilação e reorganização das leis do reino de Portugal, o qual foi concluído na primeira metade do século XV, durante o período de regência de D. Afonso V. Porém, sua elaboração já vinha de muitos anos, e utiliza como referência leis datadas de vários reinados anteriores. Assim, tratam-se de um importante canal de acesso à realidade jurídica da Baixa-Idade Média.
As Ordenações são formadas por cinco livros, sendo que o primeiro – a minha fonte – foi o último a ser redigido. Seus títulos tratam dos oficiais régios, e foram escritos em estilo diferente dos demais livros. De fato, sua linguagem possui um tom legislativo, o que torna esse livro muito rico para o historiador que procura compreender os usos feitos dos diferentes modelos explicativos então existentes.

Na perspectiva do modelo corporativo - o qual serviu de base para a monografia - é muito importante que em um texto tal como o das Ordenações Afonsinas o monarca se exiba como a cabeça política. Afinal, para "pôr ordem", é necessário também se afirmar como o mais indicado para a tarefa, pois o reconhecimento é intrínseco à possibilidade de governar, e, portanto, de "ordenar". Assim, o cumprimento dessa função deve decorrer de modelos já estabelecidos de retidão. E se a capacidade de ordenar necessita de legitimação – logo, de aprovação – o reconhecimento almejado somente pode derivar daquilo que, de uma forma ou de outra, é comumente aceito como correto. Essa capacidade geralmente era perseguida através de jogos argumentativos muito complexos, onde se elegiam e construíam, de acordo com as circunstâncias de cada ator, os modelos vencedores em retidão, aqueles que deveriam ser almejados e/ou justificavam as ações. Tendo a religião o papel normativo que se conhece, esses modelos que hoje entendemos como "políticos" fundamentavam-se geralmente em concepções oriundas da teologia. Pois toda ação humana seria, antes de mais nada, uma ação religiosa (em concordância ou não com os propósitos divinos, porém sempre balanceada pela religião). A existência feudal, que pautava as ações e o existir no mundo, acreditava-se ser uma espécie de espelho da ordem cósmica divina. Nesse sentido, a desigualdade adquiria o contorno da naturalidade (o que não implica na ausência de hierarquias e conflitos). Portanto, é nesse espírito que se deve interpretar a "mercê".



O primeiro aspecto que chama a atenção na mercê é o seu caráter de benefício, dado como recompensa por um bom serviço prestado, ou como doação destinada a gerar serviços ainda a serem prestados. A mercê fazia parte, assim, do estabelecimento do contrato feudal entre superior e inferior. Não possuía necessariamente valor material, poderia ser simbólica. De todo modo, o benefício, fosse material ou simbólico, era bem concreto, pois era ele quem estabelecia as relações de dependência. O seu resultado acabava por dar contornos a essas relações, e alimentava a reputação dos envolvidos, fosse de maneira benéfica ou maléfica.
A fama, por sua vez, possuía grande relevância, pois em geral não se considerava que fosse infundada. E, por isso mesmo, percebe-se, em vários trechos das Ordenações, o reforço do valor de que os oficiais evitariam se corromper e praticar ações contrárias às virtudes, a fim de preservar a boa fama. Tratando-se de pessoas de posição elevada na sociedade, então essa fama adquiria um valor superior àquele exigido aos de condição inferior. O cargo possuiria uma dignidade própria que automaticamente elevaria aquele que o ocupasse. Porém, o homem deveria também demonstrar, através de suas ações, que estava à altura da honra que o cargo lhe conferia, que seria capaz de satisfazê-la, que saberia proceder. Em casos de faltas para com esse dever, poderiam até ser destituídos de seus cargos. Muitas vezes, o primeiro "castigo" para aquele oficial que adotasse um mau viver seria a advertência diante dos que compartilhavam seu estado. Assim, gerar-se-ia a má fama, e, com isso, a vergonha. Essa concepção decorre do modelo corporativo, no qual o homem identifica-se a partir da posição social que ocupa, formando um só corpo junto com aqueles de semelhante situação social. Portanto, deveria obedecer às regras que se aplicam a esse conjunto, e não a lógicas de tipo individualista. Caso cometesse infrações, posicionar-se-ia contra o seu estado, e, consequentemente, contra o bem comum; cobrir-se-ia de vergonha, e o estado a que pertencia seria igualmente afetado. Logo, a vergonha não é individual, mas partilhada, e julgada dentro do mesmo estrato social.
A deposição final de um ofício representaria a revogação do contrato de dependência, e de qualquer benefício que pudesse emanar do laço feudal com o rei. Vê-se, portanto, que o ofício era encarado como mercê, ou seja, como benefício. Muitas vezes, concedido conforme a vontade régia. Mas ela ( a vontade régia) não é fortuita, e sim obedece às regras da Justiça. Pertence ao monarca a palavra final (a palavra que se torna pública), e o gesto de concessão ou retirada de uma mercê ratificaria o poder supremo do rei entre os súditos e seus vassalos. Era assim que deveria se mostrar, como juiz supremo, na regência de seu braço (os oficiais seriam uma parte do corpo do rei, exercendo o papel de braço), porém sem eliminá-lo jamais. Sua força política depende dessa imagem. O papel de dispensador de benefícios e de castigos, considerando-se o merecimento daquele sobre quem suas sentenças recaem, condiz com as noções que se faziam de justiça. O mesmo para a noção da virtude embutida na fidelidade e na gratidão do humilior, quando em dependência de um superior. Dessa maneira, saber distribuir mercês, assim como saber (merecer) recebê-las, parece ser uma questão proeminente, afinal a consequência dos atos de mercê situava-se no epicentro dos arranjos políticos, tanto nos momentos de tribulação como nos de paz.
Dentro das Ordenações, a frequência da utilização do verbo "querer", relacionado ao ato de conceder mercês, chama a atenção. Não é, provavelmente, mero acaso. Existiria um sentido por trás dessa escolha de palavras, e ela parece mesmo ser uma fórmula. Encarar as fórmulas "prontas" como sentenças fortuitas seria ignorar justamente sua função. Pois se são tão utilizadas, por isso mesmo não podem ser desprezadas. Nesse caso, a fórmula "per mercee que lhe queremos fazer" e suas variações, estabelecem uma posição régia muito específica, juntamente com a medida da extensão do poder e do modo como este deve se manifestar. Ora, a correta distribuição de mercês (leia-se, com justiça e ponderação) é um dever do rei. Mas um dever que precisa parecer que decorreu de sua vontade somente, e não algo ao qual ele tenha sido realmente obrigado. Se um monarca deve, em diferentes ocasiões, mostrar autoridade a fim de explicitar sua posição de mando, em outras precisa também se mostrar bondoso, misericordioso e flexível. A concessão de mercês faz parte do campo gracioso da doação, da recompensa e até da misericórdia. Ou seja, elas são uma obrigação do monarca, que as deve distribuir a quem as deve receber. Afinal, um rei necessita saber se articular com o conjunto, caso contrário torna-se incapaz de sustentar sua posição.
Uma das características também percebida da mercê é seu pertencimento ao direito. Ela não está acima dele. Embora seja uma doação, só pode ser concedida a alguém porque lhe é devida por direito. O rei escolhe fazer ou não mercê, mas essa decisão deve ser tomada corretamente. Ou seja, direitamente: o correto é aquilo que segue o direito. Caso contrário, o rei incorreria em erro grave, podendo até mesmo ser acusado de tirania.
Como não poderia deixar de ser, a mercê está vinculada à religião. O rei feudal é um rei senhor. Deve ser suserano de outros senhores; seu poder é absoluto e de origem divina. Mas, ele aparece como sendo ele também vassalo. Vassalo de Deus, e como tal, deve-lhe prestar serviços, os quais incluem ser bom cristão e honrar as virtudes capitais. Conceder mercês é um ato entendido – em determinados trechos - como um serviço a Deus, e um requisito para bem governar.
Por fim, uma das formas que as mercês assumem é a do perdão e alívio de penas judiciais. Isso significa que esses perdões são benefícios. Pressupõem que, a partir do momento em que a mercê for concedida, um pacto de gratidão e dependência se estabelece entre as partes, em resposta à grande benevolência demonstrada pelo monarca.
A vontade régia manifesta-se ainda - com relação ao perdão - nos casos de degredo e prisão. É uma vontade que se impõe no texto. Ela é benevolente, mas pode muito bem, no caso de feito muito grave, mostrar-se irascível e terrível. Pode ser tanto a benignidade apontada, como a temida ira régia. Há nessa demonstração do alcance da vontade monárquica um jogo duplo. Ao se mostrar compassivo e bondoso, o rei diz ao mesmo tempo até que ponto pode ser, com todo o direito, punitivo.
Existe ainda outro aspecto: o de que essas penas têm necessariamente um prazo de validade, o qual transparece na fórmula "que alguém será punido até nossa mercê". Daí presume-se que os degredos e as prisões terão fim, ou, no mínimo, um alívio. Quem decide quando, é o rei, e esse "prazo de duração" é apresentado como um ato de generosidade por parte do monarca, ato que se transforma em um benefício recebido pelo condenado. Pode-se imaginar, portanto, que esse abrandamento, esse benefício, pressuponha a prestação de um serviço, e que através da obrigação de retribuição e gratidão, a fidelidade do condenado à Coroa estaria demonstrada. Quem presta um serviço a um senhor, em troca de um benefício, deve-lhe fidelidade, pelo menos enquanto durar o vínculo.
Vale notar, no entanto, que em alguns casos essa situação se configura somente com relação àqueles de "mais pequena condiçom", e não com relação a "fidalgos, vassalos e pessoas honradas". A posição mais elevada tem direitos próprios que impedem o "exagero" da punição. Aquela devida aos mais elevados na hierarquia social deve, por direito, ser mais branda do que a devida àqueles de menor condição. Os maiores possuem também mais responsabilidades. Para eles, a desonra e a vergonha diante de seus pares é punição suficiente e até maior do que as penas corporais ou a prisão. Os direitos e privilégios de sua condição os protegem contra certas penas humilhantes. Todas essas – e certamente outras – são opções de explicação para a diferença de tratamento. Só que essa relativa "imunidade" não é válida para qualquer crime. Vê-se em um trecho que o pecado capital da luxúria praticado com monjas não faz parte de um tipo de crime que leve em consideração a qualidade social dos criminosos. Provavelmente isso se deve a que, nesse caso específico, o crime já não é contra a Coroa, mas contra o superior poder divino, o que o torna extremamente grave, o suficiente para justificar uma pena equivalente para todos.
No terceiro capítulo da monografia, dediquei-me a mostrar um aspecto da mercê que não vi, até agora, ser contemplado em qualquer fonte secundária. Quando se usa a fórmula, "que algo será feito como for Noffa mercê", relativa à aplicação de uma punição pela pessoa do rei, o vocábulo "mercê", parece equivaler à manifestação da vontade régia. O tom soa duro, e não é por acaso. Enquanto, no que foi analisado anteriormente, o regente se mostrava benevolente e compassivo, de acordo com seu posto de senhor dispensador de graças – ainda que fosse para sinalizar que o contrário também poderia suceder - agora é a outra faceta que se revela: a do monarca mostrando-se autoritário, coisa também necessária à tarefa de ordenação do reino. Governar seria um jogo entre a benevolência/perdão e a mão de ferro. Cada uma dessas faces é necessária e corresponde a situações específicas. O bom governante é aquele que sabe manejá-las da maneira mais adequada, sem cair nos excessos tanto de um extremo como do outro.
Em alguns casos, a mercê aparece justamente como a expressão dessa vontade régia, que se manifesta na forma punitiva. O rei estranha a situação não natural, afinal de contas, com a desobediência haveria uma corrupção da natureza, e esse estranhamento se manifesta sob a forma de uma punição. A mercê é a vontade que proferirá a sentença, de acordo com o nível de estranhamento. Essa sentença pode até não ser dada, mas a possibilidade de sua existência deve ser evocada, e o papel da decisão régia enfatizado. Cabe ao rei, nessas situações, indicar a punição adequada, e ele o faz segundo sua mercê, ou seja, segundo seu juízo. É sua a sentença, e também nesse caso atua como dispensador de justiça. A fórmula, "como Noffa mercê for" alude à decisão do juiz, que é pessoal, mas ao mesmo tempo regrada por algo previamente determinado como a solução correta e justa. É uma "vontade régia", mas justamente por isso não é arbitrária como uma vontade qualquer, de um comum, pois o rei não é um comum: é aquele que possui as maiores responsabilidades e obrigações, pois sua posição é especialíssima. A vontade do governante não é sua, pertence ao bem comum do reino e dos súditos, à honra da Coroa, e à realização da justiça. Caso se revele injusta, e a pessoa acabe se sobrepondo ao coletivo, então seria ela quem estaria pervertendo a ordem natural, o que seria inadequado para sua posição. Isso configuraria uma vergonha para todo o reino, e revelaria que ele estaria corrompido. A autoridade régia não pertence ao governante, mas ao lugar que ocupa, pelo que é necessário estar à altura.
No que compete aos oficiais da justiça régia – objeto principal sobre o qual se legisla no primeiro livro das Ordenações - a dependência com relação ao rei é ainda maior, pois seus laços com a realeza são absolutamente estreitos. Literalmente, devem-lhe sua posição. Nesse sentido, os atos desses oficiais repercutem sobre a realeza. Caso pratiquem algum crime que esteja em desacordo com suas obrigações, estariam descumprindo a regra da gratidão e da fidelidade. À cabeça, logo, ao rei, em seu papel de regedor dos membros, compete agir. Ele então manda punir os criminosos. É quando aparecem as expressões "qual Noffa mercê for" e "Fegundo for Noffa mercee", que poderiam ser substituídas por "conforme for nossa vontade/ juízo/ decisão". Bem, essa camada é mais visível, é a exposição da vontade "absoluta" do monarca no exercício de suas atribuições. Demonstra a extensão e qualidade de seu poder de mando, de sua situação como soberano máximo. Ser autoridade significa ter a capacidade de exercer poder, logo, é preciso deixá-la clara. Mas existe outro elemento, que contrabalança essa posição, e que aparece em várias passagens: a necessidade de adequação das penas aos casos específicos. É a expressão " segundo virmos que o cafo requere" ( será feito de acordo com a mercê do rei segundo aquilo que for adequado ao caso). Assim como se deve exigir obediência de maneira firme, é também preciso temperança para que o exercício da autoridade não seja excessivo. Se isso ocorre ela não é justa, e, consequentemente, torna-se ilegítima e prejudicial. A puni ão régia então não deve exceder em severidade aquilo que o caso merece. Pois a garantia do poder está na confiança daqueles que o sustentam. A lógica do serviço-benefício apoia-se especialmente nesse ponto.
Em uma passagem, vemos ser colocada a norma pura e simples daquilo que é proibido fazer, e do que ocorrerá aos envolvidos em caso de descumprimento. Feito isso, admite-se logo em seguida a exceção à regra, o que garante a justiça da lei. Uma vez que, punir em qualquer circunstância, inclusive em caso de real incapacidade de cumprir com as obrigações do cargo, que pela lógica não pode ser entendido como culpa do envolvido – tal como uma eventual doença – configuraria excessivo rigor, a ponto de se tornar injusto e inadmissível. Assim, legislar sobre o particular, admitindo esse tipo de exceção à regra, é justamente construir a própria lei. Este aspecto não deve ser encarado como evidência de confusão ou de insegurança jurídica. Pelo contrário, revela a lógica da época. A lei no medievo funcionava como referência, sem a intenção de substituir ou de se impor ao Direito Consuetudinário.
Uma vez feitas essas considerações, vê-se que as mercês, tomadas como uma problemática em si mesmas, merecem ser melhor estudadas. Ainda há muito a ser pensado a respeito, relativamente ao funcionamento do discurso que as explica e ao grau de importância e sentido que possuíam.
Parece comum que as mercês apareçam na historiografia em uma perspectiva naturalizada, como se se tratasse de uma realidade simples, de pouca expressão e, assim, de pouco interesse. Isso impede a compreensão da historicidade do conceito, e, portanto, o entendimento de como as sociedades do passado viam as mercês. Ao longo da pesquisa realizada, chegou-se à conclusão de que o estudo das mercês, no discurso das Ordenações Afonsinas – mas também, provavelmente, em outras fontes documentais - pode ser uma forma de acessar as ideias políticas que modelavam as monarquias ibéricas baixo-medievais. Elas se revelaram de grande valor nas práticas de serviço-benefício entre o rei e seus dependentes. Pode-se afirmar que o discurso que modela as mercês nas Ordenações Afonsinas é um microcosmo político da Baixa Idade Média, no sentido que elas aparecem de diferentes formas, na concepção das relações políticas, fossem elas hierarquicamente diferentes ou não. Assumindo como ponto de largada o estudo de um único conceito, viu-se aqui como o serviço e o benefício perpassavam constantemente a lógica do pensar político, evidenciando a feudalidade da sociedade portuguesa de então, presente tanto na fala como nas práticas. Afinal, não há prática que não se fundamente em algum discurso, nem discurso que independa de qualquer prática.
A variedade de intenções quando se falava direta ou indiretamente em concessão ou recebimento de mercês não invalida essas últimas assertivas. Nenhum sistema político-social é de fato uniforme: são na realidade regidos por uma pluralidade de concepções e posturas consequentes ou concomitantes. Dessa forma, a multiplicidade de sentidos que se observou estarem encarnados no próprio vocábulo "mercê" denota essa variedade dos valores dos que viveram naquela época e compuseram o texto das Ordenações Afonsinas.
Por fim, o estudo que se fez das mercês revelou que elas, além de configurarem um tema complexo, eram uma prática perfeitamente inserida nas dinâmicas feudais, no sentido em que permitiam que as trocas de serviço e benefício ocorressem, ao mesmo tempo possibilitando um ambiente que assegurasse os jogos de proteção e dependência; beneficiamento mútuo e gratidão por parte daquele que recebia; e da afeição e fidelidade entre as partes envolvidas nos pactos.
As vantagens não se restringiam aos dois polos da relação, mas se estendiam em direção àqueles que os cercavam, por conta de laços de parentesco e/ou de amizade e de dependência, inclusive atravessando gerações. No caso específico do monarca, a elevação de sua reputação através de tais intercâmbios significava também a proeminência dos seus vassalos, dos seus súditos, de sua linhagem e de sua dinastia, de seu reino, da Coroa e da monarquia. Essa característica arrebanhadora do prestígio era típica dos senhores, e, sendo o rei o principal dentre todos os do reino, logo, assumia nele proporções ainda maiores do que alcançaria em qualquer outro senhor: sua abrangência atingia a extensão daquilo que fosse de ordem reinol. Isso significa que a projeção correspondia a limites territoriais, porém, não somente a eles.
As mercês, portanto, conforme foi visto ao longo dessa exposição, articulavam-se com a concepção corporativa de sociedade, através das relações feudais que elas criavam e desfaziam, em um perpétuo jogo de arranjo e rearranjo político. Obedeciam a algumas lógicas, que se regiam pelas circunstâncias. O amplo e geral, nesse caso, funciona justamente porque se ajusta, com enorme flexibilidade, ao pequeno e específico.






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