O conceito de museu: A definição do ICOM de 2007

June 12, 2017 | Autor: Raquel Augustin | Categoria: Museum Studies, Museum, History of Museums, ICOM
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Belo Horizonte, v. 1, n. 2, Dezembro. 2015. ISSN 2358-0879

Revista Patrimonium, Belo Horizonte, v. 1, n° 2, Dezembro. 2015. ISSN 2358-0879

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SUMÁRIO

Patrimonium

CAPA

“O Chumbo na Arte Escultórica” Foto: Alexandre Leão

revista

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Considerações sobre a produção escultórica colonial mineira na região de Conceição do Mato Dentro: Patrícia Soares Pereira (et al.)

Editorial

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É com satisfação que apresentamos o segundo número da Revista Patrimônio. Se no primeiro, objetivamos a divulgação dos trabalhos relacionados aos acerbos arqueológicos, nessa edição priorizamos os artigos com referências a nossa herança histórica e artística colonial. No intuito de ampliar o acesso aos artigos, a Revista Patrimônio terá todo o seu conteúdo disponibilizado no site da Editora São Jerônimo. Optamos pela ampla divulgação, partindo do princípio de que o conhecimento desenvolvido pelos profissionais das mais diversas áreas, que trabalham com o patrimônio nacional, deve ser difundido e assim possibilitar um ambiente público de discussão, estudo e aprendizado.

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O conceito de museu: A definição do ICOM de 2007 Raquel Augustin

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Conservação preventiva em acervos Arqueológicos Rafael Guedes Milheira

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Editor chefe Dener Chaves Edição e projeto gráfico Robert de Andrade Redação e pesquisa Raquel F. G. Augustin Diagramador André Andrade

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O Chumbo na Arte Escultórica Lia Sipaúba Proença Brusadin

CONSELHO EDITORIAL João Cura D'Ars de Figueiredo Junior Leonardo Castriota Luciana Andrade Luciana Bonadio Maria Regina Emery Quites Moema Nascimento Queiroz Rodrigo Vivas Andrade Walter Ernesto Ude Marques

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(et al.)

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A importância da arqueologia em sítios históricos de mineração no contexto da preservação cultural Fabiano Lopes de Paula

EDITORA SÃO JERÔNIMO Rua Gastão da Costa Pinheiro, 287 Lj 3 - Jardim Guanabara - CEP 31742 - 248 Tel.: + 55 31 4103 - 7969| www.editorasaojeronimo.com.br [email protected]

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Carlos gomes e o design gráfico brasileiro do século xix Fellipe Alves Gomes

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www.editorasaojeronimo.com.br/patrimonium

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Patrimônio urbano, tempo presente e Praça Fernando Machado e seu entorno: um local de história e educação patrimonial. impacto na comunidade Bruna Michels Tércio Voltani Veloso

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CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO ESCULTÓRICA COLONIAL MINEIRA NA REGIÃO DE CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO: AS SEMELHANÇAS ENTRE AS IMAGENS DE NOSSA SENHORA DO CARMO E NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO Patrícia Soares Pereira Carla de Castro Silva Bruno Galery Carneiro Teixeira Denise Magda Camilo Agesilau Neiva Almada

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produção escultórica mineira exerceu papel relevante no período colonial brasileiro, favorecido, principalmente, por dois eixos fundamentais para a sustentação desse ofício: a mineração e a devoção. O século XVIII foi marcado pela grandiosa extração aurífera nas Minas Gerais, cujo mineral era cobiçado em terras portuguesas e servia como moeda de comercia-

lização no Brasil Colônia. Faz-se marcante, também, a extração de pedras preciosas como o diamante, em algumas localidades mineiras. A abundância desses minerais financiou a decoração interna das igrejas e a produção santeira por toda a região. Aliados a tudo isso destacavam-se a grande devoção religiosa da população e o papel das Ordens Terceiras, ou seja, das ordens leigas, já que, pelo domínio da explo-

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ração aurífera, a Corte portuguesa proibiu a entrada de ordens religiosas – primeiras e segundas – na Província das Minas Gerais. Essas ordens se instalaram nos primeiros povoamentos e vilas e nas principais comunidades religiosas das cidades mineiras, demandando aos escultores, entalhadores, santeiros e pintores a confecção de imagens religiosas para as suas igrejas, assim como para atender a devoção particular com o culto

religioso doméstico. Também se fazem marcantes as obras de talhas nas principais igrejas dessas cidades, por meio de seus belos e elaborados retábulos, arcos cruzeiros, forros, púlpitos, entre outros elementos artísticos integrados. Como parte do processo de colonização, chegaram ao Brasil artistas e artífices (arquitetos, mestres nos ofícios de carpintaria, pedreiros, serralheiros, ferreiros, ourives etc.), oriundos de Portugal e que para o Brasil vieram em busca de melhores condições de vida, favorecidas pela situação econômica vivenciada naquele momento pela extração mineral. Esses artistas aqui se instalaram e tiveram a oportunidade de produzir peças de fatura apurada e pinturas de excelente qualidade, todas com a marca das boas escolas europeias. Em suas oficinas de trabalho ensinaram e empregaram mão de obra brasileira, difundindo apuradas técnicas de esculpir, policromar e dourar imagens sacras em todas as regiões brasileiras. Nas Minas Gerais, o processo escultórico teve uma vasta produção, tanto na talha como nas imagens de vulto. É sabido que um grande número de artistas trabalhou na região, sendo que a produção artística mineira (escultura e pintura) é marcada pela genialidade do mestre escultor Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e do mestre pintor Manoel da Costa Ataíde. Outros artistas não menos conhecidos também se destacaram, como os escultores portugueses Antônio Vieira Servas e Francisco Xavier de Brito, e os pintores Joaquim José da Natividade e Francisco Xavier Carneiro, para

Figura 1: Vista frontal da imagem de Nossa Senhora do Carmo, antes do processo de remoção da repintura. Foto: Bruno Galery, 2012.

citar alguns. A pesquisadora Judith Martins (1974) lista, em seu Dicionário de Artistas e Artífices dos Séculos XVIII e XIX em Minas Gerais, além desses consagrados profissionais, mais 33 outros mestres artistas cujo ofício está relacionado à produção da escultura religiosa, atuando nas regiões de Catas Altas, Congonhas do Campo, Diamantina, Itabirito, Mariana, Ouro Preto e Serro. Essas informações foram levantadas a partir de registros em documentos públicos civis e eclesiásticos, disponíveis durante o período de 1940 a 1960. Sabe-se que outros bons artistas também atuaram em diferentes regiões mineiras como Sabará, Caeté, Santa Bárbara e São João del Rei. No entanto, constata-se que nessa grande produção escultórica mineira há muitas peças sem ne-

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Figura 2: Vista frontal da imagem de Nossa Senhora do Carmo, após o processo de remoção da repintura. Foto: Bruno Galery, 2013.

Figura 3: Detalhe da base da imagem de Nossa Senhora do Carmo. Foto: Bruno Galery, 2013.

nhum tipo de registro e documentação em que se possa definir o autor. Há que se observar, também, que muitas dessas peças hoje não apresentam mais a pintura original, tendo passado por transformações ao longo do tempo, como no caso das repinturas. Isso se dá por fatores como: a necessidade de mudança de estilo da peça, frente a novas correntes estéticas que se desenvolviam; os desgastes sofridos com o tempo, como perdas das camadas de policromia original e de douramento; a exigência de renovação da peça por parte da comunidade, para que estivesse

Figura 4: Vista do verso da imagem de Nossa Senhora do Carmo, antes do processo de remoção da repintura. Foto: Bruno Galery, 2012.

apresentável durante as festividades religiosas ou, mesmo, por puro gosto pessoal. Em casos raros, pela necessidade de se alterar a iconografia de uma determinada imagem, por mudança de padroeiro (orago). Cabe registrar também que nos processos de subtração, roubos e contrabando de imagens, a repintura é utilizada com o intuito de dificultar a identificação da peça original, alterando-se assim suas tonalidades e decoração pictórica. As imagens coloniais, portanto, podem apresentar uma, duas ou, até, mais de uma dezena de camadas de repinturas sobrepostas, dependendo da evolução histórica pela qual passou a peça e, também, da sua relação com a comunidade na qual está inserida. No processo de restauração de uma escultura, a decisão ou não de se remover a repintura é uma

Figura 5: Vista do verso da imagem de Nossa Senhora do Carmo, após o processo de remoção da repintura. Foto: Bruno Galery, 2013.

Figura 6: Detalhe do véu de Nossa Senhora do Carmo, vista do verso. Foto: Bruno Galery, 2013.

questão bastante delicada e conflitante no que tange à formulação do tratamento pelo profissional conservador-restaurador. A remoção de uma ou mais pinturas existentes sobre o original deve ser muito bem fundamentada por meio de conhecimentos técnicos, de exames científicos e, também, de uma grande experiência profissional, dada a irreversibilidade do processo.

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Sabe-se que as maiores ocorrências de repinturas ocorrem em virtude de perdas na policromia original, salvo os casos específicos citados anteriormente, que são a mudança de estilo e a mudança por gosto pessoal. Nestes dois últimos casos, a policromia e o douramento originais costumam estar bastante íntegros abaixo das camadas de repinturas. As imagens de Nossa Senhora do Carmo e de Nossa Senhora do Rosário, pertencentes à Igreja Matriz Santo Antônio, distrito de Santo Antônio do Norte, município de Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais, são obras do século XVIII, com características estéticas típicas do barroco mineiro. Essas imagens foram restauradas pela empresa Memória Arquitetura Ltda., em 2013, por meio de contrato firmado com o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA/MG. Elas apresentavam repinturas e ilustram as questões sobre o tratamento de restauro e a importância de estudos sobre autores. As imagens foram esculpidas em madeira da espécie Cedrela (comumente chamada de cedro), policromadas e douradas, apresentando espessas camadas de repinturas feitas à base de óleo. Os exames científicos realizados nas peças, como a Espectroscopia no Infravermelho por Transformada de Fourrier (FTIR) e a Microscopia de Luz Polarizada (PLM), os testes microquímicos e os cortes estratigráficos indicaram a presença de uma policromia original bem diferente da repintura, com cores mais vivas, equilibradas e harmonizadas com a estética barroca da peça.

A duas peças têm características bem semelhantes, tanto no que se refere à repintura, quanto à policromia original. Ambas apresentavam uma repintura bem espessa, realizada imediatamente sobre a camada original, ou seja, sem a utilização de uma base de preparação. No processo de douramento da camada de repintura não foram utilizadas folhas de ouro e, sim, material brilhante feito de pó de bronze, mais conhecido como purpurina. No que tange à decoração original, as peças apresentam douramentos integrais, feitos com folhas de ouro e rica decoração pictórica, como esgrafiado e pintura a pincel. Os padrões decorativos encontrados na túnica, no véu, na nuvem e na base das peças se apresentam de forma bastante semelhante. Ambas as peças não possuem au-

Figura 7: Vista frontal da imagem de Nossa Senhora do Rosário, antes do processo de remoção da repintura. Foto: Bruno Galery, 2012.

toria definida, conforme registros pesquisados no IEPHA/MG e junto à comunidade. Também não foi possível encontrar um histórico da chegada dessas peças ao templo no distrito de Santo Antônio do Norte (Conceição do Mato Dentro-MG), no entanto, nota-se uma semelhança muito grande na arte de policromar com a qualidade da pintura realizada: motivos florais em grande dimensão, em azul (esgrafiado) em ambas as túnicas, esgrafiado com motivação geométrica nos véus e em pequenos círculos nas nuvens das duas imagens, e, ambas as bases com pintura marmoreada. É possível que um mesmo artista tenha realizado o trabalho de policromia das duas peças, ou que uma escola de policromadores tenha atuado na região. O mesmo se dá com a repintura, que se apresenta com

Figura 8: Vista frontal da imagem de Nossa Senhora do Rosário, após o processo de remoção da repintura. Foto: Bruno Galery, 2013.

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decoração mais contida, sem motivações e com pintura lisa e tons suaves. Pela qualidade da repintura e pelos aspectos apresentados, é possível que o processo tenha sido realizado também por um mesmo autor. Cabe ressaltar que havia dois tipos de pintura em cada uma das peças: a original e a repintura. Se comparados, esses dois tipos de pintura se apresentam bem díspares. As duas imagens foram repintadas, provavelmente, pela necessidade de se “consertar” os danos sofridos ao longo do tempo e, também, por uma mudança de estilo, em que foi realizada uma repintura menos elaborada, com cores mais suaves, mas respeitando, assim, as representações religiosas de cada uma. No período compreendido entre o final do século XIX e o início do XX, muitas imagens e outros elementos artísticos sacros barrocos foram repintados em tons bege, cinza, azul claro e branco, com o objetivo de encobrir as fortes e vivas tonalidades, dando, assim, “austeridade” e “respeito” às coisas da igreja. Era esse o sentido da estética neoclássica nos templos católicos. Por isso, as repinturas dessas duas imagens possuem tonalidades discretas e são desprovidas de desenhos elaborados e decorativos. Nessa época, também, a atividade mineradora se

Figura 9: Detalhe da base da imagem de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Bruno Galery, 2013.

Figura 10: Vista do verso da imagem de Nossa Senhora do Rosário, antes do processo de remoção da repintura. Foto: Bruno Galery, 2012.

encontrava em franca decadência, provocando, assim nas artes, o esvaziamento da região e a perda de qualidade artística. O procedimento de remoção das repinturas dessas obras baseou-se, além dos exames científicos, nos testes com solventes em diversas áreas de cada uma das imagens durante a formulação da proposta de tratamento. Esses testes foram essenciais para a definição do solvente que melhor auxiliaria na remoção da repintura, sem danificar a pintura original. A remoção da repintura não é um procedimento fácil e rápido, sendo necessárias uma boa fundamentação científica e técnica e a destreza manual por parte do conservador-restaurador. Nos casos em questão, a remoção foi determinada pela simplicidade da repintura; pela excelente qualidade e pela

Figura 11: Vista do verso da imagem de Nossa Senhora do Rosário, após o processo de remoção da repintura. Foto: Bruno Galery, 2013.

integridade da policromia original subjacente; e pelas deformações que a repintura provocava ao modelado escultórico e às feições originais das imagens. É importante ressaltar que a remo-

Figura 12: Detalhe do véu de Nossa Senhora da Conceição, vista do verso. Foto: Bruno Galery, 2013.

ção da repintura se faz necessária porque visa resgatar as qualidades dos materiais originalmente utilizados e também a estética original das esculturas. Logo, busca resgatar ainda a historicidade da obra

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que porventura tenha se perdido ao longo dos tempos, por questões diversas que levaram ao processo de repintura. A remoção da repintura é também um trabalho arqueológico, já que revela uma obra de arte, um objeto histórico escondido sob as camadas de tintas. Essa revelação diz respeito não somente à policromia, mas, principalmente, ao modelado escultórico original. As repinturas muitas vezes deformam e alteram feições e movimentações que as esculturas apresentam em sua talha original, e escondem uma decoração pictórica da sua época, mais requintada, delicada e feita com técnicas sofisticadas e materiais nobres como o ouro em folha e os pigmentos importados. Outro fator importante a ser discutido com a remoção da repintura é a possibilidade de estudo de autoria e de técnicas de decoração das peças. No caso em questão, as imagens não possuem autor e tão pouco atribuição de autoria, pelo menos não foram encontrados registros que levassem a esse caminho. Porém, a policromia apurada demanda estudos para identificação de autor que possivelmente tenha trabalhado na região e produzido uma forma de policromar com as características identificadas. É possível que outras peças localizadas na igreja Matriz de Santo Antônio e no seu entorno tenham o mesmo padrão estético, tanto na talha quanto na policromia, dessas duas imagens. Os estudos sobre escultores e policromadores de Minas Gerais praticamente se resumem aos mestres Aleijadinho, Servas e Ataíde, que têm suas obras amplamente estu-

Figura 13: Detalhe da nuvem de Nossa Senhora da Conceição. Foto: Bruno Galery, 2013.

dadas por historiadores, artistas, restauradores, pesquisadores e admiradores da arte produzida por esses artistas. No entanto, é sabido que nas Minas Gerais setecentista e oitocentista outros nomes também desenvolveram o ofício de entalhar, esculpir, policromar e dourar, no entanto, até o momento não foram estudados. A exceção se faz para os estudos realizados pela professora Beatriz Coelho sobre a policromia na região de Sabará, e a sua escola e do conservador-restaurador Carlos Magno, que realiza estudos da obra de pintura de forro, de perspectiva e de imagem de vulto do pintor Joaquim José da Natividade, que realizou trabalhos na região de São João del Rei. Mestre Piranga, mestre Sabará, mestre Cajurú e mestre Barão de Cocais são outros artistas que atuaram nas Minas Gerais já identificados pelas peculiaridades que apresenta cada uma de suas obras, mas que ainda não foram completamente estudados, assim como outros tantos mestres e escolas de escultura e policromia que atuaram na Minas Gerais colonial e que ainda estão desconhecidos. Com relação às imagens do município de Conceição do Mato Dentro aqui apresentadas, é provável que um artista escultor e também policromador tenha atuado nessa região e produzido peças com as mesmas características das imagens mencionadas.

A policromia apresentada por essas duas imagens, apesar de terem características mineiras, remete-nos à primeira vista a uma semelhança com a policromia sacra de imagens produzidas no nordeste brasileiro, como na Bahia e em Pernambuco. A necessidade de estudos sobre a autoria e também sobre a produção artística nessa região se faz imprescindível para responder a indagações, como por exemplo as que seguem. Existia uma escola de entalhadores e policromadores nessa região (Serro e Conceição do Mato Dentro)? Havia alguma troca de informações entre os artistas dessa região e os

Figura 14: Detalhe do manto de Nossa Senhora da Conceição, vista do verso. Foto: Bruno Galery, 2013.

artistas de outras localidades? Em algum momento passou por essa região algum artista vindo da região Nordeste do país? Como era a produção escultórica nessa época? Essas peças foram encomendadas a artistas fora da região? O estudo da atuação e produção desses mestres é de fundamental importância para entender a movimentação artística no período colonial nas Minas Gerais. O resgate da policromia original dessas peças, que sofreram intervenções no decorrer dos anos, possibilita, além do resgate histórico, elementos para estudos futuros na ten-

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tativa de identificação da atuação de artistas ou escolas artísticas nas Minas Gerais. E, sobretudo, possibilita fazer a atribuição de autoria para essas peças, que se apresentam com rica talha e elaborada policromia. É interessante também pesquisar se essas imagens foram esculpidas ou entalhadas por um mesmo profissional ou se os ofícios eram realizados separadamente. Sabe-se que na primeira metade do século XVIII havia uma separação desses ofícios, mas já no século XIX há registros de artistas que acumulavam o duplo ofício, ou seja, de entalhe e de policromia. O resgate da estética original dessas peças e os estudos sobre os artistas que realizaram os trabalhos são de grande contribuição e importância para o entendimento da história colonial mineira, da produção escultórica sacra e das possíveis escolas de formação de entalhadores e policromadores que pelas Minas Gerais passaram. Estimular a pesquisa e os estudos sobre essa arte, com certeza, é uma grande contribuição para a história colonial artística mineira, permitindo assim a identificação de novas escolas e de artistas até então desconhecidos e a confirmação de um modo de entalhar e policromar típico da região. REFERÊNCIAS MARTINS, Judith. Dicionário de Artistas e Artífices dos Séculos XVIII e XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, Departamento de Assuntos Culturais, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1974. 1º e 2º volumes. ▪

O CONCEITO DE MUSEU:

A DEFINIÇÃO DO ICOM DE 2007

Raquel Augustin

O

s museus são por excelência o repositório de bens patrimoniais de uma sociedade. Mas também são muito mais do que isso, visto que apresentam objetivos, metas, missões e comportam funções específicas a sua natureza. A redação desse texto visa esclarecer a definição de museu apresentada pelo ICOM (International Council of Museums) na cidade de Viena em 2007, em vigor atualmente. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica nas áreas de museologia, ciência da informação e ciência da conservação com o intuito de produzir uma breve explicação da formação dos museus e da conceitualização dos termos vinculados à definição do Conselho Internacional de Mu-

seus. Há dois mitos de origem da instituição de preservação da cultura e do conhecimento, o do Museion grego e seu contexto1 (o mais difundido) e o de Museu, filho de Orfeu, portanto, descendente de Apolo e da musa Calíope, que foi designado a reunir a obra do pai para que ela não se perdesse no tempo (CÂNDIDO, 2013). De acordo com diversos autores, o museu floresce do colecionismo, do ato de acumular objetos transformando seu significado, de objeto utilitário para objeto histórico, estético ou outro. Inicialmente somente a monarquia e a Igreja detinham coleções relevantes, mas com o passar do tempo, a aristocracia adentrou nesse seleto grupo e, posteriormente, a burguesia.

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Esse breve histórico partirá da Idade Média, período em que os governantes e altos membros do clero, tal qual os romanos, continuam acumulando tesouros como pinturas, tapeçarias, esculturas e relíquias2, entre outros (Figura 01). Nessa época os palácios possuíam salas para exibir as obras sob sua posse (BOLAÑOS, 2008); já os templos católicos se utilizavam da arte de forma pedagógica e moral no seu espaço, além de armazená-la em câmaras de tesouro (CÂNDIDO, 2013). A partir desse acúmulo de tesouros surgiu um novo método de contemplação dos artefatos componentes das coleções: o studiolo (Figura 02). Ele se caracterizava como um cômodo especialmente construído e decorado para promover a reflexão,

o estudo e abrigar objetos como esculturas, pinturas e pedras preciosas. O espaço promoveu uma distinção na forma de apreciação por conta da privacidade que concedia aos ali presentes e se tornou popular a partir do século XVI entre os afortunados italianos, como os mecenas (BLOM, 2003). O pensamento renascentista aliado às inovações navais e comerciais culminou em novos tipos de coleção voltadas não só à arte, mas também ao exótico. Essas coleções originaram novos lugares de apreciação ainda de acesso restrito: os Gabinetes de Curiosidades, cujo maior parte dos artefatos eram de naturalia, e as Câmaras das Maravilhas, que abrigavam predominantemente a artificialia (CÂNDIDO, 2013) (Figura 3). Nessa época o ato de colecionar atingiu as camadas intermediárias da sociedade, aqueles que não detinham “grandes recursos nem grandes ambições intelectuais”. Na Holanda, por exemplo, os burgueses incluíram o gabinete ou armário de curiosidades como parte fundamental da residência e ele poderia ter as dimensões que seu portador desejasse, desde um armário de porte mediano a até mesmo um cômodo inteiro (BLOM, 2013). Esse é o período em que há uma transformação cultural, de possuir tesouros as pessoas passam a possuir coleções, os tesouros denotam unicamente um prazer pela posse enquanto as coleções concedem satisfação por meio do deleite e apreciação estética ou intelectual das peças (BOLAÑOS, 2008). Com o crescimento do Iluminismo, as coleções ganharam um caráter distinto do então vigente

de fruição e apreciação; elas adquiriram um papel enciclopédico de reunião de conhecimentos. No século XVIII inicia-se a supremacia do Estado em relação à posse e organização das coleções patrimoniais por meio das grandes transferências de acervos privados para o âmbito público (CÂNDIDO, 2013). No século XIX foram formados os principais museus nacionais europeus “símbolos de nações ou coletividades” (POULOT, 2013). Essas

Figura 01: Relicário com cenas do martírio de São Thomas Becket Fonte: (METROPOLITAN MUSEUM OF ART, 2014).

instituições foram fundadas como espaços públicos fato que para Heloisa Barbuy (2002) se caracterizou como uma realização de caráter filosófico, ideológico e revolucionário. Filosófico por dar seguimento ao ideal iluminista vigente da instrução do povo para alcançar o progresso da nação através do caráter pedagógico das exposições; ideológico por ter sido promovido por meio de políticas públicas de acesso que transformaram os acervos privados de acesso restrito à aristocracia e à nobreza em acervos de acesso público aos cidadãos; revolucionário por ter ocorrido juntamente com as unificações políticas e a formação dos Estados e consciências nacionais

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(BARBUY, 2002). As pessoas passaram a interpretar o livre acesso ao patrimônio artístico, científico e histórico promovido por tais instituições como um direito de cada cidadão e “uma necessidade para a identidade e para a reprodução da nova comunidade imaginária” (POULOT, 2013). No século XX os ideais iluministas são superados; com os conflitos bélicos muitos são os museus destruídos ou saqueados. Após a Segunda Guerra Mundial, em 1946, é criado o ICOM, Conselho Internacional de Museus que tem por responsabilidade liderar os museus para que eles se tornem atuantes na preservação e difusão do conhecimento. Surge então o conceito de Museologia Social a qual propõe o desenvolvimento humano no lugar da elitização dos acervos, desenvolvimento esse personificado principalmente pelos setores educativos das instituições (BARBUY, 2013). Depois de muitas atualizações da conceitualização de museu inicialmente criada, surgiu em 2007 na 21ª Conferência Geral a definição abaixo redigida Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe o patrimônio tangível e intangível da humanidade e de seu ambiente com o propósito de educação, estudo e apreciação (tradução nossa).3 (ICOM, 2007). Para promover uma melhor compreensão das funções e dos objetivos a que um museu se predispõe e destina apresentamos abaixo breves considerações sobre os ter-

mos aquisição, conservação, pesquisa, comunicação e exposição concluindo com apontamentos sobre educação, estudo e apreciação. A aquisição de bens culturais é um processo que incorpora novos itens ao acervo da instituição em conformidade com as linhas mestras do acervo, sua história e seu projeto institucional de longo prazo (BITTENCOURT, 2005). Esse processo jurídico e técnico transfere a responsabilidade sobre o objeto do antigo proprietário para o museu, permitindo-lhe gerenciá-lo após sua recolha (BITTENCOURT; FERRON; PIMENTEL, 2006). Esta incorporação pode ser realizada por meio de uma compra, doação, transferência, permuta, legado, depósito ou coleta (COSTA, 2006). Teoricamente, o conselho consultivo do museu deve participar de cada avaliação de obra para aquisição. Esse conselho deve ser formado pelo diretor, um conservador, um curador, um museólogo e um membro da comunidade, de forma que todos tenham voz no processo avaliativo, mas nem sempre é assim que acontece. Segundo a terminologia redigida em 2008 pelo ICOM-CC, o Comitê de Conservação do ICOM, a conservação compreende todas as medidas que visam a salvaguarda do patrimônio e sua estabilização, tornando-o acessível às gerações atuais e futuras, sejam tais ações preventivas, curativas, ou restaurativas. Ou seja, cabe ao conservador atuar de forma indireta e direta, evitando ou minimizando futuras deteriorações ou perdas; reforçando a estrutura do bem ou suspendendo sistemas prejudiciais a

ele existentes e interferindo na peça de modo a “facilitar sua apreciação, compreensão e uso”, respeitando seus materiais e significados (ICOM-CC, 2010). Além disso, cabe ao conservador viabilizar cirFigura 03: Pintua de um armário de curiosidades. Fonte: (WEB cunstâncias de GALLERY OF ART, 2014). uso o menos da- Domenico Remps, Armário de curiosidades, c. 1689, óleo sobre tela; Museo dell'Opificio delle Pietre Dure, Florença. nosas possíveis à biografia que a obra apresenta, às obras, possibilitando o armazenamento, acon- por meio de campos destinados à dicionamento, empréstimo, trans- contextualização e à decodificação porte e exibição do acervo através do objeto. de alternativas materiais e condi- Mas a pesquisa não apresenta ções ambientais favoráveis à sua função se não for acessível ao público, seja ele geral ou específico, preservação (BRADLEY, 2011). A pesquisa compreende todos os conforme comenta Marília Xavier estudos realizados a respeito da Cury (2004) “o museu formula e peça pelos setores como docu- comunica sentidos a partir de seu mentação, conservação, curadoria acervo. Esses dois atos, formulae educativo. São os estudos res- ção e comunicação, são indissoponsáveis pelo registro de todo ciáveis e, por isso, atribuem a essa o conhecimento existente sobre o instituição o seu papel social”. A objeto museológico, seus signifi- autora acrescenta que a comunicados, interpretações e usos. De cação é estabelecida através das 4 acordo com Heloisa Barbuy (2002) ações educativas e das exposições o século XXI se diferencia do XX e que é imprescindível a considepor reinserir o objeto como um ração do cotidiano dos receptores documento em si na rotina mu- da informação na formulação das seológica ao considerar a história exposições e dos discursos exposida cultura material como diretriz tivos, adequando os conteúdos de de documentação museológica. forma que se promova um vínculo Ela salienta que para a cultura entre os objetos e o público-alvo material o objeto porta tanto sig- para que esse assimile o conteúnificados culturais quanto repre- do explorado, elabore seu próprio senta práticas sociais e acrescenta discurso e suas significações que a catalogação, por exemplo, é Os processos de elaboração de exposiresponsável pela recolha de infor- ções em museu devem levar em conta mações referentes à morfologia e que a aproximação entre exposição e

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público deve se dar tendo o público como referência. Isso significa que tanto os temas e assuntos escolhidos para serem musealizados4 quanto a elaboração do discurso expositivo deveriam se dar a partir do cotidiano dos receptores. Contextualizar os objetos museológicos só teria sentido se, ao mesmo tempo, contextualizássemos o tema e o assunto face ao cotidiano das pessoas. Não basta expor contextualizando a partir da origem do artefato e sim expor fazendo com que se estabeleça vínculos entre culturas, entre grupos e entre pessoas de culturas diferentes e isso só se dá na comunicação de sentidos. Acreditamos que somente estabelecendo vínculos é que conseguiríamos estabelecer uma relação dialógica entre exposição - e grupos culturais - e o receptor. [...] (CURY, 2004, p.6) O conceito de comunicação museal está intimamente ligado ao de exibição, conforme dito acima. Geralmente a comunicação é unilateral, pois o público reage passivamente ao que vivencia, não há uma resposta da parte dele e é também o resultado de uma experiência sensível, não unicamente verbal, visto que se funda na apreciação visual das obras expostas (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013). Pela sua natureza, a exposição é o evento promotor de acesso ao acervo museológico, de visibilidade pessoal, apreciação in loco, difusão de conhecimento e elemento primordial de um museu visto que [...] a exposição aparece como uma característica fundamental do museu, na medida em que este é desenvolvido como o lugar por excelência da apreensão do sensível pela apresenta-

ção dos objetos à visão (visualização), “mostração” (o ato de demonstrar como prova), e ostensão (como uma forma de sacralização de objetos por adoração). Por meio deste processo, o visitante é colocado na presença de elementos concretos que podem ser exibidos por sua própria importância (como no caso de quadros ou relíquias), ou por evocarem conceitos ou construções mentais (a transubstanciação, o exotismo). (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p.43) Ela se caracteriza como o espaço em que os objetos se localizam e também como a seleção de objetos em si; é constituída tanto pelas obras ali presentes quanto pelo material expográfico acessório, os suportes de informação, a sinalização e os objetos substitutos (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013). A continuação da definição tratada no texto remete aos termos educação, estudo e apreciação comentando que a aquisição, a conservação, a pesquisa, a comunicação e a exibição são concebidas e realizadas com o intuito de proporcionar e alcançar a eles. A ideia de educação museal está vinculada às de aprendizado, instrução, transmissão de conhecimento e de valores, desenvolvimento, reflexão, compreensão, entendimento à medida em que o estudo é personificado pelas possibilidades que o acervo exposto ou armazenado apresenta, pelas informações que as testemunhas materiais da civilização e do mundo trazem em seu suporte e as interpretações e relações estabelecidas pelos pesquisadores disponíveis nas publicações e na seção de catalogação. Assim, o museu

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permite que a análise e a experimentação estética ou apreciação passem do campo bidimensional da página para o tridimensional dos objetos ao admitir o acesso as suas coleções. A experiência sensível de presenciar a obra no seu todo não pode ser substituída por nenhum outra, não existe um meio de reproduzir as sensações vivenciadas em outro meio. O caráter perene da instituição e seu compromisso com a preservação dos artefatos transmite uma confiança ao público de que ele poderá desfrutar do deleite, da fruição e da reflexão oferecidos pelas obras sob sua responsabilidade. Com o detalhamento da definição de museu atualmente defendida pelo ICOM é possível perceber que a preservação do objeto e dos dados que ele detém está presente em todos os fatores e processos constituintes da definição de museu formando a base da instituição. A preservação existe na valorização proporcionada pela aquisição e pela pesquisa, na estabilidade fornecida pela conservação e na acessibilidade e difusão intrínsecas à comunicação museal e à exposição. Portanto, ao fim da explanação é possível perceber que a missão do museu, enquanto instituição cultural, pode ser determinada pela palavra “preservar” no mais amplo sentido do termo. NOTAS: 1 De acordo com a mitologia, o termo Museion correspondia aos santuários e escolas filosóficas e de pesquisa científica dedicados às musas e dirigidos por elas, respectivamente, figuras protetoras das Ciências e das Artes, descendentes de Zeus, deus dos deuses, e Mnemosyne,

deusa da memória (CÂNDIDO, 2013). 2 De acordo com Pomian (1984, p.59) relíquias são “objetos que se crê que tenham estado em contacto com um deus ou com um herói, ou que se pense que sejam vestígios de qualquer grande acontecimento do passado mítico ou longinquo [...]”. 3 A museum is a non-profit, permanent institution in the service of society and its development, open to the public, which acquires, conserves, researches, communicates and exhibits the tangible and intangible heritage of humanity and its environment for the purposes of education, study and enjoyment. 4 Por ações educativas entende-se a ação de mediação, as oficinas promovidas, as publicações produzidas e ofertadas, as interface estabelecida entre o acervo e o público pelo sítio virtual da instituição, entre outros.

REFERÊNCIAS BARBUY, Heloisa. Os museus e seus acervos: sistemas de documentação em desenvolvimento. In.: Integrar – 1º Congresso Internacional de Arquivos, Bibliotecas, Centros de Documentação e Museus, mar. 2002, São Paulo. São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 67-78. BITTENCOURT, José N.; FERRON, Luciana Maria Abdalla, PIMENTEL, Thaïs Velloso Cougo. A teoria, na prática, funciona: Gestão de acervos no Museu Histórico Abílio Barreto. Revista CPC, São Paulo, n.3, p. 91-109, nov. 2006/abr.2007. Disponível em: . Acesso em 15 de maio de 2013 BLOM, Philipp. O dragão e o carneiro tártaro. In:___. Ter e manter. Uma história íntima de coleções e colecionadores. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.29-42. BOLAÑOS, Maria. Un milenio de colecciones privadas. In: ___. Historia de los museos en España: memoria, cultura, sociedad. Gijón: Ediciones Trea, 2008. p.3861 BRADLEY, S. Os objetos tem vida finita? In: MENDES, Marylka et all (org). Conservação: conceitos e práticas. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011.

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CONSERVAÇÃO PREVENTIVA EM ACERVOS ARQUEOLÓGICOS:

O DESAFIO NA RESERVA TÉCNICA DO LEPAARQ/ UFPEL Rafael Guedes Milheira

C

oisas. Pratos, tigelas, xícaras, bules e sopeiras de louças finas e coloniais. Vidrarias de remédios, garrafas de bebidas e fragmentos de janelas. Garrafas de grés para cerveja e ginebra, tinteiros e graxa. Pregos, cravos, dobradiças, cinturões de barris e grades de metal. Cerâmicas indígenas pintadas, com decorações plásticas e lisas. Ossos humanos e de animais. Lascas, núcleos, pontas de projéteis, bolas de boleadeiras, e esculturas zoolíticas. Sedimentos, carvões, botânicos e micro-botânicos (Figura 1). A reserva técnica de um acervo arqueológico geralmente representa um desafio para a conservação.

São peças inteiras ou fragmentos de objetos mais antigos, geralmente encontrados prejudicados na sua condição física e que, em função das partes elementares dos quais são constituídos (materiais orgânicos, inorgânicos ou mistos), reagem diferentemente após a coleta e no espaço de guarda (Figura 2). Ao mesmo tempo, a principal função da preservação dos materiais arqueológicos é a pesquisa histórica e científica, desse modo, não há como evitar o manuseio mais ou menos frequente dos artefatos por estudiosos. O acervo arqueológico sob a guarda do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia da Universidade Fede-

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ral de Pelotas (LEPAARQ/UFPel), por exemplo, engloba um conjunto de peças que representam as ocupações pré-coloniais do sul do Estado do Rio Grande do Sul e o surgimento e desenvolvimento da cidade de Pelotas no século XIX. A preservação desses artefatos tem envolvimento direto com a pesquisa acadêmica: pesquisadores de diversas áreas, professores, alunos e estagiários manuseiam essas peças quase que quotidianamente para apoiar suas reflexões e compor narrativas arqueológicas. Os materiais arqueológicos pré-coloniais e históricos que o LEPAARQ abriga têm proveniência distinta. A maior parte do acervo foi reunido a partir de interven-

ções arqueológicas (prospecções e escavações) organizadas pela própria instituição. Algumas coleções, porém, foram geradas pela arqueologia de contrato (endossos relativos à política de salvaguarda da UFPel) ou agrupam achados arqueológicos eventuais coletados por pessoas da comunidade local. De uma maneira ou de outra, a entrada de objetos no LEPAARQ é frequente e, portanto, parece ser evidente a progressão rápida do volume do acervo. Em termos de conservação, já foi detectado, por exemplo, danos decorrentes da ação de agentes biológicos em alguns artefatos orgânicos. E, devido às dificuldades próprias de uma instituição que possui problemas de infraestrutura, carência de pessoal e que é dependente de verbas públicas, esse problema inclina-se a um controle difícil. Frente às dificuldades acima descritas, os atuais gestores do laboratório buscaram dialogar com diversos profissionais – entre os quais estão arqueólogos, conservadores-restauradores e museólogos – para planejar soluções às problemáticas particulares desse acervo. A visão interdisciplinar promoveu a revisão das políticas de salvaguarda e atualmente os esforços estão concentrados em práticas inseridas na vertente da conservação preventiva. Acredita-se que essa abordagem esteja contribuindo na inserção de lógicas de gerenciamento mais coerentes no LEPAARQ: em comparação com ações pontuais e invasivas de restauração, por exemplo, tal aproximação tem alcançado um número maior de objetos em me-

Figura 2: Visão panorâmica da reserva técnica: área de higienização, curadoria e guarda, mostrando a integração dos espaços do laboratório. Foto: Ana Batista. Acervo LEPAARQ, 2014.

nos tempo, o que diminui o custo envolvido com o tratamento das coleções. A fase inicial do trabalho de conservação preventiva no laboratório está associada à readequação da reserva técnica e à alimentação do banco de dados pré-existente com as informações sobre o estado de conservação das coleções. A primeira tarefa envolveu a transferência de todas as coleções para novas embalagens de acondicionamento, substituindo as antigas caixas de papelão, material ácido que é um atrativo para roedores e outras pragas, por caixas feitas de polipropileno, considerado inerte e indicado para a armazenagem de materiais arqueológicos. Durante a movimentação dos artefatos são destacadas as informações que identificam as condições físicas de cada peça. As observações são sistematizadas em fichas diagnóstico, as quais resumem o estado de conservação das principais coleções que o laboratório abriga: materiais cerâmicos, metais, ossos e vidros. Logo em seguida, os registros são incorporados à base de dados institucional. Através desse levantamento preliminar, e de associações relacionadas às causas de degradação, foi possível refletir e identificar necessidades urgentes reveladas na abordagem de cada coleção. Ao mesmo tempo, os novos ficha-

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mentos representam os primeiros registros sobre a trajetória dos artefatos no laboratório, os quais servirão, futuramente, para fundamentar outras estratégias de conservação, como se destaca na sequência. As primeiras averiguações revelaram, por exemplo, algumas manchas acentuadas de matizes verdes e roxos nos materiais ósseos. O problema detectado aponta para o ataque de fungos no acervo, suge-

Figura 3: Transição de caixas de papelão por caixas de polipropileno, em busca de um melhor acondicionamento das coleções da reserva técnica. Foto: Paula Aguiar. Acervo LEPAARQ, 2014.

rindo ser também a causa da fragilidade preocupante na pintura decorativa de alguns fragmentos cerâmicos de uma urna Guarani. Segundo o que indicam Strang & Kigawa (2013), o ataque de microrganismos representa sempre um risco de perda para o acervo, pois eles “[...] digerem, mancham

Figura 4: Problemas de conservação encontrados em fragmentos cerâmicos associados à Cultura Guarani: fissuras e biodeterioração na decoração do engobo branco. Fotos: Paula Aguiar. Acervo LEPAARQ, 2014.

e debilitam, transportam umidade (como no caso de mofo de ‘decomposição seca’) e atraem pragas de insetos ao modificar e aumentar o valor nutritivo de um objeto” (tradução nossa). Portanto, faz-se urgente planejar o tratamento de desinfestação específico para cada tipo de material. Essa solução, além de estabilizar o problema do objeto, visa garantir a salubridade no ambiente de trabalho. Nessa direção, cumpre destacar que nessa primeira etapa adotou-se o procedimento padrão de isolar em quarentena os itens afetados para evitar a proliferação dos fungos. Posteriormente, a atenção se voltará para o planejamento dos métodos de desinfes-

tação ajustados às condições de infraestrutura e às verbas disponíveis na instituição. Outro exemplo de dano encontrado nessa primeira fase do trabalho preventivo foram as fissuras em algumas cerâmicas indígenas. O problema, porém, tem causa incerta: pode ser fruto de defeito na manufatura do objeto, ou efeito do ressecamento posterior ao desterro que fragiliza a peça, ou ainda por variações de umidade e temperatura ocorrida já no espaço de guarda. Cabe destacar a falta de registros das condições de conservação das coleções, ações dependentes de protocolos de conservação desde as ações in situ, o que impossibilita a afirmação da origem e/ou das causas dessas manifestações. De um modo particular, apoiando-se em uma realidade já colocada, iniciou-se o levantamento de dados sobre as condições ambientais no laboratório para verificar se a última probabilidade ocorria de fato. O monitoramento ambiental no acervo envolveu um datalogger1 para registrar dados sobre os fatores de temperatura e de umidade relativa. Essa etapa do trabalho iniciou no final do outono e transcorreu ininterruptamente até o início do inverno, totalizando 3 meses. No que diz respeito à temperatura, o aparelho de medição indicou uma estabilidade na média de 18°C para o período, com variações menores que 5ºC, resultado preliminar que suscita otimismo, pois, segundo esclarece Michalski (2009), de uma maneira geral essas taxas não significam riscos para os materiais dos acervos. As taxas de umidade relativa, por sua vez,

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apareceram com poucas oscilações de um mês para o outro (em torno de 6%), mas durante o período de medição os índices mantiveram-se acima do máximo aceitável para instituições de guarda (UR = 60%), com o pico de 90,06% em junho de 2014 (Figura 5). Em verdade, as altas taxas de umidade relativa são características das condições climáticas da cidade de Pelotas, cuja média anual está em torno de 80,7% (EAP, 2014). No entanto, para que se possa caracterizar com maior precisão as flutuações de temperatura e de umidade relativa dentro da reserva técnica será preciso estender o monitoramento ambiental por no mínimo um ano. Não obstante, a análise prévia dos registros que o datalogger apresentou até então já apontam para a necessidade de planejar métodos de estabilização ambiental. Tal constatação se configura como uma problemática de conservação para os gestores do LEPAARQ, especialmente por que alguns itens da coleção reagem facilmente frente a essa situação de risco: os materiais metálicos, por exemplo, podem apresentar uma rápida corrosão (MICHALSKI, 2009) e as peças ou partes de peças que sustentam elementos de natureza orgânica são suscetíveis à biodegradação (CALLOL, 2013). Em contrapartida, a estratégia de estabilização ambiental mais rápida e corriqueira envolve a implantação de aparelhos de ar condicionado e desumidificadores, empreendimento cuja viabilidade vem sendo estudada. Através do monitoramento contínuo do acervo e da sistematização

Figura 5: Registro medido com dattaloger indicando homogeneidade de temperatura e oscilação de umidade no ambiente da reserva técnica.

de todas essas informações será possível fazer uma análise comparativa dos danos e, por consequência, isso possibilitará estabelecer meios de prevenção e controle. Tal tipo de diagnóstico compreende as atuais políticas de gerenciamento de acervos que estão sendo repensadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), em adequação às cartas patrimoniais internacionais, à legislação de proteção do patrimônio cultural arqueológico e às demandas públicas de extrapolação do conhecimento gerado nas instituições de pesquisa nacional. Observe-se, por exemplo, a atual preocupação do IPHAN em realizar visitações às instituições de guarda de acervos em todo o país, em busca de averiguar as condições de salvaguarda das coleções e contribuir positivamente para a solução de problemas encontrados. Esse diagnóstico é, portanto, um trabalho que busca aproximar o gerenciamento da reserva técnica do laboratório às políticas nacionais de patrimônio, integrando profissionais de diferentes áreas do conhecimento em favor da preservação do patrimônio arqueológico, o que traduz uma missão institucional do LEPAARQ.

NOTAS 1 Datalogger AKSO, de Temperatura e Umidade com Conexão USB Direta – AK172. Dados disponíveis em: http://www.akso.com.br/produtos/ controle-de-qualidade/dataloggers---registradores?gclid=CLiG4ebW0MECFUMV7Aod1jQAwQ. Acesso em 28/10/2014.

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Cristo Crucificado Fotografia Alexandre Cruz Leão – EBA UFMG Jun/2009 Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 4.

O CHUMBO NA ARTE ESCULTÓRICA:

ANÁLISES CIENTÍFICAS DAS MÁSCARAS METÁLICAS DOS CRISTOS DA PAIXÃO DO CARMO DE OURO PRETO - MG

E

ste trabalho é parte da dissertação de mestrado (BRUSADIN - 2014) denominada “Os Cristos da Paixão da Ordem Terceira do Carmo de Ouro Preto” cujo objetivo é analisar as representações iconográficas localizadas nos retábulos da nave e do consistório da Igreja. A metodologia aplicada para esse estudo se fundamentou em um levantamento bibliográfico nas áreas de história, arte e

Lia Sipaúba Proença Brusadin Maria Regina Emery Quites Luiz Antônio Cruz Souza Alexandre Leão iconografia abarcando pesquisa documental. A pesquisa in loco se pautou em registro fotográfico, investigação de técnica construtiva, classificando os modelos encontrados, seus materiais, técnicas e análises científicas realizadas no Laboratório de Ciências da Conservação - LACICOR do Centro de Conservação-Restauração de Bens Culturais - CECOR, Escola de Belas Artes - EBA da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.

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São de grande heterogeneidade os materiais e técnicas empregados na escultura policromada em madeira no Brasil colônia. Com a intenção de proporcionar um maior realismo às esculturas de devoção, a arte barroca se utilizou de artifícios engenhosos para impressionar e comover os fiéis. As características, qualidades artísticas e tecnológicas do acervo escultórico da região das Minas Gerais do século XVIII e século

teriais da imaginária devocional, além da pesquisa histórica e iconográfica, contamos com análise de materiais e imagens diagnósticas que auxiliam e acrescentam aos estudos anteriores.

Foto 1: Ponto de retirada da amostra 2663T – Cristo Coroado de Espinhos Lia Sipaúba 05/04/2013

XIX são precedentes de proveitosas pesquisas em diversificados ramos e aspectos do conhecimento. O presente trabalho tem como objetivo debater o chumbo na arte escultórica no Brasil, notadamente na região de Minas Gerais. Assim, foi realizada uma busca de referências a respeito de uma imaginária em chumbo mineira e de elementos comparativos em outras localidades, no transcorrer dos séculos XVIII e XIX. Também pesquisamos sobre as primeiras casas de fundição na Capitania de Minas, local com forjas e instrumentos específicos para fundir metal. A partir disso, dar-se-á ênfase à pesquisa e ao estudo científico da técnica da escultura em madeira com máscara de chumbo policromadas, com o auxílio de exames científicos, dos Cristos da Paixão pertencentes à Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto (MG). Nesse sentido, embasamo-nos na pesquisa histórica e

análises científicas, para conhecer os materiais e a técnica construtiva, qual era sua concepção e como ela foi feita em tais imagens. É de fundamental importância a

Essa técnica consiste na colocação de uma máscara feita de chumbo, encaixada ao crânio de madeira, definindo a fisionomia da imagem, tendo também a função de fixar os olhos de vidro. averiguação científica e técnica aplicada ao conhecimento da escultura policromada em madeira. Este tipo de investigação requer uma pesquisa histórica da obra de arte a partir de uma perspectiva desse objeto como testemunho documental de uma época concreta que é necessário preservar e transmitir ao futuro. Assim, para a compreensão das técnicas e ma-

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O CHUMBO NA ARTE ESCULTÓRICA NO BRASIL A técnica construtiva desse conjunto escultórico dos Cristos da Paixão do Carmo de Ouro Preto é em madeira policromada, cujas imagens têm somente a face feita em um mesmo molde com chumbo e policromia. Tal técnica da escultura de madeira e chumbo foi frequente na imaginária do século XVII, sobretudo do século XVIII, na Espanha, a qual foi posteriormente exportada aos países latinos, em especial na região dos Andes. Essa técnica consiste na colocação de uma máscara feita de chumbo, encaixada ao crânio de madeira, definindo a fisionomia da imagem, tendo também a função de fixar os olhos de vidro. Assim, cada escultura teria exatamente a mesma feição, ou seja, representaria o mesmo personagem religioso no teatro sacro barroco, no caso do nosso objeto de estudo, a figura de Jesus Cristo. O uso desta técnica foi raro em Minas Gerais, é citada como mascarillas em referências latino-americanas. No Brasil, a respeito dessa tecnologia construtiva, deparamos-nos somente com menções aos Cristos da Paixão da Igreja de Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto, haja vista que não podemos afirmar da existência de esculturas policromadas em madeira com

Figura 2: Ponto de retirada da amostra 2102T – Cristo Crucificado Fotografia Alexandre Cruz Leão – EBA UFMG Jun/2009 Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 4

a técnica da máscara em molde de chumbo policromado em Minas ou em outras regiões do país. Contudo, conforme a literatura consultada em Minas Gerais1, nenhum desses estudos que citam os Cristos ou fazem uma análise mais aprofundada sobre a técnica das esculturas em madeira com máscaras metálicas policromadas. Em Minas Gerais, há, também, imagens feitas em mais de um material: o São Jorge do Aleijadinho do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, é em madeira mas tem as mãos em chumbo; todos os cristos dos altares laterais da Igreja de Nossa Senhora do Carmo, em Ouro Preto, têm a face em chumbo; como as mascarillas usadas nos países andinos (COELHO, 2005, p. 235). A partir disso, pesquisamos alusões a respeito de uma imaginária do século XVIII e início do século XIX em chumbo na região das Minas Gerais. Como ponto de partida, temos o São Jorge, mencionado acima, o qual saía em cortejo durante a celebração da procissão de Corpus Christi2. De acordo com a

sua ficha de catalogação3, essa escultura é da segunda metade do século XVIII, sendo de madeira cedro, policromada e dourada. A imagem de São Jorge foi adquirida pelo Museu da Inconfidência de Ouro Preto, local em que se encontra atualmente, por transferência da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto, entre os anos de 1940-1946. A escultura possui somente a mão direita feita em chumbo, esta é a mão que segura a lança que também possui a ponta em chumbo fundido, sendo o restante da talha da imagem em madeira. Esse São Jorge é outro exemplo de escultura confeccionada com diferentes tipos de suporte na região de Minas, provavelmente a mesma foi feita no Brasil, já que foi atribuída a Aleijadinho. Outro exemplar de uma imaginária em chumbo em Minas também está presente no trabalho de Coelho (2005), a autora apresenta a fotografia de um crucifixo com a imagem de Cristo feita toda em chumbo fundido policromado, e

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a cruz em madeira dourada, da Igreja Matriz de Caeté. Segundo autora, esta obra seria provavelmente do final do século XVIII. Temos ainda, as imagens em miniatura do acervo do Museu do Oratório de Ouro Preto: uma Nossa Senhora da Conceição, um Crucificado e um Santo Antônio. De acordo com os dados gerais das fichas desses objetos, todas as imagens foram adquiridas em 29/10/19984. Foram classificadas como escultura em miniatura de fatura popular, procedentes de Minas Gerais. A imagem de Nossa Senhora da Conceição é datada do século XIX e foi confeccionada em chumbo fundido apresentando resquícios de policromia. As esculturas de Santo Antônio e a do Cristo Crucificado foram feitas em chumbo, porém sem policromia, o primeiro é do final do século XIX e início do século XX, e o segundo sendo do século XX, este é parte integrante de um oratório bala fei-

Figura 3: Ponto de retirada da amostra 2103T – Cristo Crucificado. Fotografia Alexandre Cruz Leão – EBA UFMG Jun/2009. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 4.

to em latão fundido. Com esses vestígios de uma imaginária mineira feita totalmente ou apresentando algumas partes em chumbo, com ou sem policromia, procurou-se dados sobre a história das primeiras casas de fundição da antiga Vila Rica. Estas seriam possíveis lugares com elementos necessários, como forjas e instrumentos, para a fundição de imagens em chumbo. Segundo Maria Beatriz Nizza da Silva (2007), na Capitania de Minas para se evitar o contrabando de ouro e outros minérios da Coroa portuguesa, criou-se em 1702 a Intendência das Minas, encarregada de fiscalizar a atividade mineradora e de cobrar impostos. Posteriormente, foi criado o Quinto para facilitar o imposto sobre a atividade mineradora e também a Casa de Fundição, onde o ouro era fundido em barras e entregue ao minerado já reduzido e com o selo real. As Casas de Fundição foram instituídas pela Coroa com o vigor da Lei de 11 de fevereiro de 1719, que previa o funcionamento dessas Casas a partir de 23 de julho de 1720, para a tributação do ouro. Em Ouro Preto, a Casa de Fundição, conhecida como Casa dos Contos, foi construída entre os anos de 1782-1784, a qual originalmente foi residência particular de um alto funcionário da administração portuguesa, pertencente a João Rodrigues Macedo, homem de singular fortuna, arrematante de contratos e arrecadação de dízimos e entradas. Nessa casa é ainda possível ver nos fundos, a gigante chaminé da fundição do ouro (VASCONCELLOS, 1711-1911, apud DRUMMOND, 2011). Não

podemos afirmar que qualquer uma dessas imagens em chumbo, ou mesmo as máscaras dos Cristos da Paixão, foram fundidas lá. Contudo, foi um local de cunhar moedas e barras de ouro, ofício que exigia um conhecimento específico e artesanal e que poderia abrir possibilidades para outras artes e outros metais. Em outras regiões do Brasil, como a Bahia, deparamos com o busto-relicário de Santa Luzia, de autoria do monge beneditino Frei Agostinho da Piedade, século XVII, proveniente da antiga Igreja do Colégio de Jesus de Salvador. O busto-relicário de Santa Luzia tem a cabeça de chumbo policromado e a coroa e o corpo revestidos de prata repuxada e cinzelada, busto que ainda possui a relíquia da mártir Luzia protegida detrás do vidro do estojo (DANNEMANN, 2003). Esta imagem encontra-se atualmente no Museu de Arte Sacra da Universidade Federal da Bahia. Estas obras são indicativos para uma pesquisa mais aprofundada sobre o chumbo na imaginária devocional brasileira. ANÁLISE CIENTÍFICA DA MÁSCARA DE CHUMBO POLICROMADA A análise científica auxilia na identificação das técnicas artísticas e tecnologias de construção que contribuem para o conhecimento histórico e artístico da obra. Esse tipo de trabalho é uma maneira interdisciplinar de estudar um objeto. Tanto a técnica como os materiais definem o aspecto visual final da obra de acordo com a execução do artista. Os materiais e técnicas são indícios da época que a obra

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Foto 4: Setup da Radiografia Detalhe da Fonte e Filme (envelope preto atrás da cabeça do Cristo). Fotografia Alexandre Cruz Leão – EBA UFMG Jun/2009

foi produzida, no caso do objeto de nosso estudo, compreende o decorrer do século XVIII e início do século XIX, ademais, mostram as influências artísticas sobre a obra. A metodologia empregada para a análise científica de uma obra de arte é realizada a partir da seleção de materiais a serem examinados, na presente investigação, com o objetivo de averiguar se realmente o metal das máscaras é o chumbo e que tipo de ligação metálica foi feita. Também buscamos saber quais foram os componentes usados na policromia dos Cristos, tais como: aglutinante, cargas, pigmentos, entre outros. Ademais, estudamos a forma de fixação da máscara metálica ao crânio de madeira. Para a investigação cientifica aqui proposta, foi realizado o estudo histórico; a documentação fotográfica das obras e a análise química das amostras coletadas e a radiografia do Laboratório de Ciências da Conservação - LACICOR/CECOR. As análises laboratoriais com retirada de amostras também recebem

a denominação de procedimento técnico de amostragem. Conforme Rosado (2011), esse processo de retirada de amostragem deve ser todo documentado com o uso de câmeras fotográficas. A remoção da amostra é feita com bisturi, é preciso documentar a área onde ela foi removida e fazer a descrição no caderno de laboratório. Essa amostra é armazenada em tubos (plástico ou vidro) de Eppendorf etiquetados com número de registro, esses devem estar cuidadosamente limpos. Assim, é feito o mapeamento sobre a cópia de uma fotografia da obra, cujos locais da coleta das amostras devem ser marcados. A autora ressalta que é imprescindível a montagem de um banco de dados com as informações e resultados obtidos com as análises realizadas. A análise da amostra do Cristo Coroado de Espinhos, retirada durante nossa pesquisa in loco, juntamente com as outras amostras5 do Cristo Crucificado coletadas pelo Prof. Dr. Luiz Antônio Cruz Souza foram realizadas no LACICOR, Laboratório de Ciência da Conservação do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais - CECOR, da Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. O Relatório de Análises dos Cristos ficou sob a responsabilidade do Prof. Dr. João Cura D’Ars de Figueiredo Junior e de Selma Otília Gonçalves. Os métodos analíticos utilizados foram os seguintes: Estudo por Microscopia de Luz Polarizada (PLM): permite a identificação de materiais através da caracterização de suas propriedades óticas, tais como cor, birre-

Figura 5: Cristo Crucificado -Radiografia, Alexandre Cruz Leão, jun/ 2009. Desenho : Mirella Spinelli 26/05/2014

fringência, pleocroísmo, extinção, dentre outras. Espectroscopia por Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR): consiste em se capturar um espectro vibracional da amostra através da incidência sobre a mesma de um feixe de ondas infravermelho. A análise do espectro de infravermelho permite, então, identificar o material presente na amostra pelo estudo das regiões de absorção e pela comparação com espectros padrões. Montagem e estudo de cortes estratigráficos: os cortes estratigráficos são pequenos blocos sólidos de um polímero acrílico utilizado para imobilizar fragmentos de pintura. Uma vez montados, a sequência é observada sob microscópio de luz polarizada. Testes microquímicos: consistem em ensaios analíticos de caracterização de espécies químicas através de reações de precipitação, complexação e formação de compostos. Os ensaios são realizados em micro amostras.

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Fluorescência de Raios X: permite identificar e determinar a concentração de vários elementos em uma matriz. Para este trabalho, foi utilizado o espectrômetro KeyMaster XRF TRACER III – V da BRUKER6. Os locais da coleta de amostras das esculturas do Cristo Crucificado e do Cristo Coroado de Espinhos foram os seguintes: α AM 2663T – Amostra da máscara do Cristo Coroado de Espinhos retirada da face, no lado esquerdo da região da bochecha, próximo a orelha. α AM 2102 – Amostra da camada marrom, abaixo da base de preparação, retirada do lado superior da cabeça do Cristo Crucificado. α AM 2102 – Amostra da base de preparação retirada do lado superior da cabeça do Cristo Crucificado. α AM 2103T – Amostra da base de preparação retirada da carnação atual do lado esquerdo da obra. Por conseguinte, com a análise de fluorescência de raios X7 da amos-

tra retirada da máscara do Cristo Coroado de Espinhos foi feita a identificação do metal e das ligas metálicas. Com esse exame os elementos identificados foram: Zn (zinco); Pb (chumbo); traços de Fe (ferro), e Hg (mercúrio). Foi concluído que a liga do suporte em metal é de chumbo com zinco. Desse modo, realizamos o cruzamento entre os resultados obtidos com as análises científicas e dados da pesquisa histórica a repeito das máscaras metálicas. Conforme a pesquisa histórica sobre as mascarillas, constatamos que o chumbo foi o metal mais usado para confeccionar o molde, geralmente fazia ligação com outros metais, já que o chumbo 100% é muito maleável e a liga com outros metais lhe proporcionaria maior rigidez. As ligações mais eficazes e empregadas foram as seguintes composições: Chumbo-estanho; Prata-chumbo; Chumbo-cobre; Chumbo-zinco

Figura 6: Amostra 2102T referente ao lado superior da cabeça do Cristo Crucificado-Frente aumento 25x. Amostra 2102T referente ao lado superior da cabeça do Cristo Crucificado – Verso – aumento 25x. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES – LACICOR/CECOR, 2014, p. 6

(ligação conhecida como Latão). Normalmente as proporções eram de 60% de chumbo e 40% da outra variedade de metal, ou de também poderia ser de 50:50 % (LUCANO CAMACHO, 2010). Como foi citado acima, com a análise de fluorescência de raios X constatou-se que a máscara é composta pela liga metálica entre o chumbo e o zinco. Outra questão a respeito da composição material das mascarillas ressaltada por Lucano Camacho (2010) refere-se aos componentes da base de preparação. A autora destaca que a preparação aplicada ao metal tinha um tratamento diferente da que iria ser empregada na madeira. Para melhor aderência da preparação ao metal, adicionava-se uma mistura com uma textura levemente áspera com serragem ou com pedra-pomes sobre o metal antes da camada da base de preparação. Tanto a serragem quanto a pedra-pomes eram finamente moídas numa solução de 5:1 de álcool e goma laca. Em seguida, aplicava-se uma camada de cola e água e, por fim, a base de preparação. Após a secagem, a base de preparação era polida e recebia a policromia. De acordo com as pesquisas de Coelho (2005) relacionadas aos materiais empregados nas esculturas em madeira policromada, a autora trata das etapas e dos materiais da preparação. Assim, no suporte entalhado, o pintor e/ou dourador normalmente aplicava uma camada de cola animal, a encolagem e, depois de seca, colocava a preparação. Na escultura, a base de preparação era sempre branca e constituída por cola ani-

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Figura 7: Amostra 2102T referente ao lado superior da cabeça do Cristo Crucificado-Frente aumento 25x. Amostra 2102T referente ao lado superior da cabeça do Cristo Crucificado – Verso – aumento 25x. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES – LACICOR/CECOR, 2014, p. 6

mal mais a carga, geralmente em duas camadas principais que recebiam várias demãos. A primeira, próxima ao suporte, ajudava a corrigir as imperfeições da talha e apresentava impurezas; era composta por carbonato de cálcio (CaCO3), sulfato de cálcio (CaSO4), ou caolim (silicato de alumínio bi hidratado Al2O3 2SiO2 2H2O), componentes encontrados em esculturas de Minas Gerais. A segunda camada de preparação era mais fina, sem impurezas, poderia ser composta por carbonato de cálcio, ou por “gesso sotille” ou gesso mate, o sulfato de cálcio bi-hidratado (CaSO4 2H2O).

Figura 8: Espectro de infravermelho da AM2102T referente a camada marrom abaixo da base. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 10.

Figura 9: Espectro de infravermelho da AM 2102T referente a Base de preparação com a presença de brando de chumbo, carbonato e aglutinante óleo. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 10

Figura 10: Espectro de infravermelho da AM 2103T referente a camada branca da base. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 11

Figura 11: Espectro de infravermelho da AM 2663T referente a máscara do Cristo. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 11

Figura 12: Amostra 2103T referente a carnação atual – Frente – aumento 18x. Amostra 2103T referente a carnação atual – Verso – aumento 18x. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 7.

A autora ainda menciona os elementos mais utilizados para o preparo da carnação, a região das carnes de uma escultura. A policromia da carnação era feita em muitas demãos e camadas, comumente a óleo ou em têmpera oleosa. Utilizava-se o branco de

chumbo, que era o carbonato básico de chumbo, 2PbCO3Pb(OH)2, conhecido também por alvaiade, este dava luminosidade; e o vermelhão, vermelho puro, brilhante e muito opaco, sulfeto de mercúrio, HgS, para dar cor. A partir dessas duas referências a respeito da base de preparação em esculturas policromadas em madeira, com a análise das amostras encontramos indicativos de muitos dos elementos citados pelas autoras acima. Na AM 2102T, a amostra da camada marrom e da base de preparação do Cristo Crucificado, foi confirmada a presença das seguintes cargas: caolim, carbonato de cálcio; como aglutinante o óleo; encontrou-se também cera próxima ao metal; e ainda pigmentos como o branco de chumbo. Já na AM 2103T, referente à base de preparação atual (antes da restauração de 2009/10) do Cristo Crucificado, foram comprovadas as seguintes cargas: sulfato de cálcio hidratado e o branco de zinco como pigmento, como na amostra anterior, apresentou diferentes camadas na sua estratigrafia. Na última amostragem, a AM 2663T, retirada da máscara junto à base de preparação do Cristo Coroado de Espinhos, foi da mesma forma identificado o pigmento branco de chumbo, além do carbonato de cálcio e sulfato de cálcio hidratado enquanto cargas, e o óleo como aglutinante; os traços de mercúrio encontrados poderiam estar relacionados com o vermelhão usados nas carnações. Isso foi confirmado, a partir dos resultados obtidos com as análises das amostras, a presença de cargas, aglutinantes e pigmentos caracte-

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Figura 13: Amostra 2663T referente a máscara do Cristo-Frente aumento 25x. Amostra 2663T referente a máscara do Cristo – Verso – aumento 25x. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 9

rísticos das esculturas devocionais do século XVIII. Esses materiais eram usados para proporcionar a essa imaginária as mais brilhantes carnações, criando, assim, um aspecto da pele humana. Conforme Rosado (2011), o exame radiográfico a partir da correta interpretação da radiografia evidencia informações que contribuem para determinar a técnica construtiva (tipo, número e disposição da ensamblagem e conformação do suporte) e estabelecer patologias ocultas. De acordo com a autora, Radiografia X é: “o exame através da radiografia consiste em expor o objeto a um feixe de raios X e registrar a sua imagem em um filme radiográfico, que é colocado atrás dele (GONZÁLEZ, 1994; GILARDONI, 1977)” (p. 100 - 101). As Radiografias e Fotografias com luz visível da face do Cristo Crucificado foram realizadas em Ouro Preto no dia 19 de junho de 2009,

pelos Professores Alexandre Leão e Luiz Souza da Escola de Belas Artes da UFMG, a pedido da Restauradora Rosângela Reis, Diretora do Grupo Oficina do Restauro. Para a realização das Radiografias foi utilizado o equipamento transportável da marca Gilardoni e para o processamento dos filmes radiográficos foi adaptado um local escuro dentro da Igreja. As radiografias foram geradas, em média, com as seguintes configurações técnicas da fonte: tensão em 70 KV, tempo de exposição de 8 minutos e distância da fonte até o filme de 140cm. O filme utilizado foi o Agfa Struturix D4, medindo 43x35cm. Analisando a radiografia podemos ver que há um corte facial na madeira visível na região do pescoço e a presença de cravos. Os olhos são de vidro e devido ao chumbo da máscara fica difícil visualizar o seu modelo8. Por sua vez, os olhos parecem estar presos ao crânio de madeira e possuem uma massa para modelar as pálpebras, tal massa, que contêm os mesmos aspectos da preparação, pode ser visualizada nas fotos e figuras anteriores do rosto dos Cristos. Ademais, a presença dos

Figura 14: Corte estratigráfico da amostra 2103T referente a carnação atual aumento 33x. A camada vermelha encontra-se no extremo do lado direito do corte que não foi possível visualizar. Cf. RELATÓRIO DE ANÁLISES LACICOR/CECOR, 2014, p. 7

cravos denota também o sistema de fixação da máscara na cabeça. Dessa maneira, as Radiografias X possibilitaram verificar o limite entre a área de madeira (crânio) e o metal (face), os cravos em metal utilizados para o encaixe, as cavidades oculares grandes e os olhos de vidro fixos à madeira e a necessidade de uma massa para modelar as pálpebras, bem como elementos da talha como a orelha esquerda e o pescoço. CONCLUSÃO Os dados apresentados a respeito do chumbo na arte escultórica no Brasil, particularmente em Minas Gerais, como foi dito, são indícios para pesquisas mais detalhadas sobre o chumbo na imaginária devocional brasileira. A investigação científica proporcionou um entendimento mais aprofundado da técnica da escultura em madeira com máscara em molde de chumbo policromado, encontrada nos Cristos da Paixão do Carmo de Ouro Preto. Através da pesquisa científica foi possível averiguar detalhes da técnica construtiva da máscara de chumbo, de como essa face de metal foi fixada ao crânio de madeira dos Cristos, além de constatarmos que são realmente feitas de chumbo. Com o registro fotográfico foi possível observar detalhes da superfície do metal, da policromia e as intervenções feitas nas obras. As Radiografias X permitiram a visualização da delimitação entre a madeira e o metal, os cravos em metal usados para encaixe, as cavidades oculares grandes, cujos olhos de vidro necessitam de massa para modelar as pálpebras, e al-

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guns aspectos da talha. As análises das amostras recolhidas do Cristo Coroado de Espinhos e do Cristo Crucificado permitiram a comprovação da liga entre chumbo e zinco, para conferir maior rigidez ao chumbo; ainda, que foi usado caolim, carbonato de cálcio, sulfato de cálcio hidratado como cargas para a base de preparação e o óleo como aglutinante; ademais, como pigmentos foram confirmados o branco de chumbo como camada original e o branco de zinco na repintura. Não encontramos vestígios de pedra-pomes e nem de serragem diluídas em álcool e goma laca para dar aderência da preparação ao metal. Estes materiais condizem com os mesmos empregados na imaginária devocional de madeira do século XVIII, nas metrópoles e nas suas colônias. Desse modo, procuramos realizar uma documentação das técnicas e materiais empregados nas esculturas do Cristo Crucificado e do Cristo Coroado de Espinhos, a partir de um estudo comparativo entre as imagens dos Cristos da Paixão. O estudo a respeito da máscara de chumbo policromada é inédito no Brasil, tal tema deve ser investigado posteriormente em outras regiões brasileiras, bem como a sua relação com as colônias americanas e as metrópoles ibéricas ao longo do século XVIII. Portanto, o estudo da escultura em madeira policromada é amplo e interdisciplinar, esse tipo de investigação ajuda na compreensão e preservação do patrimônio brasileiro. NOTAS 1 CAMPOS, 2000, p. 32; OLIVEIRA, 2005,

p. 24; COELHO, 2005, p. 235. 2 CUNHA, 1995, p. 118 3 Ficha de Catalogação do Museu da Inconfidência, Inventário no 362. 4 Ficha do Objeto Museu do Oratório, nos dos objetos: 018; 015.1;106. 5 Essas amostras foram coletadas durante a restauração da escultura do Cristo Crucificado realizada pelo Grupo Oficina do Restauro em 2009/2010. 6 Todos esses dados foram retirados do Relatório de Análises do LACICOR/CECOR. 7 De acordo com o Relatório de Análises do LACICOR/CECOR, a análise da Fluorescência de Raios X não é seletiva e pode analisar mais de uma camada. 8 Sobre a história, a técnica e a preservação dos olhos de vidro em esculturas devocionais ver: QUITES, 2014, p. 175-184. 9 Cf. Foto 1 e Figura 2.

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A IMPORTÂNCIA DA ARQUEOLOGIA EM SÍTIOS HISTÓRICOS DE MINERAÇÃO NO CONTEXTO DA PRESERVAÇÃO CULTURAL Fabiano Lopes de Paula

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ens culturais são representações da memória e o patrimônio arqueológico é uma das suas materializações. Aqui defendemos que os vários sítios históricos de mineração devam ser incorporados à memória local, estadual e nacional, pois a natureza, além de sua composição física e paisagística, é parte integrante do acervo patrimonial, especialmente como paisagem modificada pelo trabalho humano. Nesse foco, Miranda (2006) afirma que a proteção de bens de valor para a arqueologia constitui uma obrigação moral de todo ser humano, além de ser responsabilidade coletiva pela adoção de uma legislação adequada que proíba a destruição, degradação ou alteração de qualquer

monumento, sitio arqueológico ou seu entorno. Tanto na cidade quanto no campo, os sítios arqueológicos encontram-se contemplados na Lei Federal 3.924/1961 para efeito de proteção. Já os parâmetros que definem um ‘bem arqueológico’ constam do capítulo II do Decreto-Lei 25/1937, do art.2º da Lei Federal 3.924/1961 e das Portarias 7 (IPHAN 1988) e 230 (IPHAN 2002) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Situada a vinte quilômetros de Belo Horizonte na encosta ocidental da Serra do Curral, Nova Lima faz parte da região metropolitana da capital mineira e ainda vive muito ligada às atividades industriais da Saint John d’El Rey Mining Company Limited, que iniciou seu

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empreendimento em 1834 com a compra da fazenda do Capitão Lyon por 56.434 libras, tornando-se proprietária de bens como escravos, gado, rebanho, minério bruto, ferramentas, utensílios, maquinário, armazéns, equipamentos, instalações e toda a área coberta por florestas, ou seja, tudo que pertencia à antiga mineração. A empresa estabeleceu-se visando “explorar uma jazida de quartzo e pirita aurífera” (FERRAND 1988, p.176), iniciando-se, então, a longa e rica trajetória do trabalho e investimentos ingleses na Mina de Morro Velho, provocando “uma forte reativação e expansão econômica da cidade e região” (ANDRADE 2001, p.49). Somando-se o período de investimentos e operações, foram 161

anos de atividades mineratórias praticamente ininterruptas. Ao longo de boa parte de sua existência, as trajetórias de Nova Lima e da Saint John d’El Rey Mining Company Limited se confundiram, mesclando-se suas dinâmicas em termos de crescimento, crises e recuperação. As operações minerárias encerraram-se em 2003. Na atualidade o sítio histórico de mineração encontra-se totalmente envolvido pelo complexo urbano do município de Nova Lima, suas áreas e edificações não cumprem mais o papel de 260 anos atrás e desde 1975 algumas são ocupadas pela empresa AngloGold Ashanti, sua proprietária, outras totalmente abandonadas, e ainda não é, oficialmente para domínio público considerado um Conjunto Arqueológico. A EVOLUÇÃO DA TECNOLOGIA AURÍFERA Quando os ingleses tomaram posse da área da mineração, “o filão era explorado como se fosse uma pedreira”. A área adquirida foi objeto de investimentos e de muito trabalho de Charles Herring (1830/1846) e seus seis operários. A extração de ouro a céu aberto, nessa época, reduzia-se a três gigantescas minas inclinadas na direção do mesmo filão (HOLLOWOOD 1955, p.37), Bahú, Quebra-Panela e Gambá (FERRAND 1988, p.176). O processo extrativo e o beneficiamento do minério aurífero eram conduzidos por métodos precários, utilizando-se para isso a força hidráulica e o enorme contingente de escravos. Inicialmente (18351840) a empresa realizou investimentos na área da mineração, com

a mina e suas instalações anexas passando por um imenso processo de reparos. Pode-se afirmar que “Morro Velho estava iniciando uma nova fase na vida e na história da cidade e da província” (ANDRADE, 2001, p.43). Em 21 de dezembro de 1867, houve um incêndio de grandes proporções (4 dias) nas galerias da mina de Cachoeira, que destruiu completamente as lavras por causa de desmoronamentos, inclusive com mortes de escravos e de um mineiro inglês. Para Libby (1984, p.90), nesse ano terminou “um período de auge de produção e de esperanças” com o decréscimo de 75% da produção de ouro. Mesmo com o grande prejuízo gerado pelo acidente, a empresa não cogitou encerrar as atividades, pois o filão já havia sido descoberto. Entre 1867 e 1873 foram iniciadas perfurações para a escavação de dois novos poços verticais mais profundos para se alcançar, através de um deles, novamente, o veio aurífero em um ponto abaixo das ruínas das antigas escavações. O uso da dinamite facilitou enormemente o trabalho de perfuração, alcançando-se o filão principal após 14 meses, o que contribuiu para a recuperação da prosperidade existente antes do acidente. Até 1879, os escravos constituíam a maior parte da força de trabalho empregada (EAKIN 1981), mas a racionalidade técnica, produtiva e disciplinar da empresa era inquestionável. A organização da divisão de trabalho da Saint John foi o fator que mais a distinguiu dentre todos os outros empreendimentos nacionais (LIBBY 1984). Em 1884 George Chalmers che-

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gou a Morro Velho para mudar radicalmente o modo de extrair o ouro e dar novos rumos para os trabalhos até então desenvolvidos (LIBBY 1984, p.66). Chalmers não só revitalizou as operações, mas também inovou a Morro Velho, transformando-a na mina mais profunda do mundo (360 metros até seu ponto mais baixo, extensão de 210 metros e largura entre 2 e 27 metros) durante seus 40 anos de administração. Dentre seus empreendimentos, podem ser citados usinas hidrelétricas, planta de refrigeração de ar para a mina, hospital equipado com as melhores tecnologias da época, linha de bonde eletrificada ligando Nova Lima a Raposos (primeira da América do Sul), casas para empregados brasileiros e europeus. Foi tão importante a atuação de George Chalmers na Mina de Morro Velho em termos de evolução de tecnologia e administração que Eakin (1981) a denomina ‘era Chalmers’. REFLEXÕES Sabe-se que o modo de vida dos seres humanos não é natural e o homem torna-se cada vez mais dependente de seus predecessores e de seu grupo social, ligando-se cada vez mais a esse emaranhado de significados partilhados (JORGE 2003a, p.844). A ocupação de um território é o resultado de estratégias variadas e bem sucedidas, uma vez que deixa vestígios importantes, testemunhando um sistema estável e organizado (HIGGS 1975; VITA-FINZI 1978). Esta organização é o resultado de tentativas e de sucesso dos modelos testados e desenvolvidos nas

sociedades que o envolvem, uma otimização ou integração com os códigos estabelecidos por essas sociedades para a aplicação disciplinada de boas práticas (DJINDJIAN 2010). Há, portanto, para cada sociedade investigada pelo arqueólogo um sistema a explorar juntamente com seus processos, e a informação geográfica da área não deve ocultar a aplicação de técnicas para identificar e caracterizar o processo de localização dos sítios, sua hierarquia administrativa, comercial ou logística, a organização da produção, do comércio e de sua governança (CHAPMAN 2006). Isso se deve ao fato de que “nossa necessidade histórica é a de encontrar um método que detecte e não que oculte as ligações, as articulações, as solidariedades, as implicações, as imbricações, as interdependências, as complexidades” (MORIN 1999, p.29). Ressalta-se que fazer uso do potencial histórico e arqueológico para fins didáticos e científicos ocorre de maneira restrita em Minas Gerais, estado detentor de valoroso acervo. A Mina da Passagem em Mariana, do período inglês e que mostra parte da evolução tecnológica minerária, talvez seja o único exemplo de aproveitamento turístico com infraestrutura de apoio à visitação, enquanto outras sequer são conhecidas. Também a Mina de Chico Rei, em Ouro Preto, conta com galerias remanescentes do período colonial e são abertas à visitação. Contudo, há outras esquecidas, especialmente Morro do Pilar e Morro Velho. Nesse sentido, corroboramos entendimentos de Tânia Tomázia do

Nascimento (2007, p.67) de que a natureza do conhecimento depende de uma constituição social e histórica inserida em um tempo e espaço definido e, por consequência, circunstancial na construção do saber científico. Isso ocorre porque os dados não falam por si, mas se não o fazem, [...]como fazê-los falar através do olhar do arqueólogo? Na interpretação dos contextos arqueológicos joga-se, explícita ou implicitamente, toda uma determinada maneira de fazer arqueologia segundo paradigmas interpretativos, que devem ser constantemente testados na sua operacionalidade (JORGE 2003b, p.21). Por meio da práxis arqueológica, entendemos necessária “uma concepção dinâmica da realidade concebida a partir da compreensão da vida social dos grupos humanos que outrora habitaram” (OOSTERBEEK; BASTOS 2007, p.39). Nesse sentido, conforme Monteiro (1991), a paisagem é história congelada, mas participa da história viva. São suas formas que realizam, no espaço, as funções sociais, representando um ‘funcionamento da paisagem’. Pelo exposto, pode-se dizer que quando refletimos sobre o desenvolvimento da Arqueologia como ciência e da mesma forma quando se pensa a paisagem como um problema de estudo e trabalho, torna-se necessário pensar, dentro do discurso científico, o homem em termos metafísicos, idealistas e subjetivistas. Isto significa que ao invés de falar sobre o homem, devemos olhar para a sociedade e, ao invés de apelar para a história, urge reconstruir as forças e os conflitos do processo histórico. Se

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invocarmos o efeito humano, isso deve ser feito de forma radical, sem retornar ao imaculado humanismo autoexplicativo. Na realidade, “o homem não é mais do que qualquer coisa, é um ponto no espaço, um espaço atravessado por relações de poder, e a maneira de tratar a dimensão social é descobrir formas e determinações dessas relações” (CRIADO BOADO 1999, p.4). REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto-Lei 25. Organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Diário Oficial da União, 06 de dezembro de 1937. BRASIL. Lei Federal 3.924. 26 de julho de 1961. Dispõe sobre os monumentos arqueológicos e pré-históricos. Diário Oficial da União, 27 de julho de 1961. BRASIL. Constituição Federal. 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, 05 de outubro de 1988. BRASIL. Decreto 9465. 28 de dezembro de 2001. Dispõe sobre a Comissão Coordenadora do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território Nacional e o Grupo de Trabalho Permanente para a Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico, institui o Grupo de Trabalho Permanente para a Execução do Zoneamento Ecológico-Econômico denominado de Consórcio ZEE-Brasil, e dá outras providências. Diário Oficial da União, 31 de dezembro de 2001. CHAPMAN, H. Landscape Archaeology and GIS. London: Stroud, 2006 CRIADO BOADO, Felipe. Del terreno al espacio: planteamientos y perspectivas para la Arqueología del Paisaje. Capa 6. Santiago de Compostela: Grupo de Investigación en Arqueología del Paisaje, 1999. DJINDJIAN, François. Quantifier les Processus Archéologiques. Archeologia e Calcolatori n.21, p.233-247, 2010. HIGGS, E.S. (ed.) Palaeoeconomy, Cambridge: Cambridge University Press, 1975. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Portaria 7. 1º de dezembro de 1988. Estabelece os proce-

dimentos necessários à comunicação prévia, às permissões e às autorizações para pesquisas e escavações arqueológicas em sítios previstos na Lei nº 3.924/1961. IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Portaria 230. 17 de dezembro de 2002. Dispositivos para a compatibilização e obtenção de licenças ambientais no âmbito dos estudos preventivos de arqueologia.  JORGE, Susana Oliveira. Pensar o espaço da pré-história recente: a propósito dos recintos murados da Península Ibérica. In: JORGE, Susana Oliveira. (coord.). Recintos Murados da Pré-História Recente. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2003b. JORGE, Vitor Oliveira. Das sete vidas dos objectos. Revista da Faculdade de Letras, Ciências e Técnicas do Património, Porto, I Série v. 2, p. 843-864, 2003a. MIRANDA, Marcos Paulo de Souza Tutela do patrimônio cultural brasileiro: doutrina, jurisprudência, legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. MONTEIRO, Carlos Augusto F. Clima e Excepcionalismo. Florianópolis: Editora da UFST, 1991. MORIN, Edgar. O método 3: o conhecimento do conhecimento. Porto Alegre: Sulina, 1999. NASCIMENTO, Tânia Tomázia. Os construtores dos cerritos no Rio Grande do Sul, p.67-110. In: OOSTERBEEK, Luiz; BASTOS, Rossano Lopes. Arqueologia Trans-Atlântica: projectos de colaboração. Erechim, RS: Habilis Editora, 2007. OOSTERBEEK, Luiz; BASTOS, Rossano Lopes. Rede Ibero-Americana de Arqueologia: região litoral sul central de Santa Catarina, p.31-66. In: OOSTERBEEK, Luiz; BASTOS, Rossano Lopes. Arqueologia Trans-Atlântica: projectos de colaboração. Erechim, RS: Habilis Editora, 2007. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4 ed. 2ª reimpressão. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, p.69 (Coleção Milton Santos; 1). VITA-FINZI, C. Archaeological Sites and Their Setting, London: Academic Press, 1978.

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CARLOS GOMES E O DESIGN GRÁFICO BRASILEIRO DO SÉCULO XIX

Fellipe Alves Gomes

A

ntes de pretensiosamente tentar ajudar a compor uma suposta, ou utópica, identidade do Design Gráfico brasileiro, tenho como principal objetivo, com esta modesta pesquisa, auxiliar na criação do painel histórico da cultura gráfica nacional a fim de apoiar o reconhecimento social desta atividade, hoje dita Design Gráfico, no Brasil. Para tanto escolhi como objeto de estudo e análise as peças gráficas produzidas no Brasil durante o século XIX que tivessem sido impressas para cumprir alguma função junto à obra do mais famoso operista brasileiro, Antônio Carlos Gomes. Escolhi pesquisar as peças relacionadas às obras deste compositor

romântico principalmente por dois motivos, um de cunho racional e outro emocional. Pensando de forma prática, era prudente escolher um tema, tratando-se de uma pesquisa de peças do século XIX, ao qual tivesse acesso a um acervo de exemplares originais que de preferência ainda não tivessem sido analisados sobre a ótica do Design Gráfico. Pois bem, sobre a razão emocional, sendo natural de Campinas, cidade que sempre prestará honras ao seu mais ilustre filho, sempre tive a imagem mistificada de Carlos Gomes como algo intangível que estaria fadada aos monumentos públicos e a eventos relacionados à Música erudita em geral. E foi a necessidade de encontrar um acervo rico no qual ti-

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vesse acesso a peças de um século passado que me veio à mente verificar a existência e disponibilidade destes materiais nos acervos voltados a Carlos Gomes no Museu Carlos Gomes do Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas e no Museu Imperial do Rio de Janeiro. E para minha felicidade, encontrei uma vasta coleção de peças gráficas contemporâneas a Carlos Gomes no museu dedicado a ele em nossa cidade natal. E foi este o ponto de partida desta pesquisa que pretendo desenvolver e me aprofundar no futuro. Segundo o renomado historiador Phillip Meggs escreveu na sua História do Design Gráfico, publicado pela primeira vez em 1983, em alemão há uma palavra, sem

equivalente em português, Zeitgeist, que significa “o espírito do tempo e refere-se a tendências e preferências culturais características de determinada era” (MEGGS, 2009, p. 10). Segundo o autor “O caráter imediato e efêmero do design gráfico, combinado com sua ligação com a vida social, política e econômica de uma determinada cultura, permite que ele expresse mais intimamente o Zeitgeist, de uma época do que muitas outras formas de expressão humana” (MEGGS, 2009, p. 10). Segundo Ana Paula Gruszynski “Ao evocar a noção de design como um meio, é possível resgatar sua relação com a audiência e, assim, retomar o contexto como parte fundamental da história” (GRUSZYNSKI, 2008, p. 26). Para a autora, retomando o conceito de Zeitgeist de Meggs, a forma visual de um impresso não representaria apenas um estilo estético, pois tornaria presente sua época através de aspectos indiciais, ou seja, “da cultura, dos meios de sua produção e da sociedade na qual se insere” (GRUSZYNSKI, 2008, p. 26), por isso, para Gruszynski, seria importante “avaliar os trabalhos de um determinado período segundo as possibilidades significantes sugeridas pelo contexto” (GRUSZYNSKI, 2008, p. 26), assim como criar a possibilidade de releituras contemporâneas, utilizando elementos ou estilos do passado. A autora afirma que “Somente ao levar em consideração esses dois aspectos é possível considerar o design gráfico não apenas como uma função vinculada à estética, mas também como uma atividade que lida fundamentalmente com a informa-

ção” (GRUSZYNSKI, 2008, p. 26), dessa forma, poderíamos considerar o design como uma atividade, um processo de fazer e comunicar signos híbridos e não apenas de “produzir um conjunto de vestes gráficas de um determinado estilo para signos linguísticos ou o simples dimensionamento de ilustrações” (GRUSZYNSKI, 2008, p. 26). Para Meggs, “Quando tentamos registrar as realizações do passado, partimos do ponto de vista de nosso próprio tempo. A história se torna um reflexo das necessidades, sensibilidades e atitudes do tempo do cronista, tal como, sem dúvida, representa as realizações de eras passadas” (MEGGS, 2009, p. 10), com isso o autor apresenta uma questão importante para pesquisas históricas, apontando o fato de que em um trabalho deste tipo, nunca será dita a verdade sobre o assunto abordado, e sim uma visão daquele que o descreve. Sobre essa questão, a interpretação do pesquisador, Gruszynski acrescenta que “fatos históricos podem ser destacados ou não nas histórias do design gráfico” (GRUSZYNSKI, 2008, p. 47) e como sujeitos da enunciação, os historiadores não reproduziriam fielmente os fatos, mas os selecionariam, ordenando-os e interpretando-os, para construir um conjunto organizado de informações. Para a autora, não existiriam fatos diferentes, nem mentira ou verdade, mas a diferença entre as visões de historiadores acerca da história do design gráfico, revelando, assim, “a inevitável subjetividade da construção da narrativa histórica” (GRUSZYNSKI, 2008, p. 47), por isso não seria possível criar uma

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síntese objetiva das diversas leituras do passado, pois as visões poderiam ser divergentes. Desta forma, segundo Gruszynski seria necessário “adotar com ressalvas as informações das fontes estudadas e principalmente expor com clareza a necessária seleção, ordenação e interpretação dos elementos históricos do design, de acordo com o objetivo do estudo” (GRUSZYNSKI, 2008, p. 47). Assim como Meggs, só que de maneira bem mais modesta, pretendo com o presente trabalho, ajudar a entendermos mais o passado para dar continuidade ao legado cultural da bela forma e da comunicação eficaz. Ainda segundo o historiador “Se ignorarmos esse legado, correremos o risco de afundar no atoleiro insensato de um mercantilismo cuja miopia ignora os valores e necessidades humanos ao adentrar na escuridão passadas” (MEGGS, 2009, p. 11). Sobre a questão da suposta identidade do Design Gráfico brasileiro, não pretendo aqui discorrer muito sobre um tema tão polêmico e complexo o suficiente para render a publicação de um livro, Identidade e Cultura – Design Gráfico, 2009, de André Villas-Boas. Segundo este autor “No cruzamento entre razões históricas, culturais, políticas, econômicas e mercadológicas, a discussão sobre a construção da identidade nacional e sua aplicação no design gráfico se mostra plenamente contemporânea, oportuna e necessária” (VILLAS-BOAS, 2009, p. 60), mas seria importante saber o que significa o conceito de identidade nacional e como aplicá-lo ao design gráfico. Para Villas-Boas, a noção

de identidade nacional “foi concebida como um dado ‘natural’ intrínseco a qualquer formação social que se configure num estado-nação” (VILLAS-BOAS, 2009, p. 61), com este pressuposto, os indivíduos que integrassem uma nação deveriam, naturalmente, possuir elementos culturais em comum, suas tradições, seus valores, expectativas, hábitos de vida, produções materiais, que os congregariam, formando, assim, um perfil exclusivo, diferenciador. O autor, identificando uma difícil relação entre a suposta naturalidade da identidade nacional brasileira com a realidade, chega a novas questões: “Se a identidade nacional não é natural, mas tem de ser construída, então que legitimidade teria? Que sentido faz esta propriedade como norte de nossa atividade se ela é, em si mesma, artificial?” (VILLAS-BOAS, 2009, p. 61). Assim como o conceito de nação, sua identidade seria artificial, por ser uma criação humana, uma construção abstrata. Para Villas-Boas “As identidades, assim, não são estáveis e, muito menos, se configuram como uma propriedade sólida à qual nos basta apenas recorrer. É preciso construí-las” (VILLAS-BOAS, 2009, p. 65) e o modelo europeu de construção das identidades, assim como o de estado-nação, seria muito mais baseado na “exclusão das diferenças do que propriamente na inclusão das igualdades” (HALL apud VILLAS-BOAS, 2009, p. 65) já que a história nos conta que os processos de implantação de estados-nação foram feitos na opressão de grupos, muitas vezes minoritários ou militarmente mais fracos,

vide a divisão da África colonial, por exemplo, resultando “em batalhas sangrentas e na submissão de etnias, culturas e classes sociais àquele grupo dominante, cujos traços eleitos essenciais passaram a ser transformados em fatores de identidade, convergência e, assim, de identidade” (VILLAS-BOAS, 2009, p. 65). Neste momento, preciso fazer uma citação que aponta a convergência no assunto identidade nacional, pois uma das grandes polêmicas acerca da figura de Carlos Gomes seria sua suposta preocupação nacionalista e contribuição para a criação do conceito de brasilidade. Segundo o biógrafo Juvenal Fernandes “Carlos Gomes, apesar das correntes que repitam não ter ele nada da música brasileira, tem em o seu lugar de verdadeiro iniciador da música brasileira. Se considerarmos brasileiros os cantos negros, os indígenas e os portugueses, não poderemos relegar um gênio verdadeiro cuja preocupação nacionalista foi intensa e permanente” (FERNANDES, 1996, p. 153). Para encerrar o assunto, devo citar Villas-Boas (2009) que não considera a nação e, portanto, sua identidade, natural nem convergente, mas artificial e divergente, “Ela constrói uma identidade única e dominante ao custo de suprimir identidades dissonantes” (VILLAS-BOAS, 2009, p. 65). A RELAÇÃO ENTRE O COMPOSITOR E OS IMPRESSOS Assim como exaltou Juvenal Fernandes em sua biografia do compositor “Dos seus primórdios à sua consagração este homem foi um monumento grandioso. É en-

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volvente a sua trajetória, e merece apreciação de maior fôlego. [...] Dentro de um campo onde havia mestres ele foi um deles” (FERNANDES, 1996, p. 6). Em relação ao envolvimento direto do compositor com a impressão de suas obras, ainda não encontrei nenhum vestígio. Coube, então, analisar as formas pelas quais elas eram mecanicamente reproduzidas. Nota-se que em inúmeras situações, os meios de reprodução, com recursos bem limitados no século XIX se comparados aos atuais, não possibilitavam grandes inovações estilísticas e, além disso, a reprodução de suas obras estava associada à tecnologia disponível em local viável, como podemos observar no trecho escrito pelo Dr. Francisco Morato “a música [Hino Acadêmico] foi impressa logo depois, no Rio de Janeiro, pelo pianista Arthur Napoleão, como editor e como impressor, por não haver litografia e linotipia apropriadas para impressão de partituras musicais em São Paulo” (MORATO apud FERNANDES, 1996, p. 35). Outro fator que influenciava diretamente na forma pela qual as obras de Carlos Gomes eram reproduzidas em papel, era de cunho econômico e dependiam de sua relação contratual com seus editores. Vale observar a passagem destacada pelo biógrafo Macus Góes (1996) sobre o fato de Carlos Gomes não ter vendido os direitos de O Escravo assim que a terminara. Ele mesmo contratou os serviços de copisteria, para reprodução das partituras, a fim de levar a ópera aos palcos cariocas. Mais tarde, os Ricordi adquiriram os direitos sobre ela. Tal fato aca-

bou por dificultar a montagem da ópera, segundo Goés “Sem um editor de prestígio, ficava ainda mais difícil levá-la ao palco. Em carta a De Anna, datada de 8 de junho de 1888, CG [Carlos Gomes] comenta que ‘O escravo’ estava em faze de impressão e que ele já havia entregue o primeiro ato, devendo o restante ficar pronto até o fim de agosto.” (GÓES, 1996, p. 371). O mesmo aconteceria com Condor e Colombo, que chegariam ao Brasil sem editor. Segundo Góes (1996), existem evidências de que Carlos Gomes, a esta altura, não queria contrato de exclusividade com editores. Em carta ao amigo Gino Monaldi, que empresaria o compositor para montagem de Condor em Roma sem necessariamente possuir um editor, datada de 30 de dezembro de 1890, diz “Com prazer consisto que minha ópera Condor seja representada pela primeira vez em Roma, no Theatro Costanzi, durante o teu contrato” (GOMES apud GOÉS, 1996 p. 392). Fato esse que não se concretizaria, sendo a ópera estreada em Milão, no ano de 1891. Ainda segundo o biógrafo “CG se cansara de tantas lutas e, principalmente, de ter de dividir lucros de suas obras com editores. ‘O escravo’, ‘Condor’ e ‘Colombo’, suas três grandes últimas produções, serão todas mandadas imprimir por ele mesmo e só serão negociadas com editores, depois de estreadas por conta e risco de CG” (GÓES, 1996, p. 407). Outra passagem do autor que vale ressaltar conta a relação de Carlos Gomes com a Casa Ricordi, de Milão, e o problema gerado ao imprimir com sua rival, a Casa Lucca. Depois de compor

o Inno-Marcia (“Hino-marcha”) para o Colégio Longone, em 1884, Carlos Gomes decide entregar a impressão e edição do mesmo à Casa Lucca, propriedade da viúva Giovannina. Segundo Góes “a Casa Lucca, apesar da progressiva absorção que delas aos poucos ia fazendo a Casa Ricordi (a fusão total viria em 1888), era ainda rival e inimiga dos Ricordi, que mantinham relações contratuais com CG [Carlos Gomes] e que se mostravam irritadíssimos com o fato” (GÓES, 1996, p. 318). A questão era tão séria que a polêmica seria alvo de jornalistas, como conta o autor “Essa irritação se transformaria em sério descontentamento, quando os Ricordi passaram a ler na imprensa os comentários irônicos em cima da “infidelidade” de CG. O prato era lautíssimo para os “colunistas sociais” da época” (GÓES, 1996, p. 318). A Casa Ricordi era uma das maiores editoras musicais do mundo, fundada em Milão duas gerações antes de Giulio Ricordi a comandar e publicar as obras de Carlos Gomes. Góes destaca que “ter suas obras editadas por ele [Ricordi], por si só, já era um sinal de distinção para um compositor” (GÓES, 1996, p. 321), porém Ricordi era um homem de negócios e “O grau de sucesso era o que lhe interessava, a possibilidade de um compositor vir a escrever um ópera de grande apelo popular. Manter ou abandonar um compositor dependia, exclusivamente, dessa possibilidade ou não de sucesso” (GÓES, 1996, p. 321) e Carlos Gomes sabia de tudo isso, e mais ainda, sabia que deveria prezar sua relação com Ricordi, princi-

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palmente porque sua última ópera havia sido estreada sem sucesso fazia quatro anos e sua maior fonte de lucro na Europa vinha da ópera Salvador Rosa, editada pela Ricordi. Mas, mesmo assim, repetindo o erro, o compositor concede novamente à Cassa Lucca a edição e impressão de um novo hino, o Hino do Alpinista, escrito para o Club Alpino de Lecco. Segundo Góes “Ricordi, desta vez, fica mais furioso ainda. Apesar das explicações, [...], o editor não pode deixar de mostrar seu ressentimento” (GÓES, 1996, p. 320), e as relações de Carlos Gomes com o editor ficam estremecidas dali por diante. Segundo o mesmo autor “É possível que CG tenha agido sem intenções de lucro em todo o episódio dos hinos” (GÓES, 1996, p. 320), mas seria uma demonstração da falta de habilidade do compositor. Segundo Carlos Gomes, a Ricordi fez propostas de aquisição dos direitos de Lo Schiavo, já em 1885. Segundo consta na carta em poder do compositor “Voltando ainda à pendência Ricordi, te direi que possuo uma carta de Tornaghi o qual propunha (em data de 19 de julho de 1885) 20.000 liras pelo ‘Escravo’, pagáveis, porém, em prestações depois de cada dez representações da ópera. As prestações eram de 4.000 liras. Além disso, oferecia, também, 30% sobre os aluguéis por vinte anos” (GOMES apud GÓES, 1996, p. 338). Os tempos eram outros no período que Carlos Gomes compusera O Escravo. Segundo Góes (1996), em 1888 a Ricordi, assim como outros editores, não possuía mais o mesmo interesse em adquirir e publicar as obras de Carlos Gomes e de outros

compositores de sua geração. As atenções se voltavam para a Giovane Scuola, que tinha como principal representante Puccini, que, então, tornara-se a maior aposta da Ricordi que investia no compositor em ascensão visando grande retorno financeiro, patrocinando a montagem de suas óperas no Scala e em outros teatros. No fim, segundo Góes, “Carlos Gomes havia dado partida à renovação e alguns anos antes, depois de fazê-lo, era ironicamente devorado por ela” 01 (GÓES, 1996, p. 338) e os Ricordi acabariam por não adquirir os direitos sobre Lo Schiavo após sua estreia no Rio de Janeiro, editando apenas seu libreto em 1889. Como já dito, não foi possível, com essa modesta pesquisa, encontrar evidências do envolvimento direto de Carlos Gomes com a composição dos impressos de suas óperas. Penso, porém, que um autor tão cuidadoso e perfeccionista com sua música, que chegava a fazer correções pouco antes da reprodução de suas obras, e até mesmo depois, não poderia deixar 02 a cargo apenas de seus editores ou fornecedores gráficos a decisão de como suas óperas, hinos e canções ganhariam forma através da tinta no papel. Espero que no futuro cheguem mais perto da verdade impressa. Óperas criadas por Carlos Gomes (locais e anos de estreia): •A Noite do Castelo (Rio de Janeiro,1861) •Joanna de Flandres (Rio de Janeiro,1863) •O Guarani (Milão, 1870) •Fosca (Milão, 1873) •Salvador Rosa (Genova, 1874) 03 •Maria Tudor (Milão, 1879) Revista Patrimonium, Belo Horizonte, v. 1, n° 2, Dezembro. 2015. ISSN 2358-0879

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•O Escravo (Rio de Janeiro, 1889) ANÁLISE DOS IMPRESSOS OITOCENTISTAS BRASILEIROS DO ACERVO DO MUSEU CARLOS GOMES Impresso 01: PARTITURA DA ÓPERA A NOITE DO CASTELLO 325 páginas Formato fechado: 230x315 mm Encadernação brochura Publicação: EDITOR RAPHAEL COELHO MACHADO Ano: 1861 Local: Rio de Janeiro/RJ Impressor: desconhecido A da partitura da ópera A Noite do Castello apresenta características notadamente oitocentistas, como, por exemplo, a moldura decorativa em seu frontispício, ou página de rosto acima reproduzida, bem como o emprego de tipos de desenho de letras variados em uma mesma composição. Nota-se a seleção de tipos distorcidos aplicados ao nome do libretista “A. J. Fernandes dos Reis” e o uso dos recorrentes, durante o século XIX, tipos tridimensionais para o nome do compositor “Antonio Carlos Gomes”. Provavelmente o frontispício foi impresso em um processo híbrido, associando o uso da tipografia com outra matriz gravada em pedra, litografia, ou em outro material. Impresso 02: LIBRETO DE JOANNA DE FLANDRES OU A VOLTA DO CRUZADO 54 páginas Formato fechado aproximado: 102x152 mm Sem lombada (estado atual) Impressor: TYPOGRAPHIA DA

ACTUALIDADE Ano: 1863 Local: Rio de Janeiro/RJ A capa do libreto acima reproduzida acima denuncia ser fruto de uma impressão tipográfica, dado o uso apenas de tipos e filetes em composição modesta, alinhada em seu eixo vertical. Nota-se, porém, a preocupação, já que era costume na época, do uso de tipos variados na mesma página, tipografias com estilo transicional, onde se misturam impressas em negrito (bold), condensadas e na forma romana (regular). Vale destacar a impressão, em tipo sem serifa, do título na página “Carta Preambular”, reproduzida abaixo. Impresso 03: LIBRETO BILÍNGUE DE O GUARANY 80 páginas Formato fechado aproximado: 117x170 mm Sem capa (estado atual) Impressor: TYPOGRAPHIA DE SERAFIM JOSÉ ALVES Ano: após 1872 (provavelmente antes de 1889) Local: Rio de Janeiro/RJ Na peça gráfica reproduzida acima notamos, como nos casos apresentados anteriormente, o emprego de inúmeros estilos de tipografias em diversos pesos em uma mesma página, além das já conhecidas tipografias transicionais e modernas, também traz duas inovações oitocentistas: os tipos tridimensionais, que vieram a se tornar bem populares durante o século XIX, utilizados para imprimir “GUARANY” e tipos sem serifas, para o subtítulo “ÓPERABAILE...” e no nome do compositor “A. CARLOS GOMES”. Surpreende a forma não

usual pela qual o artigo “O” do título foi impresso, rotacionando seu eixo vertical. Impresso 04: LIBRETO DE O GUARANY 48 páginas Formato fechado aproximado: 73x133 mm Lombada quadrada Impressor : IMPRENSA ALFREDO SILVA & Ca. Ano: 1896 Local: Belém/PA Na capa reproduzida acima encontramos características peculiares de projetos tipográficos feitos no Brasil durante o século XIX, como por exemplo, o uso de ornamentos genéricos dos quais dispunham, como a vinheta de motivo orgânico (figura 01) localizada no frontispício, além da barra decorativa com motivo geométrico étnico (figura 02) nos topos das aberturas dos Atos e as capitulares em estilo medieval que abrem seus primeiros parágrafos. figura 01 figura 02 Impresso 05: PARTITURA DO HYMNO TRIUMPHAL A CAMÕES 14 páginas Formato fechado aproximado: 250x295 mm Lombada quadrada Publicação: Imperial Estabelecimento de Pianos e Músicas Narciso, Arthur Napoleão & Miguez Impressor : Lith. Impl de Narciso, Arthur Napoleão & Miguez Ano: após 1880 (provavelmente antes de 1889) Local: Rio de Janeiro/RJ A capa da partitura reproduzida acima foi impressa usando uma matriz litográfica e nos apresenta

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uma composição tipicamente oitocentista, na qual as letras são desenhadas e preenchidas com texturas, como nota-se no título deste hino, e ornamentos internos e externos são adicionados aos caracteres, como podemos observar no nome do compositor. Vale destacar a escolha por uma composição assimétrica, com peso maior na capitular “H” do título da obra e a forma pela qual o eixo vertical do arranjo é destacado pela letra “T” do título, impressa com desenho diferente das demais

REFERENCIAS FERNANDES, Juvenal. Do sonho à conquista : revivendo um gênio da música : Carlos Gomes / Juvenal Fernandes. – 3 ed. – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 1996. GÓES, Marcus. Carlos Gomes: a força indômita. Belém: SECULT, 1996. GRUSZYNSKI, Ana Cláudia. Design gráfico: do invisível ao ilegível/Ana Paula Gruszynski. São Paulo: Edições Rosari, 2009 (2ª edição atualizada e revisada). MEGGS, P. História do Design Gráfico: Philip B. Meggs e Alston W. Purvis. Título original: A history of graphic design. 4. ed. norte-americana. Tradução: Cid Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2009. VILLAS-BOAS, André. Identidade e Cultura/André Villas-Boas. Terezópolis (RJ): 2AB, 2009 (2ª edição, revista, atualizada e ampliada).

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PATRIMÔNIO URBANO, TEMPO PRESENTE E IMPACTO NA COMUNIDADE: Pequeno estudo de caso das representações urbanas no Projeto “Trem da Vale” em Ouro Preto e Mariana Tércio Voltani Veloso

A

s práticas patrimoniais, conforme muitos historiadores já apontaram, são uma marca da relação contemporânea com o tempo; uma nova e distinta forma de lidar com a temporalidade que vem tomando cada vez mais corpo desde o último quartel do século XX. Ao menos nas sociedades ditas ocidentais, essa nova relação com o tempo aparece ancorada na falência da crença na capacidade do tempo em produzir um eminente e necessário progresso

para as comunidades humanas. O século XX como um todo, ademais, é um período da História de mudanças significativas nas relações dos homens com a passagem do tempo, e, consequentemente, de mudanças na percepção e no tratamento das categorias temporais. De um suposto futurismo, otimista, que marca o início do século, com a exaltação da velocidade e a presumida morte das limitações do tempo e do espaço, a partir da invenção e popularização do automóvel, do rádio e do telégrafo,

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por exemplo, à destruição e os horrores das duas grandes guerras, é notável uma descrença cada vez maior no futuro e a necessidade de garantir a preservação do presente. Ocorre, de fato, uma quebra na forma moderna de encarar a temporalidade, uma quebra no cronótopo “tempo histórico”, embaralhando as categorias temporais e impondo uma nova forma de observar a passagem do tempo.1 A percepção de que a cultura, pelo menos a cultura ocidental, tem caminhado para uma nova

forma, ou um novo regime, de historicidade foi exemplarmente desenvolvida por François Hartog. Partindo da ideia de “brechas no tempo”, Hartog busca investigar os questionamentos e as rupturas da percepção da temporalidade. As “brechas” representam o momento de questionamento da ordem do tempo – “brechas, pois há uma pausa e esse tempo parece desorientado.” (HARTOG, 2013, p.139)2. Contemporaneamente, essas “brechas” no tempo, esses questionamentos na “ordem do tempo” tomaram lugar a partir do momento que as ideias de progresso contínuo e sentido da História foram postas em suspeição. Os horrores trazidos pelos conflitos mundiais do século XX, o Holocausto na Europa, a crise do “futuro” (exemplificada pelo 1968 francês) são indicativos de brechas temporais que representam a formação de uma nova forma de lidar com o tempo, um novo regime de historicidade. Para usar as ideias de Koselleck, também trabalhadas por Hartog, ocorre um fechamento dos horizontes de expectativas – uma desilusão com o futuro como progresso – e uma ampliação dos espaços de experiência, trazidos, então, para o presente como forma de bloquear a chegada do, agora perturbador, futuro. Essa tensão entre experiência e expectativa é o que gera a percepção do tempo de certa sociedade, percepção da forma como tempo age sob tal sociedade e como tal sociedade (re)age a esse tempo. Para Hartog, é essencial, então, perceber como se dá essa “tensão” no tempo presente, o que seria

a caracterização do regime de historicidade contemporâneo.3 Acerca das “fendas” no tempo presente, os questionamentos sobre o “caminho” que tomava a humanidade no transcorrer do século XX, Hartog aponta alguns movimentos gerais, sem, entretanto, se ater a fatos ou dados objetivos. Há uma primeira “fenda” referente à valorização do acontecimento, que seria a “historicização” do presente e a “negação” do tempo. Uma segunda “fenda” se impõe na obstinação pela conservação e questionamentos sobre a “modernização”, o que reflete, por exemplo, nos espaços urbanos e também na ampliação das instituições arquivísticas, pelo menos para o caso francês, conforme aponta o autor. Uma terceira “fenda” pode ser apontada na “reversão” do tempo, que, se antes produzia esquecimento, hoje produz, sobretudo, memória – o “passado que não passa”.4 Essas brechas temporais representam, contemporaneamente, a rearticulação entre o espaço de experiência e horizonte de expectativa, ou seja, a tensão entre as formas de lidar com tempo se altera. “Memória”, “patrimônio” e “conservação” são palavraschaves dessa nova forma de relação com o tempo que tem por objetivo, sobretudo, formar “identidade”, em uma situação marcada pela falta de referenciais, ou pela busca de novos referenciais para além da entidade do “EstadoNação”: nas palavras de Hartog, a memória é marcada por uma “nação, sem o nacionalismo”. A

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memória, sobretudo, tornou-se uma obstinação do presente que, tendo abandonado o futuro, se volta para o passado para sanar, de alguma forma, suas inquietudes e consolidar referenciais alternativos frente à desnaturalização da nação e do progresso, fruto que seria da passagem do tempo. Esse culto à memória, é importante ressaltar, caminha em relação com um movimento historiográfico mais geral que consiste na focalização da sociedade em detrimento à nação enquanto entidade de análise. Esse desvio da história nacional tornou perceptível outros ritmos temporais, para além da sucessão de fatos que marcam a trajetória do Estado-Nação, enquanto entidade. A “nação sem o nacionalismo”, de que fala Hartog, é caracterizada, então, por uma nostalgia, a nostalgia expressada quando pensamos na palavra refúgio. A nação não é mais prospectiva; torna-se, na incerteza de seu futuro, retrospectiva e nostálgica e enaltece o culto às suas memórias. Daí, entre outras coisas, a explosão dos patrimônios e dos museus, observada atualmente, torna-se passível de compreensão. No centro desse embaralhamento das categorias temporais aparece o patrimônio. O patrimônio, que pode ser definido de uma forma geral como um bem destinado ao usufruto de uma comunidade e é representativo daquilo que tal comunidade divide entre seus indivíduos, é capaz de relevar as formas empregadas por esta comunidade para lidar com o tempo. Nos últimos anos, o campo patrimonial cresce

exponencialmente de tal forma que, todas as práticas, todos os “modos de fazer”, para usar a expressão de Michel de Certeau, são passíveis de serem patrimonializados. Essa ampliação do patrimônio tem relação direta com a perda de referenciais no tempo presente e com a eminente aceleração do tempo, observada contemporaneamente. Nesse sentido, aceleração e desaceleração do tempo são postas em concomitância: a aceleração maciça do tempo, que atualmente pode ser definida na simultaneidade e imediatismo das informações, impõe também uma desaceleração, que é justamente a necessidade de produção de memória, no intuito de solidificar referenciais que são constantemente ameaçados pela velocidade das mudanças. Entre os objetos patrimonializados durante os últimos anos, as cidades, vistas em seu conjunto como espaço por excelência da criação humana, foram progressivamente ganhando visibilidade.5 Se num determinado momento, com as inovações trazidas pela era industrial, os avanços científicos sobre a organização urbana impunham mudanças no traçado das cidades, são esses mesmos avanços que, posteriormente, vão estimular interrogações sobre formas anteriores de organização espacial urbana. Conforme coloca Françoise Choay, a constituição do patrimônio urbano, da percepção dos centros urbanos enquanto patrimônios históricos, acontece na contramão de um processo de urbanização dominante. A cidade, vista como um objeto do

conhecimento histórico, passa a ser considerada em sua dimensão social e, por isso, passível de ser interpretada como uma forma de compreender, em sua na morfologia, alguns aspectos da vida social desse espaço. “Hoje, assiste-se, no entanto, a um florescimento de trabalhos sobre a morfologia das cidades préindustriais e das aglomerações da era industrial. Esse movimento foi impulsionado pelos estudos urbanos, de que devemos ressaltar o papel que desempenharam na gênese de uma verdadeira história do espaço urbano. A conversão da cidade material em objeto de conhecimento histórico foi motivada pela transformação do espaço urbano que se seguiu à revolução industrial: perturbação traumática do meio tradicional, emergência de outras escalas viárias e parcelares. É, então, pelo efeito da diferença e, conforme a expressão de Pugin, por contrate, que a cidade antiga se torna objeto de investigação.” (CHOAY, 2001, p.179). Com argumento possível de ser aproximado do exposto por Choay e pensando sobre as influências das evoluções tecnológicas na relação entre o corpo do homem e o espaço que ele habita, Richard Sennett também mostra como a alteração nas sensibilidades traz questões pertinentes sobre a organização espacial dos centros urbanos em momento anterior à era industrial. Especialmente com o que autor chama de “sensibilidades pós-modernas”, ocorre o enfraquecimento dos sentidos sobre o espaço,

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embasado em duas sensações físicas: a distância e a velocidade. Os grandes deslocamentos cotidianos e a velocidade trazida pelas tecnologias de locomoção – automóveis mais modernos, estradas mais eficazes – acarretaram em esvaziamento dos sentidos no espaço urbano. De certo modo, as pessoas pararam de perceber as suas interações com o espaço a sua volta, vivendo, como um telespectador, uma experiência “narcótica” do espaço.6 Contra essa experiência passiva do espaço, muitos projetos patrimoniais que se debruçam sobre a cidade procuram trazer os visitantes para uma forma de experiência que foge da sua cotidianidade, chamando então à concomitância imposta entre aceleração e desaceleração, referida acima. Entre esses projetos e, especificamente, sobre o caso brasileiro, podese citar as reestruturações de ramais ferroviários, com o intuito de promover passeios turísticos entre cidades, buscando recolocar em pauta essa questão do deslocamento no espaço, ou ao menos, mostrar como se dava esse deslocamento em tempos passados. Na aceleração da contemporaneidade, projetos desse tipo procuram, então, desaceleração, com o intuito de promover uma experiência de deslocamento no espaço distinta daquela que é experimentada corriqueiramente. Em Minas Gerais, dois exemplos parecidos são ilustrativos dessa tentativa exposição do espaço: os trens, as famosas “mariafumaças”, que fazem o percurso

entre as cidades de São João d´el Rei e Tiradentes e Ouro Preto e Mariana. Nos limites desse artigo, concentraremos as reflexões sobre as formas de exposição do espaço urbano através de alguns materiais disponibilizados pelo projeto patrimonial “Trem da Vale”, que é a reestruturação da linha férrea ligando Ouro Preto e Mariana, hoje operando somente com fins turísticos. Utilizando as ideias de H. Gumbrecht acerca da “produção de presença”, como forma de encarar e desafiar a predominância pós-moderna da atribuição de sentido, da interpretação. A ideia de “produção de presença”, ou “presença”, pode ser apontada como o que está para além dos discursos, enfatizando a tangibilidade dos meios, a partir das “materialidades da comunicação”. É aquilo que se impõe na comunicação entre os homens e que está para além do “cogito” cartesiano. Tem mais relação com a produção de um impacto sentimental do que interpretativo frente aos objetos culturais.7 Busca-se perceber que de forma o espaço urbano, e sua evolução, é exposto no referido projeto, com intuito de tatear que tipo de informação ou em que bases a construção do espaço urbano dessas cidades é pensado e entregue ao visitante. Sobremaneira, apontar-se-á também alguns aspectos críticos de tais percepções sobre o espaço, com objetivo de pensar outras formas de exposição dessa dinâmica do espaço ao visitante. PROJETO “TREM DA VALE”

E A REPRESENTAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE OURO PRETO E MARIANA: CRÍTICA, “PRESENÇA” E POSSIBILIDADES. Para compreender de que forma o espaço urbano de Ouro Preto e Mariana é representado e apresentado aos visitantes do projeto “Trem da Vale”, analisaremos dois materiais produzidos pelo próprio projeto: uma espécie de guia, intitulado “Roteiro por caminhos, trilhos e trilhas culturais”, assinado por Fátima Trópia e Maria Sônia Pinho8; e também as informações disponíveis no programa de computador disponível para os visitantes em totens nas estações. A partir dessas duas fontes de análise, pretende-se traçar considerações sobre as representações do urbano e as formas expostas sobre a evolução do espaço das duas cidades alvos do projeto. A começar pelo “Roteiro”, vê-se que logo nas primeiras páginas as autoras pretendem uma exposição de certo modo inovadora, para mostrar a visão que a própria comunidade tem do seu patrimônio, apresentando “dados referentes aos bens culturais da região, de forma articulada e objetiva, levando em conta também a vida cotidiana e os costumes daquelas cidades.” (TROPIA & PINHO, 2006, p.4). De acordo com as autoras, o “Roteiro” permitirá um olhar original sobre os monumentos históricos de Ouro Preto e Mariana, colocando o turista visitante como “protagonista” da experiência cultural que se desenrolará diante

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de seus olhos. Na leitura do “Roteiro”, contudo, não se percebe nada de inovador ou qualquer proposta diferente para a exposição do patrimônio urbano tangenciado pelo projeto “Trem da Vale”. O trabalho se resume a uma listagem tópica de atrações, que segue dos monumentos religiosos para os monumentos civis de cada uma das localidades que são cortadas pela revitalização ferrovia entre Mariana e Ouro Preto, passando por Passagem de Mariana. Essa listagem nada tem de inovadora, como a proposta de abertura do “Roteiro” informa: os monumentos são descritos a partir da sua data de construção, algum trabalhador ilustre que esteve envolvido na obra, como Aleijadinho, Manoel da Costa Athaíde ou José Pereira Arouca e, por fim, principalmente nos chamados “monumentos civis”, relata os moradores ilustres que fizeram uso das referidas construções. O “Roteiro”, que pretende entregar aos visitantes o papel de protagonista, traz também instruções para o “uso” desse guia e, obviamente, uma relação com as principais atrações e roteiros a serem visitados pelo turista. São designados previamente “caminhos” e “roteiros” ao visitante, ainda que se ressalte que o tal guia “não tem início, meio e fim.” (TROPIA & PINHO, 2006, p.5). Além disso, existem erros flagrantes no material produzido pela equipe responsável, sobretudo no que diz respeito a Mariana e Passagem de Mariana, em especial com relação ao nome dado aos logradouros, mas também é

possível encontrar alguns erros relacionados à cronologia.9 Interessante também notar que sobre os monumentos e atrações de Ouro Preto, o “Roteiro” já é bem mais detalhado, tanto em relação aos prédios – religiosos ou civis – como com relação a obras mais corriqueiras, como, por exemplo, chafarizes e pontes. Essa maior atenção posta sobre Ouro Preto, ainda que seja ela a cidade mais emblemática e “famosa” da região, é problemática, especialmente no que diz respeito ao patrimônio existente em Mariana e em Passagem. Podese dizer que ela induz o visitante a construir uma visão enviesada da relação entre as duas cidades ao longo do tempo, dando sempre uma maior importância a Ouro Preto e mostrando a primeira cidade de Minas Gerais e primeira sede episcopal da capitania como uma adjacência de Ouro Preto. A questão que se coloca, então, é onde está esse suposto papel protagonista do visitante. Indo mais além, há que se pensar também de forma o “Roteiro” permite a comunidade local, que não são exatamente visitantes, mas que deveriam fazer uso e consumo do patrimônio que lhe pertence, refletir sobre esse patrimônio e utilizá-lo socialmente. O ponto crítico desse “Roteiro” – talvez uma alternativa que poderia ser levada à cabo na busca de um resultado diferente e, talvez, melhor do que a listagem das atrações, neste “Roteiro” entregues como pronta, acabadas e presumidamente satisfeita de informações ao visitante – seria um trabalho que focalizasse a

dinâmica construtiva, ou seja, as formas, os materiais, as tecnologias empregadas na edificação do casario e dos monumentos religiosos, de forma a tentar integrá-los a própria dinâmica de ocupação do espaço através do tempo. A listagem dos monumentos, carregada de informações de efemérides excluí o movimento da ocupação do espaço dessas cidades, passando a impressão de fazer do espaço uma monotonia que não lhe é própria, especialmente àquele visitante que, apartado de informações mais detalhadas sobre o chamado do “ciclo do ouro” em Minas Gerais, sequer consegue imaginar os esforços necessários para as construções hoje tidas como monumentais. Por outro lado, o enfoque sobre a dinâmica construtiva, como colocado acima, entregaria ao visitante a possibilidade de refletir sobre o movimento do espaço urbano nessas cidades e as formas e esforços realizados pelos habitantes do passado para a ereção dessas construções. O que se quer dizer, é que mais do que explicar, através de datação, informações sobre os construtores e/ou moradores passados daquelas construções e, assim, entregar ao visitante um sentido pronto e acabado sobre esses monumentos, o “Roteiro” poderia focalizar o que Gumbrecht aponta como a “produção de presença” dos tempos passados. Apontado para as dinâmicas construtivas e os esforços realizados em torno das construções, seria possível permitir ao visitante que se imaginasse presente naquele tal

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momento, entregando-lhe uma construção de conhecimento que talvez seja mais útil e, sobretudo, mais impactante do que saber quando esse ou aquele prédio fora construído ou que “celebridade” do passado ocupou aquelas paredes. Essas características mais dinâmicas, de movimento da sociedade em torno da construção do espaço urbano são expostos de forma um pouco melhor nos totens nas estações das duas cidades, muito embora ainda haja alguns pontos críticos a se considerar. A respeito da ocupação urbana, sob o título de “História da Ocupação” e dividido em quatro partes, de acordo com os séculos da ocupação, ou seja, século XVIII, século XIX, século XX e século XXI. Nessa divisão, já fica evidente que projeto “Trem da Vale” pretende tratar da história da região de Ouro Preto e Mariana para além dos vestígios que a estrada ferroviária legou. Pretende, dessa forma, dar conta, ou ao menos ilustrar, aspectos desses três séculos completos da história dessas localidades e não somente da história que envolve a construção e o estabelecimento de uma linha férrea entre as duas cidades. O século XVIII é apresentando a partir das seguintes palavraschaves: “cobiça”; “cidades”; “Igrejas”; “artistas e artífices”; “senhores e escravos”; “livres”; e, por fim, “descontentes”. A palavra-chave “cobiça” remete o visitante, ainda que muito rapidamente, a busca secular dos portugueses pelo ouro desde os primórdios da ocupação da

América pelos europeus, e pouco trata da formação territorial de Minas ou mesmo de outras partes do interior do Novo Mundo. Sobre a palavra-chave “cidade”, que aqui nos interessa mais detidamente e também as correlacionadas “Igrejas” e “artistas e artífices”, tratam das especificidades das formações urbanas ocorridas em torno da mineração, destacando, sobretudo, o caráter longitudinal das povoações, que se formavam à beira dos caminhos que atravessam a região. Trazem também considerações sobre as formas construtivas empregadas – estruturas da divisão fundiária, formação dos lotes, materiais empregados em algumas construções – e também alguns regulamentos baixados pelos governos locais acerca das construções, como, por exemplo, as premissas necessárias ao terreno onde se deveria instalar uma capela ou Igreja. Além de tratar informações sobre as construções monumentais da região e seu famoso “casario colonial”, os totens trazem, nesse ponto, informações sobre chafarizes, ruas e pontes de ambas as cidades. Um toque no subtítulo “poder” também mostra como as instituições de domínio – leigas e/ou eclesiásticas, se é que essa separação é possível para o século XVIII – influenciaram grandemente na conformação urbana das cidades. Por fim, as palavras-chaves “senhores e escravos”, “livres” e “descontentes” têm o mérito de trazer aos olhos do visitante, aspectos da dinâmica social de Ouro Preto e Mariana, durante os tempos da mineração de ouro,

apresentando a sociedade que se formou na região de uma forma que valoriza o seu “movimento”, e não como uma constituição estática. A parte destinada ao século XIX procura focalizar a chegada da linha férrea à região central de Minas Gerais, muito embora isso só tenha ocorrido de fato nos finais do oitocentos. O tópico pontua também a chegada de imigrantes ingleses à Passagem de Mariana. Responsáveis pelo estabelecimento de novas tecnologias de mineração na região, os ingleses são um importante marco da história do distrito que fica entre as cidades de Ouro Preto e Mariana, e instalaram uma mina de beta e aplicaram novas tecnologias, até então desconhecidas ou pouco utilizadas pelos garimpeiros da região. O século XIX é valorizado também como um momento em que as instituições de instruções e educação da população passam a ter espaço na região. Os destaques são dados à fundação da “Escola de Minas” em Ouro Preto, matriz da Universidade Federal de Ouro Preto e que foi uma das primeiras instituições de ensino superior no Brasil, fundada a mando do Imperador Pedro II, e ao “Colégio Providência” em Mariana, instituição pioneira na instrução feminina na, então, província de Minas Gerais. A incipiente imprensa que apareceu na região pelos meados do século XIX também ganha destaque nessa parte. Contudo, o século XIX mostrado ao visitante termina de uma forma quase dramática, destacando

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a mudança da capital de Ouro Preto para a recém-fundada Belo Horizonte, sem, entretanto, revelar detalhes do impacto da transferência da capital na região. O século XX começa por evidenciar a descoberta de Minas Gerais pelos intelectuais brasileiros no início do dito século. As cidades da mineração assumem, então, um papel predominante como formadoras da identidade nacional, sobretudo com o modernismo da década de 1920. A unicidade do barroco mineiro é vista como traço mais característico da cultura brasileira, que, àquela época, buscava se afastar da dependência europeia. É nesse sentido que se focaliza também a eleição de ambas as cidades como patrimônios culturais, a partir da década de 1930, e que o referido programa cultural aproveita a oportunidade para fazer uma certa apologia sobre a necessidade de preservar os referidos núcleos urbanos, por sua importância cultural. A respeito do século XX também aparecem informações sobre o início da produção de minério de ferro, ocupando o espaço do ouro, na região de Minas Gerais como um todo, não só em Ouro Preto e Mariana. Esse tópico forma algo que se pode apontar como uma espécie de “tópico-propaganda” da empresa que patrocina o programa cultural, a Companhia Vale do Rio Doce, procurando mostrar a capacidade produtiva da empresa, as inovações tecnológicas ao longo do século e a suposta importância de suas atividades para a região especificamente e para o país como um todo. Um

ponto passível de ser criticado, como se verá a seguir. O tópico do século XXI focaliza o crescimento de Ouro Preto e Mariana e uma presumida articulação perfeita entre o “novo” e o “antigo” dentro de seus espaços urbanos. Sobremaneira, esse tópico talvez seja o mais pobre de todos entre os disponíveis. Não há uma reflexão sobre a questão do patrimônio e as referidas formas de articulação entre “novo” e “antigo” em ambas as cidades. O tópico se resume a uma frase e um vídeo, sem maiores explicações, com imagens aéreas do caminho percorrido pela linha férrea, agora atração turística, entre Ouro Preto e Mariana. O ponto crítico dessa apresentação talvez possa ser aponta na simultaneidade dos diversos tempos passados invocados no que é exposto ao visitante. Um percurso de três séculos de História, de distintas formas de organização e convívio social, que também refletiram na organização espacial da cidade, acaba se tornando quase contemporâneo do presente. De fato, não há uma problematização desse afastamento temporal, o que acaba refletindo, por exemplo, na articulação construída em torno do século XVIII. Muito embora seja o período mais visado da história das cidades em Minas Gerais, responsável, de fato, pela patrimonialização dos cenários urbanos da região, é notável que tal período não tem qualquer ligação com a linha férrea entre as cidades de Ouro Preto e Mariana, âncora do projeto desenvolvido. O século XVIII

mineiro, evocado quase que por obrigação por sua importância para a história, não só de ambas cidades, mas do Brasil, ainda que tenha incontáveis potencialidades para atrair os visitantes, acaba forçando uma conexão entre a extração de ouro e a construção do ramal ferroviário que não é real. Essa construção é questionável, pois acaba entregando ao visitante uma relação entre dois pontos da história que é forjada pela intencionalidade inerente àquela ação patrimonial. Mesmo porque também seria possível abordar a evolução urbana, ou mesmo o percurso social das cidades, a partir da chegada do ramal, que se aproxima da (re) descoberta, principalmente de Ouro Preto pelos intelectuais do movimento modernista na década de 1920, aí já que uma abordagem patrimonial e buscando avaliar de que forma aquele cenário poderia representar aspectos da identidade brasileira.10 Todavia, não se pode deixar de destacar alguns louváveis aspectos apresentados nesse material acerca da dinâmica social da comunidade de Ouro Preto e Mariana. Os totens nas estações, ao contrário do estático “Roteiro” citado acima, e ajudados pela própria forma de veiculação – uma produção midiática que agrega textos, sons, imagens e vídeos – conseguem trazer algum movimento para sua exposição, figurando aspectos sociais que estão para além da cronologia e/ou da autoria dessa ou daquela construção ou obra. Esse movimento pode se relacionar com a “produção de presença” de que fala Gumbrecht e a tentativa

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de superar a interpretação nas ciências humanas, entregando ao visitante uma experiência de um tempo passado, ainda que não seja uma experiência totalmente realizada – se é que isso é possível. De todo modo, vale lembrar, não se quer aqui desqualificar as formas de exposição da História feitas pelos materiais disponibilizados pelo “Trem da Vale”. As críticas feitas vão na direção de procurar produzir um material que seja mais sofisticado, capaz de apresentar ao visitante uma experiência do passado que foge do lugar comum. O intuito seria aproximar essa experiência da produção de “epifania” e “presentificação” do passado, conforme aponta Gumbrecht. Muito embora, a produção dessas sensações seja difícil de prever e variada individualmente, conforme gostos estéticos ou interesses sobre um ou outro ponto exposto, seria uma estratégia fortuita na tentativa de promover formas diversas de conhecimento sobre o patrimônio das cidades históricas mineiras. AÇÃO PATRIMONIAL E PROBLEMATIZAÇÃO DE ALGUMAS QUESTÕES Esse terceiro e último tópico pretende problematizar o projeto “Trem da Vale” à luz das reflexões patrimoniais, voltadas sobretudo para os usos que a própria comunidade faz – ou poderia fazer – dessas ações. Assim, serão apontados alguns pontos críticos da construção patrimonial referida, como o tom político compensatório do projeto e, sobretudo, um observável distanciamento da comunidade

local frente a tal projeto. Por um lado, podese apontar alguns aspectos relacionados à intencionalidade por detrás da instalação do projeto “Trem da Vale”. Como se sabe, ações patrimoniais visam, em suma, consolidar um discurso político, ou um discurso politizado, acerca de determinados aspectos da cultura local. Entretanto, esses “usos do passado” não são, de modo algum, desinteressados. Há uma vontade de discurso, uma intenção conjugada à implantação desses projetos culturais. O patrimônio cultural acaba fazendo parte de um processo histórico seletivo de atribuição de valor a certos elementos da cultura e práticas culturais, correspondendo à escolhas de um certo projeto político que visa sedimentar uma respectiva ordem social. É certo que há uma intencionalidade por detrás da construção e da efetivação do projeto “Trem da Vale” nas cidades de Ouro Preto e Mariana, que está para além de uma compensação pelos ganhos que a empresa consegue com suas atividades minerais ou com a destruição ambiental causada. Pensar dessa maneira seria encerrar o assunto de forma simplória e rasa, reduzindo a reflexão à mera compensação ou causalidade. Não é difícil perceber a vontade publicitária da empresa patrocinadora do projeto em específicos tópicos apresentados ao visitante. Nos totens das estações, por exemplo, ao focar na produção de minério de ferro e sua relação com as ferrovias, são pontuais as considerações sobre as

cidades de Ouro Preto e Mariana, mas aparecem informações acerca da constituição de ramais ferroviários noutras partes de Minas Gerais e também outros estados como São Paulo. Em contrapartida, o problema ambiental trazido pela exploração mineral, não só na região de Ouro Preto e Mariana, mas, sim, em qualquer região, também fica alheio aos tópicos tratados nos totens, algo que, sabe-se, não é muito difícil de compreender, uma vez que a empresa que banca o projeto não promoveria no material preparado uma propaganda contra si mesma, pois são notórios os problemas ambientais gerados pela exploração mineral. Há um espaço nos totens destinados ao que chamam de “patrimonial ambiental. Entretanto, não aparecem maiores explicações ou exemplos de programas outros da empresa que visem diminuir ou compensar o impacto ambiental causado pelas suas atividades extrativas. Noutro aspecto, é importante pensar, então, sobre o dever social desse patrimônio. O patrimônio deve cumprir uma função social para a comunidade que o abriga. Como evitar a exclusão social que o patrimônio, elitizado e correspondente aos valores da classe hegemônica, pode vir a produzir? Como trazer a comunidade para esses espetáculos de patrimônio? Como fazê-la se reconhecer naquele patrimônio que é ali representado todo voltado para a apreciação exterior? Um artigo de Lourdes Maia Galvão e Reinaldo Dias sobre o “Trem da

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Vale”, intitulado “A recuperação do patrimônio industrial ferroviário e as percepções da comunidade”, ainda que apresente sérios problemas relativos à positivação excessiva do referido projeto, teve um mérito de realizar uma pesquisa de opinião, com questionários aplicados à membros diversos da comunidade ouropretana, ainda que com um número relativamente pequeno de questionários, 82, segundo os autores. Apesar da baixa taxa de amostragem, fica evidente que a relação da comunidade de Ouro Preto com o referido projeto, categorizado como patrimonial, é, em sua maioria, de vê-lo como uma atração turística, ou seja, voltado para o exterior, para aqueles visitantes que vêem de fora da comunidade. De certo modo, pode-se observar, então que a identificação da comunidade, enquanto parte integrante e como “alvo” do projeto, não se coloca. Pela leitura do artigo, o que se percebe é que, para as pessoas da comunidade, o valor do projeto está muito mais ligado à revitalização estética da região e a atração de um contingente turístico para a região, e também e, consequentemente, maiores atenções das autoridades públicas e policiais.11 A recuperação do patrimônio, de acordo com a pesquisa feita, é importante para a cidade de uma forma geral, especialmente como atração turística, ou seja, um evento voltado para o exterior e para pessoas de fora da comunidade. Menos de 25% dos 82 entrevistados, membros da comunidade ouropretana,

afirmaram já ter participado de alguma programa de educação patrimonial promovido pelo “Trem da Vale”. Nesse sentido, embora um número considerável dos entrevistados tenha afirmado que já fizeram a viagem de trem até Mariana – não sem ressaltarem o alto valor da passagem cobrada –, é flagrante que, para além da atração turística, a população não é inserida plenamente nas ações promovidas pelo programa “Trem da Vale”. A partir de uma posição um tanto mais crítica, é possível perceber que o projeto “Trem da Vale” é muito mais voltado para o exterior, caminhando, então, juntamente com as questões que envolve o processo, por vezes perigoso, de mercantilização excessiva dos patrimônios culturais, produzindo um efeito de fetiche acerca desse objeto, que é a viagem de trem entre as cidade de Ouro Preto e Mariana. A comunidade de ambas as cidades assim vê esse projeto: um projeto voltado para o exterior, mais uma entre as muitas atrações turísticas nessas cidades. Isso se torna problemático na medida em que a população, a comunidade, sobre a qual de certo modo o projeto versa, não se enxerga, não se reconhece e não se vê como alvo do referido projeto. Mas também, é preciso assumir que o público das estações é majoritariamente de fora de Ouro Preto e Mariana, o que pode justificar, em alguns termos, as formas como os materiais foram produzidos e de que forma aquela história é contada. Podese cogitar que para esse público talvez seja necessário invocar

alguns dados mais elementares da história de Minas Gerais e das duas cidades. Todavia, melhores formas de exposição e uma abordagem procurando uma narração mais dinâmica dos dados, especialmente na redação de um material que recebe o nome de “Roteiro”. Nos totens, essa questão é parcialmente resolvida, como uma exposição que dá movimento às histórias que são narradas. Essa dinâmica é também conseguida pela própria forma de veiculação, através de uma forma de mídia que fácil de dinamizar do que textos escritos. Vídeos, áudios, menus interativos são criados para esse fim. O ponto que busco criticar aqui diz respeito, então, sobretudo a algumas conexões forçosas entre eventos do passado que, em favor de certa forma de propaganda, acaba colocando à margem a comunidade, detentora do patrimônio. Com a comunidade local colocada à margem das ações de construção e afirmação do patrimônio, não se pode deixar de alertar para os perigos que podem ser decorrentes de “gentryficação” desse patrimônio, um dos efeitos perversos da patrimonialização da sociedade contemporâneo, como aponta Françoise Choay. Entre os efeitos mais perversos da indústria patrimonial, umbilicalmente ligada à produção de atividades turísticas, a exclusão das populações locais e as ações voltadas muito mais para os visitantes exteriores à comunidade são as mais complexas. Fatos como a especulação imobiliária e um presumido

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“glamour” das atividades culturais tendem a excluir a população local, de fato portadora do patrimônio, das ações patrimoniais empreendidas. Enxergando as ações como voltadas para os turistas, ou seja os de fora, a população local, em sua maioria, tende a dar de ombros para a real importância daquele patrimônio em sua comunidade, vendo-o apenas como uma possível fonte de lucros, por exemplo, através do aumento no movimento do comércio nas redondezas do objeto patrimonializado. Pode-se dizer que, em via de regra, não há uma preocupação em fazer com que a comunidade local se sinta como portadora e alvo das ações empreendidas, fazendo-o com que se mantenha a opinião recorrente de que aquilo – o patrimônio – é apenas para consumo do turista.12 Assim, colocam-se as questões que permeiam a ampliação exponencial do patrimônio no mundo contemporâneo, tanto no que diz respeito ao aumento dos objetos patrimoniais como também no aumento no número de consumidores desses objetos. A “mistificação” dos objetos patrimoniais promovida pela indústria cultural torna-se perigosa na medida em que não é acompanhada de uma ampliação da capacidade receptiva de seus consumidores. Deixo, então, algumas perguntas para reflexão: é possível, ou melhor, é desejável que a comunidade passe a se enxergar em tal projeto, o que, em consequência, poderia abrir a possibilidade de questionamento sobre os referenciais adotados

e, também, sobre as questões de pertencimento da comunidade ao projeto? Ou a intenção seria justamente produzir mais um produto patrimonial a ser consumido, mais um fetiche a ser cultuado? Ainda que essas não sejam as questões que esse texto procurou responder, são questões úteis para uma reflexão mais apurado sobre a patrimonialização e presentificação do passado crescente da nossa sociedade. Apontamentos finais Todavia, é importante ressaltar, para não cometer o deslize de ser injusto, que o projeto “Trem da Vale” possui também outras frentes de atuação, que tentam uma aproximação maior com a comunidade, como por exemplo o núcleo de História Oral, vinculado ao referido projeto. Além disso, é recorrente a oferta de oficinas – algumas gratuitas – e também algumas ações junto à escolas das redes municipal e estadual de ensino. Essas ações não foram incluídas nos limites desse artigo, pois se buscou refletir e criticar mais detidamente a forma como o espaço urbano das cidades é representado para os visitantes, mas certamente constituem objetos pertinentes de investigação para ampliar a discussão da relação entre a comunidade local e o seu patrimônio. O que se buscou nesse artigo foi pensar formas alternativas de representar o espaço urbano, tendo como princípios norteadores algumas reflexões recentes sobre a situação das percepções atuais sobre a História em si, o patrimônio cultural e formas mais atuais de expor a sua representação,

sobretudo a partir da ideia de “produção de presença” de Gumbrecht; “presença” essa que está na (re)produção da ligação férrea entre Mariana e Ouro Preto, uma forma de reproduzir a sensação de identificação com o passado. Se aproximando de Gumbrecht, pode-se dizer que o momento do passeio de trem pelas montanhas de Minas Gerais, que hoje em dia no Brasil não é mais tão comum, é capaz de gerar a epifania necessária para a “produção de presença” daquele passado. E assim como o passeio de trem é capaz de produzir a epifania da presença do passado, essa preocupação também deveria ser mais atentamente trabalhada na produção dos materiais de divulgação do projeto para os seus visitantes. NOTAS: 1 Cf. HARTOG, F. “Memória, história e presente”. IN:_______. Regimes de historicidade, 2013. 2 A ideia de “brechas” no tempo, segundo aponta Hartog, provém das reflexões de Hannah Arendt. Segundo a autora, uma “brecha no tempo” são “intervalos totalmente determinados pelas que não são mais e pelas coisas que não são ainda.” In: HARTOG, F. Regimes de historicidade, 2013, p.138. 3 Esses dois conceitos retirados da obra de R. Koselleck, “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”, indicam uma “tensão” constante, formativa do que o autor alemão chama de “tempo histórico”. Se por um lado, há um “regime de historicidade” onde a experiência se sobrepõe à expectativa – o regime de historici-

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dade antigo, baseado na historia magistra, por outro lado, no “regime de historicidade moderno” a expectativa, marcada pela ideia de progresso e “sentido” da História, supera a experiência. São dois regimes de historicidades em que a “tensão” entre “espaço de experiência” e “horizonte de expectativa” se dão de maneira distinta, desaguando em formas distintas de relação com tempo. Ou seja, “o tempo histórico” definido por Koselleck como a tensão entre a “experiência e expectativa” é apropriado por Hartog para indicar as possibilidades diversas dessa “tensão” ou as diferentes formas de percepção dessa tensão. Cf. HARTOG, F. “Ordens do tempo, regimes de historicidade.” In:________. Regimes de historicidade, Op. Cit. p.39-40. 4 Ver a esse respeito o tópico “As fendas do presente.” IN: HARTOG, F. “Memória, história e presente”. Op. Cit. 2013. p. 149157. 5 É importante ressaltar que a cidade percebida como patrimônio em sua totalidade é uma percepção relativamente recente. Muito embora essa questão já venha sendo debatida desde o século XIX, era mais comum que se percebessem cada monumento das cidades de uma forma singular. A modernidade coloca em pauta a questão do patrimônio, com a eminente necessidade de rever a organização urbana, para se adequar as inovações tecnológicocientíficas do século XIX. Dessa forma, o traçado medieval das cidades aparecia, então, como um obstáculo à modernidade. Mesmo nos estudos sobre as cidades

antigas que tomam lugar no século XIX e início do século XX, como os de Fustel de Colanges e Henri Pirrene, o espaço da cidade em si tem pouca importância, sendo esses estudos focados nos personagens e nas instituições que ocupam esse espaço. Cf. CHOAY, F. “A invenção do patrimônio urbano” In: ________. A alegoria do patrimônio, 2001. p.175-203. 6 “Hoje em dia, viaja-se com uma rapidez que nossos ancestrais sequer poderiam conceber. (...) O espaço tornou-se um lugar de passagem, medido pela facilidade com que dirigimos através dele ou nos afastamos dele. A visão que o motorista ao volante descortina à sua frente é a de um lugar escravizado às regras de locomoção e neutralizado por elas. Transformado em um simples corredor, o espaço urbano perde qualquer atrativo para o motorista, que só deseja atravessá-lo. (...) Além disso, as ações exigidas na direção, leves toques no acelerador ou no freio, olhares de relance para o retrovisor, são atos incomparavelmente menos árduos que os necessários ao cocheiro de uma carruagem. Navegar pela geografia da sociedade moderna requer muito pouco esforço físico e, por isso, quase nenhuma vinculação com o que está ao redor. De fato, à medida que as vias são cada vez mais expressas e bem sinalizadas, o motorista precisa cada vez menos dar-se conta das pessoas e das construções para prosseguir no seu movimento. O viajante, tanto quanto o telespectador, vive uma experiência narcótica; o corpo se move passivamente, anestesiado no espaço, para destinos frag-

mentados e descontínuos. IN: SENNETT, Richard. Carne e pedra, 2008, p.17-18. Grifos meus. 7 A “produção de presença” impõe uma tentativa de superar os auspícios da metafísica, adentrando para o que o autor chama de um campo “não-hermenêutico” abrindo possibilidade para questionamentos e avanços futuros nos estudos das Humanidades. O livro, como um todo, apresentase como uma tentativa de superar os imperativos da interpretação, da atribuição de sentido, nas ciências humanas, através de um rompimento com a tradição analítica baseada na hermenêutica e focalizando os aspectos “materiais da comunicação”. Nas palavras de Gumbrecht: “a expressão “produção de presença” sublinharia que o efeito de tangibilidade que surge com as materialidades de comunicação é também um efeito em movimento permanente. Em outras palavras, falar de “produção de presença” implica que o efeito de tangibilidade (espacial) surgido com os meio de comunicação está sujeito, no espaço, a movimentos de maior ou menor proximidade e de maior ou menor intensidade. (...) Hoje, qualquer reflexão viável acerca da presença terá de quebrar a convenção intelectual (que já está desaparecendo) “pós-moderna”, segundo a qual todos os conceitos e argumentos aceitáveis devem ser “antissubstancialistas”. Em vez disso, uma reflexão sobre a presença considerará pertinente e inevitável qualquer tradição conceitual, a começar pela filosofia de Aristóteles, que tenha a ver

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com a substância e o espaço.” IN: GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença, 2010. p.38-39. Grifos meus. 8 TROPIA, Fátima & PINHO, Maria Sônia Madureira de. Roteiro por caminhos, trilhos e trilhas culturais. Guia Cultural Mariana – Passagem de Mariana – Ouro Preto, 2006. Recentemente, em 2013, foi lançada uma segunda edição do material que, entretanto, não traz alterações significativas. Disponível em http://www.tremdavale. org/wp-content/uploads/guia_total_v15.pdf 9 Por exemplo, a Praça Gomes Freire, em Mariana, aparece no “Roteiro” como “Praça do Coreto”. Ainda na referida praça exista um coreto e que grande parte das pessoas saibam a que praça se refere, um material institucional precisa zelar pela certidão das informações passadas ao visitante. 10 No Brasil, o princípio da ideia de patrimônio tem uma marca indelével do modernismo das primeiras décadas do século XX. É a partir do pensamento dos modernistas que se vai conceber no Brasil, além de ideias relativas ao patrimônio, ações concretas no intuito de demarcá-lo e significá-lo. Ainda que alguns estudiosos marquem essa descoberta do patrimônio brasileiro por sua “autenticidade destrutiva”, com objetivo de se desvencilhar das amarras coloniais da Europa, é certo que havia uma vontade de posicionar as artes e a cultura brasileira dentro de uma perspectiva que europeia de fato, ou ao menos, influenciada pela Europa. É nesse sentido que os estudos de Lúcio Costa sobre o “barroco” brasileiro trazem uma

tentativa de enquadrar o patrimônio nacional na “linha evolutiva” das artes da humanidade em sentido geral, procurando as raízes da “modernidade” do Brasil, interpretando a arte em um possível sentido teleológico - o que, como se sabe, marcava os estudos das ciências humanas e sociais de um modo geral até meados do século XX. A aproximação entre a arte e a arquitetura é também clara para o autor que, desse modo, argumenta com crença firme no universalismo da arte. Nas reflexões de Lúcio Costa, a arquitetura é capaz de evidenciar ainda mais a “evolução” dos estilos da arte e era, por isso, um bom exemplo do “ajuste modernista” do relógio social brasileiro. Cf. DAHER, Andréa. Objeto cultural e bem patrimonial: representações e práticas, 2012. 11 Em 2006, foram aplicados questionários para 82 moradores da comunidade de Ouro Preto. O modo de avaliação da pesquisa parece ter sido, a princípio, procurar mostrar se os moradores de Ouro Preto percebiam um aumento de movimento de pessoas nos entornos da estação e, a partir daí, o que os moradores pensam a respeito disso – se foi melhor ou pior para eles, se trouxe mais vantagens ou incômodos ou se era possível notar um aumento no movimento comercial dos arredores da estação de Ouro Preto. No questionário aplicado pelos autores, a relação entre a revitalização da área e as melhorias nas condições gerais de vida no local para a população, envolvendo tanto melhorias estéticas como também ampliação da segurança pública e maior atenção das autoridades à agora região

turística, era clara na opinião da comunidade, que, entretanto, colocava algumas ressalvas. Nesse sentido, pode-se questionar sobre o que realmente a população pensa a respeito dessas revitalizações feitas para o exterior, ou, noutras palavras, o que a população pensa sobre essa necessidade de exposição exterior, qual seja a montagem de um aparato turístico para que providências fossem tomadas para a região pelas autoridades locais. Cf. GALVÃO, L; DIAS, R. A recuperação do patrimônio industrial ferroviário e as percepções da comunidade, 2010. 12 “A ‘embalagem’ que se dá ao patrimônio histórico urbano tendo em vista seu consumo cultural, assim como o fato de ser alvo de investimentos do mercado imobiliário de prestígio, tende a excluir dele as populações locais ou não privilegiadas e, com elas, suas atividades tradicionais e modestamente cotidianas. (...) Além disso, em vez de contribuir para preservar as diferenças locais e conter a banalização primária do meio onde se vive, a valorização dos centros antigos tende paradoxalmente a tornar-se instrumentos de uma banalização secundária. Algumas cidades, assim como alguns bairros, resistem a isso, ajudados por sua dimensão, sua morfologia, suas atividades, pela força de suas tradicionais, pela simples riqueza que possuem ou pela sabedoria de suas autoridades. Outras começam a se assemelhar tanto entre si que os turistas e empresas multinacionais nelas se sentem em casa.” In: CHOAY, F. A alegoria do patrimônio, Op. Cit. 2001. p.226. Grifos meus.

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REFERÊNCIAS: CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. (trad. Luciano Vieira Machado). São Paulo: Estação Liberdade: Editora UNESP, 2001. CHUVA, Maria. (org). Dossiê “História e Patrimônio”. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº34, 2012. DAHER, Andrea. Objeto cultural e bem patrimonial: representações e práticas. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nº34, 2012. GALVÃO, L; DIAS, R. A recuperação do patrimônio industrial ferroviário e as percepções da comunidade: um estudo sobre o “Trem da Vale” x moradores de Ouro Preto (MG). Patrimônio: Lazer & Turismo, v.76, n. 9, jan.-fev.-mar./2010, p.01-16. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença. O que o sentido não consegue transmitir. (trad. Ana Isabel Soares). Rio de Janeiro: Editora Contraponto/Editora PUC Rio, 2010. HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiência do tempo. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2013. LUCHIARI, Maria. A reinvenção do patrimônio arquitetônico no consumo das cidades. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 17, pp. 95 - 105, 2005. SENNETT, Richard. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. (trad. Marcos Aarão Reis). 5ª Ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Editora Record, 2008. TROPIA, Fátima & PINHO, Maria Sônia Madureira de. Roteiro por caminhos, trilhos e trilhas culturais. Guia Cultural Mariana – Passagem de Mariana – Ouro Preto, 2006.

PRAÇA FERNANDO MACHADO E SEU ENTORNO: UM LOCAL DE HISTÓRIA E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL Bruna Michels

O

trabalho pretende dar um breve histórico da construção e queda do Miramar e analisar o seu diálogo com a cidade e população local, além do exercício da educação patrimonial. O que restou para os moradores depois da destruição deste símbolo? Para localizarmos bem o leitor antes de falarmos sobre o monumento em questão é necessário conceituar o tipo de patrimônio de que estamos falando. Hoje em dia podemos classificar os tipos de patrimônio que possuímos em: patrimônio

material ou tangível, que são aqueles que podemos tocar, tais como edifícios, objetos, livros, arte sacra; e o imaterial ou intangível dentre os quais podemos citar a cultura de uma determinada região, o saber fazer de um povo, a culinária. Como exemplo, o saber fazer da renda de bilro que possuímos no estado de Santa Catarina, a tradição do mate no Rio Grande do Sul, a capoeira, determinados pratos regionais e etc. Nesse artigo trabalharemos com o patrimônio material, como os monumentos urbanos, e em

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especial, sendo o referencial deste trabalho, o bar e restaurante Miramar, ou melhor dizendo, o monumento à sua memória situado na praça Fernando Machado no centro da cidade de Florianópolis, palco de vários acontecimentos históricos. Esses acontecimentos deixaram marcas na história daquele local, as quais podem ser tomadas como algo importante ou não, significativas ou não pela população do local. É muito dessa carga significativa que define a criação e a conservação dos monumentos ao nosso redor.

Figura 01: Chegada de pessoas ao Miramar em data festiva. Acervo - Casa da Memória de Florianópolis

Muitas vezes o que uma elite social quer fazer lembrar, como o poder que exerceu em determinado período, é perdurado por meio de um símbolo. Sabemos também que muito do imaginário que possuímos sobre um símbolo pode ser construído ao longo do tempo ou apagado. Voltaremos nesse ponto mais à frente, agora é importante entendermos um pouco do histórico do nosso objeto de estudo: O Miramar. Primeiramente atracadouro, depois trapiche e restaurante da elite, posteriormente teatro de arena e por fim estacionamento de carros, vários foram os usos deste local que até hoje deixa tanta saudade na população que de alguma forma viveu o período em que o Miramar existiu. No local onde hoje existe um monumento em lembrança ao antigo bar e restaurante Miramar, localizava-se o Trapiche do Mercado Público. Ali a população fazia a travessia do continente para a Ilha de Santa Catarina, em inícios dos séc. XX. Existia também mais de um atracadouro, um estabelecido na Praia de Fora e outro no Forte Sant`Ana1. Sempre que as condições não fossem propícias às embarcações, elas se dirigiam também a esses dois outros

pontos, todos eles sinalizados com luzes. Porém, em 1886 uma lei é aprovada: a lei n. 1107 (27/ 08/1886) exigiu “ranchos para o abrigo de passageiros e dos animais, balsas para a passagem destes, canos para a guia de animais a nado, e embarcações seguras e cômodas para passageiros”2. Os embarques eram feitos de hora em hora e “iniciar-se-ia às cinco horas da manhã e terminaria às vinte horas nos meses de abril a agosto. Nos demais meses, o horário de estenderia das quatro horas da manhã às vinte e uma horas”3. Por conta do mau posicionamento do atracadouro, este parava suas atividades muitas vezes por conta do vento sul, que impossibilitava a travessia. Por esse motivo, em

e pavilhão anexo no prazo de dez anos a contar de 4 de novembro do corrente ano ... tendo direito, durante muitos anos , de explorar comercialmente o pavilhão no qual será instalado um café elegante, sala de refeições, compartimentos para banho, tudo com luxo e elegância.4 O Bar Miramar, inaugurado em 28 de setembro de 1928, possuía linhas ecléticas e em arte decô, uma indefinição estilística que segundo Veiga era “comum aos edifícios projetados entre os anos 1920 – 1930, devido à falta de um ponto de referência em comum que integrasse as correntes artísticas em voga e os materiais e técnicas construtivas do momento”.5 VVista lateral do bar e restaurante Miramar

Figura 02: Vista lateral do bar e restaurante Miramar . Acervo - Casa da Memória de Florianópolis.

1925 o governo do estado abriu concorrência pública para que se pudesse adequar o local para a atividade de transporte, devendo o mesmo também possuir um prolongamento na praça XV. Na época, o Sr. Mario Moura ganhou a concorrência, com isso ... se obrigou a construir um trapiche

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Chegada de pessoas ao Miramar em data festiva ACERVO - CASA DA MEMÓRIA DE FLORIANÓPOLIS O Miramar foi inaugurado na mesma década da Ponte Hercílio Luz, sendo mais um marco do tempo de modernidade que a

Figura 03: Miramar sendo “engolido” pelas areias do aterro. Acervo – Casa da Memória de Florianópolis

cidade passava; eram símbolos do progresso. Era frequentado pela elite florianopolitana que se reunida para tomar uma cerveja bem gelada com petiscos, por famílias abastadas que iam prestigiar as regatas que aconteciam as margens do restaurante, por boêmios e jornalistas que se encontravam para debater os fatos que estavam acontecendo na cidade. Na década de 1960, o Miramar muda de frequentadores. Segundo Ana Luiza M.Panariello Muitos operários passaram a frequentar o bar após o seu expediente de trabalho, o que desagradava parte da população, que achava que isso degradava a imagem do bar. Além disso, o fato de a malha rodoviária se expandir cada vez mais, e o Miramar funcionar como ponto de ônibus para o sul da ilha, também levaram outras pessoas que não eram das camadas mais abastadas da sociedade a frequenta-lo.6 Com isso o espaço vai perdendo seu prestígio, e a força do tempo também atua, destruindo aos poucos o Miramar, que não recebia os devidos cuidados de conservação e preservação. Ainda tentou-se sem sucesso e já no final de sua vida resgatar o antigo local tornando-o um teatro

de arena. Alunos do grupo TECA (Teatro Estudantil Catarinense) na medida do possível reformaram o espaço e nele ensaiavam e promoviam espetáculos teatrais, mas nada impediu o destino cruel do Miramar. Mesmo com todas as tentativas, foi demolido em 24 de outubro de 1974. Sobre essa data cabe uma atenção especial. Neste período está acontecendo o processo de aterramento da baía sul de Florianópolis, com o intuito de modernizar (novamente vemos o processo do progresso que se impera) a cidade e abrir vias de tráfego. Soma-se a isso o período político do governo militar de Emílio Garrastazu Médici e seus de planos de metas, nos quais não nos aprofundaremos, mas que forçavam esse desenvolvimento a acontecer. O antigo trapiche Miramar foi considerado inibidor das novas vias que iriam compor o sistema viário central, assim como o edifício do Forte Santa Bárbara e a antiga estação elevatória do sistema de esgotos então Mictório Público. Foi dada ordem para a suas respectivas demolições. Apesar da ordem, ocorreram iniciativas no sentido de buscar impedir sua execução. O momento político era marcado pelo autoritarismo do governo militar, mas mesmo assim formaram-se grupos pela proteção das edificações.7 Percebemos com isso o uso do poder vigente para a definição dos assuntos em voga no momento. Neste caso mais uma vez perdese a oportunidade de termos nos dias de hoje um espaço histórico. Um espaço que contaria muitas coisas vividas no início do século XX. É tolhida das gerações

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futuras essa oportunidade. Os mais desavisados podem dizer: “mas sabemos o que esse espaço representava, temos documentos sobre ele”, porém sabemos que nunca é a mesma coisa escutar um relato ou ler um documento e estar no lugar onde a história aconteceu. Ainda mais por que alguns desses espaços tinham toda a potencialidade de continuar existindo - como é o caso do Miramar- e não existem por conta de forças políticas que ao invés de zelar pelo patrimônio da sociedade que gerem, contribuem para o seu desaparecimento. Miramar sendo “engolido” pelas areias do aterro (esquerda). Baía Sul com Miramar, mictório público e Forte Santa Bárbara ao fundo (direita).

Figura 04: Baía Sul com Miramar, mictório público e Forte Santa Bárbara ao fundo. Acervo – Casa da Memória de Florianópolis

ACERVO – CASA DA MEMÓRIA DE FLORIANÓPOLIS Antes de se estabelecer normas e grupos que pensassem o patrimônio das cidades, a escolha se fazia por aqueles que detiam o poder, neste caso os governadores que em nome do tão sonhado progresso, destruíam. Mesmo quando existiam órgãos que faziam esse trabalho de fiscalização e planejamento, muitas vezes os mesmos trabalhavam a serviço

Figura 05: Praça Fernando Machado no tempo do trapiche de carga e posteriormente com o Miramar. Disponível em: http:// www.velhobruxo.tns.ufsc.br//Albuma01. htm.

dessa elite. No caso do objeto de pesquisa deste artigo, o Miramar, este também foi exemplo dessa falta de comprometimento com o que é de todos, em favor do interesse de alguns. O que se percebe hoje é que se inicia uma forte corrente de educação patrimonial já nos colégios. Há uma tentativa de gerar uma conscientização sobre o que é nosso patrimônio para que ações como a que ocorreu com o Miramar não aconteçam novamente. Tendo conhecimento que o patrimônio, num contexto geral, e aqui especificamente de uma cidade é de fundamental importância, precisamos englobar nesta discussão a diferenciação do que é um monumento do que é um monumento histórico. Segundo Françoise Choay: O monumento tem por finalidade fazer reviver um passado mergulhado

Figura 06: Praça Fernando Machado, ao fundo Miramar. Disponível em: http:// www.velhobruxo.tns.ufsc.br//Albuma01. htm

no tempo. O monumento histórico relaciona-se de forma diferente com a memória viva e com a duração. Ou ele é simplesmente constituído em objeto de saber e integrado numa concepção linear do tempo – neste caso, seu valor cognitivo, relega-o inexoravelmente ao passado, ou antes à história em geral, ou à a história da arte em particular-; ou então ele pode, além disso, como obra de arte dirigir-se à nossa sensibilidade artística, ao nosso “desejo de arte”26 (Kunstwollen) : nesse caso, ele se torna parte constitutiva do presente vivido, mas sem a mediação da memória ou da história.8 Temos então duas perspectivas: a do monumento que remonta a algo do passado, mas sem estabelecer uma relação histórica afetiva com as pessoas que o reconhecem enquanto monumento ou aquele que estabelece essa relação, sendo possível ainda, ser analisado pela sua questão estética/ artística por si só. Diante do que nos propõe Choay, no caso de nossa fonte de pesquisa, o monumento em homenagem ao Miramar é considerado um monumento histórico e não apenas um monumento, pois traz para os dias de hoje a rememoração do que foi um dia um estabelecimento de uso público, deveria fazer a celebração e valorização da memória daquela sociedade, e contribuir para que outras gerações que não o vivenciaram, pudessem ter compreensão do que foi aquele espaço um dia (o que infelizmente não acontece no dia-a-dia das pessoas que por ele passam). Além de tudo que já foi abordado, não é demais levantar novamente

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uma questão a ser tomada em consideração. Tanto a cidade como os monumentos dentro dela são espaços de construção de memória e memória coletiva. Os indivíduos de um determinado espaço se identificam e neste local constroem suas memórias, suas coletividades. Assim, os monumentos (símbolos) em uma cidade são além de patrimônio, memória de um povo que ali vive/ viveu. O exemplo do Miramar nos mostra que o monumento existe, mas não é capaz de gerar uma identificação da sociedade com aquele símbolo. Perdeu-se seu formato não encontra ressonância. Houve mesmo polêmica em torno da sua construção, ou seja, por

Figura 07: Miramar com maré baixa Disponível em: http://www.velhobruxo.tns. ufsc.br//Albuma01.htm.

conta da modificação da cidade e do espaço do monumento, perdeuse neste caso um elo de ligação com aquele lugar, com aquela história. E muitas vezes isso acontece com os monumentos. Quando da construção do memorial no ano de 2001, as pessoas se perguntavam (e até hoje se perguntam) que significado queria se dar com aquele monumento. Conversando com algumas pessoas, nativos ou não, percebe-se que as mesmas interpretam aquela construção como inacabada. “O Memorial

Figura 08: Início das obras do aterro da Baia Sul

gera, entre aqueles que viveram o Trapiche Miramar, um sentimento de repulsa como uma afronta às suas experiências, nutrindo assim, um sentimento silencioso que manifesta pela “perda” ”.9 Diante disso e como dito anteriormente, a educação patrimonial é algo que cresce em direção a uma conscientização cada vez maior. Para que esse exercício possa ser feito da melhor forma possível, é imprescindível que o professor/monitor que acompanhará a turma de alunos estabeleça um referencial, situeos sobre quê monumento é aquele (tangível ou intangível, histórico, artístico), o porquê ele se encontra naquele local ou foi construído ali. Com efeito, o professor poderá educar através de questionamentos aos alunos e não apenas de forma expositiva, tornando a educação mais atrativa e mais interessante a eles. Portanto: A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural [...] O conhecimento crítico e a apropriação

consciente pelas comunidades do seu patrimônio são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos sentidos de identidade e cidadania.10 Preservar a memória, preservar seus espaços e celebrar os monumentos em um processo de Educação Patrimonial é a forma mais segura de se garantir para as futuras gerações a permanência de símbolos que caracterizam uma sociedade, um grupo. NOTAS:

Figura 09: Desfile cívico na Praça Fernando Machado, ao fundo Miramar Disponível em: http://www.velhobruxo.tns.ufsc.br// Albuma01.htm.

Nota 01: VEIGA, Eliane Veras da. Florianópolis - Memória Urbana. 2 ed. rev. e ampli. Florianópolis: Fundação Franklin Cascaes, 2008. p. 173. Nota 02: Ibid, p. 173-174. Nota 03: Ibid, p. 175. Nota 04: BPE – Jornal “Folha Nova” em 18/11/1926 Nota 05: Ibid, p. 176. Nota 06: PANARIELLO, Ana Luiza M. Do Miramar ao Monumento: a reconstrução do “velho trapiche”. Revista Santa Catarina em História. Florianópolis – Brasil, 2007. v.1. n.2. p. 3. Nota 07: RICHTER, Fábio Andreas. Corpo e Alma de Florianópolis – O Patrimônio Cultural na ação do governo do município - 1974 a 2008. [dissertação de mestrado]. Universidade do estado de Santa Catarina, 2009. p. 48. Nota 08: CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. 3 ed. São Paulo: Estação

Revista Patrimonium, Belo Horizonte, v. 1, n° 2, Dezembro. 2015. ISSN 2358-0879

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Liberdade: UNESP, 2006. p. 26. Nota 09: CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006. p. 26. Nota 10: HORTA, Maria de Lourdes P; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Museu Imperial, 1999. p. 8 REFERÊNCIAS CHOAY, Françoise. A Alegoria do Patrimônio. 3 ed. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006. HORTA, Maria de Lourdes P; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia Básico de Educação Patrimonial. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e Museu Imperial, 1999. NONNENMACHER, Marilange. Vida e morte Miramar: memórias urbanas nos espaços soterrados da cidade. [tese de doutorado]. Universidade Federal de Santa Catarina, 2007. PANARIELLO, Ana Luiza M. Do Miramar ao Monumento: a reconstrução do “velho trapiche”. Revista Santa Catarina em História. Florianópolis - Brasil. v.1. n. 2. 2007. Disponível em: http://seer.cfh. ufsc.br/index.php/sceh/issue/view/26 PESAVENTO, Sandra Jatahy. A cidade maldita. In: SOUZA, Célia Ferraz de, PESAVENTO, Sandra Jatahy (Orgs.), Imagens Urbanas: os diversos olhares na formação do imaginário urbano. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1997.p.25-38. RICHTER, Fábio Andreas. Corpo e Alma de Florianópolis – O Patrimônio Cultural na ação do governo do município 1974 a 2008. [dissertação de mestrado]. Universidade do estado de Santa Catarina, 2009. Disponível em: http://www.tede. udesc.br/tde_arquivos/18/TDE-2009-0714T114125Z-630/Publico/fab.pdf VEIGA, Eliane Veras da. Florianópolis - Memória Urbana. 2 ed. rev. e ampli. Florianópolis: Fundação Franklin Cascaes, 2008. BPE – Jornal “Folha Nova” em 18/11/1926

Imagem Patrimonial

Portada Igreja São Francisco de Assis - São João Del Rei Foto: André Andrade

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