O conceito de revolução científica em Thomas S. Kuhn

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O conceito de revolução científica em Thomas S. Kuhn Lucas G. Barros1 De acordo com as ideias de Thomas S. Kuhn, apresentadas em uma de suas principais obras (A Estrutura das Revoluções Científicas), a comunidade científica é constituída por profissionais que, dentro de um paradigma2 vigente, utilizam métodos e realizam atividades permitidas por ele, que também confere os problemas a serem resolvidos e os métodos permitidos para resolução desses problemas. Haveria, neste caso, uma espécie de “tradição” científica, guiada pelo paradigma, que orienta a educação daqueles que pretendem seguir a carreira científica. Posteriormente, poderão surgir diversos problemas teóricos e/ou experimentais que, a princípio, seriam vistos como fracasso do cientista e não do paradigma. Porém, após uma sucessão de fracassos que ameacem o paradigma (anomalia), este entra em crise, ocorrendo posteriormente uma revolução científica. Ao ocorrer tal revolução, a tradição científica é modificada, e surge um novo paradigma. Significaria a mudança de um paradigma, um mundo diferente, no qual, uma nova ciência, mais desenvolvida do que aquela do “outro mundo”, é praticada pelos cientistas? Para Thomas Kuhn, este segundo caso seria equivalente a transportar a comunidade de cientistas “para um novo planeta, onde objetos familiares são vistos sob uma luz diferente e a eles se apregam objetos desconhecidos” (KUHN, 2009, p. 147). Portanto, embora a ascensão do novo paradigma seja precedida por uma revolução, isso não significa que o mundo o qual os cientistas percebem seja outro, nem que haja unicamente a mudança de interpretação das observações. Na realidade, uma revolução científica é um evento que desencadeia mudanças profundas na visão de mundo dos cientistas, de modo que o novo paradigma não possui qualquer relação com o anterior (tornando-se, portanto, incomensurável). Cada paradigma verá o mundo como sendo composto de diferentes tipos de coisas. O paradigma aristotélico via o universo dividido em dois reinos, a região sobrelunar, incorruptível e imutável, e a região terrestre, corruptível e mutável. Paradigmas posteriores viram o universo todo como sendo composto dos mesmos tipos de substâncias materiais 1 Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Faculdade de Ciências; Programa de PósGraduação em Educação para a Ciência. [email protected]. 2 O paradigma é formado por elementos teóricos, leis e técnicas que são adotados por uma comunidade científica específica (CHALMERS, 1993, p. 125). Ou, ainda, “um conjunto de valores e técnicas compartilhadas pelos cientistas. (…) [seriam] as próprias teorias que regem todos os valores, técnicas, crenças e soluções de quebra-cabeças” (SILVA, 2010, p. 62).

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(CHALMERS, 1993, p. 131).

Para ilustrar a profundidade dessa mudança e a incomensurabilidade dos paradigmas, Kuhn cita como exemplo a mudança na percepção da forma (Gestalt), em que “o que eram patos no mundo do cientista antes da revolução posteriormente são coelhos” (idem, p. 148). Portanto, não haveria qualquer forma de comunicação entre o paradigma atual e o paradigma até então vigente. Ambos, simplesmente, são impermeáveis entre si. Esse conceito de incomensurabilidade, entretanto, suscitou algumas críticas a Kuhn. Se não há diálogo entre a teoria A e sua sucessora, a teoria B, não há parâmetros para mensurar os motivos da escolha de B em detrimento de A, pois não seria possível estabelecer comparações críticas. Isto é, a incomensurabilidade implicaria em irracionalidade de escolhas de teorias. Como consequência, o desenvolvimento científico seria um empreendimento irracional. Além disso, se não há parâmetros de comparação, duas teorias opostas poderiam estar corretas. As teorias não refletiriam a verdade absoluta da natureza e seriam, portanto, relativas a questões subjetivas, políticas ou religiosas, por exemplo. Assim, outra crítica endereçada ao conceito de incomensurabilidade de Kuhn foi o relativismo. (SILVA, 2010, p. 64).

Além de provocar uma mudança na visão de mundo do cientista, modificando, desta forma, a visão do que era observado em um determinado momento, uma revolução científica, proporciona novas oportunidades para se observar aspectos até então despercebidos no interior do então paradigma, tendo o potencial de anunciar novas descobertas que serão realizadas posteriormente e instruir os profissionais na identificação de novos elementos que conduzirão a essas descobertas. Após a assimilação do paradigma de Franklin, o eletricista que olhava uma garrafa de Leyden via algo diferente do que via anteriormente. O instrumento tornara-se um condensador, para o qual nem a forma nem o vidro da garrafa eram indispensáveis. Em lugar disso, as duas capas condutoras (…) tornaram-se proeminentes. (…) Simultaneamente, outros efeitos indutivos receberam novas descrições, enquanto outros mais foram observados pela primeira vez (KUHN, 2009, p. 154). Para Silva (2010, p. 57 – 58), a expressão que melhor exemplificaria essas transformações seria “revoluções científicas”. Isso porque, tais revoluções são marcadas por fatores internos e externos à ciência3. Portanto,“[As revoluções] seriam o momento em que os membros de uma profissão não podem mais esquivar-se das anomalias que subvertem a

3 Essa caracterização tem como ponto de partida as abordagens internalista (aspectos metodológicos, empíricos e conceituais que orientam a prática científica) e externalista (desenvolvimento da ciência parametrizado por fatores econômicos, políticos, culturais, religiosos, etc.) da ciência. Em sua obra A Estrutura das Revoluções Científicas, Kuhn dá atenção, de maneira distinta, a fatores externos e internos ao desenvolvimento da ciência (SILVA, 2010).

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tradição existente na prática científica (SILVA, 2010, p. 59)”.

Referências CHALMERS, A. O que é ciência afinal? Trad. Raul Filker. Brasília: Editora Brasiliense, 1993. KUHN, T. A Estrutura das Revoluções Científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2009. SILVA, F. A. da. Historiografia da revolução científica: Alexandre Koyré, Thomas Kuhn e Steven Shapin. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: UFMG, 2010.

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