O Conceito Teodramático de Batismo

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FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DE SÃO PAULO

O CONCEITO TEODRAMÁTICO DE BATISMO

Daniel Romagnoli Gonçalves

SÃO PAULO 2015

Daniel Romagnoli Gonçalves

O CONCEITO TEODRAMÁTICO DE BATISMO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito final no curso de Bacharel em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo.

Orientador: Prof. Dr. Jonas Madureira

SÃO PAULO 2015

Gonçalves, Daniel Romagnoli O conceito teodramático de batismo. / Daniel Romagnoli Gonçalves. – São Paulo : Faculdade Teológica Batista, 2015 44 p. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Bacharelado em Teologia – Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Orientador: Jonas Madureira

FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DE SÃO PAULO

Daniel Romagnoli Gonçalves

O CONCEITO TEODRAMÁTICO DE BATISMO

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Jonas Madureira – Orientador

Prof. Dr. Jonas Machado - Leitor

São Paulo 2015

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela inspiração diária por meio da sua presença real. Pelas forças que Ele derramou para trilhar esse caminho proposto diante de mim, que há alguns anos era inconcebível. Pelo seu amor manifesto na pessoa de Cristo, o qual não sou merecedor. Pela oportunidade de ser discípulo de Cristo e de dar continuidade ao seu ministério.

À minha família, por toda trajetória até aqui, e por tudo que há de vir. Vocês têm fortalecido a minha fé, não permitindo que eu desista, e mesmo em momentos da minha ausência me expressaram amor. Sou grato também pelas horas acompanhando a realização desse trabalho, me auxiliando e orando por mim.

Ao professor Jonas Madureira, meu orientador, que me inspirou a ser um pastor-teólogo, demonstrando em cada aula, paixão por Deus e pela Sua palavra. Sou grato pois tem me desafiado a me aprofundar mais em conhecimento, buscando excelência em tudo, a fim de que a próxima geração possa ser alcançada. Agradeço por toda disponibilidade e preocupação pelo meu futuro.

Aos meus amigos, os de perto e os que estão longe. Grato pelos amigos companheiros de sala de aula que se tornaram próximos como irmãos. Esse trabalho também é de vocês.

A minha igreja. A minha comunidade a qual vivemos nossa fé diariamente juntos. Pelas orações, pelo investimento, pelo apoio, pela preocupação e disponibilidade de me amar nos momentos mais fracos dessa trajetória.

Por fim, sou grato a Deus pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo, minha alma mater. Grato por toda direção acadêmica, pelo acompanhamento, e preocupação por meu futuro.

O chamado e a entrada no discipulado correspondem, nos escritos paulinos, ao Batismo. Batismo não é oferta do ser humano, mas oferta de Jesus Cristo. Dietrich Bonhoeffer

E sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos. Tiago 1:22

RESUMO O que seria mais adequado: conceituar o termo “batismo” a partir do viés sacramental ou a partir do viés memorial (ordenança)? É o batismo um mero conceito dogmático? Ou seria o batismo a mera expressão de um ato de fé? Como conceber o batismo como dogma numa sociedade antidogmática? O propósito deste trabalho é responder essas perguntas e oferecer uma reflexão sobre o batismo, no seu contexto eclesiástico, como uma expressão viva da teologia bíblica. Entende-se que o batismo é uma resposta ao mandamento divino e, segundo Kevin J. Vanhoozer, é uma “ação comunicativa” entre o homem e Deus. Tomando como referência os trabalhos de Vanhoozer, e, sobretudo, Hans Urs von Balthasar, explicaremos os termos “sacramento”, “ordenança” e “dogma”. Além disso, apresentaremos a teoria teodramática, bem como explicitaremos como o batismo se enquadra dentro da hermenêutica teodramática.

A finalidade deste trabalho não é esgotar todas as

nuances do conceito teodramático de “batismo”, mas, sim, apresentar uma pesquisa introdutória do conceito de batismo na teodramatica, bem como as suas dificuldades. Palvras-chaves: Dogma, Batismo, Hermenêutica, Teodrama.

ABSTRACT Which would be more adequate: to comprehend the concept of “baptism” through a sacramental bias or through a memorial (ordenance) bias? Could batism be a dogmatic concept or a mere expression of an act of faith? How can we understand baptism as dogmatic in a antidogmatic society? This paper seeks to answer these questions and to iniciate a theological reflection about baptism as a living expression of biblical theology in an ecclesiastical context. The presupposition is that the baptismal act is a response to a divine comandament.

According

to

Kevin

J.

Vanhoozer,

it

is

a

“communicative action” between man and God. It is necessary to first define and explain the terms “sacrament,” “ordenance,” and “dogma” to consequently understand baptism in the theodramatic framework using the works of Hans Urs von Balthasar and Vanhoozer. The purpose of this paper is to present the theodramatic model and to frame baptism as a theodramatic hermeneutic, also presenting the implications and problems with the current model. This paper is introductory and will not exaustivly work baptism in the theodrama, but as a concept to be further researched and developed. Keywords: Dogma, Batism, Hermeneutics, Theodrama.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 9 1 O BATISMO E A CRISE DO DOGMA .................................................................................... 10 1.1

IGREJA E SOCIEDADE............................................................................................... 10

1.2 DEFINIÇÃO E SIGNIFICADO DE BATISMO................................................................. 13 1.3

SACRAMENTOS, ORDENANÇAS E DOGMAS....................................................... 17

2 O CONCEITO TEODRAMÁTICO DE BATISMO .................................................................. 19 2.1 O TEODRAMA DE VON BALTHASAR .......................................................................... 19 2.2 DOUTRINA NO TEODRAMA .......................................................................................... 22 2.3 O CONCEITO DE BATISMO COMO PERFORMANCE ................................................. 29 3 CRÍTICA DO CONCEITO TEODRAMÁTICO DE BATISMO .............................................. 33 3.1 O VALOR HERMENÊUTICO DO TEODRAMA ............................................................. 33 3.2 PROBLEMAS DO MODELO TEODRAMÁTICO............................................................ 36 3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O BATISMO TEODRAMÁTICO ......................... 39 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICO ............................................................................................. 42

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INTRODUÇÃO O presente trabalho visa apresentar o teodrama como relevante para igreja em sua relação com o mundo, e não somente para o desenvolvimento e a reflexão teológica. O trabalho tem como pressuposto dois aspectos: (1) o estado de insuficiência doutrinária no qual se encontra a igreja cristã hoje; (2) tal situação pode ser revertida se uma nova ferramenta for utilizada. Será apresentado o contexto da igreja na sociedade, abordando o problema do enfraquecimento doutrinário presente. Com isso, será demonstrado o valor do batismo neste modelo, especialmente no processo do discipulado. Demonstraremos como o modelo teodramático é uma forma de interpretação bíblica que resulta na prática bíblica, assim como uma possível ferramenta na solução da situação atual da igreja. A metodologia utilizada é a bibliográfica. As fontes principais como referenciais teóricas usadas foram as obras de Hans Urs von Balthasar, Kevin J. Vanhoozer, e outros autores que trabalham com os conceitos teodramáticos e a “teologia teatral”.

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1 O BATISMO E A CRISE DO DOGMA O presente capítulo visa compreender a crise dogmática e doutrinária na igreja. Trataremos sobre o contexto social e cultural que a igreja se encontra, assim como as influências do pluralismo e relativismo da pós-modernidade. Apresentaremos o significado do batismo na interpretação das igrejas: Católica Romana, Luterana, Anglicana, e Evangélicas/Congregacionalistas. Com isso, abordaremos as tensões entre os significados e a definição dos termos “sacramento”, “ordenança” e “dogma”.

1.1 IGREJA E SOCIEDADE A igreja existe dentro de um contexto social e cultural. Isso significa que para compreender a situação atual da igreja, bem como a maneira pela qual ela interpreta os dogmas, é necessário entender, em linhas gerais, como a sociedade contemporânea influencia a igreja em seu desenvolvimento doutrinário. Com o auge da pós-modernidade, o início e fim abrupto das “igrejas emergentes” e o começo da modernidade “imediata”, “líquida”, “leve” e “fluida”1, o reducionismo, que é característico da nossa sociedade, influenciou as nossas igrejas, afetando a forma como fazemos igreja, como interpretamos a Bíblia e o ensino das doutrinas cristãs. Esse reducionismo faz parte do estereótipo da nossa sociedade: Além do mais, tanto o modernismo quanto o pós-modernismo são demasiadamente estereotipados em muitos dos debates populares; reducionismo é o nome do jogo. Ao demonstrar traços comuns de desenvolvimento, evitam-se os piores reducionismos.2

É necessário compreender a pós-modernidade ou hipermodernidade sempre em relação à modernidade. No âmago da modernidade, encontramos o termo "pluralismo", usado de maneira leviana. Seria impossível pensar em modernidade sem pensar no pluralismo. D. A. Carson divide

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BAUMAN, 2001. CARSON, 2010, pág. 30.

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o termo em três noções: pluralismo empírico, pluralismo incentivado e pluralismo filosófico (ou hermenêutico). O pluralismo empírico trata da diversidade existente da nossa sociedade. A composição social de cidades globais ou megacidades é de uma rica multiplicidade de etnias e consequentemente de culturas diferentes. O pluralismo incentivado é o incentivo à diversidade que encontramos no pluralismo empírico, e compreende que uma diversidade de raças e etnias são benéficas para a sociedade. Um exemplo é a riqueza artística, como fruto de misturas culturais por causa de uma diversidade de raças. Ou seja, o pluralismo incentivado é a compreensão de que o pluralismo empírico é benéfico tanto para o homem quanto para a sociedade e, por isso, deve ser incentivado. O pluralismo filosófico pode ser compreendido como uma consequência da diversidade social. Como a sociedade é composta por raças diferentes, etnias diferentes, com crenças diferentes e culturas diferentes, cada comunidade tem seu conjunto de valores e verdades. Sendo assim, uma comunidade pode manter algo como “verdade” e outra comunidade pode negar essa verdade. Cada comunidade ou pessoa que compõe a sociedade tem sua própria interpretação da realidade. Dessa forma, cada comunidade constrói seu próprio arcabouço de axiomas. Essa forma de interpretação é chamada de hermenêutica radical. Consequentemente não há mais verdades absolutas mas, pelo contrário, as verdades são relativas. Se na modernidade seria possível interpretar, resolver, e criar verdades com o esforço da reflexão, a hermenêutica radical reconhece a subjetividade da interpretação e que as verdades construídas são influenciadas pela cultura e a subcultura da comunidade ou grupo que o indivíduo pertence.3 Os evangélicos do século XX conseguiram dialogar com a modernidade, buscando apresentar o evangelho de uma forma que comprova a existência de Deus, a confiabilidade da Bíblia e a historicidade da ressureição, por meio de argumentos lógicos e racionais. Contudo, a transição para a pós-modernidade tem a característica da ruptura e rejeição da modernidade, e, por isso, os argumentos construídos com base em uma lógica moderna já não são mais suficientes. Novos diálogos precisam ser feitos para que se comunique com uma nova geração. Com o ceticismo da pós-modernidade, perdemos um centro unificador. Por outro lado, na cosmovisão cristã, afirmamos que há uma princípio central, que segue o padrão de uma metanarrativa, a saber, a “história da redenção”. No centro dessa história, encontramos a “ação comunicativa”4 de Deus, principalmente em Jesus de Nazaré. Baseamos toda a interpretação das realidades e verdades

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CARSON, 1996, págs. 19-21. No segundo capítulo, consideraremos com mais profundidade o conceito de “ação comunicativa”.

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construídas à luz desse centro unificador. Os pós-modernos somente podem julgar as interpretações com base em padrões pragmáticos, dificultando o diálogo entre pós-modernos e a cosmovisão cristã.5 Não há mais verdades absolutas ou uma realidade unificada. Existem interpretações diferentes e conflitantes. As verdades concretas passaram a ser revisitadas e reinterpretadas na ótica da hermenêutica radical, resultando em reducionismo e desconstrucionismo. A deteriorização da “rigidez” dos absolutos é chamada, por Zygmunt Bauman, de “liquidez”. Bauman, um sociólogo e filósofo contemporâneo, descreve essa deteriorização em seu livro Amor Líquido da seguinte maneira: “diga-me quais são os seus valores e eu lhes direi qual é a sua identidade.”6 Esse comentário de Bauman pinta um quadro sobre a sociedade atual, e para compreender a sociedade, devemos compreender o homem. O homem sofre por aquilo que é chamado de deterioração moral (que, para Bauman, é "liquidez moral"), em que o grande culpado é a Mídia que incentiva a dissolução dos valores culturais. Dessa forma, o homem não é o formador da cultura social mas passa ser consumidor pacífico de uma imposição cultural. Cria-se um ambiente nocivo para o pluralismo e consequentemente o relativismo, um estado de coisas cujo homem sofre de uma "indiferença social".7 Como vimos acima, os “pensamentos lineares” da modernidade são incompatíveis com o espírito de época, pois são moldados pela cultura pós-moderna não linear, pelas emoções do homem pós-moderno, pela estética e o belo pós-modernos.8 Outro dado interessante é o de que uma das marcas do mundo moderno é o individualismo, que celebra a autonomia humana, seus direitos e a lógica do desperdício. Nesse ponto, há um enfoque do “indivíduo-no-interior-dacomunidade”. O processo do conhecimento é desenvolvido dentro de uma comunidade em que a verdade aproxima os indivíduos por meio de uma estrutura cognitiva. Portanto, a estrutura que forma a comunidade é essencial para o desenvolvimento do saber e da identidade pessoal.9 Essas formas têm influenciado a igreja e suas doutrinas. Exatamente nesse contexto surge a necessidade de repensar o valor do dogma. Levando em consideração a nossa pesquisa, o que interessa é

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GRENZ, 1997, págs. 235-240. BAUMAN, 2006, pág. 125. 7 BITTENCOURT, 2009. 8 CARSON, 2010, pág. 31. 9 GRENZ, 1997, págs. 243-244. 6

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repensar o valor do batismo como dogma. Nas palavras de Leonard Sweet: “[O batismo] é o único caminho para o pós-individualismo, e a eucaristia, o único caminho para o pós-consumismo”.10 Encontramos, portanto, no batismo, uma atuação meta-cultural em que há um rompimento dos moldes sociais levando aqueles que são batizados a se elevarem para fora do individualismo e passam a pertencerem à comunidade, ou seja, um ao outro. Afirmar que o batismo é apenas uma forma de atuação na contracultura seria mero reducionismo. Portanto, será necessário entender o significado do batismo e como ele é compreendido na experiência religiosa.

1.2 DEFINIÇÃO E SIGNIFICADO DE BATISMO O vocábulo “batismo” é transliterado do grego βάπτισµα que significa imersão, mergulho, abulção, iniciação religiosa e sacramento.11 É a primeira palavra que aparece na língua portuguesa com a terminação –ismo.12 O batismo é definido como um rito que usa água como um símbolo de purificação religiosa. Um rito apresentado no Novo Testamento, praticado por João Batista, que se tornou uma prática cristã após o dia de Pentecostes como uma forma de iniciação para a comunidade Cristã.13 Para compreender melhor a definição do batismo e o significado, veremos quais as interpretações dentro dos principais segmentos do cristianismo. Limitaremos o estudo às igrejas: Católica Romana, Luterana, Anglicana, e Evangélicas/Congregacionalistas, em especial, na Igreja Batista. A Igreja Católica Romana considera o batismo como o sacramento de regeneração e um rito de iniciação à igreja. Nos sacramentos, se vê um sinal externo de uma graça interna. Na teologia católica ela remite a culpa dos pecados atuados no passado, porém não remove a concupiscência. Ele livra da condenação eterna, e regenera pela graça santificadora. Aquele que não é batizado, de acordo com a Igreja, é condenado. O modo de prática do batismo (aspersão ou imersão) não é assunto primordial para a teologia católica, apesar do modo ser por aspersão.14 Agostinho de

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SWEET, 2003, pág. 82-83. HOLANDA, 1986, pág. 241. 12 VIARO apud GIANASTACIO, 2014, pág. 220. 13 BUTTRICK, 1990, pág. 348. 14 IGREJA CATÓLICA, 2012. 11

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Hipona compreendia que no batismo havia perdão de pecados, nos une em Cristo, e nos dá vida eterna.15 A posição de Lutero, e consequentemente da igreja Luterana, é que o batismo é sacramental. Há pontos em comuns entre a visão luterana e a católica. Para Lutero, no batismo há perdão de pecados, segurança de livramento da morte e do diabo, e garantia de salvação para aqueles que crêem. Os sacramentos, batismo e ceia do Senhor, são meios da graça. Em oposição à posição católica de ex opere operato, a fé nos sacramentos é que justifica. Lutero argumenta que a maneira batismal deve ser por meio da imersão pois representa melhor o termo grego e a simbolização da morte da antiga vida para ressurreição na nova vida em Cristo.16 Os presbiterianos entendem que os sacramentos são selos e sinais do pacto da graça. Há dois pactos: pacto das obras e a da graça. No pacto da graça Deus oferece vida e salvação livremente por meio de Jesus Cristo.17 A dispensação do pacto é encontrado na pregação e na administração dos sacramentos.18 No livro Integrative Theology, vemos o significado dentro da visão teológica presbiteriana. A maioria dos teólogos presbiterianos entende que o batismo representa uma regeneração promissória, um sinal de um novo nascimento futuro. Veremos o significado do batismo sob o pacto da graça. Nas palavras de Lewis: “Sob o pacto da graça o batismo significa perdão de pecados (Atos 2:38), regeneração (Tito 3:5), e a incorporação em Cristo.”19 A visão presbiteriana entende que o batismo também cumpre o rito da circuncisão do Antigo Testamento. Calvino encontrava no batismo um ponto em comum entre a circuncisão do Antigo Testamento e o ato batismal no Novo Testamento. Ambos representam a iniciação para a comunidade e mediam a graça salvadora.20 A Igreja da Inglaterra, ou seja, a Igreja Anglicana, é dividida em três ramos: os anglocatólicos, anglicanos da Baixa Igreja e os anglicanos da Igreja Ampla. Para todos, os sacramentos do batismo e da ceia foram ordenados por Cristo. Eles fazem parte do Sacramentos do Evangelho, o artigo XXV dos Trinta e Nove Artigos da Igreja Anglicana. Os anglo-católicos compreendem que o batismo comunica a graça salvadora, ou seja, regeneração batismal. Os anglicanos da Baixa Igreja 15

AGOSTINHO, 2013, pág. 379. STUMP, 1907, pág. 222-226. 17 MEISTER, 1998. 18 Ibid., pág. 10, 1999. 19 LEWIS, 2010. Pág 1265. 20 Ibid. 16

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entendem o batismo dentro da visão de pacto ou aliança. O batismo, em todas as visões, é sinal de novo nascimento, e um selo de adoção e remissão de pecados. Também é compreendido como um rito de iniciação para a comunidade da igreja.21 A maioria das igrejas que adotam o modelo congregacionalista, em especial os Batistas, ao se referir ao batismo e à Ceia do Senhor prefere o uso do termo “ordenança”. Foram ordenados por Cristo e demonstram uma nova identidade em Cristo na sua morte e ressurreição. A compreensão teológica é de que no batismo e na ceia não há mediação da graça ou poder espiritual. É uma profissão de fé daquele que crê. Entretanto, o batismo infantil não é aceito como doutrina que compreende um relacionamento entre a circuncisão do Antigo e a graça Novo Testamento. Como o batismo representa a morte e ressureição de Cristo, a prática adotada é a da imersão.22 A. H. Strong conceitua batismo por ordenança (ordem dada por Cristo) que é um sinal externo de uma regeneração interna por meio de Cristo Jesus. O batismo cristão é a imersão do crente na água como sinal de sua anterior entrada para a comunhão da morte e ressureição de Cristo, ou, em outras palavras, em 23 sinal de sua regeneração através de sua união em Cristo.

Ele compreende à luz de 1 Coríntios 11:26 que tanto o batismo quanto à Ceia do Senhor são memoriais.24 Está implícito no ato batismal que houve confissão dos pecados e humildade diante da confissão. É uma declaração da morte substitutiva de Cristo por causa dos pecados daquele que crê e do reconhecimento da participação de uma nova vida em Cristo, vivendo para ele e nele. Em contraposição a outros posicionamentos, para Strong não há purificação dos pecados pois representa uma purificação por meio da morte de Cristo e a “entrada da alma em comunhão com a morte dele” e não no batismo em si.25 O batismo, segundo Strong, não confere graça. Portanto, a imersão é a maneira pela qual se deve batizar. Somente no batismo por meio da imersão é simbolizada a regeneração espiritual (da morte para a vida espiritual), que também representa a mudança do estado da alma passando a ter comunhão na morte e ressureição de Cristo. Somente aquele que apresenta uma mudança espiritual anterior pode ser batizado. É um ato que representa

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Ibid. págs. 1268-1270. LEWIS, 2010, págs. 1270-1274. 23 STRONG, 2003, pág 697. 24 Ibid., pág. 700. 25 Ibid., pág. 715. 22

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uma mudança espiritual que já foi operada e não pela fé do administrador.26 Qualquer substituição que altera a referência simbólica é “destruição” da ordenança.27 Wayne Grudem define batismo por imersão como prática normativa: A palavra grega baptizo significa “mergulhar, afundar, imergir, algo na água. Isso é normalmente reconhecido, sendo esse o significado padrão do termo na literatura grega 28 antiga tanto na Bíblia como fora dela.

Além desta definição, Grudem compreende que a prática do batismo está diretamente ligada à simbologia. O batismo representa uma dramatização da união com Cristo em três atos: morte, sepultamento e ressureição.29 Notamos que a definição do vocábulo remete à práxis e à uma representação dramática. Grudem usa os textos de Romanos 6:3-4, Colossenses 2:12 e Gálatas 3:25-27 para denotar a importância da dramatização na identidade em Cristo. Ao analisar Romanos 6:3-4, Robert Gundry encontra no batismo a união com Cristo ou uma dramatização de uma união. Porém é notável que o elemento da dramatização é favorecido acima do significado: “Pelo batismo” pode significar que o batismo é o meio de tal união com Cristo ou a dramatização da união com ele. Porém Paulo não está afirmando que os cristãos já foram ressuscitados com Cristo no batismo, apesar de já terem sido sepultados com ele pelo 30 batismo na morte. Isso favorece a dramatização como algo acima do significado.

Percebe-se, então, que há tensões entre o batismo concebido como ordenança e concebido como sacramento. Essas tensões existem porque a reflexão teológica e a formulação doutrinária devem ser compreendidas à luz da história do Cristianismo. Assim a definição, significado, importância e prática do batismo sofre desenvolviemnto histórico. Consequentemente, será necessário distinguir e compreender sacramento, ordenança e dogma.

26

Ibid., pág. 722. Ibid., pág. 716. 28 GRUDEM, 2012, pág. 815. 29 Ibid. 30 GUNDRY, 2011, L. 1110 – 1134. Livro digital. 27

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1.3 SACRAMENTOS, ORDENANÇAS E DOGMAS O termo “sacramento” é derivado do latim sacramentum. Na Vulgata, utiliza-se o termo µυστήριον. No Novo Testamento o mysterion representa algo que não foi revelado no Antigo Testamento. Na igreja primitiva, o termo mudou de significado. Passou-se a ser vinculado à ideia de santidade. Tertuliano utiliza o termo em referencia à obra da Criação e as obras de Cristo. Nos primeiros séculos do Cristianismo o sinal da cruz, o sal usado em catacumbas, a ordenação de padres, exorcismo, celebração do “sabbath” e o casamento eram considerados “sacramentos”. Com o Concílio de Florencia, em 1439, estes sete sacramentos tornaram-se oficiais; a saber, o crisma, penitência, unção dos enfermos, ordem, casamento, eucaristia, e o batismo.31 O batismo e a eucaristia são considerados pelos católicos, luteranos e até calvinistas como um senso sacramental de comunhão.32 De acordo com Richard Sturz, o uso do termo ordenança iniciou-se com a Reforma Radical: O catolicismo medieval deu o nome de “sacramentos” a esses atos primários da fé cristã. As denominações que, como batistas, surgiram da Reforma Radical do século XVI, 33 referiam-se a eles como ordenanças. Há uma vasta diferença entre eles.

O sacramento implica em uma “graça que é comunicada quando esses atos são realizados, atos cuja própria execução traz a graça divina (ex opere operato)”34. Em sua Teologia Sistemática, Sturz, usa o termo ordenança na interpretação do batismo: Uma vez que a redenção é divina tanto em sua origem como em sua execução, o conceito de ordenança reduz esses atos ao nível de “sinais” daquilo que Deus fez; o de sacramento, por sua vez, os exalta à posição de portadores da “graça”. Ou Deus já justificou o crente, não deixando nada que possa ser acrescentado pelo batismo ou pela comunhão, ou estes são instrumentos usados por Deus. O termo ordenança interpreta melhor o Novo 35 Testamento.

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BERKHOF, 1990, pág. 242-243. STURZ, 2012, pág. 635. 33 Ibid., pág. 636. 34 STURZ, 2012, pág. 636. 35 Ibid. 32

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Grudem complementa a visão sobre o termo: Pelo fato da Igreja Católica Romana chamar essas duas cerimônias “sacramentos” e de ensinar que esses sacramentos em si mesmos realmente concedem graça ao povo (sem exigir fé dos que deles participam) alguns protestantes (especialmente os batistas) recusaram-se a referir-se ao batismo e à ceia do Senhor como “sacramentos”. Eles preferiram em vez disso a palavra ordenança. Acredita-se que esse seria um termo 36 apropriado porque o batismo e a ceia do Senhor foram “ordenados” por Cristo.

Além dos termos sacramentos e ordenança ainda há o termo “dogma”, derivado do grego δοκεῖν, pode ser compreendido por algo que remete uma ortopraxia oriunda de uma tradição litúrgica. No período decadente da filosofia Grega, doxa se referia a opinião, ou seja, ipse dixit, do mestre de uma escola filosófica. Essa opinião passava a ser uma verdade autoritária. Fora do âmbito filosófico, também se refere à um decreto de autoridade civil. No Novo Testamento Grego, o termo dogma aparece 5 vezes. Nesse sentindo, essas ocorrências no Novo eram decretos de ordem moral e cerimonial. A partir do segundo século, o termo passa a ser relacionado a uma doutrina teológica. Na teologia Grega Ortodoxa, dogma e doutrina tinham o mesmo significado. Entretanto, dogma representa uma concepção antiga pela qual a teologia é o sistema autoritaria da ortodoxia, e a doutrina, sendo um conceito moderno, onde a teologia é considerada a exposição científica da Verdade.37 No entanto, o termo dogma é utilizado com uma variedade de significados, e muitas vezes como um sinônimo de “doutrina”. “Doutrina” é a direta expressão de uma verdade religiosa. Dogma no contexto religioso, é uma verdade elaborada por um grupo eclesiástico baseando-se na autoridade desse grupo. Não se referindo a um decreto, mas a uma proposição ou a um princípio.38 Dentro desse escopo, podemos considerar que o batismo pode ser chamado tanto de doutrina quanto dogma. Nota-se que quando o significado do termo é elaborado, o resultado é uma definição que também engloba a forma com a qual a igreja tem interpretado o ato batismal dentro da tradição da sua própria teologia. Como Grudem e Gundry apontaram, a dramatização faz parte da definição e significado do termo. No próximo capítulo, trataremos do entendimento do batismo como elemento constituinte do teodrama.

36

GRUDEM, 2012, pág. 814. The International Standard Bible Encyclopedia. Volume II, 1984, pág. 268. 38 BERKHOF, 1990, pág. 26.

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2 O CONCEITO TEODRAMÁTICO DE BATISMO Neste capítulo trabalharemos o batismo no teodrama. Apresentaremos, inicialmente, o teodrama de Hans Urs von Balthasar, compreendendo a progressão de seu pensamento à partir da teologia estética. Trabalharemos com a “doutrina” teodramática de acordo com Kevin J. Vanhoozer, e apresentaremos a expressão dramática do batismo como prática canônica (performance).

2.1 O TEODRAMA DE VON BALTHASAR O termo “teodrama” iniciou circulação no pensamento teológico com a publicação da obra de cinco volumes Theo-Drama: Theological Dramatic Theory de Hans Urs von Balthasar. Na sua obra anterior, The Glory of the Lord, von Balthasar trabalha com a teologia estética39. A progressão de seu pensamento o levou à dramática teológica (“teodrama”, ou “modelo teodramático”), o qual trabalha com a ação e agir de Deus em seu discurso auto-revelador, assim como a resposta humana.40 Na teologia estética, von Balthasar trabalha com o desenvolvimento do drama da revelação encontrado no Antigo e Novo Testamento. Em ambos, o divino se aproxima da humanidade, de acordo com sua própria vontade, de forma inesperada e paradoxal em relação a outras religiões e cosmovisões. Esse fenômeno, usado em termos de “glória”, se afasta da mera contemplação pois desafia o homem à ação comunicativa com o Deus vivo.41 O espanto (thaumázein) é “vivenciado em uma esfera de contemplação”42 o qual incita os questionamentos e perguntas últimas. Esse pathos pode resultar apenas em teorias e formulações de arcabouços. A teologia estética trabalha com a revelação divina, porém, se limita ao ato da percepção e contemplação. Portanto, a teologia trabalhando com esses termos estáticos deve iniciar-se com o evento-revelador e, por fim, produzir um resultado que não seja “morto”. As formas, imagens e

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A teologia estética de von Balthasar trabalha com a “percepção da verdade” (Wahrnehmung) que é a auto-revelação divina. 40 Seus argumentos são baseados nos eventos da Sexta-Feira Santa, Sábado Santo (ou, Sábado de Aleluia) e Domingo de Páscoa. 41 BALTHASAR, 1988, pág. 16. 42 MADUREIRA, 2008, pág. 15.

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símbolos encontrados na revelação, que a teologia estética apresenta para combater o racionalismo teológico, podem ser tentativas e meios para comunicar essa revelação, porém, são insuficientes para expressar e interpretar sua forma única.43 A revelação divina não deve ser reduzida somente a observação: ela nos atrai à arena dramática. A revelação de Deus "é a sua ação em e sobre o mundo, e o mundo somente pode responder; isto é, 'compreender' pela ação da sua parte"44. O teodrama, portanto, busca explorar o drama do Deus infinito e sua ação na história da redenção onde todo ser finito é encontrado. A revelação de Deus não provém de um conhecimento secreto alcançável por meio da contemplação e reflexão. Deus se auto-revela por meio da fala e sua ação no palco do mundo. Esse é o teodrama, o drama de Deus na sua ação comunicativa que interage com sua criação. A premissa é que toda a existência humana é dramática. Von Balthasar observa que a existência humana é “o drama da existência”. Vivemos o drama da existência diariamente nas tensões relacionais, catástrofes, reconciliações e as dinâmicas de viver individualmente e em sociedade. Essa vida contém início, meio e fim, e nela somos lançados no enredo (repleto de conflitos e tensões) e interpretamos papéis.

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A questão de liberdade é fundamental para o

teodrama. Todo drama é constrito à uma liberdade finita encontrada dentro de horizontes finitos. Encontramos nesses horizontes finitos os aspectos de limitações físicas de tempo-espaço, grupos e comunidades onde há a construção de estruturas cognitivas, e tudo que se limita à capacidade de percepção do mundo. Para von Balthasar, os horizontes finitos e a liberdade finita também são influenciados na interação social, onde as interpretações e iniciativas do indivíduo são moldadas quando entram em contato (ou choque) com as interpretações e iniciativas de outros indivíduos. Há um outro horizonte, de transcendência ou “absoluto”, que é apresentado de forma dicotômica. Este é o drama desvendado na revelação Cristã, que é o horizonte transcendente e de liberdade infinita. O horizonte transcendente ou “absoluto” existe como um meta-horizonte, o qual julga toda a ação transitória e liberdade finita. Esse horizonte estabelece um novo significado para todo significado relativo; estabelece uma nova forma de relacionamento em contraste com todo

43

BALTHASAR, op. cit. Id., 1988, pág. 15. 45 Ibid., pág. 17.

44

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relacionamento imperfeito, acidental e transitório, e oferece à humanidade missões em contraste aos papéis que interpretamos.46 Apesar das tensões entre os horizontes, há contato (ou choque) que é chamado de diálogo. Deus não é dependente do homem, porém sua soberania e “liberdade infinita acompanha o homem”47. Ou seja, a liberdade infinita do Deus triúno, que é um Deus pessoal e amoroso, envolve sua criação com a qual Ele busca relacionar-se. Esse diálogo não nega a liberdade da criação, porém contém e até mesmo amplia sua própria liberdade (uma resposta humana à iniciativa divina). A liberdade finita da criação é ampliada quando está disposta e disponível para receber a missão divina, a qual proporciona um novo significado ao horizonte finito: o horizonte escatológico. Se o horizonte finito é o contexto em que indivíduos buscam seu próprio significado último, o homem transcende sua própria finitude agindo de uma maneira que produz resultados eternos, especificamente quando responde positivamente à iniciativa divina.48 Deus não é o espectador, mas o mestre do drama; responsável por todo drama. Porém “não é o responsável quando o homem, em sua liberdade, age inapropriadamente” (resposta negativa à iniciativa divina).49 Há formas em que a humanidade busca seu próprio significado, identidade, transcendência e absolutismo enquanto responde “não” à iniciativa divina. As duas formas principais que von Balthasar apresenta são: 1. Uma fuga vertical de sua finitude ao Superhomem (Übermensch de Nietzsche). 2. Uma fuga horizontal de sua finitude à uma sociedade futura sem classes (Marxismo). O termo usado para isso é a “desencarnação”, que é a dissolução do homem concreto em busca de um conceito/ideia que este tem de si mesmo. A desencarnação é o paradoxo da existência humana e sua inquietação em relação ao infinito.50 Von Balthasar argumenta que o homem está constantemente buscando definir a si mesmo, em termos absolutos, apesar de ser relativo51. Isso somente é alcançado em Deus, e na aliança com Deus. Todo drama na história da redenção, 46

Ibid., pág. 344-369. Id., 1990, 282. 48 Ibid., pág. 194. 49 Ibid., pág. 195. 50 Id., 1994, pág. 145. 51 Ibid., pág 83. 47

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encontrado nas escrituras, é apresentado em formas de “alianças dialógicas” nas quais Deus (aquele que inicia todo diálogo – dia-logos) faz com sua criação.52 Esse diálogo envolve o homem neste drama divino, fazendo-o participante e não apenas espectador, e dando um novo significado a ele, revelando-lhe um novo horizonte que é escatológico. Há vários exemplos encontrados em toda narrativa bíblica; nas alianças do Antigo e em Cristo no Novo Testamento, sendo explícito em 2 Coríntios 5:14-15, onde "Um homem morreu por todos, logo todos morreram" e agora "não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou"53. Para von Balthasar a maior expressão desse arquétipo está na pessoa de Maria, que recebeu a missão de maior significado e estava apta e disposta a responder positivamente o chamado de Deus.

2.2 DOUTRINA NO TEODRAMA As obras de von Balthasar tem provocado teólogos a repensar a teologia dentro do modelo proposto. Kevin J. Vanhoozer é um desses teólogos, considerado por Alister McGrath “uma das vozes mais significativas na teologia”54, que trabalha com a doutrina cristã dentro do modelo teodramático. Seus livros The Doctrine of Drama e Faith Speaking Understanding interagem com os conceitos de von Balthasar (acima apresentados) e também com o livro The Nature of Doctrine, 1984, de George Lindbeck. O motivo pelo qual Vanhoozer busca lidar com a doutrina no modelo teodramático é justamente a preocupação da situação atual que a igreja encontra-se.55 Como apresentado na introdução desse trabalho, há um enfraquecimento doutrinário nas igrejas.56 Existe uma necessidade de clareza quanto ao momento da história em que vivemos. As ciências sociais e as ciências naturais disputam entre si, de forma desenfreada, qual tem maior influência na condição humana. Por fim, a localização do indivíduo no palco da história humana é simplesmente antropocêntrica.57 A geração passada analisaria que em suas igrejas havia uma deficiência bíblica;

52

Id., 1990, pág. 71-73 Id., 1988, pág. 15. 54 Contracapa de The Drama of Doctrine. 55 VANHOOZER, 2005, pág. 23. 56 Ibid., Xi; pág. 20. 57 Ibid., pág. 1-2. 53

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a presente, argumentaria a falta de doutrina. Vanhoozer apresenta essa análise de Wolfe. Na pósmodernidade “sentir é acreditar”, então, a necessidade de doutrina é irrelevante. Quanto à eclesiologia, há uma dificuldade em articular doutrinas distintas nas igrejas atuais, e “membros de mega-igrejas, se consideram pós-denominacionais”.58 Vanhoozer argumenta que a sã doutrina é fundamental para a vida da igreja, e é importante para o mundo.59 O problema está na compreensão do que seja a natureza da doutrina. Doutrina não se trata somente de conhecimento, informação ou de um sistema de pensamento passado de uma geração a outra. A tarefa da doutrina é “formar, informar e transformar discípulos em fazedores [doers], os quais, falam, agem e pensam como Cristo”. Essa compreensão serve como uma nova cosmovisão que auxilia os discípulos a fim de que enxerguem suas vidas envolvidas no drama da redenção. A igreja sem a presença da doutrina é confusa, e a doutrina sem igreja é vazia. A doutrina, portanto, é orientadora à vida em abundância, direcionando a práxis da vida finita à vida eterna em Cristo. Ela é existencial pois transforma a existência do indivíduo e o impele à comunhão com o Deus triúno.60 Nesse aspecto, Vanhoozer critica a abordagem cognitivo-proposicional de Lindbeck o qual propõe uma posição “pós-liberal”. O cognitivo-proposicional de Lindbeck “enfatiza os aspectos cognitivos da religião e acentua os meios pelas quais as doutrinas eclesiásticas funcionam como proposições informativas ou afirmações sobre realidades objetivas.”61 O problema da teologia proposicional é a de reducionismo, o qual reduz toda a revelação bíblica em “conteúdo da verdade”, ou seja, de caráter informativo. A teologia, portanto, é considerada o meio pelo qual processa toda essa informação, ou seja, scientia (Tomás de Aquino).62 A teologia proposicionalista entende “a Bíblia como revelação; a revelação como ensino; o ensino como proposições; e proposições como afirmações sucetivas à veracidade ou falácia.” Essa forma de interpretação não se limita aos Tomistas, mas também a Scolástica Protestante (final do séc. XVI, e séc. XVII), os “princetonianos”63 do séc. XIX, e os evangélicos conservadores do séc. XX (ex: Carl Henry). Em contraposição, Vanhoozer argumenta que a teologia cristã é científica pois busca compreender (e engajar) uma realidade objetiva que é a ação comunicativa de Deus. Conhecer a Deus é limitado à extensão que Ele permite ser conhecido, especificamente na encarnação e pelas Escrituras. 58

WOLFE, 74 apud VANHOOZER, 2005, pág. Xii. VANHOOZER, 2005, pág. 3. 60 Id., 2014, pág. 4-5. 61 LINDBECK, 2009, pág. 2. 62 VANHOOZER, 2005, pág. 268. 63 Os teológos da Universidade de Princeton, com grande influência de Charles Hodge. 59

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Portanto, doutrina é a scientia do discurso divino. A total realização da ação comunicativa de Deus é encontrada na pessoa de Jesus Cristo. Conhecer a Deus acontece quando “há uma busca pelo engajamento da realidade que nos confronta nas páginas das Escrituras; o ‘roteiro’ o qual as palavras e ações de Deus são articuladas por Deus.”64 Portanto, a teologia é compreendida como uma dramaturgia65 do teodrama, e o pastor e teólogo como dramaturgos66. O novo paradigma que Vanhoozer apresenta é um modelo estrutural de interpretação em que a doutrina é dramática. O evangelho é o teodrama da redenção, em que Jesus Cristo é a ação comunicativa de Deus. O núcleo de seu pensamento é de que a “doutrina precede de uma escritura autoritativa e que dá direção na forma em que indivíduos e a igreja possam participar adequadamente no drama da redenção.”67 A vida é o palco onde há a interação humana-divina. A teologia não se limita ao campo do saber, mas abrange essa interação humana-divina que é caracterizada no discurso e ação (atos de fala) de Deus no mundo, e o que nós devemos responder e fazer em resposta.68 Consequentemente a sã doutrina é indispensável pois é de sabedoria; é o “conhecimento vivido”, o desempenho do “caminho, verdade e a vida da igreja”, ou seja, a performance da verdade.69 O teodrama envolve a atuação das crenças, experiências e narrativas que refletem a revelação compreensiva de Deus encontrada em Cristo. Toda criação sofre com as tensões de horizontes que estão em conflito. De um lado está a existência humana consumida pela auto-realização, e de um outro lado a cidade de Deus onde o amor e a paz é sua economia. A doutrina cristã serve para direcionar a igreja a expressar-se e a agir de uma forma que corresponda com a cultura do Reino; um “étos escatológico que caracteriza o reino de Deus.”70 Há uma separação, na teologia, entre teoria e prática, assim como entre exegese e teologia. A teologia, dentro do modelo proposto, busca unir essas separações. Se a teologia preocupa-se principalmente com o processo de buscar, encontrar e demonstrar a compreensão da igreja sobre a ação comunicativa divina (o que Deus tem feito, está fazendo e fará em Cristo), a doutrina, por sua vez, orienta e direciona a igreja à execução (ação) dessa compreensão, passando a ser sabedoria

64

Ibid., pág. 248 Texto específico que representa uma ação. 66 Aquele que busca reconstruir e direcionar a ação representada no texto dramatúrgico, que foi escrito pelo roterista. 67 VANHOOZER, 2005, pág. 78. 68 Ibid., págs. 37-38. 69 Ibid., pág. 21. 70 Ibid., págs. 110-111. 65

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cristã. Não há disciplinas “práticas” na teologia, separadas das disciplinas consideradas “teóricas” pois a teologia é praticada e vivida na igreja. A vida cristã é a forma em que o discípulo de Cristo vive e é orientado pelo conteúdo doutrinal. 71 A grande ironia dos estudos bíblicos modernos, entretanto, é que as considerações doutrinárias tem sido excluídas de qualquer tipo de papel significante na tarefa exegética, portanto impedindo os exegétas de engajar-se totalmente com o assunto primordial do 72 texto bíblico: a palavra de Deus.

O drama da redenção contém cinco atos principais. Os dois primeiros atos são encontrados no Antigo Testamento, e os três últimos atos no Novo Testamento. O primeiro ato é da Criação, o “subir das cortinas” do palco, onde o rumo é tomado. O segundo ato é o da eleição, rejeição e restauração do povo de Deus. O terceiro ato é o do advento de Cristo e o cumprimento do evangelho. O quarto ato é o da ressureição de Cristo e a vinda do Espírito Santo, a fim de dar início à igreja. O quinto e ato final é o do escaton, onde a igreja se encontra entre “memória e esperança”.73 Nesse drama há cinco convicções vitais, que são resistentes e imutáveis a qualquer força externa (temporais, sociais ou culturais): (1) o significado último de Jesus de Nazaré, (2) a adoração ao Deus triúno, o mesmo Deus de Israel, (3) o papel e a importância das Escrituras, (4) o significado especial do pão, vinho e água (sacramentos), (5) a continuidade da igreja como povo de Deus. Com isso, a Bíblia não somente narra o drama, mas o retrata e nos envolve nos propósitos da comunicação Divina.74 Vanhoozer defende que a doutrina teodramática deve ser “evangélica” e “católica”. É evangélica pois a convicção primordial é a da atividade comunicativa divina do evangelho. Em Cristo e nas Escrituras vemos os atos de fala de Deus (discurso e ação da revelação), os quais nos envolvem e nos inserem no drama da redenção. O termo “católica” é usando no contexto de “todo o povo de Deus, espalhado por todo espaço, todas culturas, e todo o tempo”; ou seja, a igreja universal. Esses pontos são primordiais na construção de seu pensamento, especificamente ao lidar com a criatividade na igreja, e a interpretação e atuação das escrituras de uma forma que não seja reducionista.

71

Id., 2014, pág. 19-21. VANHOOZER, 2005, pág. 20. 73 Ibid., pág. 3. 74 Ibid., pág. 132. 72

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A Bíblia tem um papel central em todo o modelo teodramático. Esse papel é de “princípio canônico”. As escrituras são o script, ou roteiro, o qual não contém somente informações sobre os atos de revelação, mas uma ação iniciadora que impele uma resposta humana. Ela é o texto autoritativo quanto a revelação, a constituição da igreja, e a direção doutrinária para a participação no drama da redenção. As escrituras são a norma máxima para a doutrina cristã, e o limitador de toda tradição cristã.75 Por causa da natureza da Bíblia, ela é a autoridade máxima na igreja pois ela pertence somente a Deus, o autor. “O canon é o lócus da ação comunicativa de Deus – passado, presente e futuro – o meio divinamente aprovado em que Deus exerce sua autoridade em e sobre a igreja.”76 A Bíblia não é autoridade pela necessidade da existência de um critério autoritativo para a igreja, mas porque as Escrituras fazem parte da economia reveladora e redentiva de Deus. Entretanto não há atributos místicos e divinos nela. Por meio da leitura bíblica Cristo exerce seu senhorio na igreja. Por meio de Seus atos testemunhados nas páginas bíblicas, encontramo-nos com o Cristo ressurreto, resultando na vivência do evangelho no dia a dia.77 A interpretação bíblica é crucial, pois a forma hermenêutica e exegética podem paralisar a igreja e a vida cristã. A maneira como a igreja interpreta as escrituras influencia diretamente o papel dos membros, os quais devem encontrar-se na continuidade da história da redenção (entre “memória e esperança”). A tarefa da igreja, e principalmente do pastor, é a de transmitir para futuras gerações as ações divinas, e as práticas sacramentais e apostólicas que encontramos nas Escrituras.78 A intenção não é de biblicismo. A Bíblia deve dar direção, e não controle. Logo, o poder do canon como normativo não está vinculado à Igreja (poder e controle por tradição), mas poder da Verdade em sua essência. O princípio canônico dá rumo à “prática canônica”. A Bíblia governa toda prática canônica pois é a palavra de Deus (de autoria e não no sentindo proposicionalista). Isso é importante, pois há dois pólos onde o indivíduo se encontra: ativamente participando do drama divino, ou em sua próprio drama existencial.79 Jesus Cristo é o clímax do drama divino, a substância do testemunho das escrituras. Ele é a essência do canon e a hermenêutica: aquele que “interpreta o testemunho do Antigo Testamento, e comissiona o testemunho no Novo testamento”.80 A prática canônica é o 75

Ibid., págs. 6; 113; 239. Ibid., pág. 124. 77 Ibid. 78 Ibid., págs. 120-122. 79 Ibid., págs. 14-15; 22; 183. 80 Ibid., pág. 195. 76

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confronto das escrituras com o indivíduo, que resulta à fé e à obediência. O Espírito Santo, enviado por Cristo, inspira e direciona a atuação da igreja, à luz do princípio canônico, a fim de que ajam de acordo com a intenção divina, participando do horizonte escatológico. Essa iluminação traz a compreensão das Escrituras à atual geração, fazendo com que os atos comunicativos de Deus sejam eficazes. Nesse ponto o estudo hermenêutico, e consequentemente o exegético, não são minimizados, mas são ferramentas que o Espírito Santo usa para a sua interlocução ao dramaturgo. Entretanto é importante notar que o Espírito Santo não cria um novo texto ou uma nova revelação, porém ministra a ilocução existente no texto.81 Portanto, há seis critérios que facilitam a igreja a participar adequadamente no drama encontrado no cânon. Os critérios: pós-proposicional, pós-conservador, e pós-fundacional entendem a teologia como uma ciência onde é enaltecida a prática canônica, que visa limitar a compreensão proposicional da Bíblia.82 Os critérios: prosaico, fronético, e profético trabalham a teologia como uma fonte de sabedoria cristã (sapiencial) e lidam com as dinâmicas da igreja em relação ao momento histórico em que ela se encontra. Além da Bíblia, a tradição tem um papel no teodrama. A tradição é histórica: é a vida, linguagem, crenças e práticas da igreja que preserva a Palavra de Deus no tempo. Por outro lado, a Tradição é o trabalho da locução do Espírito que ministra os atos e palavras de Cristo através das gerações e culturas.83 Como visto até agora, uma das buscas do teodrama é a de viver a vida cristã de forma prática, fugindo de uma visão proposicional. Se a doutrina tem um papel fundamental na igreja, não como informativa, mas a compreensão a fim de direcionar a igreja, entendemos que a compreensão da fé não se limita a teoria, mas sim à teoria vivida na prática. O termo usado é performance. “O propósito das Escrituras, e assim como o da teologia, é o de levar o povo de Deus à uma ação comunicativa com o propósito de comunhão.”84 A ênfase é a de ser “cumpridor” da palavra e não somente ouvinte como visto em Tiago 1:22. A performance é, portanto, “a vida inclinada a atuar as Escrituras os quais afirmam as alianças e o clímax, a pessoa e obra de Jesus Cristo”.85 Isso acontece na igreja (o teatro do evangelho) onde

81

Ibid. pág. 67. Ibid. págs. 9; 219. 83 Ibid. págs. 155; 190-191; 207-209. 84 Ibid. pág. 35. 85 Ibid. pág. 361. 82

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a Palavra de Deus renderiza86 e salva, por meio do Poder do Espírito.87 Vanhoozer argumenta que a igreja sem a performance é vazia e destinada a falácias. A performance é importante pois é relevante à igreja, e especificamente aos indivíduos que a compõe, na maneira em que vivem e se expressam ao mundo. A doutrina serve a igreja desvendando a lógica canônica do teodrama e oferecendo uma direção dramatúrgica da maneira em que os Cristãos hoje possam continuar e participar 88 na ação evangélica em situações novas.

Participar no drama exige uma performance honesta e não hipócrita. A devida preocupação deve ser tomada nesse ponto. Como visto em Tiago, é necessário demonstrar a compreensão da fé, porém a performance não se refere ao ativismo ou a proficiência da vida em auto-retidão que leva ao orgulho e vanglória. Nesse sentindo os motivos pela performance são fundamentais. Performance é algo vinculado ao discipulado. A vida dá testemunho e clarifica as palavras e discurso. O discípulo atua sua fé externamente a fim de comunicar a compreensão da fé, a compreensão sobre Deus e o evangelho aos outros.89 Nas palavras de Jesus isso é aparente: “Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.”90 Portanto, o discípulo tem o desafio da prática canônica, não sendo como um “ouvinte esquecido” mas como um “executor da obra” (Tiago 1:25). A própria expectativa de Cristo é a de que o discípulo viva sua doutrina: “Portanto todo aquele que ouve estas minhas palavras e as pratica será semelhante ao homem prudente, que edificou a sua casa sobre a rocha.”91 Do mesmo modo, há um contraste entre o verdadeiro discípulo e o hipócrita o qual “ouve estas minhas palavras, mas não as cumpre”92; neste sentido sendo um insensato e tolo. A performance adequada é aquela que corresponde e cumpre as palavras de Cristo. Portanto, o discípulo de Cristo é obediente em sua performance. Bonhoeffer descreve corretamente que “só o

86

Traduz, representa e retribui em atos de generosidade Ibid. págs. 418-419. 88 Ibid. pág. 362. 89 VANHOOZER, 2014, pág. 18. 90 BÍBLIA, 2007, Mateus 5:16. 91 Ibid., Mateus 7:24. 92 Ibid., Mateus 7:26. 87

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crente é obediente, e só o obediente é que crê”.93 A performance não se limita ao individual, mas é comunitária. A identidade e o papel individual devem ser compreendidos no contexto da Igreja, que é o corpo corporativo de Cristo. A performance adequada acontece quando os indivíduos, que foram recriados em Cristo, “fazem parte do corpo maior ‘de Cristo’”94; ou seja, a identidade e a participação pessoal estão vinculadas ao papel individual na comunidade eclesiástica. Essa identidade e participação são compreendidas de acordo com os dons individuais, os quais encontramos no Novo Testamento, e especificamente com a divisão encontrada em Efésios 4:1116. Portanto, a Igreja é o “teatro do evangelho” onde a performance do drama é apresentada em todas as variedades culturais existentes no mundo.95

2.3 O CONCEITO DE BATISMO COMO PERFORMANCE No batismo, assim como na eucaristia e na palavra proclamada (kerygma), encontramos a performance.

Nos sacramentos, e na palavra proclamada, somos colocados na realidade

teodramática, onde relembramos (memorium) o enredo salvífico cuja a atenção é direcionada à Jesus Cristo. Os sacramentos não são apenas memoriais, mas são o envolvimento no script, revivendo cenas climáticas que trazem à memória a ação divina que Deus fez por meio de Cristo, como ato histórico.96 Eles são representações reais do evangelho de Cristo, expressões das ações divinas passadas, e as ações divinas futuras: [...] os sacramentos, pela fé, facilitam a participação teodramática na ação escatológica das ações do Filho e do Espírito. No batismo e na Ceia do Senhor, Cristo se apresenta aos crentes através das representações reais de eventos climáticos da história redentiva. Na performance das palavras bíblicas e as ações sacramentais, somos verdadeiramente 97 inseridos na ação teodramática atuado pelo Espírito.

Nisso, a identidade é reestabelecida. O horizonte finito passa a ser redefinido pela comissão dada por Cristo. Há uma atuação simbólica que envolve o indivíduo como um todo, corpo e alma, no

93

BONHOEFFER, 2011, pág. 25. VANHOOZER, 2005, pág. 400. 95 Ibid., pág. 401. 96 Ibid., pág 412. 97 Ibid. 94

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ato batismal. Essa atuação insere aquele que crê na história de Jesus, de forma pública. Portanto, o crente se identifica e segue Cristo publicamente, e não com paradigmas proposicionais. O ministério público de Jesus, encontrado nas escrituras, inicia-se com seu batismo. A princípio encontramos o “batismo de arrependimento” de João. As referências de arrependimento e perdão estão vinculadas a um juízo prestes a acontecer com o advento do Messias. O batismo de João no deserto não era um batismo de prosélitos (rito iniciatório), mas representava a insuficiência étnica do povo de Israel como a condição de estarem retos diante de Deus.98 Portanto, João pregava o arrependimento em relação à justiça e ao juízo que acompanham a vinda do Reino de Deus.99 Isto está explícito na afirmação que haveria de vir aquele que batizaria com “fogo” (evangelhos de Mateus e Lucas). Esse contexto de juízo está presente em todo o evangelho. Cristo relata dois aspectos desse juízo: um de batismo futuro (Lucas 12:50, uma alusão futura da sua crucificação), e um outro que virá a fim de “lançar fogo na terra” (Lucas 12:49, 51; Mateus 10:34, 36).100 O batismo pode ser compreendido como parte da tribulação escatológica, e como necessário à continuidade da história da redenção. Somente após seu batismo “o plano de Deus e o início da justiça de ‘fogo’ do Espírito podem dar continuidade” ao drama.101 Com a afirmação “pois assim nos convém cumprir toda a justiça” de Cristo (Mateus 3:15), apesar da tensão do puro não precisar de purificação, encontramos a necessidade dele ser batizado, um ato que passa a simbolizar o início da nossa representação diante de Deus, através dele. O descer do Espírito como pomba sugere a capacitação para cumprir a totalidade da tarefa messiânica aguardada e descrita no Antigo Testamento (profético, sacerdotal e de realeza). Ele é, portanto, a expressão do plano da promessa das antigas alianças. O batismo de João buscava preparar discípulos para a vinda do reino; em contraste, o batismo de Cristo transfere o discípulo “para o reino do Filho do seu amor” (Colossenses 1:13).102 Consequentemente, o batismo é o marco indivídual de que este passará a seguir o “caminho” de Cristo. Na performance do batismo há a expressão de que aquele que está sendo batizado segue Jesus na morte, morrendo para si mesmo

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VANHOOZER, 2014, pág. 141. SCHREINER, 2006, pág. 13. 100 Ibid., pág. 28. 101 Ibid. 102 VANHOOZER, 2014, pág. 141. 99

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(morte da antiga identidade criado por si mesmo, para si mesmo), e ressurge das águas em uma nova identidade em Cristo. Essa união é entendida dentro no contexto de Romanos 6:3-4: Ou não sabeis que todos quantos fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte, para que, como Cristo ressurgiu dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em 103 novidade de vida.

O batismo é em si um ato de fé e de comprometimento. É importante notar que a fé é possível sem o batismo, porém o batismo acompanha naturalmente e complementa a fé, principalmente no discipulado. Na encenação dramática, o batismo é uma forma de proclamação da verdade do clímax do teodrama. Também testifica a participação daquele que crê, como visto em Romanos 6:3-5, na morte e ressureição. É uma “imagem gráfica da verdade que representa”.104 Nessa encenação, o indivíduo passa a ser participante público da ação evangélica e do clímax da missão messiânica. Para Karl Barth, o batismo é a essência da representação da renovação do homem. Isso é realizado na participação, por meio do Espírito Santo, da morte e ressureição.105 Esse símbolo não é somente um sinal da participação de um ato histórico do passado, mas posiciona, no presente, o indivíduo na comissão de Cristo, e na expectativa de uma realização futura. A missão de Cristo é estendida em Mateus 28:18-20. O final de Mateus, chamado de “A Grande Comissão”, representa a essência do evangelho como um todo. Jesus é a autoridade escatológica de todas as nações (cumprimento de Daniel 7:14); a promessa da sua presença contínua é reafirmada na sua aliança com os discípulos; e Ele os comissiona a dar continuidade em sua missão.106 A comissão é baseada na autoridade dada a Cristo por Deus. Nessa autoridade Jesus comissiona a continuidade e sua missão de ir e fazer discípulos.107 O batismo está no centro do discipulado. No grego o termo “ir” (poreuthentes) está no aoristo do particípio, que modifica o imperativo “fazer discípulos,” reforçando a ação do verbo principal. Em suma, é necessário “ir” para fazer discípulos em todas as nações. A maneira que deve fazer discípulos é batizando (baptizontes) e ensinando (didaskontes).108 O batismo deve ser feito em nome do Pai, do Filho e o

103

BÍBLIA, 2007, Romanos 6:3-4. ERICKSON, 2013, pág. 1028. 105 BARTH, 1948 apud ERICKSON, 2013, pág. 1028. 106 SCHREINER, 2006, pág. 21, 22. 107 CARSON, 2011, pág. 687. 108 SCHREINER, 2006, pág. 23. 104

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Espírito Santo, que proporciona ao novo discípulo a inclusão na narrativa divina. Simbolicamente isso representa que por meio do arrependimento e a aceitação do chamado ao discipulado, o novo discípulo se torna parte do teodrama. Consequentemente, é recipiente da graça por meio da iniciativa salvífica de Deus em Cristo, parceiro na continuidade da missão de Cristo, e é ensinado à obedecer tudo que foi mandado (28:20a). Essa nova identidade em Cristo no batismo é acompanhada da instrução do ensino à obediência. Tudo que Ele ordenou deve ser ensinado “até o fim dos tempos”, e assim nunca haverá uma época em que esses ensinamentos serão considerados obsoletos ou inúteis. À medida em que tudo que foi ordenado é transmitido, novas gerações de testemunhos auriculares são formadas, assim produzindo uma sucessão de gerações que viverão a comissão dentro do teodrama.109 Em suma, há uma atuação dos sacramentos na história redentiva. Isto é, a participação da realidade teodramática, revivendo eventos históricos que direcionam o presente que acompanha a esperança de uma realização futura. Eles são representações reais da doutrina vivida na imitação de Jesus Cristo. Essas expressões proporcionam a participação na realidade teodramática e uma nova identidade em um horizonte escatológico. Esta mudança de identidade não é somente fundamentada dentro da teoria teodramática, mas é aparente em outras reflexões teológicas (como visto no Cap. 1). No batismo há a representação da morte para mundo e a ressureição para uma nova vida, em Cristo. Isso não é limitado ao individual, mas é proporcionado à comunidade cristã, assumindo a busca pública da identidade em Cristo (na sua morte, sepultamento e ressureição) e ao cumprimento da comissão. Por fim, está aparente a esperança escatológica: um batismo futuro de um dia estar vivo com Ele por toda eternidade.

109

CARSON, 2011, pág. 692.

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3 CRÍTICA DO CONCEITO TEODRAMÁTICO DE BATISMO Iniciaremos esse capítulo apresentando o valor do teodrama como ferramenta hermenêutica, comparado com outros modelos: “histórico-redentivo”; “narrativo-redentivo”; e “lógico-redentivo”. Abordaremos os problemas existentes na elaboração e desenvolvimento do teodrama e por fim as considerações finais do conceito teodramático de batismo.

3.1 O VALOR HERMENÊUTICO DO TEODRAMA O modelo teodramático busca lidar, inicialmente, com os problemas atuais do Cristianismo. Essa tarefa não é limitada somente ao ambiente acadêmico, mas principalmente à igreja. Como visto, há um desafio em seguir a Cristo (o discipulado) nesse momento da história, já que vivemos distantes dos momentos históricos registrados na Bíblia. Se João Batista preparou o caminho em Mateus 3:3, a tarefa existente hoje é a de dar continuidade a este caminho. Nessa continuidade é importante que toda expressão da compreensão da fé seja adequada a fim de que a Verdade seja comunicada. Assim apresentado no presente trabalho, o batismo é uma das formas mais dramáticas para a comunicação do evangelho e também para se dialogar com a pós-modernidade. Nele, não é somente revivido e dramatizado o evangelho, mas o individualismo é rompido. O indivíduo passa a pertencer a Deus (Romanos 14:7-8) e consequentemente a todos os outros que pertecem ao corpo. Cada membro do corpo é distinto do outro, com dons distintos, experiências distintas, e missões distintas, porém direcionados pelo Espírito na direção doutrinária. Nessa assimilação (no Corpo) e fragmentação (na identidade) há um rompimento com a modernidade e pós-modernidade.110 O valor do teodrama não é restritamente vinculado ao batismo e ceia do Senhor (apesar de serem exemplos claros do que é performance e prática canônica), mas no valor atribuído à mensagem que busca comunicar. É justamente nesta interlocução que encontramos o valor hermenêutico. Se a tarefa da fé não deve somente buscar compreensão, mas expressar conhecimento, tal expressão deve ser de interesse máxima da academia, do pastor teólogo, e da

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SWEET, 2011, pág. 81.

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igreja que é a companhia dos batizados. O modelo proposto busca trazer luz ao processo de interpretação bíblica como um meio de discipulado. Como Vanhoozer argumenta, é impossível “seguir o caminho sem seguir para onde as palavras direcionam”.111 Logo é necessário que haja um esforço multidisciplinar, de diferentes disciplinas da teologia, trabalhando juntas a fim de que se pense e que se viva biblicamente. Individualmente as disciplinas carecem da habilidade de expressar conhecimento e amor a Deus adequadamente. A teologia, neste modelo, deixa de existir na esfera da teoria e passa a ser prática. Consequentemente, a busca de “ser bíblico” representa a tarefa última de “construir a cidade de Deus em meio as ruínas da cidade dos Homens”.112 É a vivência de situações corriqueiras à luz do evangelho de Cristo, falando e vivendo a fim de ser aprovado diante de Deus, como um obreiro que maneja bem a palavra (2 Timóteo 2:15). Há vantagens nesse modelo comparado com os demais modelos: “histórico-redentivo”; “narrativo-redentivo”; e “lógico-redentivo”. O ponto em comum entre todos os modelos é de que reconhecem que na Bíblia há a história e enredo da redenção, porém cada um difere na forma de interpretar as escrituras e sua autoridade. O modelo histórico-redentivo, encontrado principalmente nas escritas de Geerhardus Vos, propõe que o conteúdo da revelação não seja transformado em um sistema dogmático, mas compreendido em termos históricos. A natureza da revelação bíblica é histórica, a qual se desenvolve organicamente. Portanto, os feitos de Deus (em palavras e ações) são históricos. A falha fundamental é de que não se trabalha na maneira em que a igreja possa ir além do texto. Nesse sentindo, há uma falha na compreensão e prática do batismo, que se limita somente à uma profissão de fé, e a um rito memorial de algo que aconteceu no passado. Outros elementos, como a tecnologia, a cultura e o intelectualismo não são levados em consideração quando se pensa na vida cristã e na expressão eclesiástica.113 O modelo narrativo-redentivo unifica a Bíblia debaixo de uma metanarrativa. A narrativa inicia-se com a criação, finalizando com a restauração, a recriação e a consumação. A falha desse modelo é o de que a igreja é apenas espectadora da narrativa. O modelo dramático compreende toda narrativa está debaixo de um uma ação unificadora na qual todos somos participantes pela fé. Não somente ouvimos, mas agimos e fazemos. No “narrativo-redentivo” há um distanciamento

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MEADORS, 2009, pág. 156. Ibid., pág. 157. 113 Ibid.

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histórico entre o presente e os feitos de Deus. Porém no drama há a ação dialógica, na qual o individual pode participar. Portanto, a narrativa da história se torna drama quando aquele que crê passa a ser participante dela, na salvação e no processo de discipulado (batismo) como visto em Mateus 28. 114 O modelo lógico-redentivo busca a lógica da redenção. A tarefa é a de extrair do texto princípios e axiomas. O fruto desta extração serve para a construção de proposições a fim de elaborar argumentações teológicos e da formulação de sistemas. A forma em que isso é realizado é por meio da “desdramatização”. Esse modelo busca “o significado sem a parábola”. O princípio existente por trás do texto é o mais importante, e a sua aplicação é, de maneira geral, desconsiderada. Exemplificando com o Batismo, esse é reduzido somente à uma afirmação. A ceia é compreendida somente como rito. Na perspectiva teodramática o alvo não é a busca por proposições, mas a compreensão da fé que se torna em sapiência. A sistematização de princípios e proposições somente informam e não inspiram um novo estilo de vida. Em contraposição, a compreensão da multiformidade e a da variedade dos estilos literários da Bíblia impelem aquele que crê à uma mudança de vida.115 Em suma, a perspectiva dramática afirma o agir de Deus na história, preservando o foco da narrativa e da metanarrativa, e por fim busca compreender as verdades encontradas na Bíblia como normativas e que direcionam e inserem o indivíduo no drama, vivendo sabiamente na ação. Os melhores exemplos para compreender a dinâmica do teodrama são encontrados no batismo e na ceia do Senhor. Entende-se o texto como autoritativo, e que alguns princípios nele encontrados somente têm significado quando há uma ação feita por parte do leitor. A doutrina, por fim, responde a pergunta “por que nós, a igreja, estamos aqui?” A resposta é de que existimos para participar adequadamente na missão triúna de Deus ao mundo.

114 115

Ibid. Ibid., págs. 157-158.

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3.2 PROBLEMAS DO MODELO TEODRAMÁTICO Compreender todo o modelo teodramático é uma tarefa árdua, exigindo uma interação multidisciplinar. Quando se lida com esse modelo, esse é um dos maiores desafios. Walter C. Kaiser Jr.116 afirma que, em termos hermenêuticos, o teodrama é o caminho mais adequado ao teólogo, pois para romper a barreira cultural entre a igreja presente e o texto histórico, há a necessidade do conjunto das disciplinas teológicas para compreender as escrituras. Com isso, é possível entender a Bíblia no contexto presente (tanto na igreja, e quanto no individual). Por outro lado, Kaiser preocupa-se com a forma em que a prática canônica é realizada “além da Bíblia”. Não é claro a forma como isso acontece e quais são os critérios em que seria possível discernir se a prática está sendo adequadamente bíblica. Está claro que há um convite bíblico à participação no dialogo divino, na inserção individual no drama da redenção, porém não há garantias de que todos os que participarem chegarão às mesmas conclusões. Se viver a prática canônica é o alvo, mas não houver garantias na participação, a questão de autoridade e suficiência das escrituras ficarão comprometidas. O perigo é da possibilidade de que a expressão da compreensão bíblica seja relativa à apropriação individual do participante; sendo relativo à missão individual e à sua cosmovisão. Novamente, cumprir a palavra da maneira que o autor intenciona no texto é o alvo, porém os meios não estão claros. Por fim, Kaiser concorda com Vanhoozer de que a tarefa de todo pastor-teológio é de formular princípios que o leve à prática do drama redentivo e não finalizando em apenas axiomas. Por outro lado, ele conclui que há tensões na questão da interpretação bíblica (de tradição, literal, ou pneumático) que fazem o modelo dramático ser uma disciplina que lida principalmente com a hermenêutica, ao invés de um modelo de interpretação que visa a pratica teológica em forma de discipulado.117 Daniel M. Doriani118 reconhece o valor do modelo dramático, não exclusivamente para a academia, mas também a igreja. Acredita que há grande valor quando compreendemos a Bíblia dentro dos cinco atos. Sendo o quarto ato especial, pois é onde a igreja entende que está vivendo cada dia entre “memória e esperança”. Doriani acredita que essa compreensão vivida na igreja pode

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Ibid. págs. 201-206. Ibid. 118 Doutor, vice presidente de projetos acadêmicos e professor de teologia na Convenant Seminary (Missouri). Professor há 18 anos, participou nos concílios acadêmicos da Presbyterian Church in America (PCA; chefe-executivo 1999-2000) e da Evangélical Presbyterian Church (EPC). 117

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influenciar diretamente a práxis dela. O problema, por outro lado, é de que a percepção de sua formulação é baseada nos diálogos entre diferentes abordagens teológicas resultando em um novo paradigma. Apesar da Bíblia ser central em todo modelo, falta embasamento bíblico. É evidente que na proposta teodramática a filosofia e a cosmovisão são aparentes e muito discutidas, mas há pouca evidência e diálogo bíblico. Um exemplo claro é o da participação adequada (performance) no teodrama. Poucos textos bíblicos são usados como base. O verbo prepo (πρεπο), no sentido de “adequado” usado por Vanhoozer em relação à performance, aparece cinco vezes no Novo Testamento (Mateus 3:15; 1 Corintios 11:13; Efésios 5:3; 1 Timóteo 2:10; Tito 2:1; Hebreus 7:26), porém nenhum deles é discutido profundamente. Outros aspectos do modelo teodramático também poderiam ser apresentados com maior embasamento bíblico. O uso extensivo de jargões, o uso excessivo do latim, e a formulação de novos termos dificultam a compreensão do modelo, especificamente quando se busca entender exatamente o que alguns aspectos do modelo tentam comunicar. Por fim, como o modelo proposto busca trazer coesão entre teoria e prática, especialmente quando pensa-se no batismo e ceia, Doriani acredita que a formulação desse modelo deve ser pensada e construída no contexto eclesiástico e não somente no ambiente acadêmico. Doriani acredita que tanto Vanhoozer quanto outros teólogos que visam trabalhar e dar continuidade ao modelo teodramático devem participar ativamente na igreja local, aplicando o modelo na prática. Isso proporcionaria um embasamento prático e concreto ao modelo.119 William J. Webb120 argumenta que os pontos mais fortes do presente modelo são os da sua própria fraqueza. O teodrama oferece um panorama de todo o “drama” e apresenta pontos cruciais encontrados nas escrituras que servem para guiar todo processo interpretativo. Entretanto, há partes das escrituras que necessitam de ferramentas e chaves hermenêuticas para que a interpretação seja “adequada”, e para que por fim levem à performance adequada. Um exemplo apresentado por Webb é quanto ao assunto da escravidão na história do Cristianismo. Ambos os lados da questão, acreditavam que estavam agindo em conformidade com as escrituras. Esse exemplo, e assim como em outros que eram controversos, representam a necessidade de reflexões rigorosas sobre os processos hermenêuticos utilizados no meio acadêmico, e na igreja. Ao analisar casos, como o exemplo da escravidão, é possível encontrar um guia metodológico capaz de enfrentar os desafios

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Ibid. págs. 206-211. Doutor em Teologia pelo Dallas Theological Seminary. Professor de Estudos Bíblicos no seminário Tyndale no Canada. Mais conhecido por desenvolver a hermeneutica “movimento-redentivo” no seu livro Slaves, Women and Homosexuals: Exploring the Hermeneutics of Cultural Analysis, 2001. 120

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atuais no processo interpretativo. É possível criar ferramentas e chaves hermenêuticas que tornem possível uma interpretação adequada que faça distinção entre as questões que são culturais das que são transculturais. A reavaliação dos debates sobre a escravidão, por exemplo, serve para auxiliar o Cristianismo no processo de aplicar as escrituras hoje.121 Andreas Köstenberger também apresenta algumas objeções quanto ao modelo proposto. Apesar de trabalhar com esse modelo, e tendo o livro de Vanhoozer como um de seus livros textos na universidade, Köstenberger argumenta que foi criado mais um sistema teológico reformado incorporando um sistema hermenêutico. Grande parte da fraqueza desse modelo está vinculado a extensiva sintetização, onde questões técnicas vitais não são abordadas. Afirmações são levantadas sem a devida argumentação. Exemplos são as afirmações do diálogo existente nas escrituras entre o Antigo e o Novo Testamento, ou a renúncia do imperialismo cultural em Atos 15. Nesse ponto, Köstenberger argumenta que na exegese de Vanhoozer que há uma necessidade de que sejam construídas afirmações sem a devida atenção à argumentação e à fundamentação, resultando assim na falta de embasamento bíblico frequentemente encontrada na construção de algumas conclusões. Esses argumentos levam o leitor e o estudante do modelo a questionar se a interpretação bíblica em termos teatrais e dramáticos é realmente adequada. Com a falta de embasamento, como distinguir com clareza o papel do dramaturgo e do diretor? Como entender com clareza o papel do teólogo e do pastor? Há espaço para o “teológo-pastor”? Necessita-se de uma contextualização que se preocupe com o embasamento bíblico. Outro aspecto é da problematização quanto ao proposicionalismo. Se o objetivo último da teologia é Deus, então falta estabelecer a razão pela qual seja errado a busca por verdades eternas de um Deus que transcende tempo e cultura. Apesar das justificativas que Vanhoozer apresenta contra o proposicionalismo, Jesus interpretava as suas parábolas com frequência, declarando verdades, usando um linguajar proposicional, como por exemplo em Marcos 4:13-20. Da mesma forma Paulo, nas cartas às igrejas, interpreta e apresenta o evangelho em formas proposicionais. Isso é explícito em Romanos e especificamente em 1 Coríntios 15:3-4.122 Por fim, a maior objeção de Köstenberger é a da dimensão ecumênica encontrado na interpretação da Bíblia. Nesse aspecto, Vanhoozer argumenta que a existência da “pluralidade no

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Ibid. págs. 211-214. KÖSTENBERGER, A. The Drama of Doctrine.

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nível canônico pode expressar uma pluralidade no nível de interpretação nas tradições.”123 Nesse aspecto, Vanhoozer argumenta que a igreja seria mais empobrecida ainda se não houvesse as interpretações das demais tradições, como por exemplo a dos Menonitas, Luterana, e Grego Ortodoxo, ou até mesmo se todos adotassem o presente modelo. O perigo desse pensamento está na falha de compreender a natureza da diversidade das escrituras. Na diversidade existente há uma coerência teológica. Nos diversos autores há unidade, apesar de cada um contribui de maneiras diferentes com perspectivas diferentes. Exemplo disso é do batismo. A Bíblia não ensina ambos, o pedobatismo e o credobatismo. Se esse fosse o caso haveria contradição, comprometendo a autoridade das escrituras. As escrituras não são plurais nesse aspecto, assim como também em outros. Nesse sentido, o pluralismo doutrinal das Tradições provém da diversidade encontrada na igreja pois é ela quem interpreta e formula suas doutrinas. Há uma contradição com na própria proposta do presente trabalho onde se fundamenta a direção doutrinal a partir da direção canônica. A falha na abordagem e no desenvolvimento de questões técnicas, como as apresentadas aqui, dão precedência para essas objeções, apesar de existir valor nesse modelo para a teologia contemporânea e especificamente para a igreja.124

3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE O BATISMO TEODRAMÁTICO O batismo, a sua definição, e a sua prática dentro da história da igreja tem sido de grande debate e discussão. De acordo com a pesquisa aqui apresentada, de forma introdutória, compreende-se que há muito o que se pesquisar sobre o teodrama, assim como há a necessidade do desenvolvimento do modelo. Os problemas expostos acima (3.2) foram encontrados durante a elaboração do presente trabalho, dificultando a pesquisa, especificamente ao abordar o batismo dentro do teodrama. Quanto ao batismo, notamos que o foco da teologia contemporânea tem sido a discussão doutrinária da prática, especificamente os argumentos da validação entre o paedobatismo e o credobatismo. Encontramos pouca literatura contemporânea que visa trabalhar com as doutrinas cristãs dentro de modelos interpretativos modernos. Quanto ao teodrama, não encontramos literatura na língua portuguesa, e poucas fontes bibliográficas que trabalham com a

123 124

VANHOOZER, 2005, pág. 275. Ibid.

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doutrina no modelo dramático. Contudo, a proposta desse trabalho é a de incentivo, para que haja um desenvolvimento do modelo teodramático. Quanto aos problemas do modelo, é necessário abordá-los na elaboração e no desenvolvimento de assuntos dentro do modelo proposto. É notável que com a as mudanças sociais, culturais, e a transformação do pensamento teológico no meio acadêmico, a práxis do batismo e sua interpretação têm mudado. O batismo como performance consegue, aparentemente, romper algumas barreiras e trazer soluções para a realidade da igreja e lidar com questões pós-modernas. Vimos que, no teodrama, o batismo não busca somente a expressão da verdade canônica na interpretação, mas o envolvimento da Igreja na continuidade da missão de Cristo através do discipulado. O discipulado é importante na atuação relevante daqueles que compõe a igreja a fim de que “A Grande Comissão” seja cumprida. Essa expressão teológica tem seu valor quando usada para lidar com a relação da igreja e os indivíduos que a compõe, bem como a relação entre igreja, cultura e sociedade. O teodrama é uma nova perspectiva que influencia a reflexão e a formação teológica no meio acadêmico. Percebe-se que a expressão da teologia (prática canônica) é tão importante quanto o valor teológico da interpretação bíblica, e que a igreja tem um papel importante nesse aspecto.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Concluímos que o teodrama é um modelo relevante para a igreja e para a reflexão teológica. Assim como apresentado no primeiro capítulo, percebe-se que a insuficiência doutrinária na igreja cristã é existente. Tem sido um reflexo do momento histórico que a igreja se encontra. Entende-se, consequentemente, que o pluralismo, o relativismo, o individualismo, e a inexistência das verdades absolutas exigem um novo diálogo sobre a doutrina e o dogma cristão. Vimos que o teodrama, apresentado no segundo capítulo, serve como um novo diálogo (ou ponte) e uma nova ferramenta de interpretação bíblica. Como visto, o batismo dentro do modelo teodramático é mais do que meramente um ato confessional ou um ato de profissão de fé, mas é a participação na história redentiva por meio de um direcionamento canônico. Com a compreensão do direcionamento e prática canônico, e a compreensão da importância da performance no teodrama, podemos considerar que há uma nova valorização doutrinária e dogmática para a igreja. A redefinição de uma nova identidade, no discipulado como visto no final do segundo capítulo (2.3), rompe com as características pós-modernas do indivíduo, lhe proporcionando um novo horizonte, que é escatológico. Nota-se, por fim, que a perspectiva dramática afirma a ação de Deus na história. Como uma valiosa ferramenta hermenêutica, percebe-se que o teodrama preserva o foco da narrativa e da metanarrativa, buscando a compreensão das verdades bíblicas como normativas, os quais direcionam e inserem o indivíduo no drama divino. Como apresentado nesse trabalho, reafirmamos as palavras de Tiago: “Se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla no espelho o seu rosto natural e, depois de se contemplar a si mesmo, vai-se e logo se esquece de como era.”125 Que essas palavras não sejam o caso de cada pastorteólogo e da Igreja.

125

BÍBLIA, 2007, Tiago 1:23-24.

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