O conflito colombiano e a justiça de transição

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CSA DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO – DDP

AFONSO HENRIQUE LIMONTA S. DE BARROS

O CONFLITO COLOMBIANO E A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

MARINGÁ – PR 2015

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ – UEM CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CSA DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO – DDP

AFONSO HENRIQUE LIMONTA S. DE BARROS

O CONFLITO COLOMBIANO E A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá como requisito essencial para a graduação.

Orientação: Prof.ª LUIZ ALBERTO ARAÚJO

MARINGÁ – PR 2015

AFONSO HENRIQUE LIMONTA S. DE BARROS

O CONFLITO COLOMBIANO E A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

Monografia aprovada com nota 10, julgada pela Banca Examinadora formada pelos seguintes docentes:

Presidente: LUIZ ALBERTO ARAÚJO – Orientador UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Membro: REGIS BAULING UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Membro: LUIS OTÁVIO GOULART UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

MARINGÁ – PR 2015

DEDICATÓRIA

À minha mãe, JAQUELINE, pelo amor de mãe - incondicional. Ao meu pai, CELSO, por ser um pai exemplar... Dedico todas minhas vitórias, sempre, para essas pessoas.

“No entendía cómo se llegaba al extremo de hacer una guerra por cosas que no podían tocarse con las manos”. Trecho de Cem Anos de Solidão, de GABRIEL GARCÍA MÁRQUEZ

RESUMO

A presente monografia jurídica tem como escopo o esclarecimento, exposição e crítica dos meios sabidos e conhecidos na esfera da justiça transicional para a superação de eventos traumáticos de grande magnitude social, relevância nacional e repercussão ideológica, a ponto de deixar profundas cicatrizes em um estado/nação. Com enfoque crítico no conflito colombiano, em curso até os dias atuais e considerado um dos mais longos da história da humanidade, no qual guerrilhas de ideologia de extrema esquerda são combatidas por grupos paramilitares e exército, serão abordadas as tratativas de paz costuradas pelo governo e a importância da justiça de transição para lograr a pacificação da região. Da necessidade em superar tal conflito emergem mais dúvidas do que certezas. Questões controversas como o sistemático desrespeito aos direitos humanos, indenização às vítimas de ambos os lados, esclarecimentos de fatos do passado e integração dos guerrilheiros à sociedade e política podem levar ao fracasso à complexa conversação. Assim, de maneira inevitável, surge a busca da “transição justa” e um paradigma legal: de um lado, uma preocupação com a proteção e o respeito da dignidade humana como valores universais e inerentes à espécie, e a convicção de que esses valores não podem ser postergados em nenhum caso e de outro a tão desejada paz.

Palavras-chave: Justiça de transição, conflito colombiano, transição política.

ABSTRACT

The purpose of this dissertation is the explanation, exposition and review of the know methods, in the transitional justice round, for overcoming traumatic and vastness social events, with national relevance and ideological repercussion, able to leave deep scars in one nation/state. Provided by a critical approach of the Colombian conflict, ongoing to the present day and considered one of the longest in humanity, which left wing guerrillas fight against paramilitary groups and army, will be discussed the peace negotiations treated by the government and the importance of the transitional justice for the region pacification. The need to overcome such a conflict arise more questions than answers. Controversial issues, as the systematic human rights abuse, compensation for victims of both sides, clarification of the past facts and the guerillas integration in the Colombian society and policy can lead to failure the complex conversations. Therefore, unavoidably, emerge the search of the “fair transition” and one legal paradigm: by one side, the concern with the protection and the human being respect such as universal values, and the conviction that this values cannot be postponed under any circumstances and on the other side the much desired peace.

Keywords: Transitional justice, Colombian conflict, political transition.

SUMÁRIO

1.

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9

2.

GUERRA CIVIL OU CONFLITO ARMADO? .......................................................... 10 2.1 A GUERRA CIVIL E SUAS CONSEQUENCIAS INTERNACIONAIS..................10 2.2 CONCEITO E METODOLOGIA DOS CONFLITOS ARMADOS.........................13

3.

50

ANOS

DE

BARBÁRIE:

ANTECEDENTES,

SURGIMENTO

E

DESENVOLVIMENTO DO CONFLITO............................................................................17 4.

ATORES .......................................................................................................................... 21 4.1 AUTODEFENSAS UNIDAS DE COLOMBIA E O PARAMILITARISMO...............21 4.2 AS FARC E AS ORGANIZAÇÕES GUERRILHEIRAS...........................................25 4.3 O ESTADO E AS FORÇAS ARMADAS...................................................................30

5.

A NEGOCIAÇÃO DE PAZ DO GOVERNO SANTOS: ANTECEDENTES E

CRONOLOGIA ...................................................................................................................... 35 6.

A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO .............................................................................. ........45 6.1 LINHAS GERAIS.......................................................................................................45 6.2 A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO CASO COLOMBIANO....................................55

CONCLUSÕES....................................................................................................................... 62 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 64 ANEXOS..................................................................................................................................69

9

1.

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é a abordagem da justiça de transição enquanto mecanismo para superação de conflitos armados e outros eventos de grande extensão territorial, relevância e repercussão ideológica, responsáveis por traumatizar toda uma sociedade e deixar profundas cicatrizes em uma nação. Com enfoque no conflito colombiano, em curso até os dias atuais e considerado um dos mais duradouros da história da humanidade, no qual guerrilhas situadas ideologicamente à extrema esquerda - cuja luta armada figura como princípio norteador - são combatidas por grupos paramilitares e exército, serão especificados os meios disponíveis e conhecidos pela justiça de transição a fim de se atingir a almejada paz. Definitivamente, a Colômbia é um país singular. Como se não bastasse o embate entre as guerrilhas e o Estado, o conflito é permeado por disputas territoriais, atentados narcoterroristas e sistemáticos atos de desrespeito aos direitos humanos perpetrados pelos cartéis de drogas. Além disso, as instituições governistas foram tomadas pelos paramilitares, com a formação de um verdadeiro governo paralelo. Em um conflito que deixou mais de 220.000 vítimas mortais, mais de seis milhões de refugiados deslocados de suas terras em razão da violência, e 25.000 pessoas desaparecidas, um acordo de paz outrora inimaginável ganha contornos viáveis e traz alento a uma sociedade saturada de atrocidades. Com o advento de Juan Manuel Santos à presidência em 2010 e sua reeleição em 2014, o processo de paz com as FARC amadureceu e o país nunca esteve tão próximo da pacificação. No entanto, questões como anistia, indenizações às vítimas, participação política dos guerrilheiros e reforma agrária são entraves para o fim do conflito. Considerando a necessidade da sociedade da Colômbia em superar os desafios e deveres que emergiram da longa guerra, como o desrespeito aos direitos humanos, esclarecimentos de fatos do passado e, por fim, o estabelecimento de um cenário de paz viável, a justiça de transição será ferramenta indispensável para tanto. Emerge daí um inevitável paradigma legal: de um lado, uma preocupação com a proteção e o respeito da dignidade humana como valores universais e inerentes à espécie, e a convicção de que esses valores não podem ser postergados em nenhum caso e de outro a tão sonhada paz.

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2.

GUERRA CIVIL OU CONFLITO ARMADO?

2.1

A GUERRA CIVIL E SUAS CONSEQUÊNCIAS INTERNACIONAIS

Prima facie, se faz necessário qualificar os eventos que se desenvolvem na Colômbia, tendo em vista a confusão da historiografia e da imprensa em nominar os embates sistemáticos travados entre as FARC e ELN, exército e paramilitares (especialmente AUC – Autodefensas Unidas de Colombia), ora em guerra civil ora em conflito armado. São adotados diversos critérios para a qualificação de um embate, entre eles o número de mortos em determinado número de meses e a intensidade e periodicidade dos enfrentamentos, bem como sua extensão geográfica e fronteiriça, os quais veremos a seguir. Na carta das Nações Unidas, o termo “Guerra” só aparece uma única vez, em seu preâmbulo, sendo preterida por termos mais condizentes com a filosofia pacifista da era pósgrandes guerras (mesmo que tal prática venha resultar numa incorreção terminológica), tais como ameaças à paz, atos de agressão, ruptura da paz, perturbação da paz, a ameaça ou uso da força, ameaça à segurança nacional, ação relativa a ameaça da paz, ruptura da paz e atos de agressão, ataque armado, política agressiva e agressão1. Ainda segundo Accioly e Silva, a Carta das Nações Unidas prevê dois tipos de situações: a agressão, ou seja, a guerra de agressão ou ataque e as contramedidas, estas dividindo-se em duas espécies – a legítima defesa individual ou coletiva e as medidas tomadas por iniciativa do Conselho de Segurança que envolvem “o emprego da força armada”, nos moldes do art. 41. A agressão é considerada ilegal, por sua vez, legais são as contramedidas. Tais conceitos são válidos para guerras transnacionais, ou seja, quando há um enfrentamento direto entre um estado soberano e outro. No entanto, a diferenciação entre a guerra interna e a guerra internacional é, atualmente, cada vez mais complexa, haja vista a quase inevitável interferência ou intervenção de uma ou mais superpotências, ou seja, as consequências da guerra interna para uma potência hegemônica e seus interesses que dirão se os atos de hostilidade interna devem ou não continuar a ter caráter interno. Inconteste, no caso do colombiano, que há interesse supranacional, tanto dos países limítrofes por razões fronteiriças e refugiados tanto de países afastados, em especial a dos Estados Unidos, em relação ao tráfico de drogas. 1

ACCIOLY, Hildebrando. SILVA, G. E. do Nascimento. Manual de Direito Internacional. 12. Edição. 1996, pp.445.

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James Fearon define uma guerra civil como "um conflito violento dentro de um país entre grupos organizados que visam tomar o poder central ou em uma região, ou para mudar as políticas do governo” 2. Ann Hironaka especifica ainda que um dos lados de uma guerra civil é, necessariamente, o estado3. O Direito Internacional Humanitário (DIH) distingue entre duas categorias de conflitos armados, a saber: a) Conflitos armados internacionais, em que dois ou mais Estados se enfrentam e b) Conflitos armados não internacionais, entre forças governamentais e grupos armados não governamentais, ou somente entre estes grupos4. Para que se possam distinguir os conflitos armados das formas menos graves de violência, como tensões e distúrbios internos, tumultos ou atos de banditismo, a situação deverá atingir certo limiar no que diz respeito aos confrontos. Normalmente são utilizados dois critérios nesse sentido5: Em primeiro lugar, as hostilidades devem atingir um nível mínimo de intensidade. Pode ser o caso, por exemplo, quando as hostilidades são de natureza coletiva ou quando o governo é obrigado a empregar força militar contra os insurgentes, ao invés de apenas as forças policiais6. Em segundo lugar, os grupos não governamentais envolvidos no conflito devem ser considerados “partes do conflito”, o que significa que eles possuem forças armadas organizadas. Isso quer dizer que estas forças devem estar sob uma estrutura de comando e ter a capacidade de manter operações militares7. Alguns cientistas políticos como o já citado James Fearon definem uma guerra civil como tendo mais de mil vítimas, enquanto outros ainda especificam que pelo menos cem vítimas devem cair de cada lado8. O "Correlates of War", um conjunto de dados amplamente utilizado por estudiosos dos conflitos armados, classifica as guerras civis como tendo mais de mil mortes relacionadas com a guerra por anos de conflito. Esta taxa é uma pequena fração dos milhares de mortos na Segunda Guerra Civil Sudanesa e na Guerra Civil do Camboja, por

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FEARON, James, "Iraq's Civil War". Foreign Affairs, março/abril de 2007. HIRONAKA, Ann, Neverending Wars: The International Community, Weak States, and the Perpetuation of Civil War, Harvard University Press: Cambridge, Mass., 2005, p. 3. 4 Como o Direito Internacional Humanitário define “conflitos armados”? Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) Artigo de opinião, março de 2008. 5 TPI para Ex-Iugoslávia, The Prosecutor v. Dusko Tadic, Sentença, IT-94-1-T, 7 de maio de 1997, par. 561-568; ver também TPI para Ex-Iugoslávia, The Prosecutor v. Fatmir Limaj, Sentença, IT-03-66-T, 30 de novembro de 2005, par. 84. 6 Para uma análise minuciosa dos requisitos, ver TPI para Ex-Iugoslávia, The Prosecutor v. Fatmir Limaj, Sentença, IT-03-66-T, 30 de novembro de 2005, par. 135-170. 7 SCHINDLER, Don, The Different Types of Armed Conflicts According to the Geneva Conventions and Protocols, RCADI, Vol. 163, 1979-II, p. 147. Para uma análise minuciosa dos requisitos, ver TPI para ExIugoslávia, The Prosecutor v. Fatmir Limaj, Sentença, IT-03-66-T, 30 de novembro de 2005, par. 94-134 8 WONG, Edward, "A Matter of Definition: What Makes a Civil War, and Who Declares It So?", New York Times, 26 nov. 2006. 3

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exemplo, mas exclui vários conflitos altamente divulgados, como o conflito na Irlanda do Norte e a luta do Congresso Nacional Africano no apartheid sul-africano9. Seja como for, a guerra civil sai da alçada exclusiva do direito interno, ingressando na do direito internacional em decorrência do reconhecimento expresso ou tácito de beligerância e que pode resultar de uma manifestação do próprio estado onde a revolta se verifica ou de pronunciamento de terceiro ou terceiros estados desejosos de assumir uma atitude de neutralidade em face das suas partes em luta. Problema de maior atualidade são os princípios que devem reger uma guerra civil, eis que as Convenções de Genebra visavam exclusivamente aos conflitos internacionais. Com o apoio dos peritos do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a integralidade da aplicação dos princípios internacionais em conflitos puramente domésticos foi defendida, o que contou com oposição posterior, por um simples motivo: era inaceitável do ponto de vista prático, eis que contrariava o direito fundamental dos estados e colocava em pé de igualdade o governo legalmente constituído e reconhecido pelos demais estados e seus opositores, fossem eles revolucionários, anarquistas ou meros delinquentes comuns. Em 1949 foi possível obter uma solução, eis que votou-se um artigo comum às quatro Convenções de Genebra – o artigo 3º - que reconhece um mínimo de princípios humanitários aplicáveis aos conflitos internos10. O texto do artigo adotou uma terminologia propositadamente vaga em diversos pontos e, em especial, na definição de guerra civil11, sendo de grande importância a interpretação doutrinária. É necessário que os rebeldes tenham ocupado uma porção definida do território, que sejam dirigidos por chefes responsáveis, que sejam organizados militarmente e estejam dispostos a implementar as regras de direito internacional relativas ao comportamento de beligerantes em guerras internacionais e internas, mas também que os dirigentes responsáveis sejam capazes de fazer que as suas forças se respeitem. Se o próprio governo reconhece a condição de beligerante ou de insurgência, terá a obrigação de aplicar as regras trazidas pelo citado art. 3º.

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HORINAKA, Ann. Neverending Wars: The International Community, Weak States, and the Perpetuation of Civil War, Harvard University Press: Cambridge, Mass., 2005, p. 3. 10 ACCIOLY, Hildebrando. SILVA, G. E. do Nascimento. Manual de Direito Internacional. 12. Edição. 1996, p. 532. 11 O artigo 3º comum aplica-se a “conflito armado sem caráter internacional e que surja no território de uma das Altas Partes Contratantes”. A definição compreende conflitos armados nos quais haja o envolvimento de um ou mais grupos armados não governamentais. Dependendo da situação, as hostilidades podem ocorrer entre forças armadas governamentais e grupos armados não governamentais, ou somente entre estes grupos. Como as quatro Convenções de Genebra são universalmente ratificadas, o requisito de que o conflito armado deva ocorrer “no território de uma das Altas Partes Contratantes” perde sua importância na prática. De fato, qualquer conflito armado entre as forças armadas governamentais e grupos armados, ou entre estes grupos, somente poderá surgir no território de uma das Partes da Convenção.

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Diante da reação pública aos atentados a embaixadas, mortes de personalidades e desportistas e o sequestro e destruição de aeronaves pelos revolucionários da nova geração, surgiu a necessidade de serem adotadas regras mais severas no tocante à captura e punição de crimes em que o fator politico não justifica os meios empregados. Entre os anos de 1974 a 1977 a Conferência Diplomática de Genebra reuniu-se anualmente, e em 1977 foram firmados dois protocolos adicionais às Convenções de 1949, o segundo destinado aos conflitos sem caráter internacional12.

2.2

CONCEITO E METODOLOGIA DOS CONFLITOS ARMADOS

Já definido o conceito e consequências jurídicas da guerra civil, faz-se mister o desenvolvimento da ideia de “conflito armado”. Ressalta-se, mais uma vez, a abrangência e divergência dos conceitos internacionalmente aceitos, inexistindo uma definição hegemônica. A própria Corte Internacional de Justiça (na época, ainda Corte Permanente de Justiça Internacional) em julgado de 1924 abre margem para interpretação, definindo conflito como “controvérsia ou desacordo sobre um ponto de direito ou de fato, uma contradição, uma oposição de teses jurídicas ou de interesses entre dois estados”. Primeiramente, de grande valia são os conceitos delimitados por importantes doutrinadores do Direito Internacional. De acordo com H. P. Gasser13, é geralmente aceito que “os conflitos armados não internacionais são confrontos armados que ocorrem no território de um Estado entre o governo, de um lado, e grupos insurgentes, de outro. [...] Outra instância é o desmoronamento de toda autoridade governamental no país, que tem por consequência a luta entre vários grupos pelo poder”. D. Schindler, sem se afastar do conceito de Gasser, propõe ainda uma minuciosa definição: “as hostilidades devem ser conduzidas pela força das armas e exibir tal intensidade que, como regra, os governos sejam obrigados a empregar suas forças armadas contra os insurgentes ao invés de apenas forças policiais. Em segundo lugar, com relação aos insurgentes, as hostilidades devem ter um caráter coletivo, [ou seja], não devem ser efetivadas somente por grupos individuais. Ademais, os insurgentes devem demonstrar um

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ACCIOLY, Hildebrando. SILVA, G. E. do Nascimento. Manual de Direito Internacional. 12. Edição. 1996, p. 536. 13 Gasser, H.P. International Humanitarian Law: an Introduction, in: Humanity for All: the International Red Cross and Red Crescent Movement, H. Haug (ed.), Paul Haupt Publishers, Berna, 1993, p. 555.

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mínimo de organização. As suas forças armadas devem estar colocadas sob um comando responsável e serem capazes de atender os mínimos requisitos humanitários14”. A Escola de Cultura de Pau, de Barcelona, reconhecida internacionalmente pelo fomento da cultura pacifista e direitos humanos por meio do estudo dos conflitos e processos de paz e que conta inclusive com um anuário que analisa a evolução dos processos de paz ao redor do globo, define conflito armado da seguinte maneira15: “todo enfrentamiento protagonizado por grupos armados regulares o irregulares con objetivos percibidos como incompatibles en el que el uso continuado y organizado de la violencia: a) provoca un mínimo de 100 víctimas mortales en un año y/o un grave impacto en el territorio (destrucción de infraestructuras o de la naturaleza) y la seguridad humana (ej. población herida o desplazada, violencia sexual, inseguridad alimentaria, impacto en la salud mental y en el tejido social o disrupción de los servicios básicos); b) pretende la consecución de objetivos diferenciables de los de la delincuencia común y normalmente vinculados a: - demandas de autodeterminación y autogobierno, o aspiraciones identitarias; - la oposición al sistema político, económico, social o ideológico de un Estado o a la política interna o internacional de un gobierno, lo que en ambos casos motiva la lucha para acceder o erosionar al poder; - o al control de los recursos o del território”.16 Infere-se de tal definição que não importa a regularidade dos conflitos, desde que o uso da violência seja organizado e contínuo, causando um mínimo de 100 vítimas anuais ou graves impactos territoriais, sociais e/ou ecológicos, sob os auspícios do princípio da autodeterminação ou aspirações identitárias e oposição político ideológica. A citada Escola de Cultura de Pau também discorre sobre os atores de um conflito armado. Geralmente, são atores principais os governos, ou suas forças armadas, contra um ou vários grupos armados de oposição. Porém, grupos como clãs, guerrilhas, senhores da guerra, grupos armados opostos entre si ou milícias de comunidades étnicas ou religiosas podem ter atuação determinante. Ainda que o instrumento bélico mais utilizado pelos atores seja o

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SCHINDLER, Don, The Different Types of Armed Conflicts According to the Geneva Conventions and Protocols, RCADI, Vol. 163, 1979-II, p. 147 15 http://escolapau.uab.cat/conflictosypaz/definiciones.php. Acesso em 31-07-2015. 16 “todo enfrentamento protagonizado por grupos armados regulares ou irregulares com objetivos tidos como incompatíveis no qual o uso continuado e organizado da violência: a) provoca um mínimo de 100 vitimas mortais em um ano e/ou um grave impacto no território (destruição de infraestruturas ou da natureza) e à seguridade humana (ex. população ferida ou deslocada, violência sexual, inseguridade alimentar, impacto na saúde mental e no tecido social ou rompimento dos serviços básicos); b) pretende a realização de objetivos diferenciáveis dos da delinquência comum e normalmente vinculados a: - demandas de autodeterminação e autogoverno, ou aspirações indenitárias; - a oposição ao sistema político, econômico, social ou ideológico de um estado ou à política interna ou internacional de um governo, o que em ambos os casos motiva a luta para derrubar ou corroer o poder; - ou ao controle dos recursos ou do território”.

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armamento convencional, ou seja, armas leves (responsáveis pela maioria das vitimas fatais dos conflitos), em muitos casos os agentes se valem de outros meios, como ataques suicidas, atentados, violência sexual e inclusive a fome é utilizada como instrumento de guerra. Ainda, impossível olvidar as lições sobre conflitos armados disponibilizadas pela Sipri (Stockholm International Peace Research Institute), fonte considerada de excelência em razão de sua neutralidade, qualidade de pesquisas e tradição (fundada em 1966). O instituto internacional dedica-se à pesquisa de conflitos, (des)armamentos e controle de armas, provendo dados, análises e recomendações baseadas em fontes disponíveis à legisladores e políticos, imprensa e público em geral17. Em seu anuário sobre conflitos e processos de paz, o Sipri se vale dos dados do Department of Peace and Conflict Research da Universidade sueca de Uppsala. Um conflito armado é definido pela Uppsala Conflict Data Project (UCDP) como uma contestada incompatibilidade que afeta um governo e/ou território, onde o uso de forças armadas por ambas as partes, sendo pelo menos uma a do governo de um estado, resultando em ao menos 25 mortes relacionadas ao conflito18. Desta forma, segundo a escola sueca, são necessários os seguintes elementos para a existência de um conflito armado: a) incompatibilidade que afeta um governo e/ou território, b) uso de forças armadas; c) partes; d) estado; e) mortes relacionadas aos embates. Importa ressaltar que ao UCDP difere os conflitos armados dos “major armed conflicts”, ou grandes conflitos armados. Como dito, para aqueles são necessárias 25 mortes anuais enquanto para este o número ascende para 1000 mortes por ano19. Por fim, as definições do já mencionado Correletes of War (COW), um projeto que visa facilitar a coleta, difusão e uso de dados quantitativos precisos e confiáveis nas relações internacionais20, também merece exposição. Segundo Peter Wallensteen 21, por quase três décadas o projeto COW forneceu um rigoroso e transparente conjunto de dados, definindo um mínimo de 1000 mortes em batalha para a caracterização de um conflito. Em que pese a dificuldade em contabilizar o número de mortos do conflito colombiano, o Centro Nacional de Memória Histórica disponibilizou o informe ¡Basta ya!22, que conta com as seguintes estatísticas: entre 1958 e 2012 o conflito causou a morte de 40.787 17

http://www.sipri.org/about. Acesso em 11-08-2015. http://www.pcr.uu.se/research/ucdp/definitions/definition_of_armed_conflict/. Acesso em 11-08-2015. 19 Appendix 2B. Definitions, sources and methods for the conflict data. http://www.sipri.org/yearbook/2005/files/SIPRIYB0502B.pdf. Acesso em 11-08-205. 20 http://www.correlatesofwar.org/. About the Correletes of War Project. Aceeso em 11-08-2015. 21 Armed Conflict 1946-2001: A New Dataset. Article in Journal of Peace Research. Semptember 2002. 22 http://www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/estadisticas.html. Acesso em 11-082005. 18

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combatentes e 177.307 civis. O número de desaparecidos entre 1981 e 2010 foi de 25.000, o de sequestrados de 27.023 e o de assassinados 150.000. Destes últimos, 38,4% foram assassinados pelos paramilitares, 18,8% pelos guerrilheiros e 10,1% pela Força Pública. Em síntese, não há impedimento para conceituação dos embates em curso na Colômbia - tanto o termo guerra civil como conflito armado podem ser empregados sem distorção de seu real sentido, a saber, o enfrentamento de forças organizadas e armadas, disputando territórios e/ou a própria governabilidade do mesmo, causando profundas sequelas sociais. No entanto, parece mais adequado, em termos acadêmicos, o emprego do termo conflito armado, em razão da precisa delimitação do conceito, profundamente debatido, revisado e atualmente consagrado pelas escolas e projetos citados. As variações entre a conceituação de conflito armado entre a Escola de Cultura de Pau, o Sipri∕UCDP e o COW são meramente metodológicas, vez que o cerne de sua definição prevalece praticamente inequívoco. Por fim, há que se ressaltar que a maioria da população sofre apenas as consequências da guerra, mas dela não participa ativamente. Sempre quando pode, a sociedade manifesta seu desejo de paz. Por certo, as experiências de violência produziram, além de traumas duradouros, um imaginário amplamente difundido, mas não suscitaram, exceto entre grupos restritos, uma “cultura de guerra” que levasse a homologar a concepção global de uma oposição “amigo-inimigo”. Quando as circunstâncias o permitem, continua a prevalecer bem mais uma sociabilidade feita de tolerância e senso de conciliação: é o que se chama simplesmente “civilidade”, o mais importante trunfo da Colômbia para sair da situação atual23.

23

PÉCAUT, Daniel. As Farc: Uma Guerrilha sem Fins?. Paz e Terra, p.15.

17

3.

50 ANOS DE BARBÁRIE: ANTECEDENTES, SURGIMENTO E

DESENVOLVIMENTO DO CONFLITO

Antes de falar sobre a paz, é imperioso tratar sobre a guerra. Após sua independência, o desenvolvimento da história colombiana está fortemente ligada à divisão política entre dois partidos, como em geral quase todos os países latinoamericanos: o Liberal e o Conservador, sendo a interação entre eles dividida em períodos ora de cooperação ora de conflito. Durante o século XIX os dois partidos foram atores de diversas guerras civis, sendo o episódio da Guerra dos Mil Dias, entre 1899 e 1902, um dos mais marcantes e sangrentos da história do país. Com os conservadores no comando, a guerra foi seguida por um período de relativa estabilidade política e crescimento econômico que duraria até meados dos anos 1940. Durante tal período houve um aumento das exportações de café e um forte investimento estadunidense para exploração de minérios e petróleo, além de grande industrialização, induzindo o surgimento de uma nova classe social de operários politizados, que logo espalhariam seus ideais aos trabalhadores rurais24. O partido Conservador manteve-se no poder até 1930, quando o impacto das novas reivindicações populares e da crise de 1929 levou os liberais ao poder em um período chamado de República Liberal. O lapso temporal de estabilidade aparentemente continuava, contudo, a antiga rivalidade entre liberais e conservadores voltaria a conduzir o país a um novo quadro de violência generalizada, conhecido como La Violencia Famosa (1946/1958). Tal conjuntura é marcada por grande violência política e repressão militar, cultura ideal para o surgimento de movimentos armados de resistência que se espalhariam pelo país e posteriormente adquirem caráter permanente25. Em 1958 é encerrado este período de grande violência com as negociações dos dois partidos e a criação da Frente Nacional – que estabelecia a alternância de poder no poder executivo e a divisão de cadeiras no legislativo. “Foi nesse ambiente que começaram a surgir os primeiros movimentos guerrilheiros de esquerda no país, como as Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (FARC) e o Ejército de Liberación Nacional (ELN). Em 1968, uma lei autorizou a constituição de

24 25

ULLMAN, Veronica Spies. O Conflito armado colombiano: Desafios para a segurança Regional. TCC, 2014. Idem.

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milícias civis para combaterem guerrilheiros. Com o apoio de latifundiários e narcotraficantes, surgiram vários grupos paramilitares de direita26”. Apenas com a escalada da violência na década de 90, além da ingerência americana no país, o conflito colombiano passou a ser conhecido pelo grande público27. Em que pese existirem diferentes etapas durante a evolução temporal do conflito, o mesmo sempre foi permeado por três características basilares, a saber: a) Uma diversidade de atores estatais e não estatais – forças armadas, ao menos duas organizações guerrilheiras e vários grupos paramilitares; b) uma conjuntura de formas de violência (social, política, criminal) interconectadas e; c) a importância do financiamento do narcotráfico ou da ajuda militar e econômica como recursos dos atores armados. Diversos conjuntos de fatores remontam ao surgimento da guerra. Contudo, destacam-se quatro elementos presentes na eclosão do conflito. Primeiramente, há que se falar em uma cultura política de violência. O recurso da violência foi instrumentalizado na Colômbia pela oligarquia desde a independência do país, em meados do século XIX, ou seja, a ameaça de armas como instrumento para influenciar em processos democráticos formais. Ademais, a debilidade estatal também é considerada fator estrutural, vez que o governo não dispõe do controle absoluto de elementos fundamentais da administração pública, entre eles o monopólio do uso da força e o controle fiscal28. Em terceiro lugar, com estreita relação com as duas causas acima citadas, estão as restritas possibilidades de participação política da população. Conquanto se orgulhe de sua longeva democracia “oficial”, a mais antiga da América do Sul, e da moderna constituição de 1991, persiste a tendência de criminalizar a oposição extraparlamentar na Colômbia. Por fim, porém não menos importante, centra-se o tema do acesso desigual a terra e aos recursos naturais. A questão agrária, nunca solucionada em toda história colombiana, sempre ocupará o cerne do conflito. Como pano de fundo encontra-se a economia de droga que há trinta anos mantém seus efeitos corrosivos. Ela alimenta todos os protagonistas do conflito armado, exacerba as disparidades sociais, está por trás de novos modos de maleabilidade e fluidez institucionais que, em vez de contribuírem para a estabilidade, engendram crises reiteradas29. Toma-se como ano base do início do conflito 1964, quando da agrupação da maior formação guerrilheira – as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), inspirada 26

Idem. KURTENBACH, Sabine. Análises Del Conflito em Colombia. Bogotá, 2005. 28 Idem. 29 PÉCAUT, Daniel. As Farc: Uma Guerrilha sem Fins?. Paz e Terra, p.15. 27

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na prática da autodefesa camponesa do Partido Comunista da Colômbia (PCC). Por outro lado, a outra importante organização guerrilheira, ELN (Exército de Libertação Nacional), nasceu dos movimentos estudantis de protesto dos anos 60. Ainda segundo Kuertenbach, em sua primeira etapa, as guerrilhas atuaram restritivamente nos rincões do país, necessariamente onde o governo não existia ou era de extrema debilidade. No entanto, a política repressiva do governo Julio César Turbay Ayala (1978-1982) dirigida inclusive contra a oposição civil contribuiu substancialmente na opção pela luta armada. Também foram fundamentais para a evolução dos guerrilheiros as ações simbólicas do Movimento 19 de abril (M-19) como o roubo da espada da independência de Simón Bolívar. O insucesso das tratativas de paz do governo Belisario Betancur (1982-1986) tiveram impacto devastador no conflito, vez que foram responsáveis pelo recrudescimento da violência, aumento do número de atores armados e pela expansão territorial da guerra. Reformas descentralizadoras foram realizadas com o escopo de propiciar o desenvolvimento da participação popular na política, deslocando recursos financeiros e competências aos municípios e comunidades, aumentando consequentemente sua importância, atraindo com mais afinco uma política de violência e controle territorial por parte dos guerrilheiros – que buscavam intervir nas circunstâncias locais. O início dos anos 90 foi marcado por um curto período de diminuição da violência, basicamente em razão do fim do cartel de Medellín e acordos firmados para a desmobilização e reintegração à vida civil de grupos guerrilheiros menores, como o M-19. Contudo, a ascensão do conflito não tardou: o grupo paramilitar Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) passou a atuar com grande autonomia desde 1995, a crise política foi absorvida pelo setor econômico e, tal como as conversações de paz do governo Betancur, as do presidente Andrés Pastrana (1998-2002) também fracassaram, tendo consequências igualmente desastrosas, como o aumento de mortes por motivos políticos. Em 2002, com a ascensão ao poder de Álvaro Uribe Vélez (2002/2010), a dinâmica do conflito, mais uma vez, mudou. Rendem frutos a modernização e fortalecimento das forças armadas iniciadas por Pastrana, sendo as guerrilhas caçadas em uma política de segurança claramente direcionada ao fortalecimento da repressão aos revolucionários, que,

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impossibilitados de combater o poderio militar, passaram para a defensiva. Uribe obteve exorbitante popularidade (95% aprovaram seu governo30). Implantou a política de “seguridad democrática”, a qual defende a necessidade de fortalecer as atividades e presença dos órgãos de segurança ao longo do território nacional, e ao mesmo tempo a atuação da sociedade a fim de alcançar o êxito militar, este representado pela deposição e rendição dos insurgentes. Como resultado, cita-se o resgate na Operación Jaque de 15 sequestrados, que se encontravam em poder das FARC, entre estes 11 soldados, 3 empreiteiros estadounidenses e a ex senadora Íngrid Betancourt31. Ainda, traçou bases para o início de conversações de paz com os guerrilheiros e paramilitares, sendo que apenas estes aceitaram os termos e deram sequência ao processo de desmobilização. Os críticos apontam que tal processo de paz nada mais é do que uma estratégia política a fim de legalizar as fortunas adquiridas pelos paramilitares, narcotraficantes e altos funcionários estatais, posicionando e justificando o projeto político da extrema direita, além de simular juízos ante a justiça colombiana a fim de evadir-se da ação da justiça estadunidense32. Uribe é constantemente acusado por seus opositores em razão de supostos lações com a extrema direita militarizada e com os cartéis de drogas, sendo acusado inclusive de ter se relacionado com Pablo Escobar33. Impulsionado pela popularidade de Uribe, seu sucessor político e então ministro da defesa Juan Manoel Santos é eleito presidente da república em 2010. Distanciou-se, no entanto, de seu patrono ao iniciar novas tratativas de paz com as FARC em 2012 (que serão analisadas em capítulo próprio). Em 2014, em verdadeiro referendo ao processo de paz, foi reeleito com estreita margem de votos.

30

ALSEMA, Adrian. AUC collaborated with Uribe government, spy agency: Don Berna. Colombia Reports. Bogotá, 30 jan. 2012. http://colombiareports.com/auc-collaborated-with-uribe-government-spy-agency-donberna/. Acesso em 17-08-205. 31 BAJAK, Frank. Colombian hostage rescue mission mimicked Venezuelan airlifts. International Herald Tribune, Nova Iorque, 5 jul. 2008. 32 RIVERA, Edgar de Jesus. Historia del Paramilitarismo em Colombia. 2007. 33 CONTRERAS, Joseph e GARAVITO, Fernando. Biografía No Autorizada De Álvaro Uribe Vélez. Editora Oveja Negra, 2002. http://resistir.info/colombia/biografia_auv.pdf. Acesso em 17-08-2015.

21

4. ATORES

A história do conflito armado confunde-se com a própria história dos atores nele envolvidos. Como já dito, o conflito colombiano caracteriza-se por sua pluralidade de atores e complexidade, haja vista que, em razão de sua longevidade, o que era sólido se desmancha no ar, seja em razão do fortalecimento ou enfraquecimento de um ator ou na mudança de suas razões/demandas/meios/fins, seja em razão de influências internacionais ou das tratativas de paz. Porém, quatro agentes se destacam: as próprias forças armadas governamentais, os paramilitares (notadamente as AUC), e as forças revolucionárias – FARC e ELN. Conquanto plenamente envolvidos no epicentro do conflito, especialmente os Cartéis de Cali e Medellín, não há espaço neste estudo para o desenvolvimento de um tópico sobre os narcoterroristas. No entanto, as vultosas somas de dinheiro oriundas do tráfico de cocaína, o maciço financiamento de políticos e ações contundentes e sistemáticas de sequestros, extorsões, atentados terroristas dirigidos a alvos específicos ou aleatórios e assassinatos (entre os quais três presidenciáveis das eleições de 1990), fariam com que os narcoterroristas atingissem algo que as guerrilhas nunca conseguiram: abalar as instituições colombianas.

4.1 AUTODEFENSAS UNIDAS DE COLOMBIA E O PARAMILITARISMO

Em que pese o público em geral, entre eles a população colombiana, tenha a visão de que as mortes oriundas do conflito sejam causadas majoritariamente pelos embates entre guerrilheiros e forças armadas, a assertiva não é verdadeira. Conforme já exposto, o Centro Nacional de Memória Histórica disponibilizou o informe ¡Basta ya!34, que conta com as seguintes estatísticas: entre 1958 e 2012 o conflito causou a morte de 40.787 combatentes e 177.307 civis. O número de desaparecidos entre 1981 e 2010 foi de 25.000, o de sequestrados de 27.023 e o de assassinados 150.000. De estes últimos, 38,4% foram assassinados pelos paramilitares, 18,8% pelos guerrilheiros e 10,1% pela Força Pública. Isso significa que as forças paramilitares, sendo as Autodefensas Unidas de Colombia (AUC) a principal, estão estritamente relacionadas à violência intrínseca ao conflito. O paramilitarismo, cujo ideal básico era o combate ao comunismo, teve sua ascensão nos anos 80 como resposta aos excessos das guerrilhas, privilegiando como tática contra

34

Centro de Memoria Histórica. Estadísticas del conflicto armado en Colombia. Bogotá, 2012. http://www.centrodememoriahistorica.gov.co/micrositios/informeGeneral/estadisticas.html. Acesso em 11-082015.

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insurgente o emprego de massacres, assassinatos seletivos e deslocamento da população civil, mormente camponeses, acusados de serem colaboradores ou simpáticos às guerrilhas 35. Segundo a ONU, a Colômbia é o segundo país com maior número de deslocados internos (ou refugiados internos) no mundo36, sendo as forças paramilitares responsáveis por 44% destes desalojados37. Os

grupos

paramilitares,

mais

conhecidos

como

autodefensas,

foram

institucionalizados nos anos sessenta, quando “se estableció el fundamento jurídico para la conformación de grupos de autodefensa bajo el auspicio y control de las fuerzas armadas, mediante el decreto legislativo 3398 de 1965, que fue convertido en legislación permanente por la ley 48 de 196838”. O nível de influência sobre estruturas de poder e instituições públicas por parte do paramilitarismo sobre o estado colombiano alcançou um assombroso caso de configurar um eficiente sistema tributário aplicado tanto às mesmas instituições governamentais tanto às pessoas naturais. Os recursos para a saúde e educação nos departamentos e municípios foram desviados para as mãos dos paramilitares, indicando a permeabilidade do estado, que foi substituído em suas funções executivas, legislativas e judiciárias. Pode-se dizer que o paramilitarismo como estratégia contra insurgente na Colômbia não foi um fato isolado ou passageiro, mas verdadeira política de estado, variando com as circunstâncias de cada momento. Afloraram durante a década de 80 diversas organizações paramilitares, entre elas: Muerte a Secuestradores (MAS), el Escuadrón de la Muerte, Muerte a Abigeos (MAOS), Castigo a Firmantes o Intermediarios Estafadores (CAFIES), el Embrión, Alfa 83, Prolimpieza del Valle del Magdalena, Tiznados, Movimiento Anticomunista Colombiano, los Grillos, el Escuadrón Machete, Falange, Muerte a Invasores, Colaboradores y Patrocinadores (MAICOPA), los Comandos Verdes, Terminador, Menudos, Justiciero Implacable, Mano Negra y Plan Fantasma39. Todas estas organizações, entre 1996 e 1997, se aglutinaram em torno das Autodefensas Unidas de Colombia (AUC), comandadas por Carlos Castaño Gil.

35

RIVERA, Edgar de Jesus. Historia del Paramilitarismo em Colombia. 2007. BELLO A, Martha Nubia. El desplazamiento forzado en Colombia: acumulación de capital y exclusión social. Universidad Nacional de Colombia. 37 Desplazamiento y despojo de Tierras: estrategia paramilitar. Verdada Abierta, Bogotá, 2012. http://www.verdadabierta.com/tierras/nunca-mas/38-desplazados/210-desplazamiento-y-despojo-de-tierrasestrategia-paramilitar- Acesso em 15-10-2015. 38 CATATUMBO, P. La doctrina de la seguridad nacional: el principal obstáculo para la paz. Revista Javeriana, n.590. Bogotá, v.118, p.308-312, nov,-dez. de 1992. 39 LERCHE, Said. La guerra en el mundo moderno. Revista de las fuerzas armadas, n.83, Bogotá, v.28, p. 202206, mai.-ago. de 1976 36

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No auge das autodefensas, na década de 80, os narcotraficantes, convertidos em novos terratenientes e grandes latifundiários, ansiosos em livrar-se das exigências econômicas das guerrilhas e dos encargos impostos sobre suas infraestruturas cocaleiras do sul do país, passaram a apoiar ativamente o desenvolvimento das organizações paramilitares, montando seus próprios exércitos privados e disponibilizando vastos recursos aos demais grupos constituídos pelos grandes fazendeiros extorquidos pela guerrilha. Também contribuíram para a atitude dos subversivos contra-guerrilha os membros das forças públicas, que viram nestas estruturas a oportunidade de combater mais eficazmente os revolucionários, fazendo o trabalho sujo que não poderiam realizar enquanto força governamental40. O governo de Virgilio Barco Vargas (1986-1990), em seu enfrentamento crescente a Pablo Escobar e sua rede do narcotráfico, percebeu o perigo que representavam as estruturas de ultradireita convertidas em exércitos privados ao serviço da máfia e derrogou o decreto 3398 de 1965, declarando ilegais as autodefensas. No entanto, era tarde demais. A influência dos paramilitares nas organizações estatais e o apoderamento destas por parte da máfia de drogas era tamanha que nada poderia ser feito institucionalmente. O conflito colombiano, tão incompreensível e difuso, passa a ser mais heterogêneo com a ascensão dos cartéis de drogas cada vez mais camuflados e poderosos tanto entre as guerrilhas como entre as organizações paramilitares. A utilização de proventos oriundos do tráfico passa a ser uma constante entre as autodefensas para “financiar uma guerra antisubversiva”41, surgindo então o termo “narcoparamilitares”. Da mesma maneira, sequestros e extorsões inserem-se nas atividades lucrativas, nas palavras do então comandante chefe Carlos Gil Castanõ: “No puedo negar que ocasionalmente me veo obligado a exigir aportes a los propietarios de bienes en las regiones donde las AUC ofrecen seguridad para la inversión y explotación de los recursos”42. As AUC, então, foram classificadas como uma organização terrorista pelo governo da Colômbia e Estados Unidos em 2001, sendo retirada da mesma lista em 15/07/201443. São atribuídos aos membros das AUC a reponsabilidade por homicídios seletivos e numerosos massacres de grupos de oposição, de camponeses e de outros setores rivais, incluindo civis considerados membros e apoiadores das diferentes guerrilhas ou opostos aos seus interesses econômicos e políticos. Dezenas de mortos pela autodefensa foram 40

radionegroprimero.org, Caso Colombia: Información para Comprender la Situación. Acesso em 21-08-2015. Las AUC y el narcotráfico. La Nación, Buenos Aires, 22 jun. 2012. http://www.lanacion.com.ar/407508-lasauc-y-el-narcotrafico. Acesso em 21-08-2015. 42 REYES, Gerardo. Los paras admiten que usan la extorsión para recaudar dinero. El Nuevo Herald, 27 mai. 2001. http://www.latinamericanstudies.org/auc/auc-extorsion.htm. Acesso em 21-08-2015. 43 http://www.state.gov/j/ct/rls/other/des/123085.htm. Acesso em 21-08-2015. 41

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encontrados em fossas comuns, reveladas pelos chefes paramilitares submetidos ao processo de desmobilização pelas autoridades colombianas44. Atos de extrema crueldade como esquartejamentos de pessoas vivas por machados ou motosserras com o objetivo de insensibilizar os combatentes jovens em rituais de iniciação, além do emprego de táticas de tortura, foram confessados por diversos paramilitares45. Como se não bastasse, a agência da ONU para refugiados (ACNUR) denunciou o recrutamento de crianças pelas forças paramilitares46. Os homicídios perpetrados fora de combate e as demais barbáries descritas são facilmente tipificadas como crimes de guerra pelo Estatuto de Roma, o que não excluiria a possibilidade de um julgamento pelo Tribunal Penal Internacional (tendo em vista que a Colômbia é signatária do tratado), nos moldes do julgamento dos generais envolvidos nos massacres civis na guerra da Iugoslávia e nas guerras civis africanas. Em dezembro de 2002, as AUC declararam um cessar fogo de maneira unilateral. De imediato o governo anunciou planos de negociação com os grupos paramilitares, o que gerou preocupação de diversos setores da sociedade civil e da comunidade internacional devido ao risco de que o dito processo levaria a impunidade para alguns dos crimes mais graves contemplados no Direito Internacional47. A desmobilização dos grupos paramilitares tem fundamento no Decreto 128 de 2003, que regulamenta a Lei 782 de 2002, segundo a qual todos os combatentes que ao se mobilizarem não tenham processos judiciais nem condenação em seu desfavor restariam sem contas pendentes com a justiça. Aos fins de julho de 2005, o presidente Uribe sancionou a Lei 975 de 2005, com o objetivo de regulamentar os benefícios judiciais para os desmobilizados que se encontram processados ou condenados por graves violações de direitos humanos e ao direito internacional humanitário. Desde o inicio das negociações até setembro de 2005, se desmobilizaram quase 11.400 paramilitares e se esperava que no total se desmobilizassem aproximadamente 18.00048. A comunidade internacional havia denunciado que o processo “se está llevando a cabo de manera superficial y sin las salvaguardias adecuadas para garantizar que se 44

Hallan fosas de víctimas de paramilitares. BBC Mundo, 27 abr. 2007. http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/latin_america/newsid_6599000/6599879.stm. Acesso em 21-08-2015. 45 Confesiones de paramilitares. Rede Univisión. https://www.youtube.com/watch?v=BJJCLXaBa38 e https://www.youtube.com/watch?v=sU7XNbWPaSs. 46 Informe Conflicto Armado en Colombia. FRONTERAS: LA INFANCIA EN EL LÍMITE. Agência da ONU para Refugiados, fev. 2007. http://www.acnur.org/t3/uploads/pics/2206.pdf?view=1. Acesso em 21-08-2015. 47 Informe Anual da Anistia Internacional, Londres, 24 mai. 2004. 48 “No cuadran cifras sobre las autodefensas”, Hechos del Callejón. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Ano 1, Número 7, set. 2005, Pág. 6.

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desarticule efectivamente la estructura de estas complejas organizaciones y se lleve a la justicia a los responsables”49. No entanto, alguns líderes das AUC e vários grupos paramilitares locais não se submeteram ao acordo de desmobilização e voltaram a pegar em armas ou criaram grupos criminais posteriormente50. Alguns dos chefes foram extraditados aos Estados Unidos em 13 de maio de 2008 para responder pelo delito de narcotráfico, lavagem de dinheiro e apoio material à organização terrorista51. Os grupos ilegais surgidos depois da desmobilização das AUC são conhecidos como Bandas Criminales (Bacrim). O governo colombiano assevera que tais grupos se tratam de quadrilhas criminosas que se dedicam ao tráfico de drogas e disputam com as guerrilhas pelo controle do narcotráfico, não podendo ser tachados de paramilitares. Em 2007, durante o escândalo da Parapolítica, veio a conhecimento público um documento conhecido como “Pacto de Ralito”, no qual chefes de vários grupos paramilitares colombianos e mais de 50 políticos, muitos deles hoje na prisão, firmaram um acordo político para “refundar o país”, confirmando a vinculação da classe política dos mais variados níveis com as autodefensas52.

4.2 AS FARC E AS ORGANIZAÇÕES GUERRILHEIRAS

As

guerrilhas

de

orientação

esquerdista

(maoístas,

marxistas,

leninistas,

castristas/guevaristas) figuram como ator determinante no conflito colombiano. Inúmeras guerrilhas desempenharam importante papel na região, como o M-19 (Movimento 19 de Abril), responsável pelo metafórico roubo da espada da independência de Simón Bolívar e pela invasão do Palácio da Justiça colombiana, ação conhecida como “holocausto da justiça”, devido ao devastador saldo de mortos53. As ações serviriam de elemento revelador: o conflito armado já não se restringia à periferia do país.

49

Human Rights Watch, “Colombia - Mecanismos de desmovilización garantizan la injusticia”, 18 de janeiro de 2005. 50 Denuncian rearme paramilitar, BBC Mundo, 5 fev. 2007. http://news.bbc.co.uk/hi/spanish/latin_america/newsid_6333000/6333743.stm Acesso em 21-08-2015. 51 Ex-chefes paramilitares extraditados se declaram inocentes nos EUA. Folha de São Paulo, São Paulo. 15 mai. 2008. http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2008/05/402385-ex-chefes-paramilitares-extraditados-se-declaraminocentes-nos-eua.shtml. Acesso em 21-08-2015. 52 RUIZ, Marta. El caso de la para-política en Colombia. Investigative journalism, access to public information and Media Corporate Governance: Is there anything new? 13º International Anti-Corruption Conference. Atenas, Grécia, 2 nov. 2008. 53 Colômbia lembra 20 anos de invasão do M-19 ao Palácio de Justiça http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2005/11/04/ult1807u23137.jhtm. Acesso em 10-09-2015.

26

Ambos os atos, tal como a relação da guerrilha com o Cartel de Medellín, foram retratados na série Narcos, lançada no mês de agosto-2015. A guerrilha se desmobilizou em 1990, se convertendo em um movimento político conhecido como AD-M19 (Alianza Democrática M-19), sendo inclusive um dos constituintes de 199154. O Exército Popular de Libertação (EPL) também foi atuante no conflito colombiano. Se desmobilizou oficialmente em 1991, no entanto informes da Força Aérea 55 do país relatam que 20% de seus membros foram absorvidos pelas FARC e continuam em exercício. Merecedor de nota, também, é o ELN (Exército de Libertação Nacional da Colômbia) considerada a segunda maior organização rebelde colombiana. Foi fundada na década de 60 por influencia ideológica da luta armada como mecanismo para a denúncia da desigualdade social e das necessidades enfrentadas pela população civil56. Contou com apoio maciço de padres da igreja católica nos anos 70 e 80, quando se popularizou a Teologia da Libertação. Em que pesa haja a negação do Partido dos Trabalhadores brasileiro (PT) e inexistam fontes seguras, há indícios de que a organização fez parte dos encontros do Foro de São Paulo. Era considerada a mais “moralista” das guerrilhas, por não se valer de fundos oriundos do cultivo e comércio de coca. No entanto, várias frentes do ELN estão atualmente envolvidas com o narcotráfico. No entanto, nenhuma organização rebelde se mostra tão poderosa e influente no conflito como as FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia), que do ponto de vista militar incrementaram suas filas de mil combatentes para cerca de quinze mil guerrilheiros na década de 80, fato que simbolizaram incluindo, em 1982, a sigla EP (Exército Popular) a seu nome – FARC-EP57. Atualmente, a guerrilha domina 13 Estados (Departamentos) da Colômbia: Puntumayo, Caquetá, Guaviare, Meta, Vichada, Casanare, Huila, Valle del Cauca, Quindio, Risaralda, Caldas, Chocó e Antioquia e influencia mais de 600 das 1.000 cidades colombianas58.

54

Guerrilla del M-19, veinte años de su desmovilización. http://www.semana.com/nacion/conflictoarmado/articulo/guerrilla-del-m-19-veinte-anos-su-desmovilizacion/114138-3. Acesso em 10-09-2015. 55 El EPL, un grupo que opera a la sombra de las Farc. Fuerza Aérea de Colombia, Bogotá, 14 out. 2004. https://www.fac.mil.co/las-farc-en-los-tiempos-de-uribe. Acesso em 10-09-2015. 56 El ELN: Entre lo político y lo militar. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Ano 3, Abr. 2007. http://www.pnud.org.co/hechosdepaz/echos/pdf/24.pdf. Acesso em 10-09-2015. 57 KURTENBACH, Sabine. Análises Del Conflito em Colombia. Bogotá, 2005. 58 BARBIERI, Renato. Guerrilha Das Farc-Ep E O Narcotráfico Na Colômbia (Uma abordagem HistóricoGeográfica). Julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010..

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Sua presença transborda as fronteiras colombianas. No Panamá, guerrilheiros atuam na região de Darién, habitada por indígenas. No Peru, as FARC-EP estão presentes na instrução dos grupos subversivos locais como o “Sendero Luminoso”59. Segundo o trabalho de Márcio Pereira Rippel60, da Marinha do Brasil, a fronteira brasileira com a Colômbia ainda é relativamente tranquila, mas já houve fatos que chamaram a atenção para aquela área. Há relatos de recrutamento forçado de indígenas brasileiros pelas FARC-EP e, em duas ocasiões, o Exército Brasileiro (EB) teve contato com guerrilheiros: uma em 1991, no Rio Traíra, e outra em 2002, nas proximidades do Pelotão Especial de Fronteira (PEF) de Vila Bitencourt. Porém, a Venezuela talvez seja o país mais afetado pelo transbordamento da violência. Seu presidente Hugo Chávez tem sido responsabilizado pela imprensa por apoiar veladamente os movimentos guerrilheiros colombianos e de perseguir os integrantes das forças paramilitares da AUC, quando adentram o território venezuelano. As FARC-EP fizeram da fronteira entre a Colômbia e a Venezuela um objetivo militar após o governo colombiano desconsiderar a zona anteriormente acordada como desmilitarizada ao sul do país. Desde então, estariam usando o território venezuelano como uma área de refúgio e preparação de ataques. Na impossibilidade do Exército colombiano adentrar no território venezuelano para dar combate às FARC-EP, os paramilitares da AUC estariam ultrapassando a fronteira com essa finalidade. Em 28 de março de 2003, segundo refugiados colombianos, aeronaves militares venezuelanas bombardearam posições ocupadas por paramilitares colombianos nos dois lados da fronteira. O ataque teria sido uma resposta a uma série de ações dos paramilitares colombianos dentro da Venezuela61. Os fatos demonstram que os movimentos dos guerrilheiros já não mais respeitam as fronteiras com os países vizinhos. Pode-se dizer que a trajetória das FARC pode ser dividida em três períodos: 1) estagnação (1966-1980); 2) expansão (1980-1990) e 3) ofensiva (1990-2002). Em 1964 tem lugar o acontecimento que posteriormente será apresentado como fundador da guerrilha: o ataque do exército a Marquetalia, uma zona de “autodefensa” camponesa formada sob a influência dos comunistas do sul de Tolima. O plano de fundo era o recente fim da já citada La Violencia (que se passou entre 1946 e 1958, com um saldo de 200 59 URIBE, Jorge Alberto. Como derrotar o narcoterror. Folha de São Paulo, 21 fev. 2004. Disponível em: http://www.exercito.gov.br/05Notici/Namidia/impnot/2004/02fev/comderro.htm. 60 RIPPEL, Márcio Pereira. O Plano Colômbia Como Instrumento Da Política Norte-Americana Para A América Latina E Suas Conseqüências. 2004. Escola de Guerra Naval. 61 WILSON, Scott. Venezuela Becomes Embroiled in Colombian War. Washington Post Foreign Service, La Gabarra, 10 abr. 2003.

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mil mortos, migrações populacionais e, sobretudo, atrocidades comparáveis à Guerra Civil Espanhola), contexto do qual surgiram inúmeros grupos armados. Por um lado nasceram os grupos conservadores, que financiavam assassinos por meio de políticos antiliberais e, por outro, as guerrilhas formadas em todo o país62. Não só em sua criação, mas em toda sua existência, as FARC tenderam a fazer das periferias do território colombiano o seu centro de gravidade, onde o Estado não chegava ou, na melhor das hipóteses, agia tardia e incompletamente. O efeito perverso da linha ideológica de “combinação de todas as formas de luta” e de outras teorizações da luta armada fadava a organização a uma fraqueza extrema no campo político devido a sua marginalização. Nos anos 70, a crise econômica da Colômbia agudizou-se e as revoltas camponesas foram mais intensas. As FARC e os demais grupos guerrilheiros estiveram à frente dessas mobilizações. Mesmo passando por esses problemas, o grupo teria se estabilizado nos anos seguintes. Os impostos cobrados pela guerrilha são chamados de “imposto revolucionário” e contribuíram de forma decisiva para o crescimento da organização nos anos noventa. O dinheiro advindo do narcotráfico permitiu à organização uma expansão qualitativa, na medida em que esta passou a ter armas modernas, equipamentos de comunicação e outros recursos tecnológicos. Porém, as FARC-EP têm como uma preocupação constante a manutenção de sua base classista, os pequenos produtores agrícolas, de forma que em troca dos impostos arrecadados, elas fornecem proteção aos cocaleiros de ações violentas por parte dos narcotraficantes. A coca é hoje a principal fonte de financiamento da Guerrilha, correspondendo à cerca de 50% da receita arrecadada. A outra parte do financiamento vem dos tributos cobrados sobre o petróleo, esmeraldas, café, gado e bananas. Também contribuem para este financiamento a extorsão às grandes empresas e o sequestro de autoridades e de membros das classes proprietárias63. No inicio dos anos 1980, porém, a luta armada que parecia em vias de extinção recomeçou com uma intensidade que nada tinha que ver com o do período anterior. Em 1985, a Guerrilha chegou a dar um passo decisivo ao participarem, ao lado do Partido Comunista, da constituição de um partido político legal, a União Patriótica (UP), empenhando-se claramente 62

PÉCAUT, Daniel. As Farc: Uma Guerrilha sem Fins? Paz e Terra, p.23. BARBIERI, Renato. Guerrilha Das Farc-Ep E O Narcotráfico Na Colômbia (Uma abordagem HistóricoGeográfica). Julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. 63

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em uma conversão política. Este episódio, no entanto, acabaria em tragédia, visto que o novo partido tornou-se alvo de uma campanha de extermínio. No espaço de cinco anos, a maior parte de seus dirigente e quadros foi assassinada. Deste episódio as FARC tiraram, em todo caso, a conclusão de que não há outro caminho senão o militar. Na realidade a partir deste ponto o conflito só se agravou com fim o cessar fogo negociado durante o governo Betancourt e a expansão da guerrilha. Os fatos desencadeados ao fim dos anos 80 e anos 90, como a queda do muro de Berlim, degradação da URSS, acuamento de outras guerrilhas centro-americanas (como a FMLN em El Salvador) indicavam que as FARC deveriam reconsiderar a pertinência da luta armada. Além disso, em 1990, era ratificada a convocação de uma assembleia constituinte, que promoveu um Estado Social de Direito, promoveu garantias fundamentais e das minorias, criando mecanismos concretos para este fim. Reconheceu também o estado multicultural da Colômbia e deu direitos específicos às minorias indígenas e afrocolombianas. Em suma, implantou disposições que durante muito tempo haviam sido reclamados pela oposição, inclusive apresentados como condições para desmobilização de guerrilhas, como o M-19. Ou seja, todos os fatores apontavam para o fim das FARC. Contudo, como sabido, não foi o que ocorreu. Em 1993 a guerrilha fez uma nova conferência, procedendo a reorganização de sua estrutura militar, destinada a possibilitar a realização de operações armadas militares com uma envergadura maior, capazes de aniquilar as forças armadas. Em uma ofensiva que durou de 1995 até 1998, os rebeldes alcançaram sucessos outrora impensáveis. A partir de 2001, se prepararam para a ruptura do acordo de paz tratado com o governo Pastrana dotando-se de um novo meio de chantagem: os sequestros de personalidades políticas. Poucos dias após o rompimento das tratativas de paz, foi raptada Ingrid Betancourt, ex-senadora e candidata à presidência da república. A eleição presidencial de 2002, na qual foi eleito Álvaro Uribe, de ideias profundamente conservadoras e afiliado ao Partido Liberal, marcou uma guinada na relação de poderes. Uma curiosidade de cunho pessoal permeia esta mudança no conflito: As FARC sequestraram e assassinaram o pai de Uribe. Foi o primeiro presidente que pensou em não negociar com a guerrilha. Com o avanço e modernização do exército iniciado no governo Pastrana (a parcela do orçamento destinada a fins militares cresceu a cada ano até atingir um dos níveis mais elevados do mundo) e o implemento da política de “segurança democrática” e o Plano Colômbia, Uribe foi reeleito com indicies assombrosos de aprovação popular. A guerrilha

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reconhecia o seu inevitável enfraquecimento. O número de guerrilheiros cai de 17 mil, em 2000, para cerca de 10 mil em 2007. Apesar da maioria da população reconhecer a melhora de sua vida em razão da diminuição de homicídios, maior segurança dos eixos viários, queda no número de sequestros e redução das extorsões, grande número dos feudos das FARC continuam fora de alcance. Entretanto, a banalização da prática dos sequestros e sua distribuição razoavelmente aleatória constituem um dos motivos do enfraquecimento da solidariedade social. No plano nacional concorreu mais que todo o resto para o descrédito político e ideológico da guerrilha e, concomitantemente, o incremento do apoio aos paramilitares. Neste cenário, atualmente, ao relegarem ao segundo plano o trabalho político destinado a conquistar o apoio da população, as FARC perderam muito de seu poder, outrora nivelado ou superior ao do estado em muitas regiões. Já não se trata apenas da impopularidade implicada nos sequestros ou em outras práticas, mas da tendência a impor seu domínio sem se preocupar com os sentimentos dos que se lhe submetem e, além disso, dar primazia apenas à ação militar. Encontram-se, assim, mergulhadas num campo conflituoso que já não é definido somente pelo estado, mas se ramifica em função das forças diversas que surgem da sociedade. Ao fim, este cenário de recentes baixas desferidas pelos paramilitares e exército, a perda de territórios daí decorrentes e outros fatores só podem provocar confusão nos guerrilheiros, manifestando-se pela crescente onda de deserção a partir de 2006, também consequência do enfraquecimento do ideal revolucionário, uma vez que o primado é dado às tarefas financeiras, sobretudo nas zonas de plantio de coca. De maneira conclusiva, o mundo da guerrilha no qual os combatentes estão imersos parece cada vez mais defasado em relação ao restante da sociedade.

4.3 O ESTADO E AS FORÇAS ARMADAS

O governo colombiano representa a parte legalmente institucionalizada, que tem como atores os políticos e os militares que executam as ações de combate, conforme as diretrizes governamentais.

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Com mais de 450 mil homens, o Exército é quem efetivamente participa do combate. Alguns setores mais progressistas das Forças Armadas enxergam uma saída negociada para o conflito, outros acreditam na manutenção da guerra até a rendição dos guerrilheiros64. Os gastos militares aumentaram exponencialmente. Segundo a base de dados do SIPRI65, os investimentos nas forças armadas passaram de 2.313.000,00 dólares americanos em 1988 para U$6.077.000,00 em 2000, e, segundo os dados mais recentes, o gasto militar em 2014 foi de 13 bilhões de dólares. Para fins de comparação, o Brasil, país com dimensões continentais e maior que a Colômbia econômica, populacional e territorialmente, gastou em 2014, segundo a mesma fonte, cerca de 30 bilhões de dólares. O incremento de gastos na área militar e a conseguinte modernização e desenvolvimento do exército iniciou-se no governo Pastrana, mas foi com Álvaro Uribe que atingiu seu ápice. Ao longo da história, o governo da Colômbia tem assumido diferentes posições com relação ao conflito. Em que pese a eleição de inúmeros presidentes com ideologia conservadora, tendendo a extrema direita a se posicionar contra saídas negociadas, todos, com a exceção de Uribe, tentaram negociar com as FARC. Em 2000, ainda no governo conservador de Pastrana, foi implantada a política do Plano Colômbia. Financiada conjuntamente pelos Estados Unidos, visou à redução no número de hectares destinados ao cultivo da coca, recorrendo principalmente à pulverização aérea e, acessoriamente, aos métodos manuais de destruição. Conquanto a área de cultivo tenha diminuído cerca de 50% (em 2007, a área cultivada era de apenas 67 mil hectares), o tráfico de cocaína para os Estados Unidos não teve reduções significativas66. Segundo as autoridades colombianas, o Plano Colômbia é uma estratégia governamental para a paz, a prosperidade e o fortalecimento institucional. Com ele pretendese gerar um ambicioso plano de investimentos, por meio de projetos que beneficiem de maneira rápida e eficaz os colombianos menos favorecidos. Busca, também, recuperar a confiança dos colombianos por meio do resgate das normas básicas de convivência social, da promoção da democracia, da justiça, da integridade territorial, da geração de condições de

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FELIPE, Leandra. Quem é quem no conflito armado da Colômbia. BBC, 12. Nov. 2012. http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/07/120605_colombia_quem_ac_lf.shtml. Acesso em 28-09-2015. 65 SIPRI Military Expenditure Database, 2015 http:/ www.sipri.org/research/armaments/milex/milex_database/milex_database. Acesso em 28-09-2015. 66 Plano Colômbia não interrompeu narcotráfico, mas 'enfraqueceu as Farc'. BBC, 12 mai. 2012. http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/04/120411_plano_colombia_lf.shtml. Acesso em 28-09-2015.

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trabalho, do respeito aos direitos humanos e da conservação da ordem pública, entre outros aspectos67. Por ser o governo dos EUA a origem do principal financiamento do Plano Colômbia, este passou a ser confundido com um próprio pacote financeiro norte-americano. Ainda, um dos efeitos do plano parece ser a facilitação da penetração militar norteamericana nos países da América Latina, particularmente na Colômbia. Essa presença crescente assume diferentes formas: programas de treinamento; assessoria; exercícios conjuntos; venda de material militar; estabelecimento de bases aéreas e instalação de radares, entre outras68. Estes fatores, aliados a pulverização das lavouras ilegais com herbicidas e a existência de minas terrestres antipessoal plantadas nas áreas rurais69 contribuíram de sobremaneira para as críticas direcionadas ao plano, especialmente pelos países limítrofes como Peru, Venezuela e também Bolívia, governados por presidentes de ideologia nomeada como “socialismo bolivariano”. Acusações de imperialismo e desrespeito à soberania regerem os discursos de tais líderes. No entanto, em respeito à soberania colombiana, para cumprir a tarefa de combate ao narcotráfico, as tropas norte-americanas não devem, teoricamente, se envolver diretamente nas ações contra os produtores ou traficantes de drogas, mas apenas ajudar os governos responsáveis por esse combate com apoio logístico e de inteligência. Pairam dúvidas se o combate ao narcotráfico foi utilizado como pano de fundo pelos Estados Unidos, que só estariam interessados no combate às forças revolucionárias insurgentes. Daí, extrai-se uma conclusão lógica: se o tráfico de drogas consiste no principal meio de obtenção de recursos pelos guerrilheiros, a pulverização de plantações de coca, mesmo que de maneira indireta, enfraquecem as forças revoltosas de forma contundente. Esta é a opinião de Jorge Restrepo, professor e diretor do Centro de Estudos para a Análise de Conflitos (CERAC): "Não concordo com a ideia de que combater a insurgência de esquerda tenha sido a principal meta do Plano Colômbia. Mas ele serviu a isso, na medida em que usou ataques aéreos massivos e equipou o Exército, atingindo fortemente muitas frentes e bases da guerrilha". Apesar das divergências, é conclusivo que os recursos provenientes do Plano Colômbia possibilitaram o reaparelhamento e melhor treinamento das Forças Armadas,

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ECHEVERRI, Carlos. Que es Plan Colômbia? Ministerio de Defensa Nacional, Bogotá, 12 de out. 2010. RIPPEL, Márcio Pereira. O Plano Colômbia Como Instrumento Da Política Norte-Americana Para A América Latina E Suas Conseqüências. 2004. Escola de Guerra Naval. 69 COLOMBIA’S internal refugees burgeoning. EFE News Services, Bogotá, 28 abr. 2003. 68

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iniciando a expansão que se radicalizaria no governo Uribe. Foi o Plano Colômbia que possibilitou ao Exército a retomada da ofensiva dentro da dinâmica do conflito. Além do Plano Colômbia, para tratar das forças armadas e a retomada do poder, é necessário discorrer sobre a Política de Segurança Democrática (Seguridad Democrática) defendida e implementada por Uribe. Trata-se, basicamente, de uma política governamental de segurança nacional, orientada para o fim de fortalecer o estado democrático de direito em todo território, traçando as seguintes diretrizes: i) consolidação do controle estatal dos territórios, ii) proteção da população, iii) eliminação do comércio de drogas ilícitas na Colômbia, iv) manutenção da capacidade dissuasiva e v) eficiência, transparência e prestação de contas. Propõe ainda um papel mais ativo da sociedade colombiana na luta do estado e seus órgãos de segurança frente à ameaça de grupos insurgentes e ilegais. Da mesma forma que os órgãos de segurança devem fortalecer sua atividade e presença ao longo do território, deve a sociedade colaborar a fim de atingir um êxito militar, de modo a levar os rebeldes e criminosos comuns à desmobilização e rendição. Entre as medidas objetivas provenientes da política, se inclui a criação de redes de informantes e oferecimento de recompensas, a estimulação de deserções dentro dos grupos armados, a criação de unidades de soldados camponeses e o aumento do orçamento destinado à defesa nacional. Na página virtual do ex-presidente Uribe70, o tema é abordado de forma passional:

¿Por qué defendimos la seguridad con valores democráticos? En Colombia era bastante difícil que aceptaran una propuesta política de seguridad. Las pocas ocasiones en las cuales en la agitación política se había propuesto el tema, había ganado poca aceptación comunitaria y se le señalaba como una postura ideológica derechista, militarista, fascista; se le desestimaba y descalificaba. Nosotros habíamos llegado a confundir la civilidad con la debilidad. Creíamos que la seguridad era un elemento consecuencia y no un elemento causa; creíamos que aparecería espontáneamente y que no tenía que ser incorporada como una agenda prioritaria de Estado y de Gobierno. Teníamos, también, el fantasma de la doctrina de la Seguridad Nacional, que había recorrido América Latina y que había dejado malos recuerdos, porque era para perseguir disidentes, para cimentar gobiernos autocráticos, para suprimir el disenso, para eliminar el pluralismo, para censurar la prensa y anular las 70

La esencia de la Seguridad Democrática. http://www.alvarouribevelez.com.co/es/content/seguridaddemocratica. Acesso em 28-09-2015.

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libertades. Lo que llevó a los estudiosos del tema a confundir las propuestas de seguridad con los caminos a la dictadura.

Tal política, principalmente em razão da diminuição drástica do número de sequestros por parte dos guerrilheiros e do aumento da sensação de segurança nas cidades e principais rodovias de ligação entre as regiões centrais e periféricas refletiu grande popularidade a Álvaro Uribe. Seu modo de fazer política, representando um marco de transição, deu origem ao termo Uribismo. Sua popularidade era tamanha que, após governar por oito anos, conseguiu transferir o contentamento popular na forma de votos para seu sucessor e herdeiro político, então Ministro da Defesa, Juan Manoel Santos. Santos rompeu relações com Uribe após divergências iniciadas em 2011, durante o primeiro ano de seu mandato. Primeiro, ao admitir a existência de um conflito armado no país, termo que não era usado por Uribe, e depois o processo de ruptura foi finalizado quando estabeleceu uma política de restituição de terras e iniciou o processo de paz com as Farc em 201271.

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LEANDRA, Felipe. Juan Manuel Santos é reeleito presidente da Colômbia. Agencia Brasil, 15 jun 2014. http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2014-06/juan-manuel-santos-e-reeleito-presidente-na colombia. Acesso em 30-09-205.

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5. A NEGOCIAÇÃO DE PAZ DO GOVERNO SANTOS: ANTECEDENTES E CRONOLOGIA

Desde os anos oitenta se vem produzindo múltiplos esforços de construção da paz, tanto por parte dos atores do conflito como da sociedade colombiana. O presidente Betancourt convocou as guerrilhas para um acordo de paz. Dois anos depois, as FARC ordenaram um cessar fogo que durou formalmente até 1990, quando o presidente Gaviria ordenou um ataque ao centro de mando da guerrilha. Em 1992, se celebraram encontros com as guerrilhas então não desmobilizadas em Caracas e Tlaxcala (México), entre o Governo e a Coordinadora Guerrillera Simón Bolívar, da qual faziam parte as FARC, o ELN e o EPL. No entanto, as negociações ficaram suspensas depois que as FARC assassinaram um ministro sequestrado. O apoio em busca de um processo de paz com as FARC teve seu ápice durante o mandato do presidente Andrés Pastrana, que manteve a convicção de que se podia negociar em meio ao conflito, sem o ato de cessar fogo. A finais de 1998, o presidente permitiu a desmilitarização de uma ampla zona do país para negociar com a guerrilha, com a qual acordou uma agenda de 12 pontos: Agenda Comum para a mudança à uma nova Colômbia (Agenda Común para el cambio hacia una nueva Colombia, ou Agenda de La Machaca, de maio de 1999). Porém, como ocorrido durante o governo Gaviria nas negociações de 1992, se interromperam definitivamente o dialogo com as FARC depois de vários momentos de crise, entre eles o sequestro de um avião comercial. Em fevereiro de 2005, o secretário geral da ONU suspendeu a missão de bons ofícios para a busca de aproximação com as FARC depois de seis anos de atividade, já que reconhecida a impossibilidade de realizar essa tarefa e poder manter um contato direto com os responsáveis pela guerrilha. O novo presidente, Juan Manuel Santos, em seu discurso de investidura em agosto de 2010, manifestou que “a porta do diálogo não está fechada com chave”, e adicionou: “Eu aspiro, durante meu governo, semear as bases de uma verdadeira reconciliação entre os colombianos. Aos grupos armados ilegais que invocam razões políticas e hoje falam outra vez de dialogo e negociação, lhes digo que meu Governo estará aberto a qualquer conversação que busque a erradicação da violência e a construção de uma sociedade mais prospera, equitativa e justa”.

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Asseverou, ainda, que era necessário que o próprio Estado reconheça sua responsabilidade no conflito para poder “passar a página” para uma Colômbia sem medo, julgando os atores estatais que se aliaram com setores ilegais para fins de perpetração da violência no país. Admitiu, portanto, que “o Estado havia sido responsável, por omissão ou ação direta de seus membros, por graves violações dos direitos humanos”. Ao abrir a porta do diálogo para a negociação com as FARC, Santos estava convencido de que o fim do conflito se daria através de uma saída política, e não militar, contrariando seu predecessor e padrinho político, Álvaro Uribe. Informações provenientes de diferentes fontes, durante os primeiros meses de 2012, apontavam para a existência de conversações iniciais entre o Governo e as FARC, fato confirmado pelo próprio presidente no mês de agosto, quem agregou que a aproximação se pautaria pelos seguintes princípios: 1) aprender dos erros do passado para não repeti-los; 2) qualquer processo tem que levar ao fim do conflito, não a sua prolongação e 3) se manterão as operações e presença militar sobre cada centímetro do território nacional. O presidente da Venezuela exerceu seus bons ofícios em todos estes primeiros contatos, optando as partes que a Noruega atuaria como observadora. Posteriormente, decidiuse que Chile e Venezuela atuariam como acompanhantes, e que Cuba acompanharia a Noruega na qualidade de garantidores do processo de paz. Em setembro de 2012, em uma solene cerimonia na capital Bogotá, o presidente Santos e as FARC (em Cuba), anunciaram o inicio de um processo de paz “sério, digno, realista e eficaz” e apresentaram uma folha de cinco pontos norteadores das tratativas, sob a máxima de que “nada está acordado hasta que todo está acordado” :

1) Política de desenvolvimento agrário integral; 2) Participação política; 3) Fim do conflito; 4) Solução ao problema das drogas ilícitas; 5) Vítimas.

As regras estabelecidas para a negociação são bem claras:

- Cada equipe negociadora poderá contar com 30 membros. - Em cada sessão da mesa poderão participar até dez pessoas por delegação e, como máximo, cinco terão a condição de plenipotenciário, é dizer, com capacidade de decisão.

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- A mesa convocará experts nos distintos pontos da agenda. Estes assessores temáticos não formarão parte permanente das negociações. - O acordo contempla a publicação de informes periódicos. - O acordo inclui um mecanismo de recepção de propostas sobre os pontos da agenda dos cidadãos e organizações. - A mesa é autônoma; nada do que ocorra no exterior, incluídos os eventos da guerra, afeta as discussões.

De maneira surpreendente, as FARC anunciaram um cessar fogo unilateral por dois meses, a fim de ambientar positivamente os diálogos. Em outubro de 2013 o Senado aprovou uma lei que permitiria, em caso de eventual acordo de paz com a guerrilha, a celebração de um referendum no dia das eleições presidenciais para aprovação (ou não) do acordo de paz. Recentemente, no mês de setembro/2015, o presidente asseverou o compromisso com o referendo: "A população terá a oportunidade de dizer sim ou não. Não sou obrigado, legalmente, mas prometi desde o início e, sim, vamos submetê-lo quando estiver pronto"72. Após seis rodadas de diálogos em Havana, o Governo e a guerrilha chegaram a um acordo sobre vários aspectos do tema agrário, o primeiro ponto da agenda, o que gerou confiança entre as partes e boa disposição para tratar do segundo tema, muito mais controvertido e polêmico: o da participação política. Desde este momento, uma delegação de congressistas viajou a Cuba para tratar, em que pese ser o último ponto da tratativa de paz, sobre o tratamento das vítimas, haja vista a necessidade de larga reflexão entre as partes a respeito do tema. Desta forma, se puseram em marcha encontros nacionais e no exterior (sabendo da existência de refugiados em outros países), que, liderados pelas Comissões de Paz do Congresso, se encarregaram de coletar opiniões das vitimas para leva-las para mesa de diálogos em Cuba. Em relação às armas, o comandante das FARC, Paulo Catatumbo, manifestou que estavam dispostos a deixa-las, mas não a entregá-las, mostrando disposição para que estas armas deixassem de ser empregadas na guerra. Neste sentido, as FARC demonstraram interesse no processo da Irlanda do Norte no que tange à destruição do arsenal do IRA e dos grupos paramilitares unionistas, realizada sem a presença de câmeras ou repórteres. Deste modo, parlamentares irlandeses assessoraram o grupo negociador.

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NINIO, Marcelo. Acordo com Farc terá referendo, diz presidente da Colômbia. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 set. 2015. http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/09/1688716-acordo-com-farc-tera-referendo-dizpresidente-da-colombia.shtml. Acesso em 05-10-2015.

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Por sua parte, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) anunciou que, em caso de êxito nas negociações de paz, poderiam ser realizados “investimentos nas zonas que o governo não teve ou não pode ter presença”. Em ação simbólica, o Conselho de Estado devolveu a personalidade jurídica à União Patriótica (UP), braço político das FARC, criado nos anos oitenta com participação do Partido Comunista e exterminado entre 1986 e 1994 pelos paramilitares e forças governamentais. Em meados de agostos/2013, sete dos nove magistrados da Corte Constitucional, depois de seis meses de intensos debates jurídicos, deram a bendição ao Marco Jurídico para a Paz (folha de conduta do Estado colombiano nas negociações), não sem antes impor claros limites para as tratativas. Assinalaram que aqueles que aspiram aos benefícios das penas alternativas deverão cumprir requisitos como por fim à guerra, deixar definitivamente as armas, cumprir com a entrega dos menores de idade que estiveram em suas filas e entregar também os corpos das vítimas. As vítimas expressaram a necessidade de que se esclareça a verdade do que se passou durante o conflito armado, solicitando, para tanto, a criação de uma comissão da verdade, aspecto também demandado pelas FARC. Em setembro do mesmo ano, se celebrou em Bogotá um fórum cidadão sobre drogas ilícitas, que era o ponto quarto do acordo de paz. No fim de 2013, as FARC e o Governo anunciaram que 15 pontos sobre participação políticas foram acordados. Em relação ao Exercito de Liberação Nacional (ELN), ainda não desmobilizado, se especulou que o Governo poderia iniciar conversações exploratórias em Cuba com a guerrilha. Contudo, em janeiro de 2013 o presidente Santos deu por terminados os diálogos e retirou os salvo-condutos conferidos aos delegados do ELN para viajar à ilha caribenha. As tratativas de paz com o ELN são mais complexas se comparadas aos acordos tentados com as FARC, em razão de sua natureza ideológica e principalmente em sua insistência para que houvesse participação popular em eventual negociação. Em junho/2013, os máximos comandantes da ELN, juntamente com as FARC, fizeram uma declaração pela paz. Em épocas não muito distante, ambas guerrilhas colaboraram no plano militar, porém desta vez a declaração foi a favor de um objetivo mais nobre73:

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FISAS, Vicenç. Anuário de processo de paz 2015. Escola de Cultura de Pau, Barcelona.

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“la más noble, justa y legítima aspiración de nuestro pueblo […]. La solución política al conflicto social y armado, que implica el cese de la guerra sucia y la agresión contra el pueblo, es parte de nuestro horizonte estratégico por la paz en Colombia […]. La solución política no puede ser entendida como la simple desmovilización y desarme de las guerrillas, sin cambios estructurales para que todo siga igual, sino como el camino que conduzca a la solución de las causas que generaron la guerra y hacia una democratización plena [….]. Una Asamblea Nacional Constituyente sería un mecanismo idóneo por cuando convocaría a nuevos y auténticos consensos construidos con la más amplia y plena participación de la sociedad […]. (La Asamblea) debe contar con la participación representativa de la insurgencia y la participación democrática de todos los sectores que integran la nación”.

Esta declaração conjunta foi interpretada como o desejo das FARC de que se abra, em paralelo, uma negociação com o ELN nas tratativas de paz do governo Santos (conforme se abordará nos próximos capítulos). Segundo Carlos Medina74, a dificuldade em negociar com a guerrilha advém, ao contrário das FARC, de sua ênfase operativa que se dá nos aspectos organizativos de construção de imaginários políticos e práticas sociais reivindicativas em seu relacionamento com as bases sociais, que se sobrepõe em relação aos aspectos operacionais militares. Manoel Santos insistiu que não haveria dois modelos diferentes de negociação. Assim, especulações surgiram, apontando para possibilidade de inclusão do ELN no acordo de paz com as FARC, de modo que a guerrilha acolheria os pontos já decididos e participaria da discussão dos temas ainda não acordados. No entanto, as críticas da guerrilha sobre as precondições do governo para avançar nas negociações, como confidencialidade, diálogo direto e no exterior, a não discussão de temas vinculados a gênesis do conflito (forças armadas, soberania nacional, economia, o estado, etc), aliados à inflexibilidade do ELN e a onerosa exigência da participação popular, não acatada pelo Governo, congelaram o inicio das conversações. Além disso, desagradava à guerrilha o princípio segundo o qual era regido o acordo de paz com as FARC de que “nada está acordado hasta que todo está acordado”, preferindo um esquema de cumprimento dos temas à medida que se vão aprovando na mesa de negociações. De fato, um acordo com o ELN não parece ser prioridade para o governo Santos.

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GALEGGO, Carlos. ¿Por qué no hay conversaciones con el ELN?. Arco Iris, 6 jun. 2013. http://www.arcoiris.com.co/2013/06/por-que-no-hay-conversaciones-con-el-eln/. Acesso em 10-09-2015.

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Em 15 de junho de 2014, Santos ganhou o segundo turno das eleições presidenciais, com quase 51% dos votos, frente a 45% de seu opositor Zuluaga. Com sua vitória, mesmo que por apertada margem, Santos garantia a continuidade das negociações com as FARC. Mesmo antes das eleições gerais de maio e depois de cinco meses de negociações, o Governo e as FARC chegaram a um acordo sobre o quarto ponta da agenda, relativo à solução ao problema das drogas ilícitas. As partes convencionaram o emprego de medidas alternativas que conduzam ao bem estar das comunidades dos territórios afetados pelo cultivo de coca e outras matérias primas para produção de entorpecentes, como maconha e papoula. Entre elas, destaca-se o enfoque de saúde pública, a participação cidadã em assembleias comunitárias para a resolução do problema, a criação de um novo Programa Nacional Integral de Sustitución de Cultivos Ilícitos, a substituição manual dos cultivos nos casos em que os cultivadores manifestem sua decisão de não participar do programa de substituição, assegurar a retirada de minas terrestres das zonas cocaleiras, a criação de um Programa Nacional de Intervención Integral frente al Consumo de Drogas Ilícitas, fortalecer a presença e efetividade institucional na investigação e sanção de delitos associados ao narcotráfico, a luta contra corrupção associada ao narcotráfico e promover uma conferencia internacional no âmbito das Nações Unidas, a fim de reflexionar acerca da luta contra as drogas. Em relação ao ponto cinco da agenda, Vítimas, as FARC e o Governo surpreenderam ao fazer público uma “Declaración de principios para la discusión del punto 5 de la Agenda: “Víctimas” (anexa à este trabalho), na qual reconheciam sua responsabilidade no conflito e se comprometiam a dar voz às vítimas. Em cumprimento à declaração, foram escolhidas por iniciativa e de comum acordo entre os líderes das partes negociadoras as vitimas que, em primeira instância, poderiam viajar a Havana e participar das negociações do ponto cinco da agenda. Precisamente, Santos assegurou que o fato das vítimas viajarem a Havana não quer dizer que está em pauta a negociação de seus direitos: “No son negociables. Lo que hicimos fue dar un paso audaz para que las propias víctimas nos dijeran a las dos partes en la mesa cómo quisieran ellas mismas que nosotros respetáramos sus derechos”75. A princípios de agosto, a Corte Constitucional resolveu a segunda e última demanda que enfrentava o Marco Jurídico para a Paz, e deixou em mãos do Congresso definir quais 75

REYES, Elizabeth. Las FARC admiten el daño causado a los colombianos en 50 años. EL Pais, 30 out. 2014.

http://internacional.elpais.com/internacional/2014/10/30/actualidad/1414705041_010141.html. Acesso em 0910-2015.

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seriam os delitos conexos ao delito político. O Marco é, basicamente, uma reforma constitucional aprovada em 2012, que permite que não se julguem todos os milhares de crimes cometidos no conflito armado, mas que se priorizem e selecionem os mais notórios. Na segunda quinzena de setembro viajou a Havana o segundo grupo de vítimas. Enquanto isso, as vítimas das FARC declararam que formariam sua própria comissão histórica. No mesmo mês, aproveitando sua ida à Assembleia Geral da ONU, o presidente Santos se encontrou com o secretário geral do órgão, que se manteve disposto a colaborar na etapa pós-conflito, em frentes como a cooperação econômica, verificação dos acordos e a reincorporação à vida civil de quem deixar as armas. Há de se frisar que qualquer intervenção ou participação da ONU deverá contar com a aprovação das FARC, conforme acordado. Ainda no mês de setembro de 2014, a fim de contestar algumas críticas de setores opostos à negociação, o Governo e a guerrilha decidiram publicar a totalidade dos acordos alcançados até o momento76. Durante o mês seguinte, as FARC, como nunca antes na história, declararam por meio de uma liderança que “es evidente que hemos intervenido de manera activa en el conflicto y hemos impactado al adversario y de alguna manera afectado a la población que ha vivido inmersa em el conflicto… Reconocemos explícitamente que nuestro accionar ha afectado a civiles en diferentes momentos y circunstancias a lo largo de la contienda, que al prolongarse ha generado mayores y múltiples impactos, pero jamás como nuestra razón de ser”. Ou seja, a guerrilha finalmente reconhecia os danos causados aos colombianos no decorrer de 50 anos do conflito. Este anúncio foi considerado como histórico, já que a guerrilha se negava a reconhecer sua culpa no conflito com o argumento de que suas ações foram, simplesmente, uma resposta à violência do Estado77. Em dezembro, a Corte Penal Internacional (CPI) advertiu que um eventual acordo de paz com as FARC deveria ser compatível com o Estatuto de Roma, e recordou que os processos judiciais que não cumpram esta condição e sejam qualificados como “não autênticos” e “não genuínos”, poderiam passar para sua competência. A fim de evitar a intervenção do TPI, um acordo entre as partes envolvidas nas negociações asseverou que não serão objeto de anistia ou indulto as condutas tipificadas na 76

Documentos Y Comunicados Conjuntos De La Mesa. Mesa de Conversaciones, 12 jun. 2015. https://www.mesadeconversaciones.com.co/formulario-participacion. Acesso em 08-10-2015. 77 REYES, Elizabeth. Las FARC admiten el daño causado a los colombianos en 50 años. EL Pais, 30 out. 2014. http://internacional.elpais.com/internacional/2014/10/30/actualidad/1414705041_010141.html. Acesso em 0910-2015.

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legislação nacional que correspondam aos delitos de lesa humanidade, genocídio e os graves crimes de guerra – todos estes tipificados pelo Estatuto de Roma78. Cabe esclarecer que a Colômbia ratificou uma série de instrumentos internacionais através dos quais o Estado se compromete a investigar, julgar e sancionar a quem cometam certos tipos de delitos que impliquem em violações graves dos direitos humanos. É de particular importância o dito Estatuto de Roma, mediante o qual se criou a Corte ou Tribunal Penal Internacional. Através da ratificação deste instrumento, o Estado colombiano se obrigou a julgar e condenar adequadamente a quem cometa os crimes de genocídio, agressão ou crimes de lesa humanidade e, em caso de não fazê-lo, a extraditar essas pessoas para que sejam julgadas pela corte79. Em que pese o discurso romantizado que permeia todas as tratativas de paz, há que se tratar de uma questão prática que, apesar de pouco mencionada, é de suma importância para a pacificação da Colômbia de forma permanente. Isto porque é na etapa do pós-conflito que os acordos de paz costumam fracassar, conforme vastos precedentes não só na América Central, mas em todo mundo. Os acordos de paz apenas põe fim à violência armada vinculada ao conflito, mas não termina com o conflito propriamente dito, que é permeado por aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, devendo ser gerenciados sabiamente durante os anos seguintes. Deste modo, o financiamento do pós-conflito deve ser planejado de maneira cautelosa em todas suas minúcias. Contabilizaram-se cifras muito diferentes quanto à previsão de custos. No entanto, os senadores que integravam a Comissão de Paz previram um total de 6.5 bilhões de dólares para o pós-conflito, sem, no entanto, definir a fonte de tais recursos. O governo colombiano anunciou, depois da viagem de Santos à Europa, a assinatura de dez contratos de financiamento junto à Comissão Europeia e demais países do continente para a captação de 12 milhões de euros no prazo de dois anos. Os países que manifestaram sua disposição econômica foram, entre outros, Estados Unidos, Alemanha (que concedeu um crédito de 100 milhões de dólares até 2016 para investimentos na construção de paz, concretamente para prevenção, assistência e reparação integral de vítimas, processos de desmobilização, desenvolvimento rural, assim como para o fortalecimento das capacidades

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LAFUENTE, Javier. El Gobierno y las FARC se dan seis meses para firmar la paz en Colombia. El País,Bogotá, http://internacional.elpais.com/internacional/2015/09/23/actualidad/1443034878_643790.html. Acesso em 09-10-2015. 79 RETTBERG, Angelika. Entre el perdón y el paredón. Preguntas y dilemas de la justicia transicional, Corcas Editores Ltda. Colômbia, 2005.

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nacionais e territoriais), Bélgica, Espanha (que se comprometeu a liderar a aportação dos países da União Europeia), Suíça, Noruega, Suécia, etc. Em relação às organizações internacionais, o FMI se comprometeu a explorar mecanismos para financiar o processo de paz. O Banco Mundial aprovou um fundo proveniente de múltiplos doadores, com a primeira inversão por parte da Suécia. A Espanha, enquanto membro não permanente do Conselho de Segurança em 2015 (CS-ONU), prometeu gerenciar o apoio do influente órgão, visando a colaboração internacional no processo de paz e no período pós-conflito. O catalão Vicenç Fisas, estudioso do processo de paz, tece críticas ao modelo de financiamento do processo80. Entende que se está manejando a questão de forma confusa e ingênua, no entanto, seguramente sem má-fé. A seguinte questão é suscitada pelo espanhol: O financiamento internacional não contraria a responsabilidade que hão de assumir todos os atores que, de um modo ou de outro, participaram do conflito durante década? Ressalta que a Colômbia é um país de vasta riqueza natural, com uma economia crescente, um PIB considerável e um sistema financeiro saudável. Não pode, por corolário lógico, ser comparado a outros países cujos Estados não podem subvencionar seu pós-conflito armado e necessitam da intervenção do Banco Mundial ou outros organismos ou países (como os africanos). Adiciona que o Estado colombiano pôde assumir a maior parte do custo da desmobilização e reintegração das AUC e desmobilizações individuais, em um número muito superior aos atuais efetivos das FARC e ELN. Conclui que o financiamento deve partir da economia propiciada pela redução nos gastos militares, que diminuirão em razão dos acordos de pacificação (entre 30% e 50%, de acordo com a experiência de outros países). Além disso, tanto as autodefensas como as guerrilhas subtraíram, por meio da força, grandes quantidades de terra para si, tal como empresas lavaram dinheiro de maneira ilícita. Estes bens devem ser devolvidos à sociedade, e convertidos em ativos a disposição do pós-conflito. De outro modo, muitas empresas, nacionais e estrangeiras, se beneficiarão da paz, devendo aportar grandes somas de dinheiro no país. Previsões do Bank of America Merrill

80

MEJIA, Adriana. ¿Qué papel juega Vicenç Fisas en el Proceso de paz? “Esa pregunta no se hace”. Las 2 Orillas, Bogotá, 21 ago, 2013. http://www.las2orillas.co/que-papel-juega-en-el-proceso-de-paz-con-las-farc-esapregunta-se-hace/. Acesso em 08-10-2015.

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Lynch calculam um acréscimo de até 3,8% ao PIB da Colômbia em caso de sucesso do processo de paz81. Em setembro de 2015 o Governo e a guerrilha deram um passo crucial na consolidação das negociações para por fim ao conflito. Juan Manoel Santos e o líder das FARC, Rodrigo Londoño, chamado de Timochenko, anunciaram na presença de Raúl Castro um acordo sobre a justiça transicional (anexo 01) – o ponto mais complexo de todos – e se deram seis meses para firmar o acordo de paz definitivo. Timochenko, sempre trajado com uniforme militar, utilizou uma camisa branca no momento do anúncio, assim como Santos e Castro, em momento emblemática das tratativas. Fixaram a data de 23 de março de 2016 para a apresentação do acordo, que, uma vez firmado, dariam às FARC o prazo de 60 dias para deixar as armas82.

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COSOY, Natalio. Cuánto cuesta, cómo se paga y qué se puede ganar con una eventual paz en Colombia. BBC Mundo, 20 jul. 2015. http://www.bbc.com/mundo/noticias/2015/07/150717_colombia_economia_cuanto_cuesta_paz_nc. Acesso em 08-10-2015, 82 LAFUENTE, Javier. El Gobierno y las FARC se dan seis meses para firmar la paz en Colombia. El País, Bogotá, 24 set. 2015. http://internacional.elpais.com/internacional/2015/09/23/actualidad/1443034878_643790.html. Acesso em 0910-2015.

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6. A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

6.1 LINHAS GERAIS Segundo Elster83, “a história moderna da justiça das transições à democracia começa essencialmente com a derrota da Alemanha, Itália e Japão em 1945. Na Alemanha, os processos de justiça transicional começaram imediatamente depois da guerra e ainda continuam no presente”. Asseverem Stutz e Torelly84, com base em Teitel85, que o moderno conceito de justiça de transição admite três fases históricas, sendo, em 1945 sua inauguração e 1º fase. Caracteriza este período uma crítica de viés histórico quanto à incapacidade das forças democráticas de terem estabelecido, em 1919, um processo de justiça capaz não apenas de satisfazer a justiça após a primeira guerra, mas como, e de forma definitivamente mais relevante, de evitar a repetição da perpetração de crimes bárbaros. Continuam Torely e Stutz, afirmando que “(...) os julgamentos nacionais do primeiro pós-Guerra não serviram para deter futuras carnificinas. Numa resposta crítica evidente ao passado, a justiça transicional do segundo pós-Guerra começou por abster-se de julgamentos nacionais, ao invés, procurou a responsabilização criminal internacional para a liderança do Reich. Assim, o nascimento da ideia moderna de justiça de transição conecta-se de forma visceral a ideia de não-repetição, elegendo a via criminal como meio eficaz tanto para a aplicação de medidas retributivas quanto para a formulação de um marco social significante do repúdio a determinadas práticas”.

Desde o início da década de 80, os países da América Latina experimentaram diversos processos de transformação política. Em termos gerais, essa mudança consistiu na transição de regimes autoritários para regimes democráticos (em ditaduras militares como as sofridas no Brasil, na Argentina e Chile). Em alguns casos específicos - tais como os da Guatemala, de El Salvador e, agora, de certa forma, da Colômbia - tratou-se de processos de 83

ELSTER, Jon. Rendición de Cuentas – La Justicia Transicional en Perspectiva Histórica. Buenos Aires: Katz, 2006. 84 ALMEIDA, Enea e TORELLY, Marcelo. Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional: Estudo preliminar sobre o papel dos direitos decorrentes da transição política para a efetivação do estado democrático de direito. Revista Sistema Penal e Violência, Vol. 2, nº 2. Porto Alegre, 2010. 85 TEITEL, Ruti. Transitional Justice. Oxford e New York: Oxford University Press, 2000.

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pacificação depois de confrontos armados de proporções tais que alcançam o nome comum de “guerra civil”. Assim, os desafios e deveres que as sociedades que emergem do autoritarismo ou da violência armada enfrentam não são somente os relativos à conquista de uma transição efetiva em termos de institucionalidade política; são, também, e, centralmente, tarefas referidas à provisão de medidas de justiça frente às vítimas de violações de direitos humanos, ao esclarecimento e ao reconhecimento coletivo e crítico dos fatos do passado e, em última instância, à criação de condições para uma paz sustentável. Tais tarefas constituem o campo da justiça de transição - ou justiça nas transições86. De acordo com Angelika Rettberg87, a justiça de transição pode ser definida como o tipo de arranjos judiciais e extra-judiciais que facilitam e permitem a transição de um regime autoritário à uma democracia ou de uma situação de guerra à uma de paz, buscando aclarar a identidade e os destinos das vítimas e dos perpetradores, estabelecer os fatos relacionados com as violações aos direitos humanos em situações de autoritarismo e/ou conflito armado e designar as formas pelas quais uma sociedade abordará os crimes perpetrados e as necessidades de reparação. A justiça é transicional na medida em que busca construir pontes entre regimes distintos e momentos políticos diferentes. Ao momento que se introduz mecanismos judiciais de exceção, se nutre também de práticas judiciais previas e estabelece as bases para os sistemas judiciais pós autoritários ou pós conflitos. Neste sentido, mais que apenas abordar as violações dos direitos humanos cometidos durante um determinado tempo, a justiça transicional tem também pretensões fundacionais de novas ordens políticas e judiciais. Rettberg esclarece que o fato de não existir uma única forma para abordar a transição não significa que não existam alguns parâmetros básicos da justiça transicional. Com efeito, durante as duas últimas décadas, por ocasião dos êxitos e fracassos das experiências de transição, gerou-se uma série de consensos internacionais em torno dos requerimentos básicos da justiça em períodos de transição – estabelecidos em informes e declarações dos órgãos dos distintos sistemas de proteção dos direitos humanos, assim como nos tratados internacionais, na doutrina e na jurisprudência internacional.

86

. REATEGUI, Felix. Justiça de transição: manual para a América Latina / coordenação de Félix Reátegui. – Brasília : Comissão de Anistia, Ministério da Justiça ; Nova Iorque: Centro Internacional para a Justiça de Transição , 2011. P. 36. 87 RETTBERG, Angelika. Entre el perdón y el paredón. Preguntas y dilemas de la justicia transicional, Corcas Editores Ltda. Colômbia, 2005.

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Definiu-se a competência estatal para, por exemplo, definir um sistema concreto de reparações às vitimas de violações de direitos humanos, assim como as normas que regulam os processos judiciais que devem tramitar e estratégias não judiciais de reconstrução da verdade. Faz se importante a observância das diretrizes do direito internacional e que seu conteúdo concreto seja o resultado de um amplo consenso, de tal forma que contribua decisivamente à reconciliação e ao fortalecimento do estado de direito. Segundo O’Donnell e Schmitter88, autores da cultuada obra de ciência política Transiciones desde un gobierno autoritario. Conclusiones tentativas sobre las democracias inciertas, a incerteza é um elemento central dos processos de transição. Conquanto o livro trate de transições de governos autoritários à democracia, nada impede o emprego de suas lições no caso colombiano. Caracteriza o processo de transição, segundo eles, um alto grau de incerteza porque as regras e procedimentos transicionais são objeto de árdua contenda, na qual os atores envolvidos lutam por defini-las de acordo com sua ideologia e benefícios a serem obtidos. Destacam, ainda, a importância da participação da sociedade civil nos processos de transição: “a dinâmica da transição desde a dominação autoritária não depende somente das predisposições, cálculos e pactos estabelecidos pela elite. Uma vez que algo aconteça, é provável que haja uma mobilização generalizada, que preferimos descrever como a ressurreição da sociedade civil”89. Já Bickford90 conceitua a justiça de transição nos seguintes termos:

O conceito é comumente entendido como uma maneira de confrontar o passado abusivo como um componente da transformação macro política. Isto geralmente envolve a combinação de estratégias complementares judiciárias e extrajudiciárias, tais como ações de investigação contra os torturadores, o estabelecimento de comissões da verdade e outras formas de investigação sobre o passado; concentrando esforços em direção à reconciliação nas sociedades divididas, desenvolvendo reparações em bloco para aqueles mais fortemente atingidos pela violência ou abuso, trazendo à tona o direito à memória e lembrando as vítimas; e reformando um amplo

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O´DONNEL, Guillermo; PH, Schmitter. Transiciones desde un gobierno autoritario. Conclusiones tentativas sobre las democracias inciertas. Prometeo, Buenos Aires, 1989. 89 PARBELINI, Melina. Transiciones a la democracia: temor, incertidumbre y compromiso intelectual y politico. 2012, Argentina. 90 BICKFORD, Louis. Transitional Justice. In: The Encyclopedia of Genocide and Crimes Against Humanity. Volume III. Nova Iorque: MacMillan, 2004. p. 1045-1047.

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espectro das instituições de Estado que serviram à perpetração dos abusos (tais como serviços de segurança, polícia ou militares).

Segundo Paul van Zyl91, pode-se definir a justiça transicional como o esforço para a construção da paz sustentável após um período de conflito, violência em massa ou violação sistemática dos direitos humanos. O objetivo da justiça transicional implica em processar os perpetradores, revelar a verdade sobre crimes passados, fornecer reparações às vítimas, reformar as instituições perpetradoras de abuso e promover a reconciliação. O que foi mencionado anteriormente exige um conjunto inclusivo de estratégias formuladas para enfrentar o passado assim como para olhar o futuro a fim de evitar o reaparecimento do conflito e das violações. Considerando que, com frequência, as estratégias da justiça transicional são arquitetadas em contextos nos quais a paz é frágil ou os perpetradores conservam um poder real, deve-se equilibrar cuidadosamente as exigências da justiça e a realidade do que pode ser efetuado a curto, médio e longo prazo. O internacionalista sul-africano elenca dois motivos para o fortalecimento da Justiça de Transição nos dias atuais. Primeiramente, em outubro de 2000, quando o Secretário Geral da ONU apresentou ao Conselho de Segurança um relatório em que se expunha pela primeira vez o foco das Nações Unidas sobre as questões da justiça transicional, criou-se um acordo importante. Tratou-se de um desenvolvimento extremamente relevante tanto em termos operativos quanto normativos. Em segundo lugar, o fortalecimento da democracia em muitos lugares do mundo, em especial na América Latina, Ásia e África e o surgimento de organizações cada vez mais sofisticadas da sociedade civil têm contribuído para fundar as instituições e a vontade política necessária para confrontar um legado de violações dos direitos humanos e conseguir que as políticas se traduzam em ações. Cinco pontos são considerados chaves para o sucesso da justiça transicional, a saber: a) Justiça; b) A busca da verdade; c) Reparação; d) Reformas institucionais e e) Reconciliação, os quais trataremos em separado a seguir. (Para Rettberg, são quatro: 1. a satisfação do direito à justiça; 2. a satisfação do direito à verdade; 3. a satisfação do direito à reparação das vítimas e 4. a adoção de reformas institucionais e outras garantias de não repetição. Eneá de Stutz e Almeida e Marcelo D. Torelly92 também elencam quatro

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VAN ZYL, Paul. Promoting Transitional Justice in Post-Conflict Societies. Security Governance in PostConflict Peacebuilding, Alan Bryden e Heiner Hänggi (eds.). DCAF, Genebra, 2005. 92 ALMEIDA, Enea e TORELLY, Marcelo. Justiça de Transição, Estado de Direito e Democracia Constitucional: Estudo preliminar sobre o papel dos direitos decorrentes da transição política para a efetivação do estado democrático de direito. Revista Sistema Penal e Violência, Vol. 2, nº 2. Porto Alegre, 2010.

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mecanismos base utilizados na justiça transicional - Políticas de reconciliação, esquecimento e memória; Políticas de reparação às vítimas de abusos; Alteração do Sistema de Justiça para o devido processamento de crimes).

a) Justiça Talvez, a efetiva justiça seja o ponto mais intricado, complexo e discutível nos momentos de transformação política e superação de eventos traumáticos de grandes proporções. Isto porque é forçoso reconhecer que o sistema de justiça penal tal como conhecemos estão desenhados para sociedades em que a violação da lei constitui a exceção e não a regra. Quando se trata de violações generalizadas e sistemáticas que envolvem dezenas ou centenas de crimes, os sistemas da justiça penal simplesmente não são suficientes. Isso se deve ao fato de que o processo da justiça penal deve demonstrar um comprometimento minucioso com a equidade e o devido processo legal, com a necessária implicação de uma designação significativa de tempo e princípios a serem estritamente observados e cumpridos93. Trata-se o julgamento das partes atuantes no conflito, responsáveis por infringir a lei, notadamente aqueles que infringiram direitos humanos, de instrumento crítico e esforço louvável para confrontar um legado de arbitrariedades e abuso. A justiça, nestes casos, além das funções clássicas como evitar novos delitos e sancionar o agente criminoso, tem o condão de dar consolo às vítimas e fazer pensar um novo grupo de normas, dando impulso ao processo de reformar as instituições governamentais, agregando-lhes confiança94. Também é importante destacar que o reconhecimento da incapacidade estrutural dos sistemas tradicionais da justiça penal para enfrentar as atrocidades em massa não deve ser interpretado como uma deslegitimação do papel do julgamento ou da pena no processo de encarregar-se dos crimes do passado. Os processos também podem auxiliar a restabelecer a confiança entre os cidadãos e o Estado demonstrando àqueles cujos direitos foram violados que as instituições estatais buscam proteger e não violar seus direitos. Isso pode ajudar a reerguer a dignidade das vítimas e diminuir seus sentimentos de raiva, marginalização e afronta. 93

Unfinished business: South Africa’s Truth and Reconciliation Commission”, Bassiouni, C. (ed.), Post-Conflict Justice (2004), in ________ VAN ZYL, Paul. Promoting Transitional Justice in Post-Conflict Societies. Security Governance in Post-Conflict Peacebuilding, Alan Bryden e Heiner Hänggi (eds.). DCAF, Genebra, 2005. 94 Roht-Arriaza, N. (ed.). Impunity and Human Rights in International Law and Practice. Oxford University Press: Oxford, 1995. In _______ VAN ZYL, Paul. Promoting Transitional Justice in Post-Conflict Societies. Security Governance in Post-Conflict Peacebuilding, Alan Bryden e Heiner Hänggi (eds.). DCAF, Genebra, 2005.

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No entanto, é importante reconhecer e aceitar que o julgamento só pode, em todos os casos, ser uma resposta parcial no processo de enfrentar a violação sistemática dos direitos humanos. A esmagadora maioria das vítimas e dos perpetradores de crimes em massa jamais encontrarão a justiça em um tribunal e, por isso, faz-se necessário complementar os julgamentos com outras estratégias. Segundo Vicenç Fisas95, em entrevista na qual falou especificamente sobre o caso colombiano, o pesquisador asseverou que se olharmos para os processos de paz dos últimos 30 anos, ninguém vai para a cadeia quando se firma um acordo de paz. Segundo ele, “para que exista o fim do conflito armado, é melhor buscar medidas de justiça restaurativa que pegar penas de reclusão, pois esta última opção implicaria que a maioria dos guerrilheiros não deixariam as armas”. Emerge, desta forma, um inevitável paradigma legal: de um lado, uma preocupação com a proteção e o respeito da dignidade humana como valores universais e inerentes à espécie, e a convicção de que esses valores não podem ser postergados em nenhum caso e de outro a tão desejada paz96. Trata-se de um conflito de princípios. Até que ponto a legislação em vigor pode ser, de certa forma, relativizada, a fim de propiciar a pacificação de uma nação que conviveu por mais de 50 anos com sistêmicos atos de crueldade e desrespeito aos direitos humanos? Nesta questão, neste verdadeiro sopesamento de valores, temos a própria razão de ser da justiça de transição. Neste sentido, dos processos de transição podem emergir uma tensão entre os direitos das vítimas e a necessidade de adotar medidas que conduzam a uma transição efetiva. Não afasta-se da coerência o pensamento de que as necessidades oriundas da transição tendem ao relaxamento do dever do Estado em processar e sancionar adequadamente a quem cometeu violações aos direitos humanos. Em que pese a Constituição Política da Colômbia prever, em seu artigo 150-17, a possibilidade do Congresso da República "conceder, por mayoría de los dos tercios de los votos de los miembros de una y otra Cámara y por graves motivos de conveniencia pública, amnistías e indultos generales por delitos políticos", e, no artigo 201-2, autorizar o Presidente

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FISAS, Vicenç. Nadie paga cárcel cuando se firma un acuerdo de paz. http://escolapau.uab.cat/index.php?option=com_content&view=article&id=794%3Anadie-paga-carcel-cuandose-firma-un-acuerdo-de-paz&catid=102%3Aarticulos-procesos-de-paz-2015&Itemid=59&lang=es. Acesso em 09-10-2015. 96 ELSTER, Jon. Transitional Justice in Historical Perspective. Cambridge, Cambridge University Press, 2004.

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a "conceder indultos por delitos políticos, con arreglo a la ley", devem ser observadas normas e tratados internacionais. Isto porque em períodos de transição não se pode, simplesmente, anular as obrigações internacionais do Estado. Nestes casos, como asseverou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a prudência aponta para “compatibilizar a concessão de anistias e indultos a favor de pessoas que pegaram em armas contra o estado, com a obrigação de este esclarecer, castigar e reparar violações aos direitos humanos e ao direito internacional humanitário” 97. De maneira geral, no direito internacional, assim como no direito constitucional colombiano, está firmemente estabelecido que os Estados só possam conceder anistias e indultos por delitos políticos ou delitos comuns conexos com estes. Esta conexão deve implicar uma relação estreita e direta entre ambas as classes de delitos e, sob nenhuma circunstancia, os delitos comuns objetos de anistia podem constituir delitos graves conforme o direito internacional98. A seguir, jurisprudência do Tribunal Penal Internacional sobre o tema, para a antiga Iugoslávia:

O fato de que a tortura esteja proibida por uma norma impositiva de direito internacional público tem outros efeitos no âmbito interestatal e individual. A nível interestatal, serve para deslegitimar, desde a perspectiva internacional, qualquer ato legislativo, administrativo ou judicial que autorize a tortura. Careceria de sentido argumentar que, com fundamento no valor jus cogens da proibição contra a tortura, os tratados ou as regras consuetudinárias que a autorizem são ab initio nulas e carentes de qualquer efeito – como, por exemplo, um Estado que adota medidas internas que autorizem ou façam apologia a tortura ou absolva a quem a cometeu através de uma lei de anistia. Se uma situação desta classe chegasse a surgir, as medidas nacionais que violam o principio geral e qualquer disposição convencional relevante produziria os efeitos jurídicos discutidos anteriormente e, adicionalmente, careceriam de toda forma de reconhecimento internacional. Em caso de legitimação na causa, as vítimas em potencial poderiam iniciar procedimentos ante os corpos judiciais nacionais e internacionais competentes com a finalidade de solicitar que a medida nacional em questão seja declarada contraria ao ordenamento internacional. Da mesma forma, a vítima poderia pleitear indenização, na seara cível, ante uma corte estrangeira, a qual poderia solicitar inter alia que ignore o valor jurídico da medida nacional. Muito mais importante é 97 98

Caso Lori Berenson vs Peru. Sentença de 25 de novembro de 2004 Idem.

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o fato de que os responsáveis dos atos de tortura que resultaram beneficiados pela medida nacional podem, em todo caso, serem condenados por este delito, tanto em um Estado estrangeiro ou em seu próprio Estado, sob um novo regime. Em suma, ante uma possível autorização de violar o princípio que proíba a tortura, emanada de corpos legislativos ou judiciais domésticos, os indivíduos permanecem obrigados a cumprir com este principio. Segundo manifestou o Tribunal Militar Internacional de

Nüremberg:

“os

individueos

possuem

obrigações

internacionais

que

transcendem as obrigações nacionais de obediência impostas pelo Estado de que se trate”99.

Segue o mesmo entendimento a CIDH:

Resultam inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis das graves violações dos direitos humanos, tal como a tortura, as execuções sumárias, extralegais ou arbitrárias e as desaparições forçadas, todas elas proibidas por contrariar direito inderrogáveis reconhecidos pelo direito internacional dos direitos humanos (...). As leis de auto anistia conduzem ao desamparo das vítimas e perpetuação da impunidade; portanto, são manifestamente incompatíveis com a letra e o espírito da Convenção Americana (...) As mencionadas leis carecem de efeitos jurídicos e não podem continuar representando um obstáculo à investigação dos fatos que constituem este caso, nem à identificação e punição dos responsáveis100.

b)

A busca da verdade

Assevera Van Zyl que é importante não somente dar amplo conhecimento ao fato de que ocorreram violações dos direitos humanos, mas também que os governos, os cidadãos e os perpetradores reconheçam a injustiça de tais abusos. O estabelecimento de uma verdade oficial sobre um passado brutal pode ajudar a sensibilizar as futuras gerações contra o revisionismo e dar poder aos cidadãos para que reconheçam e oponham resistência a um retorno às práticas abusivas. As comissões de verdade dão voz no espaço público às vítimas e seus testemunhos podem contribuir para contestar as mentiras oficiais e os mitos relacionados às violações dos direitos humanos. O testemunho das vítimas na África do Sul tornou impossível negar que a tortura era tolerada oficialmente e que se deu de forma estendida e sistemática. As comissões 99

TPIY, 1998: pár. 155. Tradução livre do espanhol. Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2001: parágrafos 41, 43 y 44. Tradução livre.

100

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do Chile e da Argentina refutaram a mentira segundo a qual os opositores ao regime militar tinham fugido desses países ou se escondido, e conseguiram estabelecer que os opositores “desapareceram” e foram assassinados por membros das forças militares em desenvolvimento de uma política oficial101. Dar voz oficial às vítimas também pode ajudar a reduzir seus sentimentos de indignação e raiva. Ainda que seja importante não exagerar a respeito dos benefícios psicológicos do poder de se expressar, e de saber-se ser inexato afirmar que o testemunho sobre os abusos é sempre catártico, o fato de reconhecer oficialmente o sofrimento das vítimas melhorará as possibilidades de confrontar os fatos históricos de maneira construtiva. As comissões da verdade também ajudam a proporcionar e dar ímpeto à transformação das instituições estatais. Ao demonstrar que as violações dos direitos humanos no passado não constituíram um fenômeno isolado ou atípico, as comissões podem melhorar as opções daqueles que, dentro ou fora de um novo governo, desejam implementar reformas reais para assegurar o fomento e a proteção dos direitos humanos. Por outro lado, não examinar ou identificar as instituições perpetradoras de abuso pode permitir-lhes continuar com as práticas do passado e, ao mesmo tempo, consolidar seu poder e aumentar a desconfiança e o desapontamento entre os cidadãos comuns.

c)

Reparação

Esclarece ainda o jurista sul-africano que, conforme o direito internacional, os estados têm o dever de fornecer reparações às vítimas de graves violações dos direitos humanos. Essa reparação pode assumir diferentes formas, entre as quais se encontram a ajuda material (pagamentos compensatórios, pensões, bolsas de estudos e bolsas), assistência psicológica (aconselhamento para lidar com o trauma) e medidas simbólicas (monumentos, memoriais e dias de comemoração nacionais). Frequentemente, a formulação de uma política integral de reparações é um tanto complexa do ponto de vista técnico, como delicada, da perspectiva política. Os incumbidos de formular uma política de reparação justa e equitativa terão que decidir se é necessário estabelecer diferentes categorias de vítimas, e se convém fazer distinções entre uma vítima e 101

CONADEP (Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas), Nunca Más: Informe de la Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas de Argentina (Farrar Straus & Giroux: Nova Iorque, 1986); Informe de la Comisión de Verdad y Reconciliación de Chile, tradução de Berryman, P. E. (University of Notre Dame Press: Notre Dame, 1993), in_________ Justiça de transição: manual para a América Latina / coordenação de Félix Reátegui. – Brasília : Comissão de Anistia, Ministério da Justiça ; Nova Iorque : Centro Internacional para a Justiça de Transição , 2011.

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outra. Por exemplo, terão de resolver se é possível ou desejável proporcionar distintas formas e quantidades de reparação às vítimas que padeceram diferentes tipos e graus de tortura, e se será utilizada a avaliação de meios socioeconômicos para diferenciar entre vítimas ricas e pobres. Cada decisão tomada tem significativas implicações morais, políticas e econômicas. A definição do status de vítima é uma questão central na concessão de reparações. É necessário decidir se as reparações serão direcionadas somente às vítimas de violações graves dos direitos humanos, tais como torturas, assassinatos e desaparições, ou se também devem ser dadas reparações a uma classe mais ampla de vítimas, como, por exemplo, aqueles que sofreram uma discriminação racial sistemática ou que perderam suas terras e propriedades. Uma política de reparações justa e sustentável não deve gerar nem perpetuar divisões entre as várias categorias de vítimas. Ao mesmo tempo, deve ser factível e realista desde a perspectiva econômica102. d)

Reformas institucionais

Para confrontar as atrocidades em massa é preciso - ainda que às vezes esse processo não seja suficiente para punir os perpetradores - estabelecer a verdade sobre as violações e reparar as vítimas. Nesse sentido, é imperioso mudar radicalmente e em alguns casos dissolver as instituições responsáveis pelas violações dos direitos humanos. Nesse sentido, as comissões da verdade têm um papel importante. No geral, as comissões da verdade estão habilitadas para fazer sugestões em seus relatórios finais a respeito das medidas legais, administrativas e institucionais que devem ser tomadas para evitar o ressurgimento dos crimes sistemáticos do passado. Os governos também devem considerar a possibilidade de adotar programas de depuração e saneamento administrativo visando assegurar que as pessoas responsáveis pelas violações dos direitos humanos sejam retiradas dos cargos públicos, além de evitar que voltem a empregadas em instituições governamentais. A remoção das pessoas que violaram os direitos humanos de cargos que implicam confiança e responsabilidade constitui uma parte importante do processo para estabelecer ou restaurar a integridade das instituições estatais. Esses programas também podem contribuir para estabelecer a responsabilidade não penal por violações dos direitos humanos, particularmente em contextos nos quais resulta impossível processar todos os responsáveis. Devem também ser cuidadosos na proteção do processo das pessoas investigadas. Ainda, estes processos devem ser dirigidos somente aos responsáveis de violações dos 102

REATEGUI, Felix. Justiça de transição: manual para a América Latina. Brasília: Comissão de Anistia, Ministério da Justiça ; Nova Iorque : Centro Internacional para a Justiça de Transição , 2011.

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direitos humanos, e não aos opositores do novo regime ou a quem tenha pontos de vista e crenças diferentes103.

e) Reconciliação Conclui Van Zyl104 que o conceito de reconciliação é importante e seu histórico é relativamente controverso. Em alguns contextos, as vítimas se opõem à reconciliação porque a relacionam com o perdão obrigatório, a impunidade e o esquecimento. Em muitos países da América Latina os responsáveis de violações dos direitos humanos, especialmente os líderes militares associados aos regimes ditatoriais, invocaram de forma cínica o conceito de reconciliação para evadir a responsabilidade por seus crimes. Se a reconciliação for compreendida dessa forma, então deve rejeitar-se com justa causa. Entretanto, é importante considerar outra concepção de reconciliação. Nas sociedades que superam períodos de atrocidades em massa e conflito generalizado, são frequentes as profundas suspeitas, os ressentimentos e as inimizades. Quase sempre essas divisões continuam na etapa pós-conflito e geram o potencial para o retorno da violência e o ressurgimento das violações dos direitos humanos. Isso é particularmente verdade nos casos em que os conflitos assumem uma dimensão de identidade na qual categorias tais como religião, língua, raça ou etnicidade são utilizadas para semear a divisão e justificar as violações dos direitos humanos. Essas divisões não desaparecem magicamente sob uma nova ordem democrática nem sanam necessariamente com o passar do tempo. Em alguns casos, a aritmética eleitoral da democracia pode exacerbar as divisões apontadas quando concedem todo o poder político a um grupo étnico majoritário e assim deixam vulnerável e marginado um grupo minoritário. Para superar as divisões se requer um acordo constitucional que ofereça proteção e segurança adequadas aos grupos vulneráveis. Os líderes, dentro e fora do governo, terão de tomar medidas proativas para demonstrar que a democracia está a serviço de todos os cidadãos, que a paz atribui dividendos substanciais a todos, e que a diversidade pode ser uma fonte de fortaleza mais do que de conflito. Se a reconciliação deve ser aceita, não pode reduzir-se a ignorar o passado, negando o sofrimento das vítimas ou subordinando a exigência da prestação de contas e a reparação a uma noção artificial de unidade nacional.

6.2 A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO CASO COLOMBIANO 103 104

Idem. Idem.

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Um pré-acordo entre Governo e as FARC (anunciado em 23 de setembro de 2015) estipula a criação de um sistema de justiça baseado no oferecimento da verdade e reconhecimento de responsabilidade, que julgará a todos os atores implicados no conflito, combatentes e não combatentes (ou seja, guerrilheiros, militares, políticos, financiadores, etc). Este mecanismo dependerá do poder judiciário colombiano e será formado por juízes da Colômbia e estrangeiros (“En cuanto al componente de justicia, hemos acordado crear una Jurisdicción Especial para la Paz, que contará con Salas de Justicia y con un Tribunal para la Paz. Las Salas y el Tribunal estarán integrados principalmente por magistrados colombianos, y contarán con una participación minoritaria de extranjeros que cumplan los más altos requisitos”) com detalhes ainda sem definição concreta. Segundo o comunicado conjunto, "el Estado colombiano otorgará la amnistía más amplia posible por delitos políticos y conexos". Como já exposto neste estudo, o acordo asseverou que não serão objeto de anistia ou indulto as condutas tipificadas como crimes de lesa humanidade, genocídio ou crimes de guerra, e outros crimes considerados de alta gravidade (como cárcere provado, a tortura, o deslocamento forçado, execuções e a violência sexual – que deverão ser julgados pelo sistema judicial criado). Ainda segundo a declaração, as sanções serão proporcionais à verdade, ou seja, quando mais verdade se ofereça ante o novo mecanismo judicial, se aplicarão sanções de caráter predominantemente restaurativo, como, v.g, a substituição dos cultivos ilícitos, a construção de infraestrutura nas zonas afetadas e garantia do retorno dos refugiados em razão do conflito105. Aqueles que reconheçam crimes de elevada gravidade "tendrán un mínimo de duración de cumplimiento de 5 años y un máximo de 8 de restricción efectiva de la libertad, en condiciones especiales; quienes reconozcan la responsabilidad de manera tardía serán sancionados con pena de prisión de 5 a 8 años, en condiciones ordinarias"; e aqueles "que se nieguen a reconocer su responsabilidad por tales delitos y resulten culpables serán condenadas a pena de prisión hasta de 20 años, en condiciones ordinarias". A questão das penas que deveriam cumprir os guerrilheiros foi um dos aspectos mais controvertidos quando da negociação dos pontos da justiça transicional. Enquanto o

105

LAFUENTE, Javier. El Gobierno y las FARC se dan seis meses para firmar la paz en Colombia. El País, Bogotá, 24 set. 2015.

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presidente Santos chegou a declarar que “ninguém negocia para ficar atrás das grades 106”, a prisão dos membro das FARC, ao menos de seus líderes, foi exigida pela oposição, sob a voz do ex-presidente Uribe107. A definição de “delitos políticos e conexos”, abordada no dito acordo, continua em aberto. Basicamente, tratam-se de delitos políticos aqueles cometidos por pessoas que se insurgem contra o Estado. Em que pese conter expressamente na Constituição da Colômbia de 1991 a vedação de extradição a quem cometa tais crimes, bem como a possibilidade de indulto ou anistia, nem a Carta Magna nem a legislação infraconstitucional os definem claramente108. A conceituação de crime político é complexa, justamente por não haver previsão legal – sendo de enorme valia a interpretação da doutrina sobre o tema. O límpido conceito de que tal crime seria aquele que visa a modificar a ordem estatal não tem um fácil enquadramento na complexidade dos casos concretos que são analisados. Questionamentos acerca de quais crimes podem ser aceitos nessa definição, de qual é o uso legítimo da violência ou mesmo de qual enquadramento prepondera, o da criminalidade comum ou da criminalidade política, são alguns dos muitos pontos que, mesmo em abstrato, já causam perplexidade109. No caso do ordenamento brasileiro, em julgado paradigmático, o Ministro Celso de Mello contribuiu para a construção do conceito de crime político ao apresentar a definição doutrinária de crimes políticos puros e mistos. Os primeiros seriam aqueles que atingem a própria personalidade do Estado, visando a afetá-la ou alterar por completo a ordem políticosocial, e os últimos aqueles crimes que embora tenham motivação política, acabam por gerar lesões de índole comum. Essa distinção explicitada pelo Ministro é recorrentemente resgatada nas análises dos casos concretos em que é aventada a possibilidade de ter havido crime político110. Em julgamento no caso de extradição Olviedo111, o Ministro do STF Maurício Corrêa deu contornos ao conceito de crime político:

106

JAUREGUI, Ramon. ¡Bravo, Santos!. El País, 27 set. 2015. LAFUENTE, Javier. Álvaro Uribe: Los cabecillas de las FARC tienen que pagar cárcel. El País, 31 ago. 2015. 108 POLLOMINO, Sally. Delitos políticos y conexos, el punto que falta por aclarar. El País, 24 set. 2015. 109 FRANCO, Ivan Candido da Silva. A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE CRIME POLÍTICO NO STF NA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL: mudanças de entendimento nos Casos Battisti e Lei de Anistia?. São Paulo, 2011. 110 Idem. 111 Ext 794/ PG – PARAGUAI, Plenário, Rel. Ministro Maurício Corrêa, j. 17/12/2001 107

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Infere-se que os fatos descritos no pedido de extradição, ocorridos em época de intensa conturbação social, atentam, de forma predominante, contra a ordem política do Estado. Os delitos atribuídos ao extraditando, por isso mesmo, caracterizam-se como complexos, revestidos de clara prevalência política, de modo que é inviável o deferimento da extradição nessa parte.

Existem precedentes na Suprema Corte colombiana quanto à definição de tal tipo de delito. A seguir, julgamento do ano 1986112 (no mesmo sentido, confira o julgamento c-928 de 2005):

Bien sabido es, que la definición de delito político o la conexidad con él, ha dado lugar a muchas discusiones en la doctrina. Al respecto se han enfrentado dos criterios contrapuestos: Por un lado el criterio objetivo que acepta como delito político, únicamente aquellos que con variadas denominaciones están definidos y reprimidos en las normas sustantivas para la salvaguardia de la estructura y funciones del Estado como organismo político; por el otro la concepción subjetiva del delito político, que acepta como tales, no sólo los previstos en las normas enunciadas, siendo aquellos hechos que siendo aparentemente comunes, por conexidad con los ilícitos políticos, pueden favorecer la comisión de ellos o permitir al autor escapar a la aplicación de la sanción penal.

Em entrevista concedida ao Estado de São Paulo113, o atual ministro da justiça da Colômbia, Yesid Reyes Alvarado, asseverou que os crimes conexos aos delitos políticos serão definidos por lei, que especificará quais são os crimes políticos e quais não podem ser considerados conexos. Exemplificando, o ministro testemunhou que, tradicionalmente na Colômbia, os crimes políticos tem sido a rebelião, a revolta e o motim. Desta forma, os delitos conexos são aqueles que não podem ser entendidos de outra forma senão uma maneira de se conseguir os propósitos buscados com a execução de um crime político (como o porte ilegal de arma). Ainda, como acordado entre o Governo e as FARC, disse que “os crimes de lesa humanidade, como a tortura ou a violação, e os crimes de guerra, como o homicídio intencional de civis, não podem ser considerados crimes conexos ao político, razão pela qual não serão objetos de anistia ou de indultos”.

112

Corte Suprema de Justicia, Sala de Casación Penal, Auto de 27 de Mayo de 1986, M. P. Lisandro Martínez Zúñiga. 113 SIMAS, Fernanda. Acordo com FARC requer mudança de leis. Estado de São Paulo, 11 out. 2015, p. A11.

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Ademais, o ministro considerou que, normalmente, são tratados exclusivamente mecanismos extrajudiciais para tramitar as reclamações das vítimas – nos quais se aplicam altas doses de verdade e baixas doses de justiça – o que não ocorrerá na Colômbia, já que foi criado um Sistema Integral de Verdade, Justiça Reparação e Não Repetição (este, um mecanismo extrajudicial, do qual fará parte a Comissão da Verdade), que, aliado com a Jurisdição Especial para a Paz (este, judicial), julgarão os responsáveis pelos crimes já conhecidos. Concluiu que “este modelo de justiça transicional deve levar tranquilidade aos cidadãos, não apenas por respeitar os direitos das vítimas, mas também porque cumpre as exigências da comunidade internacional”. É possível e provável, segundo analistas políticos, entre elas Laura Gil, que o narcotráfico seja incluído no rol dos delitos conexos aos crimes políticos quando houver provas de que o tráfico de drogas foi empregado como meio para financiamento das atividades guerrilheiras114. De fato, a não conexidade do delito de trafico de drogas com crimes políticos traria um grave empecilho no avanço do processo de paz. A história nos ensina que cada processo de transição, seja rumo à democracia ou à pacificação, se deu de maneiras diversas. A incerteza, como já dito por O’Donnell e Schmitter115, é uma constante nos processos de transição. E dessa forma se sente a sociedade colombiana: a esperança e o desejo pela paz enfrentam um embate no âmago de cada cidadão ao colidirem com o sentimento de medo e incerteza que permeia o acordo de paz. No caso da África do Sul e de Ruanda, a verdade e as maneiras de reparação e retorsão moral foram componentes centrais na transição. Perdoava-se quase tudo o que se confessava. Em El Salvador existiu uma comissão da verdade que investigou casos relevantes, porém sem consequências judiciais, decretando assim uma anistia geral. No caso espanhol se costuma dizer que houve uma amnésia em relação aos crimes do franquismo e até hoje este tema segue sendo um tabu. No Chile, mal houve uma comissão da verdade, porque esta não resultou em sanções judiciais e a justiça não foi componente fundamental no processo de transição. No Brasil, a anistia geral e irrestrita, apesar de fechar os olhos para a tortura e demais barbaridades praticadas pelo regime militar, bem como aos crimes regidos pelas movimentos de esquerda, sedimentou o caminho para uma democracia que até os dias atuais tem se mostrado estável e madura.

114

POLLOMINO, Sally. Delitos políticos y conexos, el punto que falta por aclarar. El País, 24 set. 2015. O´DONNEL, Guillermo; PH, Schmitter. Transiciones desde un gobierno autoritario. Conclusiones tentativas sobre las democracias inciertas. Prometeo, Buenos Aires, 1989. 115

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Apesar do sucesso, relativo ou total, em todos os casos mencionados, há um ponto incontroverso em comum: definitivamente, não é possível conhecer toda a verdade e, ao mesmo tempo, atingir a plena justiça ou conseguir o perdão de todos os envolvidos. Deste modo, conquanto pareça inimaginável em sociedades pacíficas e democracias desenvolvidas, alguns crimes ficarão impunes, algumas vítimas se indignarão e a justiça não será, em sua plenitude, atingida. Seria este um preço justo a se pagar para a pacificação? Na Colômbia, a resposta parece ser afirmativa. Não será fácil compensar suficientemente a quem sofreu violência, restituir terras aos desalojados, facilitar o retorno dos refugiados. Porém, fazer todo o possível para isto é medida de justiça – mas requererá tempo, vontade e não pouco dinheiro. Ainda, não será fácil para parte da população aceitar a reintegração à vida civil dos agentes do conflito, muito menos a participação política dos guerrilheiros116. A paz não resolve tudo, mas tudo é impossível sem ela. O país outrora predominantemente rural se desenvolveu, a maioria de sua população vive nas cidades, o turismo evoluiu, a economia cresceu. No entanto, um conflito com meio século de existência, cuja prolongação indefinida aleijou a insurgência e a pertinência de suas causas originais, enfraquecendo as guerrilhas (que perderam a legitimidade e, debilitadas, cometeram atrocidades) forçou o surgimento de uma grande demanda pela paz117. Em razão desta prolongação indefinida do conflito, do elevado número de vítimas, desalojados, refugiados, sequestrados, ou seja, do envolvimento de grande parcela da população, seja de forma direta ou indireta, não é possível uma anistia na Colômbia, porque deslegitimaria o Estado e suas instituições. Deste modo, a transição requer combinação de verdade, justiça e atenção às vítimas. No entanto, segundo o ex guerrilheiro salvadorenho Joaquim Villalobos118, que atualmente é consultor na resolução de conflitos internacionais, existem três fatores que podem reativar a violência na Colômbia e devem ser observados: a propriedade e distribuição de terras; as drogas e as vítimas. Neste sentido, a aplicação do processo de paz será um “complejo proceso de pacificación territorial, que enfrentará la cultura de la viveza a la honestidad de decir la verdad; el deseo de venganza contra la nobleza del perdón; la tentación del narcotráfico frente a la reinserción productiva y el olvido elitista del campo contra la necesidad de llevar el desarrollo y resolver los litigios por la tierra, precisamente la

116

JAUREGUI, Ramon. ¡Bravo, Santos!. El País, 27 set. 2015. VILLALOBOS, Joaquim. Cuánta verdad es necessária. El País, 04 out. 2015. 118 Idem. 117

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raíz del conflicto. Sobre esto último bien decía Maquiavelo: “Los hombres olvidan con mayor rapidez la muerte de su padre que la pérdida de su patrimonio”.

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CONCLUSÕES

Ainda vivemos num mundo em que as lideranças individuais podem alterar substancialmente as vidas e perspectivas de seus povos. É o caso de Juan Manoel Santos. Seu governo, inteligente e atrevido, se dispôs a perseguir a paz - outrora considerada devaneio longínquo, atordoada pela violência sem fim. O falecimento de lideranças das FARC, seja de forma natural ou em combate, abriu caminho à ascensão ao poder de Timochenko, aparentemente mais flexível e comprometido com a paz, mormente em um momento em que a guerrilha se encontra enfraquecida, militar e ideologicamente. Agora, não é exagero afirmar que a Colômbia nunca esteve tão próxima, desde o surgimento do conflito, em atingir a tão almejada paz. Porém, paradigmas jurídicos e morais impreterivelmente surgirão, pois a pacificação completa do território colombiano e a satisfação da justiça de maneira plena se mostram lados opostos de uma mesma moeda. Neste sentido, não serão reparadas todas as vítimas, muitos refugiados não retornarão e alguns desalojados não recuperarão suas terras. Sopesando tais (incontrovertidas) verdades, a Colômbia necessita se apegar ao processo de paz em suas minúcias a fim de curar as chagas expostas de sua nação, bem como atentar-se às consequências nefastas que poderão eclodir em caso de um acordo mal conduzido. A justiça de transição (com vistas à satisfação do direito à justiça; a satisfação do direito à verdade; a satisfação do direito à reparação das vítimas e a adoção de reformas institucionais e outras garantias de não repetição) mais do que nunca, servirá de ferramenta sine qua non para a superação do conflito e suas agruras nacionalmente enraizadas. A anistia e o perdão devem ser concedidos àqueles que praticaram crimes políticos ou conexos – se tratando de medida fundamental para o fim do conflito armado. Contudo, é condição essencial para um cenário de estabilidade no país pós-conflito a rigorosa condenação daqueles que praticaram crimes de lesa humanidade, como a tortura ou a violação, e crimes de guerra, como o homicídio intencional de civis, ou ainda perpetraram outros meios de desrespeito aos direitos humanos. A sociedade internacional não deve se opor ao acordo de paz. Pelo contrário, deve respeitar o anseio de um Estado soberano e plenipotenciário, o que não se mostra incompatível com a exigência do cumprimento dos compromissos e tratados assumidos pela Colômbia. Na medida do possível, inversões oriundas de organizações internacionais e países

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desenvolvidos, notadamente os interessados na resolução pacífica (como Espanha e Estados Unidos), serão de grande valia para o implemento e validação do acordo de paz. A aportação de tais recursos contribuirá para a redistribuição de terras, prevenção, assistência e reparação integral de vítimas, processos de desmobilização, desenvolvimento rural, assim como para o fortalecimento das capacidades nacionais e territoriais. Por fim, o acordo de paz, em seu termo final, deve ser submetido à apreciação popular. Tal manifestação de vontade do povo colombiano por meio do escrutínio é fundamental para a legitimação do que for acordado entre Governo e FARC, haja vista que grande parte das conversações tramitaram em segredo. Em suma, trata-se de oportunidade única para por fim a um conflito preso ao passado, que hodiernamente figura-se ilógico, porque carece de ideologia propulsora, transformada em simplório enfrentamento bélico que a prolongação indefinida no tempo fez natural e inerente à sociedade colombiana.

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ANEXOS

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Anexo 01

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Anexo 02

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