O Congresso na formulação da política externa dos Estados Unidos

May 27, 2017 | Autor: D. Barros Leal Fa... | Categoria: Estados Unidos, Política Externa, Congresso
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O CONGRESSO NA FORMULAÇÃO DA POLITICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS Déborah Barros Leal Farias1

Resumo: A formulação da Política Externa dos Estados Unidos somente pode ser compreendida de forma plena quando o papel do Congresso é levado em consideração. Com tal objetivo, foi analisada a maneira pela qual a Constituição delineou o papel desse Poder frente ao Poder Executivo; as possíveis vantagens e desvantagens normativas da ação congressual nessa seara; os diferentes mecanismos de influência, bem como o impacto das questões político-partidárias ao relacionamento entre o Poder Executivo e Legislativo. Também se observou o papel histórico que o Congresso tem desempenhado em questões relacionadas a eventuais declarações de guerra e ao seu papel no tocante a tratados internacionais. Por fim, entendeu-se que a interpretação do papel do poder Legislativo na condução da Política Externa do país tem sido organicamente construída tendo como base circunstâncias históricas e políticas. Abstract: The formulation of US foreign policy can only be understood in its integrity when the role of Congress is taken into consideration. With this goal in mind, this article analyzed the ways in which the Constitution outlined Congress’ role vis-à-vis the Executive power; the possible normative advantages and disadvantages of its action in this field; the diverse mechanisms of influence; as well as the impact of partisan politics to the relationship between the Executive and Legislative powers. Its historic role towards the matters of declaration of war and international treaty-making were also dealt with. In the end, the understanding is that the interpretation of the Legislative power’s role in the country’s foreign policy-making has been organically constructed based on historical and political circumstances.

A formulação da Política Externa dos Estados Unidos somente pode ser compreendida de forma plena quando o papel do Congresso é levado em consideração. O objetivo desse artigo é detalhar o escopo de sua atuação tendo em vista as limitações delineadas pela Constituição do país, bem como as diferentes interpretações ao texto ao longo dos anos. O primeiro ponto a ser tratado diz respeito ao texto constitucional per se. Depois, as possíveis vantagens e desvantagens institucionais da atuação do Poder Legislativo nessa área. Em seguida, serão detalhadas as diferentes formas de influência do Congresso e dos congressistas na formulação da Política Externa do país – ou seja, como esses atores atuam – bem como de que formas a dinâmica político-partidária influencia esse processo. Por fim, dois pontos específicos serão abordados tendo em 1

Doutoranda em Ciência Política pela University of British Columbia. [email protected]

vista o aspecto legal e político do Congresso: seu papel em relação a guerras e na formulação de tratados internacionais.

1. Constituição Para que seja possível compreender quem tem nas mãos o poder final de decisão no tocante à Política Externa dos EUA, é necessário avaliar o que a Constituição do país traçou há mais de dois séculos. Logo de início, é importante relembrar que a idéia de separação de poderes foi colocada legalmente no papel, pela primeira vez, na Carta Magna daquele país, tendo em vista que até então (final do século XVIII) a autoridade unificada em uma única instituição era a norma. Foi então implementada a lógica da tripartição dos poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), proposta por Montesquieu, onde cada um deles controlaria os outros dois, e sendo, por sua vez, por eles controlado, através de um sistema de freios e contra-pesos (checks and balances). O objetivo primordial não era propriamente o alcance da eficiência, mas sim impedir o autoritarismo, a centralização e o exercício arbitrário do poder. A divisão dos poderes representou uma influência reduzida nas questões domésticas quando comparada com o impacto que teve na formulação da Política Externa. Nesse caso, apresentou-se um território de definições bem mais complexas. Sem dúvida, a principal preocupação dos Constituintes norte-americanos, ao elaborar a Lei Maior, era clara: evitar que a um único Poder coubesse o controle completo das atribuições decisórias. Para solucionar o problema, houve consenso sobre a necessária separação das competências entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo. De acordo com a Constituição dos EUA (1787), o Art. 1º, Seção 3 definiu como competências do Congresso, entre outras: lançar e arrecadar taxas, direitos, impostos e tributos, pagar dívidas e prover a defesa comum e o bem-estar geral dos Estados Unidos; regular o comércio com as nações estrangeiras; declarar guerra; organizar e manter exércitos; organizar e manter uma Marinha de guerra, entre outras atribuições com implicações essencialmente domésticas. No caso do Poder Executivo, encontrava-se esse representado pelo Presidente, cujo papel, no que diz respeito à Política Externa do país, estava traçado no Art. 2º, Seção II, que o colocava como chefe supremo do Exército e da Marinha dos Estados Unidos,

podendo concluir tratados mediante parecer e aprovação do Senado desde que recebesse o “sim” de dois terços dos seus membros. Ao Presidente cabia também o direito de nomear (mediante parecer e aprovação do Senado) Embaixadores, outros Ministros e cônsules, juízes do Supremo Tribunal, e todos os funcionários dos Estados Unidos cujos cargos, embora criados por lei, não contavam com nomeação constitucionalmente prevista. Apesar de não estar explícito, subentendeu-se desde o início que ao Presidente caberia a representação do país no exterior, em função das vantagens estruturais próprias da presidência, notadamente quando comparadas à atividade congressual, de acordo com o texto dos Federalist Papers nº 64 e 75: unidade, poder de decisão célere, estabilidade quanto aos objetivos, capacidade de lidar com segredos de Estado, entre outros. A presidência seria forte, mantendo-se porém limitada pela força do Poder Legislativo. Um outro ponto subentendido foi o de que caberia ao Presidente a decisão de reconhecer ou não Estados e governos estrangeiros, sem que se fizesse necessária permissão congressual. Afinal, se caberia a ele representar a voz do país nas Relações Internacionais, nada mais justo que partir dele a escolha de com que se relacionar ou não. Até mesmo a atribuição do cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas do país não foi vista como conflitante com a capacidade exclusiva do Congresso de declarar guerra. De acordo com a interpretação da época, tal capacidade significava que o Presidente possuía inteira autoridade para liderar as guerras – desde que após a aprovação delas pelo Congresso. Da mesma forma, assegurava-se que o controle militar estaria nas mãos de um civil. Como coloca Schlesinger (2004:06), o poder do Presidente enquanto “Commander in Chief”, era, de forma breve, simplesmente o poder de dar ordens às Forças Armadas, dentro de uma estrutura já estabelecida na Constituição. Entretanto, como se verá ao longo do texto, o peso real do Congresso na formulação da política externa do país variou de forma substancial ao longo dos anos.

2. O Congresso Antes da discussão a respeito do papel do Congresso dos EUA frente à Política Externa do país, cabe uma breve referência à sua estrutura. O Poder Legislativo do Governo Federal dos EUA é formado pela junção do Senado (Senate) e da Câmara dos Deputados (House of Representatives). O Senado é composto de dois representantes de cada Estado, possuindo, hoje em dia, 100 membros; a Câmara representa a população de cada Estado, variando, portanto, ao longo dos anos, dependendo do Censo populacional, contando atualmente com 435 representantes2. A cada dois anos, a vaga de um terço dos Senadores é sujeita a uma nova votação, enquanto que a House of Representatives tem todos seus membros eleitos a cada dois anos. Conforme discutido nos tópicos anteriores, tratando da Constituição dos EUA e o papel do Presidente frente às questões internacionais, compreende-se que a definição do papel do Congresso apresenta um grande número de questões complexas e relevantes no tocante a esse tema. Como já foi comentado, caberia a esse órgão, de acordo com a Constituição, atribuições próprias na seara internacional, especialmente no sentido de balancear o ímpeto presidencial na formulação da Política Externa, controlando-o através da necessidade de aprovação dos tratados internacionais negociados, pelo poder de liberar ou não verbas para iniciativas externas, e, acima de tudo, de declarar guerra. A participação efetiva do Poder Legislativo federal dos EUA na formulação da Política Externa nacional variou bastante ao longo dos anos, entre momentos de grande controle e pressão nas ações presidenciais e momentos de simples auxílio. Em épocas mais “extremas”, o Congresso limitou-se a apenas referendar as decisões do Poder Executivo, outorgando-lhe quase que uma “carta branca” para agir na área internacional, como ficou claro em vários instantes da Guerra Fria. Boa parte da explicação para essas alterações deve-se a uma tendência presente na história do país: quanto maior for a ameaça externa ao país, maior será a tendência de que o Congresso abra mão de frear e ser um contrapeso à política presidencial. Quanto menor aquela, menor a tolerância demonstrada para com as iniciativas externas presidenciais. 2

Alguns Estados, como o Alaska, Delaware, Montana e Wyoming, que contam com reduzida população, possuem apenas um representante na Câmara, enquanto que a Califórnia, o Estado mais populoso, possui 52 representantes.

“There is considerable political advantage to the administration in its battle with the Kremlin. The worse matters get up to a fairly certain point – real danger of imminent war – the more is there a sense of crisis. In times of crisis, the American citizen tends to back up his president” “Existe uma considerável vantagem política para a Administração nessa batalha contra o Kremlin. Quanto pior as coisas ficarem, até um certo ponto – o perigo real de uma guerra imediata, mais haverá uma sensação de crise. Em tempos de crise, o cidadão americano tende a apoiar o Presidente” Clark Clifford, conselheiro de Henry Truman (1947) A idéia é a de que, frente ao inimigo, pessoas e instituições devem “rally around the flag”, ou seja, abracem a bandeira e atuem como um corpo unificado. Quem não agir assim poderá ser visto como não-patriota, estando, em última instancia, agindo em prol do inimigo ao questionar ou fragmentar a força nacional em momento tido como delicado. Quanto à visão presidencial sobre o papel do Congresso, esse tende a ser visto como um obstáculo a ser lidado, e não como a outra peça fundamental na formulação da Política Externa dos EUA. Nas palavras de Hamilton (2002:78), os envolvidos com o Poder Executivo tendem a tratar o Congresso como um obstáculo a ser superado, ao invés de reconhecerem que o Congresso é um órgão independente, com suas próprias funções constitucionais de Política Externa. Foi essa a visão adotada pelas presidências de Wilson (no Tratado de Versalhes), de Nixon (o auge da “Presidência Imperial”) e de Reagan (escândalo IrãContra). No que se refere especificamente a Nixon, Schlesinger (2003:198) coloca que, para esse Presidente, “o papel do Congresso nas relações externas era de fornecer ajuda e conforto ao Comandante Supremo [Commander in Chief]” (grifo nosso). Ainda Schlessinger (2003:182), ao refletir sobre a visão do poder Executivo a respeito do Congresso no período da Guerra do Vietnã, sintetiza sua percepção dessa forma: “Na consciência do Poder Executivo, o Poder Legislativo existiria como uma força irracional, a ser ignorada o máximo possível, para então ser “paparicada” ou desviada, [mas] nunca para ser procurada como uma possível fonte de conselhos inteligentes”. Entretanto, vale lembrar que em várias oportunidades o relacionamento entre os dois Poderes foi positivo, servindo como bons exemplos as gestões de Franklin Roosevelt (ações relativas à 2ª Guerra Mundial) e Truman (quanto às iniciativas seguintes ao final da Guerra, como o apoio à reconstrução da Europa e criação da OTAN, entre outras medidas).

2..1 “Defeitos” ou vícios do Congresso A partir da análise de algumas características “naturais”, ou historicamente tradicionais do Congresso dos EUA, torna-se mais fácil entender a predisposição para que, em momentos de crise, a participação dessa instituição na formulação da Política Externa do país seja vista como inadequada. A seguir, as principais críticas feitas ao Congresso em razão desse tema: Falta de visão de longo prazo. Por ter seus membros constantemente sujeitos a mudanças, argumenta-se que o Congresso como um todo tenderia a pensar somente no curto prazo, e os congressistas preocupando-se com as conseqüências e repercussões de suas ações apenas durante a duração daquele seu mandato. Essa realidade seria mais visível na Câmara do que no Senado, já que o mandato dos deputados é de somente dois anos, levando à tendência de seu comportamento ser mais populista e imediatista e menos sensato. Além disso, em função de disputas políticas internas ou proximidade das eleições, os congressistas poderiam mudar seus pontos de vista, priorizando vencer a eleição, sem necessariamente oferecer a melhor política externa para o país. “All members of Congress have a primary interest in being re-elected. Some members have no other interest.” Todos os membros do Congresso tem o interesse principal em serem reeleitos. Alguns membros não tem nenhum outro interesse” Frank Smith, Deputado Federal (1964) “With the fate of the entire House and a third of the Senate in the hands of the voters every 730 days, Congress is beholden to every short-term swing of popular opinion. The temptation to pander to prejudice and emotion is overwhelming”. “Com o destino de toda a Câmara e de um terço do Senado na mão dos eleitores a cada 730 dias, o Congresso está comprometido a toda variação de curto prazo da opinião pública. A tentação de ceder ao preconceito e à emoção são arrebatadores” William Rogers, Secretário de Estado (1979)

Ausência de continuidade. Essa constante mudança de membros do Congresso também poderia resultar em uma falta de continuidade da Política Externa proposta pelo órgão, já a cada dois anos teria uma visão diferente.

Esse argumento apresenta algumas fragilidades. No caso específico do Senado dos EUA, não é raro que Senadores sejam reeleitos várias vezes, o que confere uma certa estabilidade ao órgão. Casos como os de Strom Thurmond e Robert Byrd são extremos, mas ilustram essa realidade: o primeiro serviu no Senado de 1954 a 2003; o segundo é Senador desde 19593. Além disso, a noção de “falta de continuidade” também pode ser aplicada à Presidência, já que essa pode se resumir a apenas um mandato de quatro anos. Entretanto, é possível argüir que a volatilidade dos membros do Congresso como um todo seja maior do que a do Presidente.

Defesa de posições “individuais” em detrimento da visão nacional. O chamado “paroquialismo” pode ser considerado uma das piores características do Congresso e das mais prejudiciais para a formulação da Política Externa do país. Isso porque a preocupação principal de seus membros seria voltada às questões domésticas, e não às internacionais. Além disso, argumenta-se que na hora de votar, os eleitores tendem a escolher seus representantes em função de suas plataformas referentes às questões locais, mais próximas de sua realidade. Os temas internacionais teriam importância menor. Como os congressistas dependem dos votos “locais” para serem eleitos, é natural que sua postura se volte para a defesa de temas também locais, ainda que a defesa de um ponto de vista nacional fosse mais adequado para o país. Assim, se determinado Estado tem muitos de seus empregos na dependência de uma indústria armamentista que fabrique um certo tipo de arma ou equipamento militar inadequado ou defasado

para a segurança nacional, os representantes daquela

população, pragmaticamente, tenderão a defender a continuidade de sua fabricação, não por ser esse o melhor para o país, mas porque a alternativa contrária seria um caminho quase certo para a derrota nas urnas. “With their excessively parochial orientation, [members of Congress] are acutely sensitive to the influence of private pressure and to the excesses and inadequacies of a public opinion that is all too often ignorant of the needs, the dangers, and the opportunities in our foreign relations” “Com suas orientações excessivamente paroquiais, [os membros do Congresso] são extremamente sensíveis à influência das pressões privadas e aos excessos e

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Antes disso, Byrd havia sido Deputado entre 1953 e 1959.

impropriedades da opinião pública que é, com grande freqüência, ignorante das necessidades, dos perigos e das oportunidades das nossas relações externas”. F. William Fulbright, Senador 4 Essa visão de prioridade local também traria, como conseqüência para a Política Externa formulada pelo Congresso, uma estrutura pautada pela incoerência ou pela falta de direcionamento unificado. Ao invés de se ter uma coesão, o processo “paroquial” geraria fragmentação e pulverização dos interesses e das diretrizes internacionais emanadas do Poder Legislativo.

Dificuldade em se chegar a um consenso de forma ágil. O Congresso dos EUA pode parecer simples quando analisado sob a perspectiva partidária. Divide-se basicamente em dois grandes blocos: o do Partido Democrata e do Partido Republicano. Entretanto, uma análise mais aprofundada revela que atualmente existem cerca de 390 comitês e subcomitês no Congresso, cada um deles com atribuições que tendem a se sobrepor. Existe uma gama de interesses que ultrapassam a esfera puramente partidária, de forma que a garantia de voto em bloco dos Congressistas, tendo por base a filiação partidária, nem sempre pode ser tida como eficaz. Para que se consiga a aprovação de um tratado internacional, por exemplo, é necessário o “sim” de ⅔ dos Senadores. Quanto mais polêmico o tema, ou mais difusa for sua discussão dentro do Senado, em função dos vários interesses conflitantes, mais demorada será a aprovação do referido tratado. Um exemplo interessante é citado por Wittkopf (2003), ilustrando essa lentidão congressual na tomada de decisões. Diz respeito à análise do Senado sobre os tratados relativos ao Canal do Panamá. Até serem finalmente aprovados, os Senadores votaram mais de 50 emendas, 20 reservas, uma dúzia de entendimentos e várias outras condições, resultando em quase 90 propostas de mudanças. Cabe ressaltar que, no período pós 2ª Guerra Mundial, poucas foram as ocasiões que demandaram resposta rápida para a Política Externa dos EUA, sendo as mais importantes a Crise dos Mísseis (1963) e a resposta aos ataques de 11 de setembro de 2001 – ambos onde o Congresso teve um papel praticamente nulo.

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WITTKOPF (2003) explica que Fullbright e dois de seus sucessores, como líderes do Comitê de Relações Exteriores do Senado, perderam reeleição por darem mais peso a acontecimentos com implicações internacionais do que locais.

Dificuldade de guardar segredo. O fato de que o Congresso precisa discutir entre vários de seus membros a aprovação ou recusa de certas iniciativas facilita tremendamente que informações consideradas secretas sejam vazadas para a mídia. Ainda que os debates ou audiências sejam conduzidos a portas fechadas, são consideravelmente maiores as chances de que aquilo que foi discutido com reservas venha a público, do que o mesmo venha a acontecer com as discussões mantidas entre o Presidente e seus assessores. É suficiente que um congressista entenda que determinada informação, mesmo considerada secreta, deva ser compartilhada com o público, pelo bem da nação para que tudo se torne público. Ou, mais freqüentemente, os políticos podem pensar na vantagem política que pode ser obtida pela atenção da mídia, onde ele poderá ser destacando como o indivíduo que “revelou” a informação – uma ação motivada, no fundo, bem mais pela publicidade individual do que pelo altruísmo ou “obrigação moral” de fazer o que é “correto”.

Falta de “especialistas” na área internacional. Comparado ao aparato analítico disponível para o Presidente (relatórios e análises da CIA, Ministério da Defesa, Ministério das Relações Exteriores, entre outros órgãos que fazem parte do Poder Executivo e auxiliam a Presidência), o Congresso encontra-se bem menos assessorado tecnicamente. Em função da mencionada dificuldade de preservar assuntos reservados, e por esses órgãos especialistas nas informações estarem sob a égide do Presidente, muitas vezes o Congresso fica sem acesso a informações consideradas “privilegiadas”.5 Ao longo dos anos, o Congresso vem tentando compensar essa dificuldade, seja contratando profissionais de Política Externa para servirem diretamente ao Congresso, ou aos próprios congressistas, como através do aumento da obrigatoriedade de fazer com que agências burocráticas do Governo, como as acima mencionadas, reportem-se com mais freqüência ao Poder Legislativo. Além disso, como é comum que no Senado os membros sejam reeleitos por vários mandatos, ao longo do tempo vários Senadores tornam-se grandes conhecedores das questões de Relações Internacionais e Política Externa dos EUA. O deputado Lee 5

Como cita Schlesinger (2003:205), em 1967 o Secretário de Defesa disse que havia 7 mil armas nucleares dos EUA na Europa, informação da qual o Congresso não estava a par até esse pronunciamento público do Secretário.

Hamilton é um desses exemplos: ocupou o cargo entre 1965 e 1999, sempre como membro do House Committee on International Relations6.

Desinteresse. Estudiosos do tema explicam que, de forma geral, o interesse e a atenção concedidos pelos congressistas aos temas internacionais é considerado baixo, de curta duração e normalmente determinado pelo nível de repercussão na mídia alcançado pelo tema em questão. Wittkopf (2003:428) cita uma frase do Senador Daniel Evans sobre essa lógica: “[o processo legislativo degenerou-se] na leitura das manchetes de ontem para que possamos escrever as emendas de hoje, para que possamos conquistar as manchetes de amanhã”. Ou seja, em muitos casos, a pauta de discussão internacional para o Congresso seria determinada de fora para dentro, e não de dentro para fora, sendo seus membros mais reativos do que pró-ativos na condução da Política Externa do país. Como regra geral, é possível afirmar que os congressistas tendem a dar mais atenção a questões internacionais em momentos de crise ou quando os tópicos debatidos apresentam-se importantes junto a seu eleitorado.

2.2 Vantagens ou Virtudes do Congresso Apesar das críticas, não há dúvidas que existem características naturais ao Poder Legislativo, que justificam a necessidade de sua participação no processo decisório da Política Externa dos EUA ao questionar e limitar os poderes presidenciais e tentar garantir o exercício da Democracia:

Mais abertura para crítica e/ou posições independentes. Uma das principais oportunidades que deve, ou que deveria, ser aproveitada pelos membros do Congresso é a liberdade que dispõem para questionar abertamente os caminhos escolhidos pelo Presidente. Diferente dos indivíduos que trabalham junto ao Poder Executivo, os legisladores não correm o risco de serem demitidos por suas posições, e nem estão investidos em seus cargos por concordarem com os pontos de vista de seu “chefe” em relação a como melhor conduzir as relações internacionais do país. 6

Esse órgão, por si só, aumentou o número de funcionários de nove (1965) para 72 (2001).

A “aceitação” presidencial de posições contrárias às suas variou na história dos EUA de acordo com cada Presidente. F.D.Roosevelt, por exemplo, entendia que um Presidente, para ser forte, precisava ser forte com o Congresso, e não contra o Congresso (SCHLESSINGER, 2004). Nixon, por outro lado, via a instituição como um grande inconveniente, atacando-o e perseguindo-o em suas iniciativas, e respondeu excluindo o Congresso, o máximo quanto possível, do poder de questionar suas ações na área externa.

Mais tempo para maturar decisões. Uma das críticas feitas ao Congresso como ator na criação da Política Externa dos EUA – “Dificuldade em se chegar a um consenso de forma ágil”, também pode ser vista como uma de suas grandes virtudes. Afinal, decisões tomadas de forma instintiva, ou munido de poucas informações iniciais, nem sempre são as melhores. O Congresso pode retardar sua tomada de decisões, e durante esse processo várias iniciativas positivas podem acontecer, como ouvir as partes envolvidas ou interessadas numa questão. Os congressistas dispõem da oportunidade de buscar mais conhecimento sobre o tema, não se limitando às informações repassadas por fontes governamentais e sim procurando outras fontes, como o setor acadêmico, centros de pesquisa ou da área privada. Podem ainda criar um consenso partidário, atribuindo mais peso político e coalização “social” à decisão presidencial; entre outras razões.

Poder de exigir explicações. Dentre os papéis de maior relevância congressual quanto ao controle das ações de Política Externa do Presidente está o poder de forçá-lo a explicar suas ações na área externa e de supervisionar sua conduta, verificando se está agindo de acordo com as leis e regras formuladas pelo Poder Legislativo. “Quite as important as legislation is vigilant oversight of administration”. “Tão importante quanto o papel de fazer Leis é a supervisão vigilante da administração [do Poder Executivo]”) Woodrow Wilson, (então) congressista (1885) O que se chama de “oversight” pode ser definido como o poder congressual de revisar, monitorar e supervisionar as Agências, programas e atividades do Governo Federal como um todo.

Como explica Hamilton (2002), o oversight congressual sobre a Política Externa auxilia a proteger o país da “presidência imperial” e da arrogância burocrática, podendo ser materializado de várias formas, como através de Audiências ou Comitês Investigativos. São vários os exemplos de comitês especiais criados pelo Congresso para investigar ações do Poder Executivo em relação a questões internacionais, através da citação e investigação das ações de membros do Poder Executivo: o abuso de poder das agências de inteligência (1975-1976); o caso Irã-Contra (1987); a informação sobre a aquisição chinesa de armas nucleares norte-americanas (1999); os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, entre outros.

Reflexo da sociedade. Pode ser argumentado que, mais do que nenhuma outra instituição, o Congresso reflete a diversidade de pontos de vista do povo norteamericano. A pluralidade de posições ajuda a garantir que vários lados sejam escutados, de modo a buscar evitar a “ditadura da maioria”, onde os grupos pequenos seriam simplesmente ignorados ou não teriam poder algum. Além disso, as preocupações levantadas pelo Congresso tendem a refletir questões mais pertinentes aos olhos da opinião pública e os temas internacionais que devem ser considerados prioritários para país. Assim, ainda que, à primeira vista, as vozes que emanam sejam consideradas caóticas ou dispersas, essa característica deve ser vista de forma positiva, ao retratar de forma democrática os diferentes desejos dos grupos sociais interessados na formulação da Política Externa do país.

Acessibilidade. Nos EUA, é notória a ligação que os eleitores têm com seus congressmen, através de telefonemas, faxes, cartas, e-mails, petições ou reuniões, fazendo do Congresso uma instituição bem mais próxima à população do que a Presidência. Como explica Hamilton (2002), essa acessibilidade faz com que o Congresso se coloque em sintonia com o povo norte-americano, ajudando a garantir que decisões pertinentes a questões internacionais não sejam de domínio exclusivo de uma elite quase sempre inacessível, vinculada à Presidência.

3. Formas de Influência São várias as formas pelas quais o Congresso e os congressistas podem influenciar a Política Externa dos EUA, tanto através de ações legislativas ou “não-legislativas”, diretas ou indiretas7. Como explica Wittkopf (2003), as ações legislativas seriam aquelas relacionadas à aprovação de leis ou resoluções específicas; as “não-legislativas” seriam as que não envolvem um resultado ou expressão propriamente legislativo. As ações diretas, por sua vez, estão ligadas com casos e tópicos específicos, enquanto que as indiretas têm como alvo influenciar o ambiente político de uma forma mais ampla, ou gerar um clima de debate. A tabela seguinte ilustra os tipos de ação mais comuns: TABELA I Tipo de intervenções do Congresso na formulação da Política Externa dos EUA Tipo de ação

Direta - Legislação específica para um tema - Tratados (Senado) - Poder de declarar guerra Legislativa - Comércio Internacional (regras) - Liberação de verbas - Conselhos ou cartas informais Não-legislativa - Consultas - Audiências Fonte: adaptado de Scott, apud Wittkopf (2003:406)

Indireta - Confirmações de cargo (para embaixadores e certos postos no Poder Executivo) - Legislação não-específica - Legislação voltada para questões processuais - Contatos internacionais - Defesa pública de certas opiniões

Em relação a esse quadro, alguns aspectos merecem ser detalhados. O poder de arrecadar e, mais importante ainda, o poder de liberar verbas, chamado “power of the purse”, é considerado um dos grandes atributos do Congresso no controle da Política Externa8.

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Ainda vale lembrar que, independente do meio de influência dos membros do Congresso, existe uma estrutura de influência que pode dizer respeito a qualquer tema, que é a formação dos chamados “caucus”, que seria, em tradução livre, o equivalente brasileiro à “bancada” (ver tópico 2.7. – Grupos de Interesse). 8 O poder relativo aos tratados e à declaração de guerra, em função de sua importância, será discutido mais adiante, em tópicos específicos.

Afinal, para que o Governo possa liberar verbas destinadas a auxiliar outros países (seja quais foram os motivos) ou para aumentar os gastos na área de defesa militar, é indispensável a aprovação congressual para essa realocação orçamentária. Assim, se não fosse pela aprovação congressual, os EUA não teriam destinado os fundos necessários à criação do Plano Marshall, nem vários Presidentes teriam conseguido aumentar a verba para o Departamento de Defesa durante a Guerra Fria. Outros exemplos relevantes da atuação do Congresso na área financeira são a proibição legislativa de ajuda econômica à Turquia, em 1975, após a invasão ao Chipre, à Angola, em 1976 e, nas décadas de 80 e 90, as emendas restringindo esse mesmo tipo de ajuda a El Salvador e países envolvidos com terrorismo e tráfico de drogas. “(...) this power over the purse may, in fact, be regarded as the most complete and effectual weapon with which any constitution can arm the immediate representatives of the people, for obtaining a redress of every grievance, and for carrying into effect every just and salutary measure”. “Esse poder da bolsa pode, de fato, ser considerado como a arma mais completa e efetiva pela qual uma constituição pode municiar os representantes imediatos do povo, para obter uma satisfação para cada descontento e para levar a efeito toda medida justa e salutar” The Federalist Papers, nº 58 (1788) Hamilton (2002) argumenta que quando o orçamento federal encontra-se apertado – o que costuma acontecer freqüentemente – os gastos na área internacional (à exceção da área da Defesa, que é um caso a parte) são normalmente um dos primeiros alvos de corte. Desde os anos 80 isso tem sido visível, com o corte de fundos para representações diplomáticas, ajuda econômica internacional, intercâmbios e programas do mesmo tipo. A confirmação de cargos é uma das outras atribuições constitucionais do Congresso, que muitas vezes altera a visão presidencial da condução da Política Externa do país, ao negar permissão para que certas pessoas ocupem cargos de embaixadores, representantes dos EUA em missões internacionais, ou mesmo certos postos domésticos, porém de grande impacto sobre o tema, como os de Secretário de Estado, Secretário de Defesa, diretor da CIA, entre outros.9

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Um exemplo recente dessa controvérsia que pode surgir entre poderes Executivo e Legislativo foi a nomeação de John Bolton para o cargo de representante dos EUA na ONU, em agosto de 2005. Nome rejeitado pelos membros do Partido Democrata durante mais de cinco meses de negociação, o Presidente George W Bush aproveitou-se do recesso legislativo para nomear Bolton, utilizando seu poder de fazer nomeações temporárias quando o Congresso estiver em recesso. A medida foi duramente criticada mas, ainda assim, não chegou a ser ilegal.

Como ações indiretas e não-legislativas, vê-se cada vez mais o uso da mídia por congressistas convertendo-se em um meio de influenciar a opinião pública ou até mesmo outros políticos. Em 1988, por exemplo, congressistas demonstraram de forma bastante visível seu descontentamento com a empresa Toshiba pela venda de produtos eletrônicos sofisticados para a URSS, destruindo produtos da empresa, com o uso de porretes, diante do Capitólio. Esse evento marcou o fim de quaisquer considerações sérias pela administração de Ronald Reagan em liberalizar a política comercial dos EUA. Mais recentemente, em maio de 2006, vários membros do House of Representatives foram presos por bloquearem a entrada da embaixada do Sudão, em Washington D.C., como forma de protestar pela violência na região sudanesa de Darfur.

4. Congresso, Política Externa e a questão político-partidária A coalizão bipartidária norte-americana na condução da análise das questões internacionais variou bastante ao longo da história dos EUA. No que se refere ao período seguinte à 2ª Guerra Mundial, os primeiros anos da Guerra Fria foram os de maior união entre os partidos Republicano e Democrata. O consenso em relação aos principais objetivos e ameaças aos EUA, no cenário internacional, auxiliaram a fomentar o sentimento de que Poder Legislativo e Poder Executivo deveriam unir-se em prol da defesa nacional, deixando as divergências político-partidárias para as questões domésticas. “Politics stops at the water's edge” “[A discussão] Política pára na beira d’água” Arthur Vandenberg, Senador (a conhecida frase faz alusão às fronteiras marítimas dos EUA: na hora em que “os EUA” se relacionassem com o mundo, as questões políticopartidárias deveriam ser postas de lado em função do bem nacional.) Claro que nem todos os congressistas aceitaram a lógica do bipartidarismo, sendo o Senador Robert Taft um dos exemplos mais ilustres. Opôs-se à OTAN, criticou Truman por não ter declarado guerra à Coréia e concentrado muito poder na Casa Branca, e preocupou-se com a política de “contenção” (WITTKOPF, 2003). O Senador afirmou, no início de 1951, que a meta do bipartidarismo era uma falácia perigosa, a ponto de ameaçar a própria existência da Nação (SCHLESSINGER, 2003:129).

Mas de forma geral, esse sentimento de “unicidade” (ou “passividade”, para os críticos da conduta dos congressistas) perdurou até meados da década de 1960, quando o país envolveu-se efetivamente na Guerra do Vietnã.10 A “lealdade” partidária ao Presidente também transcendeu barreiras ideológicas na década de 1970 (e durante boa parte dos anos 1980), em seqüência ao desastre militar no Vietnã e ao escândalo de Watergate. Dessa vez, o bipartidarismo formou-se pela recusa – tanto de republicanos quanto de democratas – de aceitar manter os excessos da presidência “imperial”, cujo ápice deu-se na gestão do Presidente Nixon. Os republicanos Nixon, Ford e Reagan, bem como o democrata Carter, sentiram que Senadores e Deputados não os apoiariam automaticamente em iniciativas internacionais por simplesmente pertencerem a seus partidos. Na década de 90 e o século XXI, o quadro transformou-se novamente. O que se tem visto é uma crescente tendência à lealdade político-partidária, apesar de os Presidentes sempre buscarem o apoio bipartidário para suas iniciativas, procurando aumentar, de forma substancial, as chances de implementar sua visão de Política Externa para o país. Como afirmou o ex-Senador Lee Hamilton (2002:88), as conclamações de bipartidarismo vindas do Poder Executivo são, na verdade, simples apelos junto ao partido de oposição no Congresso, para que seja aprovada a agenda política da administração.

5. Congresso e Guerra A Carta Magna dos EUA (Art. II, Seção 2) atribuiu ao Congresso, e não ao Presidente, o papel de declarar guerra. Entretanto, com o passar dos anos, as já mencionadas sutilezas dessa divisão de atribuições foram se tornando cada vez mais visíveis, sendo mais difícil de definir com exatidão o papel que caberia constitucional e juridicamente a cada Poder. Oficialmente, em toda sua história, o Congresso dos EUA declarou guerra apenas cinco vezes: a Guerra de 1812, contra a Grã Bretanha; a Guerra entre os EUA e o México, em

10

Vale lembrar que Kennedy e Johnson, apesar de deterem a maioria democrata em ambas as Casas do Congresso, possuíam um controle mais nominal que real, em função da existência dos “Southern Democrats”, que tendiam a votar com os Republicanos nas questões domésticas (SCHLESSINGER, 2003).

1848; a Guerra Hispano-Americana, de 1898, e as duas Guerras Mundiais, em 1917 e 1941. Entretanto, o Congresso já permitiu que o Governo engajasse os EUA em ações militares, um ato formalmente “inferior” à declaração de guerra, mas que permitiu o envio de tropas norte-americanas a outros países. Dentre essas “atuações militares” ocorridas no pós-2ª Guerra Mundial listam-se a Guerra do Vietnã, através da Resolução do Golfo de Tonkin (1964); a “Operação Tempestade no Deserto”, visando a libertação do Kuwait das forças iraquianas (1991); e as operações militares no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003). Vale a menção de que a atuação dos EUA junto à Coréia (19501953) não foi votada no Congresso, sendo justificada pelo então Presidente Truman como autorizada por resolução do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Várias foram as intervenções, durante o período da Guerra Fria, em que o Presidente, com base na posição de Comandante-Chefe das Forças Armadas do país, “passou por cima” do Congresso e agiu militarmente no exterior sem qualquer tipo de consulta a esse órgão, que sequer votou para autorizar ou impedir as ações. Como exemplos notórios estão as operações (então) secretas da CIA no Irã (1953) e na Guatemala (1954); os desembarques/invasões na República Dominicana (1965) e em Granada (1983), assim como o envio de tropas para o Panamá, Somália, Haiti, Bósnia e Kosovo, nos anos 90. “No one man should hold the power of bringing this oppression [war] upon us”. “Nenhum homem deve deter o poder de trazer essa opressão [a guerra] sobre nós” Abraham Lincoln, Presidente (1848) Esse poder de efetivamente engajar o país em guerras foi “retirado” do Congresso e repassado para a figura do Presidente de forma bastante contundente durante a Guerra Fria, atingindo seu ápice na Declaração do Golfo de Tonkin, que deu início ao escalonamento da atuação dos EUA no Vietnã. Válido entre 1964 e 1970, o texto foi inicialmente aprovado de forma praticamente unânime pelas duas Casas Legislativas: aceito na Câmara por 416 votos e nenhum voto contrário, e por 88 Senadores, com apenas 2 dizendo não. “[authorizing the President to] take all necessary measures to repel any armed attack against forces of the United States and to prevent further aggression”. (grifo nosso)

“[autorizando o Presidente a] tomar todas as medidas necessárias a repelir qualquer ataque armado contra as forças dos Estados Unidos e a prevenir agressão adicional”. (grifo nosso) Resolução do Golfo de Tonkin (1964) À medida que a crise militar norte-americana dos EUA no Vietnã se acirrava, o Congresso passou a rever e questionar a Resolução, que foi por fim repudiada. Três anos depois, em 1973, o Congresso demonstraria de forma explícita o resgate de seu controle sobre as questões militares, manifestado em lei através do War Powers Resolution, que nem o veto presidencial de Nixon conseguiu obstruir.11 Essa nova Resolução introduziu medidas inovadoras de limitação aos poderes do Presidente para enviar tropas armadas dos EUA no exterior, estipulando que o Presidente deveria consultar com o Congresso antes de colocar tropas frente a hostilidades (ou hostilidades iminentes); informar o Congresso quando isso fosse feito; e retirar as tropas americanas em missão ao exterior em 60 ou 90 dias, a não ser que o Congresso autorize a presença delas fora do país, ou que estendesse o período mencionado. O princípio norteador da medida foi a idéia de que o país só deveria entrar em guerra com o consentimento explícito tanto do Presidente quanto do Congresso. Entretanto, como afirma Hamilton (2002), a medida falhou em atingir seus objetivos em razão da recusa de Presidentes em aceitar sua constitucionalidade, e pelo próprio Congresso, com o passar do tempo, ter ignorado suas próprias disposições. A contenção do poder “imperial” do Presidente para fazer guerras sem consultar o Congresso possui um antecedente histórico digno de nota. A década de 1930 na política dos EUA foi marcada pela preocupação congressual de garantir a neutralidade do país após a frustração da opinião pública com a entrada na 1ª Guerra Mundial. A situação chegou a um ponto em que por pouco (209 votos contrários e 188 votos a favor) não foi aceita a chamada Peace Amendment, proposta pelo deputado Louis Ludlow. A dita emenda colocava que, exceto em caso de invasão ao território dos EUA, a autoridade do Congresso em declarar guerra não seria válida enquanto não houvesse confirmação pela maioria dos votos populares, através de um referendo nacional. Alguns estudiosos do tema explicam que a visão limitada do Congresso (e da opinião pública) dos EUA frente à guerra na Europa e à expansão do poder de Hitler fizeram 11

Essa Resolução foi aprovada na Câmara por 284 a 135 votos, e no Senado por 75 votos a 18.

com que se instaurasse, nas décadas que viriam à frente, uma grande desconfiança em relação à capacidade da instituição de lidar efetivamente com questões de Política Externa.

6. Congresso e Tratados De acordo com o Art. II, Seção 2 da Constituição dos EUA, o Presidente do país tem o poder de ratificar tratados internacionais, desde que receba o consentimento de pelo menos 2/3 dos Senadores. Ou seja, o Presidente inicia o processo de discussão dos tratados sem a necessidade de aprovação senatorial, mas só poderá ratificar a participação do país, conferindo validade efetiva ao texto, após o “sim” da maioria qualificada do Senado (e não do Congresso como um todo). Em relação a essa prerrogativa constitucional, o Senado, dentro de uma perspectiva histórica, tem exercido seu poder de servir de freio e contra-peso às iniciativas Presidenciais. Apesar do número de tratados rejeitados configurar-se como relativamente pequeno frente ao volume de aprovações concedidas, o peso político do Senado fez com que Presidentes sequer encaminhassem muitos tratados à instituição, pela certeza da derrota. Como exemplos, cabe lembrar o caso do tratado relativo à criação da Organização Internacional do Comércio, de 1948, que não foi enviado ao Senado pelo Presidente Truman por consciência que não receberia votos suficientes para a aprovação (à época, a maioria do Senado pertencia ao partido Republicano, contrário a Truman); e o caso mais recente do Protocolo de Kyoto, assinado pelo Presidente Democrata Bill Clinton (em 1999), que da mesma forma não foi enviado por ele à apreciação senatorial, pela constatação de que o cenário político do momento indicava que, caso o tratado fosse apresentado para votação, seria rejeitado (o Senado também era de maioria Republicana). Uma outra forma que o Senado já se utilizou para dizer “não” a um tratado, sem rejeitálo “formalmente”, é através da proposta de um volume imenso de alterações no texto apresentado. Essas mudanças podem levar o Presidente a optar pela não-ratificação do tratado, ou fazer com que a ratificação do tratado, cheio de ressalvas e mudanças, não seja aceita pelas partes envolvidas.

Segundo dados do Senado dos EUA12, até hoje, a história do país registra um total de 21 tratados rejeitados, o primeiro deles datado de 1825, referente a um acordo com a Colômbia para supressão do tráfico negreiro. No século XIX outros 13 tratados tiveram igual destino, e no século XX foram sete os acordos rejeitados13, como mostra a tabela:

TABELA II Tratados rejeitados pelo Senado dos EUA no século XX

Ano

Tratado

Votos NÃO

Votos SIM

Tratado de Versalhes, sobre a criação da Liga das Nações, 35 49 entre outras medidas Tratado com a Turquia, sobre relações comerciais entre os 1927 34 50* dois países Tratado com o Canadá, sobre a passagem do Rio Saint 1934 42 46* Lawrence 1935 Entrada dos EUA na Corte Internacional de Arbitragem 52 36 1960 Convenção sobre Direito do Mar 30 49* 1983 Protocolos de Montreal sobre Aviação 42 50* Tratado Compreensivo de Banimento de Testes Nucleares 1999 51 48 (Comprehensive Nuclear Test Ban Treaty) * Apesar de o número de votos a favor ter sido maior do que os votos contrários, não foi atingida a maioria de 2/3 dos votos favoráveis, exigida pela Constituição Fonte: Senado dos EUA 1920

Pela lei norte-americana, o Presidente não é obrigado a enviar Senadores acompanhando missões de negociação de tratados. Entretanto, o Presidente McKinley, consciente do alto número de tratados internacionais rejeitados pelo Senado no quarto final do século XIX – de fato, nenhum tratado importante foi aprovado entre 1871 e 1898 – enviou três Senadores para participarem da negociação relativa à paz com a Espanha, em virtude da Guerra Hispano-Americana, de 1898. O resultado foi a aprovação do tratado. Após o fim da 1ª Guerra Mundial, o Presidente Wilson seguiu uma outra linha de ação envolvendo o controverso tratado que pôs fim ao conflito e que criava a Liga das Nações, em boa parte idealizada pessoalmente pelo líder norte-americano. O resultado final foi bastante diverso daquele obtido por McKinley, com o tratado sendo rejeitado.

12 13

Fonte: http://www.senate.gov/artandhistory/history/common/briefing/Treaties.htm Com referência ao século XXI, até 2006 nenhum tratado havia sido rejeitado pelo Senado dos EUA.

Em 1918, o partido do Presidente havia perdido a maioria no Senado para os Republicanos, e dois Senadores desse partido lideraram a cruzada contra o tratado: Henry Cabot Lodge e Alfred Beveridge. Eram ambos notórios opositores políticos de Wilson, ocupando o primeiro o cargo de Presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado. As críticas ao tratado eram várias, porém muitos identificaram como principal problema o fato de o Presidente não ter aceito nenhuma alteração no documento, e haver liderado uma verdadeira cruzada nacional contra o Senado, percorrendo cerca de 30 cidades em três semanas, discursando freneticamente em favor de sua posição, até sofrer um colapso físico, do qual nunca se recuperou. A malograda experiência wilsoniana de se distanciar do Senado e confrontá-lo em público, na esperança de conseguir a aprovação de um tratado, serviu de lição para os futuros Presidentes, que passaram a manter o Senado mais próximo das negociações, como forma de tentar garantir aprovação na Casa legislativa. O Democrata Franklin Roosevelt, por exemplo, incluiu o líder Republicano do Comitê de Relações Exteriores do Senado, Arthur Vandenberg, nas negociações relativas à criação da ONU, que foi aprovada com apenas duas rejeições senatoriais.

Acordos Executivos. A Constituição dos EUA coloca que os tratados devem passar pelo crivo do Senado. Entretanto, diversamente do que prega a doutrina do Direito Internacional, onde “tratado” designa qualquer tipo acordo formal concluído entre Sujeitos de Direito Internacional Público, e destinado a produzir efeito jurídico, isto é, a produzir obrigações no plano internacional, o Direito norte-americano entende que “tratados” seriam somente aqueles documentos que passam pela análise senatorial. Acordos internacionais da iniciativa do Presidente, e que não tenham sido submetidos ao Senado, ainda que sejam considerados “tratados” no cenário internacional, são chamados

internamente

de

“acordos

executivos”

(“executive

agreements”),

implementados exclusivamente a partir da vontade presidencial. A Suprema Corte dos EUA decidiu que tais acordos executivos possuem a mesma força legal dos tratados. Na prática, os limites de abrangência de seu uso apresentam razões mais políticas que legais. A idéia geral é a de que, se o tema for de competência do Presidente, ele pode realizar um acordo executivo com outro país, que não irá receber o nome de “tratado”, dispensando assim a consulta ao Congresso.

Entre os exemplos desse tipo de acordo estão a forma pela qual o Presidente McKinley estabeleceu o fim da guerra Hispano-Americana (1898) e a implementação da Open Door Policy em relação à Ásia. Schlessinger (2003:88) coloca que, entre 1889 e 1939, dos 1.441 acordos internacionais firmados pelos EUA, 917 foram acordos executivos, e somente 524 tratados. Outros exemplos de acordos executivos podem ser encontrados no programa LendLease, implementado por Franklin Roosevelt em 1941, que permitiu os EUA fornecer material bélico para a Grã-Bretanha; a Paz de Paris, que acabou com a participação dos EUA na Vietnã (1973); o estabelecimento de bases militares dos EUA no exterior e acordos de segurança (militar) do país com vários países, entre uma gama de exemplos semelhantes. A justificativa para esse sistema é a de que, enquanto Commander in Chief, o Presidente tem o direito de agir no cenário internacional exercendo suas prerrogativas constitucionais, notadamente na área militar. De acordo com Wittkopf (2003:413), entre 1946 e 1992 mais de 8 mil acordos internacionais haviam sido propostos pelos EUA. Cerca de 95% deles foram acordos executivos. Entretanto, cabe ressaltar que esse número não significa inoperância do Senado, já que a maior parte dos acordos tem função apenas de dar continuidade ou lidar com aspectos operacionais de tratados previamente aprovados pelo Senado. Por três vezes o Senado tentou limitar os acordos executivos. A primeira vez foi em 1954, com a Bricker Amendment, propondo que todos esses acordos (assim como no caso dos tratados) também só poderiam ser aprovados com 2/3 dos votos dos Senadores. A medida foi rejeitada por muito pouco, faltando apenas um voto para atingir a maioria exigida de 2/3 do Senado para essa alteração. A segunda tentativa de restringir os poderes dos Presidentes ocorreu em 1969, quando o Senado colocou que, a partir daquele momento, nenhum comprometimento nacional de tropas no exterior deveria ser feito sem a aprovação da Casa. Por fim, em 1972, o Congresso aprovou o Case-Zablocki Act, ou simplesmente Case Act, exigindo que o Congresso, e não só o Senado, fosse informado de todos os acordos executivos efetuados pelo Presidente. Estima-se que , no início dos anos 70, o número

desses já estaria em torno de 4 mil, dos quais nem o Senado nem a Câmara tinham conhecimento (HASTEDT, 2003)14. Como coloca Wittkopf (2003), a lei do país permite que o Presidente detenha uma boa margem de decisão sobre quais acordos executivos deseja revelar, já que aqueles tidos como secretos e relevantes à segurança nacional (ou seja, se tornados públicos colocariam o país em risco), podem continuar reservados ao conhecimento do Presidente, sem a obrigatoriedade de informar o Poder Legislativo.

Conclusão A política externa de qualquer país democrático é formada por uma combinação de várias influências e pressões, tanto domésticas quanto externas. Dentre os principais vetores a influenciar a formulação das diretrizes no tocante à área internacional de um país, nesse caso, dos Estados Unidos, é inegável que o Congresso possui um papel de grande relevância e peso. Com o passar dos anos, a interpretação sobre qual deveria ser o papel da cada um dos Poderes na condução da Política Externa do país passou por desafios cada vez maiores. Afinal, várias foram as “zonas cinzas” que a Constituição havia deixado, tais como: -

A habilidade de declarar guerra significaria que somente o Congresso poderia dar a aprovação para o início de uma guerra, mas caberia somente ao Presidente a condição de dar fim a ela? Ou então, deveria o Presidente ser obrigado a consultar o Poder Legislativo sobre os termos de armistício?

-

O termo “declarar guerra” deveria ser entendido somente no sentido de guerras ofensivas, significando que, no caso de os EUA serem atacados e necessitarem se defender (guerra “defensiva”), o Presidente também teria que aguardar autorização para agir?

-

Tomando-se uma questão ainda mais profunda - o que poderia ser definido como “guerra”? Uma pergunta aparentemente trivial, mas que gerou uma série de discussões semânticas de conseqüências práticas, tais como: toda intervenção militar dos EUA no exterior seria considerada “guerra”? E uma ação militar

14

Em 1967, o Secretário de Defesa afirmou que havia mais de 7 mil ogivas nucleares norte-americanas na Europa. O Congresso dos EUA desconhecia o fato (SCHLESSINGER, 2003:205).

pontual, ou ação encoberta (covert action), o que seriam? Quem traçaria o limite entre essas definições? O envio de forças de paz (peacekeeping troops) também dependeria de aprovação congressual? -

A neutralidade dos EUA frente a guerras seria prerrogativa do Congresso, ou o Presidente, enquanto representante máximo do país no exterior, poderia declarar os EUA como “neutro” em relação a um conflito ou questão internacional?

-

O Congresso teria, de alguma forma, como vetar o estilo de condução da Política Externa presidencial, ou modificar as prioridades definidas?

A título de resposta a essas perguntas (entre tantas outras que podem ser formuladas), em cada caso, o tempo e as condicionantes de ordem prática serviram como balizas para que, ora o Congresso, ora o Presidente, pudessem dispor de voz mais forte. Ou seja, a interpretação da Constituição quanto ao papel dos poderes Executivo e Legislativo na condução da Política Externa do país tem sido um produto organicamente construído acima de tudo tendo como base circunstâncias históricas e políticas. Assim, a real medida da influência congressual em relação à seara internacional tem variado não somente ao longo dos anos, mas também revela-se diversa no tocante aos temas que constitucionalmente encontram-se de sua alçada. A maior implicação dessa situação é que o papel que o Congresso tem – ou deveria ter – na formulação da Política Externa dos Estados Unidos não pode ser compreendido de forma estática ou cujo conteúdo normativo encontre-se predeterminado.

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