O Congueiro - documentação audiovisual coletiva do congo capixaba

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O Congueiro - documentação audiovisual coletiva do congo capixaba
por José Otavio Lobo Name

Resumo
O Congueiro divulga, nas redes sociais, produções audiovisuais do projeto de pesquisa Holoteca digital do congo capixaba, servindo de meio de compartilhamento de material etnográfico acerca do congo do Espírito Santo. As redes sociais e o compartilhamento de vídeos pela internet possibilitam novas formas de documentação das práticas e dos saberes tradicionais do congo, induzindo o pesquisador realizador a encontrar caminhos entre a etnografia e o documentário audiovisual.
Palavras-chave: documentário audiovisual; congo capixaba; etnografia.
Resumo longo
O Congueiro é o sítio de internet de apresentação pública das produções audiovisuais do projeto de pesquisa Holoteca Etnográfica, e pretende se consolidar como um espaço de divulgação e compartilhamento de imagens, vídeos, pesquisas e debates acerca do congo do Espírito Santo. Surgido no século 19, o congo é um conjunto de saberes, práticas e artefatos que se manifesta, principalmente, nos rituais das bandas de congo, mas se estende por outros momentos da vida de seus praticantes. Através de metodologias etnográficas, a pesquisa procura desenvolver formas de produção e difusão audiovisual em que os processos de registro e de compreensão acerca do congo estejam intrinsecamente ligados, levando o pesquisador e os participantes das bandas a múltiplas possibilidades de interpretação dos fenômenos. É um saber que se constrói, de modo geral, por meio de narrativas; a fala, os rituais, e objetos dos sujeitos da pesquisa são registrados pelo pesquisador de modo a construir narrativas com o grupo. Observa-se que, ao se verem nas imagens disponíveis n'O Congueiro, os membros das bandas constroem novos significados sobre seus papeis sociais, e desenvolvem a autoestima. Paralelamente, a pesquisa estuda aspectos conceituais e técnicos acerca de captura de imagens e sons, e de edição em fotografia e vídeo.


Este artigo apresenta as bases metodológicas e conceituais do projeto de pesquisa Holoteca digital do congo capixaba, atualmente em desenvolvimento na Universidade Federal do Espírito Santo, com financiamento de bolsista de iniciação científica concedido pela Fundação de Amaro à Pesquisa do Estado do Espírito Santo (Fapes), e Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq); e traz também seus primeiros resultados em termos de dados oriundos da observação e da experiência empírica. Apresenta também a caracterização, objetivos e resultados preliminares relativos a O Congueiro, que é um conjunto de páginas de redes sociais construído para a difusão do material produzido e para o estabelecimento de interação com os grupos estudados e o púbico em geral.

O congo do Espírito Santo
Em linhas gerais, o congo capixaba se desenvolveu entre os trabalhadores rurais a partir do entorno do Rio Doce, no sudeste brasileiro, e hoje em dia está especialmente presente nos municípios de Serra, Vitória (capital do Estado), Vila Velha e Cariacica (região metropolitana da capital), Fundão e Linhares, com algumas outras bandas esparsamente espalhadas por quase todo o território estadual. O congo capixaba distingue-se de outras manifestações como as congadas, o jongo, o caxambu e ticumbi, igualmente espalhadas pelo sudeste do Brasil, por sua mitologia própria e por um instrumento característico, a casaca, espécie de reco-reco de origem indígena registrado apenas nesta região (NEVES, 2008, pp. 69-71).
A mitologia do congo apoia-se ainda na figura de São Benedito, o que é algo comum dentre as manifestações culturais oriundas da escravidão negra no Brasil. O congo capixaba adiciona um elemento a este culto: a lenda do salvamento dos escravos que escaparam do naufrágio de um navio negreiro nas águas do Estado.
O estudo se desenrola nos contextos do congo capixaba, que tem ocorrência mais marcante no município da Serra, mas tem afluência em todo o Espírito Santo, especialmente na região metropolitana da capital, Vitória. Há registros de mais de sessenta bandas em atuação, nos dias de hoje. Dentre elas, o projeto já obteve registros de cerca de 20 bandas, algumas de forma bastante pontual. Cerca de cinco bandas têm tido uma documentação mais sistemática; e em especial, a Banda de Congo Amores da Lua, do bairro de Santa Martha, em Vitória, se constitui como o universo principal da pesquisa.

Paradigmas conceituais
O objetivo desta pesquisa é o registro do desenvolvimento de estratégias e procedimentos de documentação audiovisual que, apoiando-se na experiência acumulada e nos preceitos metodológicos da etnografia, possam inspirar trabalhos posteriores em outros campos. Por isso, a revisão bibliográfica concentra-se nos pontos metodológicos que nortearam os procedimentos da pesquisa; e temos a convicção de que os resultados da mesma poderão ser avaliados a partir destes mesmos preceitos. Para isso, a pesquisa em pauta irá determinar os parâmetros de captação, edição e difusão das imagens, possibilitando aos pesquisadores conhecer o discurso audiovisual presente na construção do corpo, indispensável à sua leitura como fonte de conhecimento do outro e de sua visão do mundo (Associação Brasileira de Antropologia, 2015, p. 20).
No artigo "Aprender cinema, aprender antropologia", Peter Zoettl comenta sobre como as imposições técnicas e metodológicas de Margareth Mead foram postas em cheque por um grupo de estudantes de cinema etnográfico. A imposição do uso tripé, durante a captura de imagens, e a crença na fidelidade do material filmado com relação à realidade presenciada pelo pesquisador foram "naturalmente questionados" pelo grupo, que ainda se familiarizava com o instrumental de vídeo (ZOETTL, 2011, p. 186). Isto vem apoiar a concepção de que não é um conjunto fechado de regras e de procedimentos que irá garantir a validade de um material audiovisual em pesquisa; antes, que é necessário que se estabeleça que saberes podem ser produzidos por este meio. No presente caso, o processo se deu de maneira mais intensa, provavelmente devido à experiência do pesquisador em produção audiovisual. Para o produtor experiente, é fácil perceber o que "funciona" ou não. A questão que a pesquisa abordou foi justamente a de definir a que "função" o trabalho deveria servir.
A atuação como documentarista tem permitido ver que, muitas vezes, o pesquisador entende o objeto, mas não conhece as formas de produção audiovisual; outras vezes, é o documentarista que não possui as ferramentas conceituais para a abordagem do objeto, apesar de dominar a técnica. É necessário, então, que ambos os parâmetros de pesquisa sejam estabelecidos ao mesmo tempo, ou a priori, de modo que o trabalho analítico leve em consideração o exercício fílmico em si. Assim, junto com o que se mostra do objeto, é necessário que se explicite a posição do olhar de quem registra, não se deixando enganar pela ilusão de realidade do material audiovisual.
A reconstrução narrativa da realidade, que a antropóloga e documentarista Clarice Peixoto chama de filme espetáculo, em que a interferência do criador é total, a ponto de dirigir as cenas, os personagens (que agem como atores) e a ação, não lhe diminui seu valor documental, se tal direcionamento for fiel à observação e ao que se quer narrar. Ao mesmo tempo e por outro lado, é no filme etnográfico, aquele que registra a ação contínua do grupo, onde a presença do pesquisador e de sua câmera mais influenciam a ação. (PEIXOTO, 1994, p.21). Nesta linha, o filme etnográfico é aquele que apoia a observação etnográfica, obedecendo às suas regras, ou seja: o pesquisador envolve-se com o grupo observado de forma consensual; estabelece, com o grupo, os procedimentos de registro da observação; e apresenta e discute os registros com o grupo. Assim, os significados que se produzem a partir da observação e de seu registro são criados com a participação dos membros do grupo observado. Reside aqui um ponto importante nesta pesquisa, o de estabelecer um conjunto de saberes que reflita o pensar-o-mundo das pessoas que estão diretamente ligadas às práticas do congo.
O estabelecimento de metodologias de campo em antropologia e etnografia é contemporâneo ao aparecimento do cinema. A efetividade do relato fílmico se dá por duas razões: traz um olhar mais objetivado, em comparação ao relato escrito, sobre os povos estudados; e acaba por se configurar como mais uma mercadoria extraída destas colônias econômicas, pois o filme atrai mais a atenção dos leigos do que o diário de campo etnográfico. (idem, p.10). A suposta objetividade do cinema seria, no entanto, falaciosa, uma vez que tanto na captação das imagens, quanto na edição, fatores técnicos e narrativos acabam por determinar um direcionamento da visão sobre o outro estudado. Fenômeno semelhante pode ser observado tanto na produção audiovisual, quanto bibliográfica, acerca do congo capixaba. Por exemplo, o já citado autor Guilherme Santos Neves, responsável por extenso registro das manifestações culturais capixabas, apresenta em sua obra um tom de suposta objetividade, quando parece se restringir ao registro do que presencia, mas o registro mantém-se à distância que ele se impõe das pessoas e manifestações registradas.
Ao adotar a metodologia etnográfica como guia do trabalho de campo, o projeto visa discutir as diferentes abordagens conceituais do cinema documentário. Quando se tenta uma definição de documentário, o que parece simples, à primeira vista, revela-se muito complexo. Tanto em termos gerais, como, por exemplo na rotulagem dos títulos; como em termos metodológicos (os modos de produção que caracterizariam o gênero), a definição de documentário divide críticos e realizadores. Segundo Fernão Pessoa Ramos, o documentário se define pela intenção de seu autor, reforçada pela indexação social e pela percepção do espectador (RAMOS, 2013, p. 25). Mas quando se trabalha com uma enorme variedade de propostas, estilos e modos de produção, como é o caso do YouTube, uma certa rigidez metodológica se impõe, para que uma produção se enquadre como documentário.
O pesquisador Claude Bailblé, ao comentar sobre os conceitos éticos por detrás do trabalho do documentarista, destaca a importância do relacionamento entre as pessoas filmadas e o realizador, não só para o resultado imediato ("estético"), mas, principalmente, com relação à fidelidade ao assunto e às pessoas que o representam. Ele relaciona, também, o que chama de "contratos", entre o documentarista e as diversas instâncias. O documentarista tem um contrato, em primeiro lugar, consigo mesmo, com sua consciência. Deve equilibrar a vaidade do ego, a dúvida metodológica e a noção subjetiva da sua posição no conjunto de processos criativos. Tem também um contrato com seu objeto, construir uma relação de conhecimento e envolvimento com o tema, questionando-se continuamente sobre o que sabe e o que deseja saber. Outro contrato é com as pessoas com quem filma, os sujeitos do filme, que às vezes têm que se submeter às perguntas constrangedoras ou rememorar momentos sofridos. Deve ter empatia para com os envolvidos, mas com a distância necessária para poder alcançar o depoimento desejado. Há o contrato com os produtores, financiadores ou distribuidores do filme, que podem ter interesses paralelos e por vezes conflitantes. E, por fim, um contrato com seu espectador, que é, afinal, a quem se dirige o filme. (BAILBLÉ, 2012, p. 9-17).
Apesar do que parece ser uma atenção do documentarista para com as pessoas e situações retratadas, observa-se, de uma maneira geral, que no campo do documentário a ênfase maior está sobre o autor, e não sobre seu objeto. Jean Rouch, por exemplo, ao apresentar suas restrições às equipes de filmagem, parece fazê-lo em relação ao grupo que está sendo documentado: o técnico de som deveria, em sua opinião, ser um falante da língua local; o diretor deveria ser o operador de câmera; o etnógrafo deveria conviver ao máximo com o grupo retratado. Quando não procura esconder os procedimentos técnicos de filmagem, característica de seu cinéma-vérité, acaba por colocá-los em primeiro plano, sujeitando os retratados à lógica de produção (ROUCH, 2003, p. 87).
Por sua vez, Bill Nichols, uma das principais referências contemporâneas em documentário audiovisual, ao estabelecer que uma representação da realidade é, em si, uma ficção (fabricação, em tradução direta), não deixa de reforçar o papel do documentarista no processo, mas oferece a perspectiva de que o outro da narrativa documental existe em uma relação metafórica com a cultura de onde advém (NICHOLS, 1991, p. 204). Ou seja, no estabelecimento de seu objeto da documentação, o realizador impõe-lhe sua alteridade. O outro interessa porque interrompe uma narrativa hegemônica, apresentando paradigmas que não encontram espelho na sociedade que o olha.
Deste modo, são esses os aspectos conceituais que este projeto encara: o problema da alteridade, procurando fugir do exotismo e do estereótipo; os problemas de relacionamento e da presença do documentarista; e as relações de construção de identidades e de saberes que se estabelece durante a documentação.

Métodos e práticas da documentação
O objetivo inicial do projeto era promover a pesquisa de procedimentos técnicos e metodológicos para a documentação audiovisual das manifestações do congo do Espírito Santo. Antes mesmo da elaboração do projeto de pesquisa, registrado na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFES em março de 2015, alguns vídeos e fotografias de cunho documental já haviam sido produzidos com resultados diversos.
Podemos apresentar a trajetória das atividades de documentação audiovisual, até agora, em três períodos distintos: a primeira fase vai de 2013 até o fim de 2014, embora se estenda até o fim dos festejos de São Benedito daquele ano, no domingo de Páscoa de 2015; a segunda fase inicia-se na quaresma de 2015, quando foi estabelecido, oficialmente, o projeto de pesquisa, e encerra-se na Páscoa de 2016; e finalmente, a fase atual, que iniciou-se com a captação de imagens para os documentários "Congo Falado", finalizado em março de 2016, e "Uma casaca", ainda em fase de filmagens. Como se pode ver, as fases interpõem-se cronologicamente, devido ao calendário próprio do congo, mas partem de conceitos distintos, como veremos a seguir.
Com exceção dos documentários, os vídeos produzidos têm-se pautado pelo registro das "saídas" das bandas. É importante destacar aqui que, apesar de as bandas se apresentarem em ocasiões festivas, e serem encaradas por parte do público, e mesmo da elite, como "diversão cultural", o congo é, para os seus praticantes e devotos, uma manifestação religiosa. As "saídas" são atos de louvor aos santos, de oferenda e de pagamento de promessas por graças alcançadas.
Os momentos mais importantes se concentram no circuito ritual em louvor a São Benedito, e, embora cada banda encare os ritos de forma própria, ou mesmo acabe por criar seus rituais exclusivos, os festejos ao Santo são formados pelos eventos Cortada do Mastro, na data ou próximo ao Dia de N. S. da Conceição, 8 de dezembro; Puxada e Fincada do Mastro, que acontece no Dia de Natal, para a maioria das bandas; e Derrubada (ou Retirada) do Mastro, que acontece durante o mês de janeiro, para algumas bandas (em especial aquelas igualmente devotas de São Sebastião, que se comemora a 20 de janeiro), enquanto, para outras, irá ocorrer no Domingo de Páscoa (caso da Banda Amores da Lua). Algumas localidades promovem encontros de bandas em suas festas, especialmente nos municípios da Serra e do Fundão.
Desde que o projeto iniciou, já foram documentados praticamente três anos litúrgicos do congo: 2013-2014, 2014-2015, e 2015-2016. Cada nova "saída" foi apresentando seus desafios, contornados, na medida do possível, com ajustes no equipamento ou na técnica de captação das imagens - e do som. O equipamento usado tem sido praticamente o mesmo, desde o início: câmera DSLR Canon, à qual sentiu-se a necessidade de incorporar uma objetiva mais clara, com ângulo de visão mais amplo; e microfone multidirecional acoplado. As maiores mudanças, ao longo do projeto, foram feitas na postura do operador no momento da captura. Conforme se familiarizava mais e mais com o desenrolar dos eventos, mais intuitiva foi sendo a decupagem prévia da captura, ou seja, as decisões relativas ao posicionamento da câmera, aos ângulos de captura, e mudanças de posição passaram a acompanhar mais fluidamente o desenvolvimento das performances das bandas. Atualmente, percebe-se que, embora tenha-se a edição como destino do material captado, este, muitas vezes, já apresenta, na câmera, uma fluidez de movimentos que dispensaria a edição.
Além disso, cada captura pode ser entendida como o "esboço" da seguinte, contribuindo, com sua releitura, para a maior familiaridade do realizador para com o que se irá desenrolar frente à câmera (COMOLLI, 2009, p. 25)
Com a crescente familiaridade do realizador para com a "narrativa" dos rituais do congo, o planejamento da edição também se desenvolveu na direção de melhor refletir os elementos narrativos presentes nos rituais. Apesar de ser uma performance coletiva, em certos momentos alguns "atores" tomam a frente do rito. É preciso estar atento a isso durante a captura, e certificar-se de que a edição preserva a história narrada.
A edição dos vídeos incorporou, logo no início do projeto, uma série de decisões formais, que dizem respeito ao ritmo da montagem, à plástica das imagens, e aos elementos de pós-produção. No corte das cenas, procurou-se preservar, dentro dos limites da representação audiovisual, o encadeamento da narrativa dos cortejos. Ou seja, embora sejam momentos de música e dança, as festas do congo são, antes de tudo, momentos de devoção e louvor, na cabendo, por isso, a imposição de uma montagem de clipe musical. É um equilíbrio muito sutil, aquele entre a agilidade da comunicação audiovisual contemporânea e a representação de um tempo religioso, voltado a uma outra fruição. Do mesmo modo, optou-se por não usar variações da percepção do tempo na edição: não há cortes em paralelo, nem flash-backs, nem câmeras lenta ou rápida.
Em termos plásticos, a edição procura preservar as cores originais, sem a ilusão de que o material filmado as reproduza fielmente. A fidelidade, no caso, é a da allegiance, ou seja, o realizador partilha da mesma intencionalidade do rito documentado: procura-se ressaltar a riqueza de detalhes das roupas e adereços, a saturação das cores dos estandartes, as formas e os volumes de que se compõem os cortejos. Este envolvimento do realizador é oriundo da convivência com os integrantes das bandas, principalmente os mestres, quando de procura entender as motivações dos agentes do rito.
Em suas versões finalizadas, os vídeos não possuem créditos de autoria, recebendo apenas, em seus segundos iniciais, uma legenda a título de "rótulo", com duração de cerca de dez segundos, identificando a banda, o evento em pauta, e a data, coma assinatura "O Congueiro", que se repete ao final. Espera-se, com isso, que a atenção se volte à ação que ocorre no vídeo, e não ao que seria o resultado de uma intencionalidade cinematográfica.
O Congueiro
Tão logo se iniciou a produção dos vídeos de documentação do congo, ficou estabelecido que eles teriam, como destino, a internet. Fosse para a divulgação do congo, ou do projeto, fosse como material de divulgação das bandas, espécie de retribuição do projeto às bandas. Mesmo com a intenção de se fazer conhecido, o projeto procura não chamar mais atenção a si do que ao objeto da documentação. Ao mesmo tempo, espera-se que outros realizadores se unam ao projeto, enriquecendo o trabalho. Foi pensando nisso que se criou a entidade O Congueiro. Ela simplifica a questão da autoria, sem mascará-la, ao adotar uma persona que se identifica com os grupos documentados.
Junto com o nome, foram criados o canal no YouTube, uma página no Facebook, além do registro do domínio "www.ocongueiro.com". Além disso, há um álbum de fotos no perfil de Flickr do autor. O canal do YouTube e a página do Facebook funcionam em conjunto: cada novo vídeo é compartilhado na rede social, cuja página já conta com mais de 150 seguidores, na sua maioria integrantes de bandas de congo. O canal do YouTube tem mais de cinquenta inscritos, e o número mais reduzido se explica pelo fato de o site não ser, essencialmente, uma rede social. Ele oferece, no entanto, ferramentas avançadas de acompanhamento estatístico, por meio das quais é possível saber que os cerca de cem vídeos postados já têm, até o momento, mais de dez mil visualizações.
O Congueiro ainda não apresenta uma grande movimentação em termos de comentários, o que seria desejável, já que uma das intenções do projeto é a de que ele se tornasse um elemento de interação entre os praticantes e devotos do congo. Os visitantes do canal e da página têm se limitado a assistir os vídeos, compartilhá-los ainda timidamente, e "favoritá-los", também com parcimônia. Isso talvez se explique pelo fato de que, no universo das bandas de congo, o acesso à rede é ainda limitado, concentrando-se entre os jovens, principalmente. Estes acessam majoritariamente pelo celular, o que não favorece a interação por comentários, apenas por "likes". Mas essas são apenas conjecturas, e não está no escopo atual desta pesquisa responder a estas questões.
Considerações finais
A primeira constatação da pesquisa é a de que o congo do Espírito Santo não é uma entidade única, tendo expressões bastante diversas entre as bandas. Ao mesmo tempo, não é uma prática engessada na repetição de práticas e no simples uso de seus objetos, mas trata-se, sim, de uma cultura viva e florescente, em constante transformação. Dessa constatação veio a delimitação do objeto na Banda Amores da Lua; se almejasse cobrir todo o universo das bandas de congo, seus devotos, instrumentos e objetos, e suas práticas, a pesquisa estaria se arriscando a dispersar-se sem conseguir oferecer algum resultado pertinente, seja em termos de documentação, seja na forma de reflexão sobre a produção. Assim, embora se vá documentar todas as manifestações possíveis, o material a que se dará mais importância, na quantidade e no tratamento, será o relativo à Banda Amores da Lua.
É difícil avaliar, ainda, o que podem vir a significar os números de visualizações e de compartilhamentos dos vídeos no YouTube e no Facebook. A pesquisa irá buscar, em uma etapa posterior, ferramentas de análise desses dados, bem como outros instrumentos que permitam conhecer melhor o público que a documentação vem atingindo. No entanto, têm-se tido respostas bastante positivas, dos integrantes das bandas, quanto ao valor que dão ao trabalho realizado.
Embora não faça parte do escopo deste trabalho analisar como o congo vem sendo mostrado na mídia local, é notório que esta reforça estereótipos negativos acerca da devoção e de seus praticantes, relacionando-os à pobreza, à ignorância, à arruaça e bebedeiras. Os vídeos do projeto não procuram mascarar nenhuma realidade, que inclui alguns excessos cometidos, durantes as grandes festas, em geral por pessoas externas ao congo. Mas é objetivo, sim, do projeto, contribuir para a valorização do congo, e um resultado positivo é observar o aumento da autoestima de seus praticantes provocado pelas aparições nos vídeos.
Os desdobramentos do projeto deverão ir na direção do fortalecimento das possibilidades de interação entre os praticantes e devotos do congo, por meio das redes sociais, e o estabelecimento de formas de capacitação das comunidades envolvidas com o congo nas técnicas de produção audiovisual e e difusão pela internet.

Referências bibliográficas
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. Protocolo de Brasília: Laudos antropológicos: condições para o exercício de um trabalho científico. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Antropologia, 2015.
BAILBLÉ, Claude. "Contratos e convenções do documentário". In: PONJUAN, M. e MÜLLER, M. (orgs.). Documentário: o cinema como testemunha. São Paulo: Intermeios, 2012. p. 9-17.
COMOLLI, Annie. "Elementos de método em antropologia fílmica". in FREIRE, Marcius e LOURDOU, Philippe (orgs.). Descrever o visível: cinema documentário e antropologia fílmica. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.
NEVES, Guilherme Santos. Coletânea de estudos do e registros do folclore capixaba: 1944-1982. Vol. 2. Vitória: Centro Cultural de Estudos e Pesquisas do Espírito Santo, 2008.
NICHOLS, Bill. Represententing reality. Bloomington: Indiana University Press, 1991.
PEIXOTO, Clarice. "Filme etnográfico e documentário". in MONTE-MÓR, Patrícia E PARENTE, José Inácio (orgs.). Cinema e antropologia: Horizontes e caminhos da antropologia visual. Rio de Janeiro: Interior Produções, 1994. pp. 9-29.
RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário? São Paulo: Editora SENAC, 2013.
ROUCH, Jean. "Camera and man" in HOCKINGS, Paul (org.). Principles of visual anthropology. Berlim, Nova York: Mouton de Gruyter, 2003.
ZOETTL, Peter Anton. "Aprender cinema, aprender antropologia". in Etnográfica, vol. 15, n. 1. Lisboa: CRIA / ISCTE-IUL, 2011. pp. 185-198.

Páginas de O Congueiro na internet
http://www.ocongueiro.com - portal, em construção, com o objetivo de reunir toda a produção do projeto.
http://www.youtube.com/ocongueiro - canal dos vídeos do projeto no YouTube.
http://www.facebook.com/ocongueiro - página do Facebook destinada ao compartilhamento do material da pesquisa e interação entre praticantes e interessados.



José Otavio Lobo Name - Professor de Antropologia Visual, Fotografia e Vídeo do Departamento de Desenho Industrial - Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória, ES, Brasil. email: [email protected]




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