O conhecimento e a criatividade no diálogo entre Sócrates e Teeteto

June 18, 2017 | Autor: Sebastião Milani | Categoria: Historical Linguistics
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Título: O conhecimento e a criatividade no diálogo entre Sócrates e Teeteto Resumo: Este artigo visa a verificar os conceitos na obra de Platão, no diálogo entre Sócrates e Teeteto, a cerca do que seja o conhecimento. Diferente do que está nessa obra, em que o conhecimento é dito como ainda não definido, esta síntese historiográfico linguística pretende demonstrar que nas palavras de Sócrates está a definição de que o conhecimento é concreto. Ainda no desenvolvimento deste texto, pretende-se demonstrar a continuidade dos conceitos platônicos e, ao levantar conceitos de alguns pensadores dos estudos da linguagem, da Gramática Comparada e da Linguística, mostrar que o conhecimento é social, tal e qual a língua. Palavras-chave: conhecimento – sensação – pensamento – linguagem Title: Knowledge and creativity in the dialogue between Socrates and Theaetetus Abstract: This article aims at to examine the concepts about what knowledge is in Plato's work, in the dialogue between Socrates and Theaetetus. Different from that work, where knowledge is said as yet undefined, this historiographic-linguistic synthesis intends to demonstrate that in Socrates' words rests the definition of knowledge as something concrete. Besides this, this paper seeks to show the continuity of the Platonic concepts and, while raising concepts of some thinkers of the studies of language, Comparative Grammar and Linguistics, to show that knowledge is social, as the language is. Keywords: Knowledge – sensation – thought – language Introdução Nesse texto visa-se a fazer uma síntese Historiográfico-linguística do texto de Platão, Diálogos: Teeteto. O diálogo que se estabelece é entre Sócrates e Teeteto, pupilo de Teodoro, é sobre a temática que ficou resumida na pergunta “o que é o conhecimento?”. Teeteto em princípio afirma que conhecimento é sensação, e Sócrates, num trabalho de parteira como ele diz, exercita com Teeteto um debate que envolve definir o que é e o que não é o conhecimento, qual a relação do conhecimento com a sabedoria e o pensamento, tudo isso em relação ao ser humano, a medida de todas as coisas. Os dois oponentes, assistidos por Teodoro, relacionam a sensação à palavra e à aparência, sendo sensação e aparência a mesma coisa. Sócrates faz Teeteto entender que nada poderia existir no mundo sem a força da transformação constante a que tudo está submetido, logo, tudo está em movimento, se houver vida, deve haver movimento, e as transformações, tendo o homem como medida, dependem da vida humana.

A partir da compreensão de que as sensações são individuais, Sócrates faz Teeteto entender que elas não poderiam ser o conhecimento, porque esse de modo algum poderia ser individual. As sensações estão ligadas as experiências de todos os dias, que os indivíduos têm por meio dos cinco sentidos. Então elas são a porta de entrada para o pensamento, toda forma de reconhecimento do que poderia existir para um indivíduo, é estabelecida no processo de ajustar as sensações ao pensamento. Teeteto deve compreender nessa proposição de Sócrates que reconhecer e mesmo conhecer é estabelecer diferenças: nada no mundo poderia ser repetido, e divisar as coisas e as pessoas implica em saber nas sensações que se retiram delas o que seja diferente de tudo o que já se conheceu, caso contrário não se saberia o que é e o que não é. O movimento que transforma tudo, faz com que nenhuma coisa seja una consigo mesma, por isso a transformação, que mantém a vida, mantém também o devir, ou seja, a necessidade de continuar vivo e aprendendo novos conhecimentos. Se Teeteto não respondeu aos questionamentos de Sócrates era porque não sabia ainda as respostas, mas Teeteto era um bom rapaz e muito inteligente, logo, não iria se permitir frustar Sócrates. Esse fazer científico Clássico do diálogo oral certamente era consequência da impossibilidade de procurar as respostas em outros pensadores. É lugar comum dizer que na época pouco ou nenhum conhecimento a respeito de qualquer assunto existia formalizado para além da memória dos pensadores, mas, conforme tempo passasse, outros Teetetos existiriam, e as perguntas de Sócrates seriam respondidas em muitas ciências. Então, institui-se por aqui um “diálogo” de Sócrates com todos os seus pupilos na idade média, na idade moderna e na pós-moderna. Todos esses Teetetos, agora num fazer científico no enunciado escrito, poderão, no parquíssimo conhecimento desse irrelevante professor, dialogar entre si diacronicamente e responder às perguntas do Mestre. São passadas muitas ciências desde Platão, e por último estaria colocado este texto de Historiografia Linguística, pegando uma mínima partezinha de toda continuidade do conteúdo produzido nesses “diálogos”, para tentar ajudar Teeteto a solucionar a questão inicial: adianta-se a esperada conclusão, o conhecimento está diretamente vinculado à língua e vice-versa, e ambos são concretos, duráveis e sociais. Conhecimento, pensamento e sensações Nesse texto de Platão, reproduzido por escrito e traduzido muitas vezes, quem apresentou Teeteto a Sócrates foi Teodoro, que elogia o rapaz e aguça a curiosidade de Sócrates e afasta dos pensamentos do amigo uma provável visão de uma sua paixão homossexual pelo rapaz. Típico dos diálogos de Platão, os debatedores se colocam como opositores e se desafiam como gladiadores, Sócrates está sempre encurralando Teeteto, e o problema dos dois opositores é compreender o que

seja o conhecimento. Na verdade, deve se dizer concretamente que esse é um estilo de dizer típico da filosofia clássica, parte-se sempre de uma tentativa de definir o conceito de uma palavra, mas o que interessa de fato não é a palavra em si, mas sua estruturação pelo pensamento. Então, é sempre uma angustiante revisão do que já foi dito e revisado, com o objetivo de acrescentar novos entendimentos. O processo acontece sempre na memória e, em Teeteto, os debatedores parecem desconhecer a relação da língua com a memória e o pensamento. É preciso lembrar que muito pouca coisa no período poderia ser escrita, logo o aprendizado era sempre memorizado, as histórias , os mitos, os textos religiosos, etc, estavam sempre na memória e circulavam assim. Seria somente no período chamado helenístico, do qual esse texto faz parte, que se começou a escrever as memórias do povo heleno. Assim esse texto já escrito, traz, em sua estruturação, as marcas do gênero tradicional de que se originou, isto é, o discurso oral. O tema do diálogo está bem exposto nas expressões (p. 24, passin) de Sócrates: “aprender não significa tornar-se sábio a respeito de que se aprende?”, “É pela sabedoria que os sábios ficam sábios”, e de Teeteto: “É a mesma coisa conhecimento e sabedoria”. Sócrates não explica para Teeteto de que maneira o que se apreende fica apreendido, e diz que é pela sabedoria que os sábios ficam sábios. De fato não é possível reconhecer como os sábios dão a saber que têm sabedoria em Teeteto. No século XXI, entretanto, sabia-se que somente era possível reconhecer a sabedoria pela fala que a veicula. Então, de fato fosse justo demonstrar a Sócrates que a sabedoria está vinculada ao domínio da língua-metalíngua e de seus conteúdos pressupostos. Teeteto chega a concluir que conhecimento e sabedoria são a mesma coisa. Mas, é traço constante nos diálogos que Sócrates sempre vá corrigindo um aprendiz, logo se deduz que Teeteto estivesse errado, pelo menos em parte, e deduz-se também que para ser sábio é necessário ter conhecimento, no entanto, essa não era a resposta que o debatedores procuravam, queriam uma definição e não um silogismo. Sócrates afasta a verdade dos elementos da língua. A proposta é a de uma fórmula para que se considerasse o conhecimento como opinião verdadeira, porque isso implicaria em uma explicação certa. De fato, como disse Teeteto, um dos caminhos para essa fórmula é a palavra, mas existiriam outros, como símbolos ou a divisão do todo em partes e o exame detalhado dessas partes. Assim sendo, (p. 112)“a primeira era a imagem do pensamento na palavra; a segunda, “o caminho que vai dar no todo passando pelas partes”; a terceira, Sócrates diz ser como faz o vulgo: “poder indicar um sinal que distinga de todos os outros o objeto de que se trata”. Quanto a essa terceira, faz-se necessária a relação com que disse Wilhelm von Humboldt (1835): na ausência do pensamento abstrato, o cérebro se contenta com visões concretas, e o pensamento se realiza por meio de fórmulas concretas relacionadas às coisas reais, mas isso se configuraria numa dificuldade

para realização do pensamento. Sócrates vai direto ao ponto e pergunta a Teeteto “o que é conhecimento?”. Seu argumento é o de que qualquer arte ou fazer técnico ou tecnológico seria um conhecimento. A partir de muitos exemplos, faz compreender que aquele que não souber o que seja conhecimento, não será jamais capaz de compreender uma arte qualquer. Na visão de Teeteto, aprender geometria com Teodoro, ou qualquer outra disciplina, seria conhecimento. O exemplo de Sócrates é (p. 26) “não compreenderá a arte do sapateiro nem qualquer outra arte, quem não souber o que seja conhecimento”. Desafiado, Teeteto responde que (p. 32) “quem sabe alguma coisa sente o que sabe (...) conhecimento não é mais do que sensação”. Sócrates parece discordar, mas mantém a ideia em discussão, ele mantém a mente aberta para novas ideias, não descarta a proposta de Teeteto e elogia a coragem do rapaz em se expor tão francamente. Outrora, a discussão sobre se sensação é mesmo conhecimento, chegam a proposição que as sensações são obtidas através da visão, do olfato, das mãos, da audição e da gustação, na verdade, nesse ponto do debate, a pergunta é que nome se daria para as impressões que atingem a alma, que seriam ver, ouvir, sentir frio e calor, e Teeteto responde que a isso ele daria o nome de sensação. Atualmente Teeteto responderia que os sentidos são as entradas de informação, as portas para se adquirir conhecimento, e tudo aquilo que pode ser sentido pelos sentidos, que são as sensações, são concretizações ou materializações do que está disposto no mundo. Então, as sensações de Teeteto, em 1916, Saussure as chamaria de significantes, outros antes desse deram outros nomes, mas atualmente o que se preserva generalizadamente no estudo das humanidades são os nomes significante e signo. Neste ponto desta síntese, seria interessante lembrar o que Etienne Bonnot de Condillac escreveu no século XVIII no Tratado das sensações (1754): O principal objetivo desta obra é mostrar como todos os nossos conhecimentos e todas as nossas faculdades vêm dos sentidos, ou para falar mais exatamente, das sensações: porque, na verdade, os sentidos não são senão causa ocasional. Eles não sentem, só a alma sente ocasionada pelos órgãos; e é das sensações que a modificam que tira os seus conhecimentos e todas as suas faculdades (p. 285, tradução livre).

Uma importante afirmação de Platão em Teeteto: “Aparência e sensação se equivalem com relação ao calor e às coisas do mesmo gênero” (p. 33). Ao aceitar esta frase como verdadeira, podese dizer que as sensações que se sente através dos cinco sentidos, são de verdade a aparência que determinado conhecimento assume para cada um. Para aprofundar essa demonstração, significaria que toda sensação corresponde necessariamente a um pensamento ou conhecimento, nos dizeres de

Sócrates e Teeteto, trata-se de conhecimento. Na idade Clássica ainda, Aristóteles, em Da interpretação, teria feito uma definição que demonstrava, em relação a língua, a fórmula de fazer uma sensação corresponder a um significado. Provavelmente o texto da era Clássica que associa mais bem os estímulos captados pelos sentidos aos significados sociais convencionados na língua, é o diálogo Crátilo de Platão, o debate entre Sócrates, Hermógenes e Crátilo, em que as sensações na língua são os nomes, instrumentos para se chegar as ideias. Não há qualquer dúvida de Sócrates ou de qualquer pensador da humanidade em qualquer tempo de que “o homem é a medida de todas as coisas, da existência das que existem e da não existência das que não existem” (Protágoras apud Teeteto, p. 32). Sócrates no entanto dá uma extraordinária explicação, muito usada nos discursos modernos, de que as coisas existem pelo ponto de vista que são apresentadas: “as coisas são para mim conforme me aparecem (p. 32)”. De acordo, na modernidade, a partir do período chamado de Cientificismo, dizia-se “que o ponto de vista cria o objeto”. Então, a visão de Sócrates no tocante à definição de conhecimento dada por Teeteto é absolutamente redundante, já que o conhecimento e as sensações estão diretamente associados ao ser humano. E, a definição de conhecimento que se pretende é aquela que permita por meio de abstrações dizer o que é o conhecimento, já que o que não é, Sócrates, Teodoro e Teeteto já o sabiam. Se na idade Clássica, o fazer científico estava relacionado a dizer o que seja e o que não seja o mundo das coisas, isso acontecia pelo fato do único diálogo possível em termos de cientificidade fosse do pensador para com ele mesmo, como é afirmado por Sócrates (p. 85, passin): “um discurso que a alma mantem consigo mesma (…) “formula uma espécie de diálogo para si mesma com perguntas e respostas, ora para afirmar ora para negar”. O modelo de ciência que se faria nas outras idades da humanidade constituiu-se no diálogo com o passado e com aquilo que já existia em forma de discurso sobre tais coisas, em verdade, qualquer discurso científico não pode estar alheio do já dito sobre tal conteúdo. Deve-se dizer que nem sempre na história da humanidade fez-se claramente o diálogo entre as idades e os discursos, obviamente que há sempre uma explicação para os desenlaces historiográficos entre os seres humanos, mas é certo que sempre se pode explicar as relações entre os discursos. Na Gramática Comparada, herdeira inconteste do Iluminismo, a filosofia platônica seria amplamente retomada. Nas versões artísticas desse movimento, tem o nome de Romantismo na maioria das culturas nacionais e tem como uma de suas características marcadas a retomada das formas e dos sentimentos da idade Clássica. Para deixar clara a relação Gramática Comparada e Idade Clássica, pode-se discutir de modo inter-discursivo a frase proferida por Sócrates (p. 33): “que nenhuma coisa é una em si mesma e que não há o que possas denominar com acerto ou dizer

como é constituída”. Esse conceito apareceria nas obras em Humboldt e dos irmãos Friedrich e August Schlegel discutida na ordem do dia, Humboldt (1835) afirmou que em qualquer lugar e em qualquer tempo o ser humano (o indivíduo) é uno consigo mesmo. Logo, Sócrates, pensando nas coisas, entendeu que elas são fatos humanos, então elas são o que parecem para cada ser humano. Porém, os comparatistas que eram antropocêntricos, ou seja, discutiam os seres humanos, chegaram a conclusão que, diferente das coisas, o ser humano é uno consigo mesmo sempre. Assim sendo, em qualquer lugar e em qualquer tempo, um ser humano terá uma sensação sobre uma determinada coisa que corresponderá sempre completamente a sua individualidade. Sócrates propôs uma constante, que leva à concepção de que tudo está em permanente transformação. Como o que interessa nesta discussão é a frutificação desses conceitos nos estudos sobre a língua e a linguagem, esse conceito foi plenamente adaptado ao conceito de língua: costuma-se afirmar que os componentes da língua estão sempre se modificando, que ela é uma instituição diacrônica de elementos imanentes, ora latentes. No século XX, após o advento da sociolinguística, se Teeteto tivesse que responder ou comentar a afirmativa de Sócrates abaixo citada, diria que o movimento que seria a causa de tudo, na língua seriam as trocas de informações entre os diversos indivíduos coexistentes numa coletividade, que geram novos conhecimentos porque colocam todos em contatos com novas sabedorias. São três afirmações importantes de Sócrates que explicariam ou poderiam ser básicas para teorias que foram produzidas por Lavoisier (1789), por Labov (1966), por Saussure (1916), por Bakhtin (1929), etc.: (p. 34) “o movimento é a causa de tudo o que devém e parece existir, e o repouso a do não-ser e da destruição”; (p. 35) “nada podemos admitir como existente em si mesmo”; (p. 37) “sem o devir, nada vem a ser”. Essa parece ser uma verdade inconteste, nada está pronto, nenhuma coisa é una consigo mesma, porque está em constante transformação. É assim, porque se não o for, deixaria de existir. Quanto aquilo que é vivo, é a lei da sobrevivência, deve estar em constante transformação ou adaptação. Deve-se relembrar a máxima de Protágoras, que o homem é a medida de todas as coisas. Em sendo ele um ser vivo, tendo sempre novas sensações, e aprendendo novos conhecimentos, nada estaria completo nunca, logo sem o futuro nada pode existir no presente. Isso foi dito por Sócrates nessa frase: (p. 40) “nada existe e tudo se acha num perpétuo devir: o bem, o belo e tudo o mais (...)”. Há uma inevitável associação entre esse “perpétuo devir” e a condição de “estar vivo”, é justamente a vida que faz tudo ter movimento, porque é a partir do deslocamento do corpo no tempo e no espaço, muito mais claramente no tempo, que coloca tudo em um movimento de vir a ser ou de presença do vir a ser. O vir a ser depende de um fazer transformador. Na semiótica greimasiana, explicou-se o processo narratológico da mudança de estado pela intervenção de um agente, dito do fazer. Então, se

um sujeito está num estado e, como diria Teeteto, entra em contato com novas sensações, como diria A. J. Greimas (1966), entrou em conjunção com um novo conhecimento. O que se coloca é que os indivíduos estão em constante movimento e assim entram em contato com muitos fazeres, e a cada fazer tornam-se novos seres, porque adquirem novos conhecimentos e podem realizar ações novas. No processo de enunciação descrito por Greimas (1979), o que faz o sujeito do estado ser, é justamente os seus fazeres, que o impulsionam sempre para constantes e novos objetos de valor. O devir em Greimas (1979) é a própria condição de viver, sempre impulsionada por novos desejos. No texto de Platão essa ideia apareceu assim: “Nunca poderei tornar-me diferente enquanto tiver a mesma sensação, porque o novo agente corresponde nova sensação, que modifica e deixa diferente o percipiente … se engendra novo produto em conexões diferentes, torna-se também diferente”(p. 43 passim). Sócrates apontou que existe uma diferença entre o que se pensa ser ou sentir sobre algo e o que realmente é esse algo, os sentidos humanos os traem. Certa é uma máxima do divã: a maior parte das conclusões de um ser humano é fruto de sua imaginação. Segundo Sócrates (p. 40), “revelam de todo o ponto falsas em tais casos nossas sensações, e muito longe de serem as coisas como se nos afiguram, nada, pelo contrário, existe tal como nos aparece”; (p. 42) “o princípio de que todas as coisas são verdadeiras para quem as representa como tal”; e, “não se trata de diferença parcial, com alguma semelhança sob determinados aspectos, mas diferença em toda a linha”. Teeteto deveria dizer, agora, que não existe discurso que não seja verdadeiro, porque todo discurso depende de um sujeito, ou instância enunciativa, e que esse indivíduo faz crer por seu fazer discursivo ser verdade aquilo que é para ele verdadeiro, como ele está sentido. As diferenças entre os dizeres ou entre os sentidos ou as sensações, são completas, de tal forma como afirmou Saussure, duas falas nunca se repetem. Devem-se acionar Austin (1962) e Greimas e Courtés (1979) para dizer que dois atos de fala dependem das condições sociais em que foram enunciados, logo jamais seriam iguais, porque novos fazeres e outras condições e ambientes sociais colocam os seres humanos em conjunção e disjunção com valores distintos. De volta a questão de Protágoras, qualquer coisa que exista e deixou de existir está na completa dependência dos seres humanos, logo, pode-se dizer que algo é sempre aquilo que é para alguém. Qualquer futuro ou passado somente pode ser avaliado na perspectiva de um ser humano, porque é a partir do que foi para esse ser humano ou será para ele que se pode analisar o tempo e o espaço. Então, está-se de volta ao universo da enunciação de Émile Benveniste (1966), reaproveitado por Greimas e Courtés (1979), no percurso gerativo de sentido: toda forma de pensamento e, consequentemente, de linguagem, quisera conhecimento, se estrutura na relação de pessoa, tempo e espaço. Assim dissera Sócrates (p. 44), “se se disser que alguma coisa existe ou

devém, será preciso acrescentar que existe ou se forma de alguém ou para alguém ou com relação com alguma coisa”. Sócrates disse do presente e do futuro e deixa claro que nada pode existir alheio a um sujeito. Importante observar, com relação ao último trecho, que o sujeito (alguém) pode ser “alguma coisa”, que o sujeito não é necessariamente um eu ou um tu, mas uma referencialidade, marcada e datada pela perspectiva de um ser humano. O homem é a medida de todas as coisas, mas as sensações são sentidas no conjunto historiográfico em que cada ser humano se coloca, então nada se repete, porque somente quem teve a sensação pode compreendê-la. As cores, as temperaturas, os odores podem ser interpretados por todos através dos mesmos nomes, logo, azul, frio e perfumado podem ser assim para todos, mas ninguém saberá quanto intenso está sendo no outro aquele azul, aquele frio e aquele perfume, somente quem sente pode saber qual efeito tem aquela sensação sobre ele. Nas palavras de Sócrates (p. 44 passin), “o que atua sobre mim só se relaciona comigo; só eu o percebo, mais ninguém (…) Minha sensação é verdadeira para mim, pois sempre faz parte do meu ser, sendo eu, por isso mesmo, o único juiz em condições de dizer que as coisas que são para mim existem mesmo, e também que as que não são para mim não existem”; na metáfora poética de Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. As sensações são sempre individuais e, lembrando o Diálogo: Crátilo, o nome é convenção social, silogisticamente o nome é convenção social para uma sensação. Em 1916, Saussure, no lugar de Teeteto, responderia que o signo linguístico é uma convenção social feita de um significante mais um significado. Em 1929, Bakhtin responderia que o nome (signo) é ideológico e semiótico. Agora, Teeteto responderia: tudo que é conhecimento é existente no social, caso contrário não poderia ser sentido. Como cada um percebe esse sentimento é como ele, indivíduo, o sente, então o conhecimento é social e a sensação é individual. O conhecimento é concreto-durável e coletivo e a sensação momentânea-abstrata e individual. Para Humboldt (1835) e os românticos, a língua/fala (ou seja, linguagem) é puro sentimento, dita sensação. Para Saussure e os modernos, a língua é concreta, durável e social e a fala é momentânea, acidental e individual. Por esse ponto de vista todos os indivíduos são únicos, como disse Platão, por meio da personagem Sócrates (p. 53) “cada um de nós é a medida do que é e do que não é, e que um dado indivíduo difere de outro ao infinito, precisamente nisto de serem e de aparecerem de certa forma as coisas para determinada pessoa, e de forma diferente para outra”. A frase de Sócrates elemina qualquer possibilidade de dois indivíduos terem a mesma percepção sobre uma determinada coisa, ou ter a mesma opinião. Parece que Platão, quando Sócrates diz que dois indivíduos se diferem ao infinito, estivesse diante de um exame de DNA do século XXI. Todos os seres humanos têm digitais diferentes, aparências diferentes, cabelos, voz, gestos, etc. diferentes de todos os outros seres

humanos do planeta. Todos são diferentes por fora e, a partir da noção de que se assimila o universo de sensações de acordo com conjunto de emoções e valores culturais a que se está submetido, dois indivíduos jamais teriam pensamentos idênticos, porque entre eles há diferenças físicas ao infinito. Assim, não dá para dizer que uma pessoa não esteja dizendo a verdade, que ela não esteja sendo verdadeira, pode até ser que, do ponto de vista da modalidade veridictória, ela pareça o que não é, ou ainda que não pareça e não seja, que de fato ela seja realmente falsa, entretanto, resta pensar que, de seu ponto de vista, esteja sendo verdadeira, porque ela pensa que esteja sendo verdadeira. Logo, se alguém acredita que estejam lhe perseguindo e que querem lhe devorar o coração e está apavorado por isso, por mais que isso seja como fato um completo absurdo para outros, será verdadeiro para este alguém. Por esse percurso, deve-se chegar a clássica ideia de que o pensamento é concreto, ou como foi dito “penso logo existo”. Tudo que está na mente é concreto ou real, não pode ser negado, segundo esta fala de Sócrates: (p. 46) “tudo o que aparece para alguém, existe para essa pessoa”. Trata-se nesse ponto, agora, depois de se pensar em psicologia, sociologia, pragmática, semiótica, genética, de Teeteto admitir e concluir que a frase de Sócrates (p. 50) “trata-se de manifesta impossibilidade afirmar que sensação e conhecimento são idênticos”, é absolutamente verdadeira. Mas, Teeteto deve ajuntar a sua discussão o que fora dito em 1916 e aprimorado em 1926 (Círculo Linguístico de Praga), que os fonemas são formas vazias a serem preenchidas de pensamentos. Então, as sensações são formas vazias a serem preenchidas ou estruturadas pelos pensamentos que são concretos, como as sensações dependem do corpo físico animal para existir, e corpos são sempre únicos, os pensamentos também são sempre concretos, únicos e também perfeitos na forma interna. Porém, sua perfeição ao ser externado, depende do quando o corpo físico animal aprendeu do conhecimento a sua volta, logo, quanto mais conhecimento existir no corpo, mais perfeitos os pensamentos serão na forma externa. Isto é, dar a conhecer aos outros a perfeição do pensamento e o quanto se conhece, depende de transformar conhecimento em pensamentos e pensamentos em fonemas, ou qualquer estrutura de linguagem, que se permita ser forma vazia a ser preenchida de pensamentos. Como ninguém sabe o que vai na mente do outro, por mais que se capriche na transformação do conhecimento em matéria de linguagem, nunca seria possível saber o que exatamente foi pensado. Assim, deve-se concordar plenamente com Sócrates (p. 54) “um indivíduo de má constituição de alma tem opiniões de acordo com essa disposição, com a mudança apropriada passará a ter opiniões diferentes, opiniões essas que os inexperientes denominam verdadeiras”. Humboldt (1835) escreveu que a escola é a única possibilidade para transformar esteticamente os homens. Ser um animal é que faz com que se tenha a capacidade de captar impressões do mundo,

dessa forma, como disse Sócrates (p. 80) “desde o nascimento, tanto os homens como os animais têm o poder de captar as impressões que atingem a alma por intermédio do corpo”. Então é a sensibilidade animal que o torna capaz de reagir a um estímulo. Humboldt (1835) escreveu que os animais são seres sensíveis e que os homens são seres intelectuais. A diferença dos seres humanos para os outros animais seria o fato de ao sentir algo, como dor, medo, calor, etc., os animais reagem sempre do mesmo modo, se a sensação for repetida ele vai ter a mesma reação anterior ou que deveria ter tido. Os seres humanos entretanto reagem segundo a situação em questão, revelando uma interpretação que geralmente é transformada em discurso. Nas palavras de Sócrates, as impressões precisam chegar até a alma e para isso devem passar pelo corpo. As sensações são informações que a alma precisa decifrar para poder entender e reagir. Então, Teeteto e Sócrates chegaram a conclusão que (p. 80) “ao fato de ver, ouvir, cheirar e sentir frio ou calor dá-se o nome de sensação, e que de forma alguma sensação e conhecimento são a mesma coisa”. Deve-se pensar por um instante no conceito de alma que aparece nos diálogos de Platão. Locke no século XVII (1690) separou conceitualmente alma de espírito, os animais possuíam alma e os seres humanos espírito. Entre os comparatistas, século XIX, espírito queria dizer inteligência, isso não é alheio às culturas modernas, os conceitos de espírito e inteligência são paralelos. Não parece ser diferente nos diálogos de Platão, Sócrates estabelece uma divisão entre corpo e alma e diz que é com a alma que todas as sensações são sentidas. É Teeteto que sintetiza a discussão (p. 79): “é a alma sozinha e por si mesma que apreende o que em todas as coisas é comum”. De fato parece existir mais que uma análise sobre a alma nessa frase, Teeteto afirma que em todas as coisas existe algo de comum, e isso levaria o debate para o que seria o pensamento. Diante de uma situação ou uma sensação, todos os indivíduos estarão com a alternativa de saber ou não saber. Sempre se terá uma reação, e ela será de saber ou não saber, sem que qualquer que fosse a opinião, pudesse ser ela falsa, como já fora discutido, tudo aquilo que parece a alguém seria exatamente como aquilo lhe parece, sendo a sensação sempre verdadeira, logo, não existiria opinião falsa. O mais importante é que o ato de realizar as sensações na alma, requer concretude. Para que algo seja visto, é preciso que esse algo exista, mesma coisa para o que se ouve, cheira, ou seja, são necessárias unidades concretas para serem percebidas pelos sentidos. O pensamento não é um dos sentidos, mas somente pode ser realizado quando preenchido por algo que seja concreto, por isso, parece muito lógica a fala de Sócrates (p. 84): “quem pensa em alguma coisa, pensa em algo que existe, pensar em nada é não pensar de jeito nenhum”. Na modernidade, a análise que Saussure (1916) fez é que o pensamento era sempre concreto, porém amorfo, ele precisa de algo que tenha materialidade para que sua concretude possa ser transformada em matéria. Nos estudos de língua, a matéria básica é o som articulado na dupla articulação. Nos estudos da significação de Hjelmslev

(1939), a substância depende da forma que a significação deve ter. Portanto, na pós-modernidade, Teeteto diria a Sócrates que o pensamento é concreto, e é justamente essa sua natureza que lhe permite assumir uma forma material. Como seria então o acontecimento do pensar? Sócrates descreveu como (p. 85 passin) “um discurso que a alma mantem consigo mesma” (…) “formula uma espécie de diálogo para si mesma com perguntas e respostas, ora para afirmar ora para negar” (...) “formar opinião é discursar, um discurso enunciado, não evidentemente, de viva voz para outrem, porém em silêncio para si mesmo”. Então, desde a idade Clássica que se concebe claramente que não existe discurso de um indivíduo sozinho, todo discurso é um diálogo, formar opinião é dialogar consigo mesmo. Como se disse no século XX e ainda se repete no século XXI, existe em todo enunciado uma enunciação pressuposta e um enunciatário previsto, logo se chega a conclusão de que ambos, enunciação e enunciatário, na visão de Sócrates e Teeteto, sejam exatamente iguais, porque, quem enuncia algo, o faz para alguém previsto, que tenha a mesma compreensão desse algo que ele próprio. Assim o é, porque enunciar é ajuizar sobre algo, ou seja, é ter opinião, e a opinião somente pode ser formada no debate. Todo discurso foi um debate dialógico entre enunciação e enunciatário, ou, como dissera o Teeteto: da alma consigo mesma. Quando se está exposto a uma sensação, para que se possa conhecê-la, é preciso ajustar o pensamento a essa sensação. O conhecimento implica em fazer o ajuste perfeito entre a sensação e o pensamento. A sensação é algo material, que pode ser percebida com os sentidos do corpo físico. O pensamento está na alma, é algo que existe concretamente, então, o conhecimento é um pensamento que se concretizou a partir da materialidade de uma sensação. Melhor dizendo, talvez, o estímulo externo ao corpo, que chegou na mente pelos sentidos e que foi associado a um significado. Obviamente se poderia lembrar do signo, com já anteriormente neste texto se fez. Sócrates acrescentou que alguém somente pode se enganar com aquilo que conhece. Não existe portanto opinião que seja propositadamente falsa, todo engano origina-se de uma dificuldade em fazer coincidir

significante/sensação

(forma/substância)

com

o

significado/pensamento

(forma/substância): (p. 93) “as opiniões falsas se originam do ajustamento entre a sensação e o pensamento”. Sócrates argumentou ainda que não é possível se enganar ou formar opinião falsa a respeito daquilo que não se conhece, caso não fosse assim, significaria que alguém pudesse não ter consciência de que tem certo conhecimento, ou seja, estivesse privado dos sentidos. Conclusão Para levar a cabo o desafio de Teeteto, opinar sobre alguma coisa é ter consciência das diferenças que a identificam, reconhecer é estabelecer as diferenças, somente assim se pode ter uma

opinião verdadeira. Se alguém adquire ou aprendeu um conhecimento, diz-se como sabedor ou que possui o conhecimento, logo, como está dito por Platão no Teeteto (p. 115), “conhecer é adquirir conhecimento”. O conhecimento é como dito acima: a concretização de um pensamento, retirado do estímulo de uma sensação (ou signo) em uma alma (ou mente, ou inteligência, ou cérebro) aprendiz. O conhecimento está na relação que a alma tem com o que a circunda, de onde surgem os estímulos. Assim, o conhecimento é social, porque está disposto no que circunda os seres, e é também concreto, como já se tem dito. Na sociedade, os estímulos são sempre na forma de linguagem, prevista para ela uma materialidade e uma estrutura, ou seja, uma instituição. Logo, o conhecimento é conhecer a linguagem instituída, e muitas vezes a meta-linguagem. Saussure disse, perfeitamente, que a forma principal e anterior a qualquer outra instituição social é a língua, logo, o conhecimento somente existe na forma da instituição língua, que é social e concreta. Para arrematar, Teeteto diria que, segundo Humboldt, o único armazém de cultura (conhecimento) que a humanidade possui, é a língua. Faltaria a Historiografia Linguística desse artigo dizer que tudo que é recortado ou refratado do social não poderia ser do modo como está no social. Como bem explicara Sócrates, entre o social e a alma existe o corpo, filtro das sensações. Todo corpo de ser humano é único e uno consigo mesmo. Ele não somente é único enquanto estrutura física, mas o é também como estrutura intelectual, além disso, foi institucionalizado de modo também único, desse modo, em qualquer tempo e lugar, todos os sujeitos são seres que não possuem ou que não são réplicas de nenhum outro ser. Portanto, se o conhecimento é social tal e qual a língua, ele está predisposto para todos os indivíduos de um mesmo modo, mas os indivíduos são únicos em tudo e recortarão e refratarão o conhecimento segundo sua própria capacidade criativa. Por fim, em resumo, o conhecimento é social, durável e concreto como a língua (estrutura), e a criatividade é individual, momentâneo e acidental como a fala (manifestação). Referências ARISTÓTELES. Arte retórica e arte poética. Rio de Janeiro, Ediouro, 1978. --------- Órganon: Da Interpretação. São Paulo, Edipro, 2010. AUSTIN, John. How to do things with words. Oxford Press, 1962. BAKHTIM, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec, 1986 [1929]. BENVENISTE, Emile. Problèmes de linguistique générale I et II. Paris, Gallimard, 1974 [1966]. CONDILLAC. É. Bonnot de. Traité des sensations. Paris, Fayard, 1984 [1754]. GREIMAS, A. Julien. Semântica estrutural. São Paulo, Cultrix, 1971[1966]. --------- & COURTÉS, Joseph. Dicionário de semiótica. São Paulo: Cultrix, 2008 [1979].

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