O \"conservadorismo progressista\" de Sílvio Romero: naturalismo e política na Primeira República brasileira

June 5, 2017 | Autor: Fernando Lopes | Categoria: Pensamento Social Brasileiro, Sociologia Política, Crítica literaria
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Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia

Fernando de Azevedo Lopes

O “CONSERVADORISMO PROGRESSISTA” DE SÍLVIO ROMERO Naturalismo e política na Primeira República brasileira

Rio de Janeiro 2015

Fernando de Azevedo Lopes

O “CONSERVADORISMO PROGRESSISTA” DE SÍLVIO ROMERO Naturalismo e política na Primeira República brasileira

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).

Orientador: Prof. Dr. André Pereira Botelho

Rio de Janeiro 2015

O “CONSERVADORISMO PROGRESSISTA” DE SÍLVIO ROMERO Naturalismo e política na Primeira República brasileira

Fernando de Azevedo Lopes Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia (com concentração em Antropologia).

Aprovada por: Titulares: _____________________________________________________ Prof.Dr. André Pereira Botelho (PPGSA / IFCS / UFRJ)

_____________________________________________________ Profª Drª Gabriela Nunes Ferreira (PPGCS / UNIFESP)

_____________________________________________________ Profª Drª Aline Marinho Lopes (UFF)

Suplentes:

_____________________________________________________ Profª. Drª. Helga da Cunha Gahyva (PPGSA / IFCS / UFRJ)

_____________________________________________________ Profª. Drª. Tamara Rangel (PPGHCS / COC / FIOCRUZ)

Rio de Janeiro 2015

RESUMO

A presente dissertação objetiva reconstruir o movimento intelectual de Sílvio Romero (1851-1914) nos anos nascentes da Primeira República, onde o autor mobilizou uma gama de teorias cientificistas para dar conta dos dilemas da formação nacional brasileira e também para pensar os desafios e possibilidades abertos a partir do golpe republicano. Esse movimento analítico intenta a abertura de um outro caminho interpretativo sobre a obra do autor que permita perceber sua adoção dos repertórios europeus, principalmente do liberalismo conceituado por Herbert Spencer, de forma original e reflexiva em relação a conjuntura política dos primeiros anos do regime republicano e também de forma complementar a de sua proposta de crítica literária científica.

PALAVRAS-CHAVE: Sílvio Romero; Primeira República; Liberalismo; Pensamento Social Brasileiro; Crítica Literária

Rio de Janeiro 2015

ABSTRACT The present thesis aims to reconstruct the intellectual movement of Sílvio Romero (1851-1914) in the early years of the First Brazilian Republic, where the latter has mobilized a range of scientistic theories in order to deal with Brazilian national development dilemmas and also pondering over open challenges and possibilities as from Republican coup. This analytic movement intents to open for another interpretative path about the author’s work which allows to perceive his adoption of European repertories, mostly from Herbert Spencer’s reputable liberalism, in a singular and reflexive way related to a political conjuncture of early years of the First Brazilian Republic and also in a complementary aspect of his approach for scientific literary criticism. KEY WORDS: Sílvio Romero; First Brazilian Republic; Liberalism; Social Brazilian Thought; literary criticism.

Rio de Janeiro 2015

AGRADECIMENTOS Este trabalho contou com o auxílio de diversas pessoas e instituições que viabilizaram a sua realização. Em primeiro lugar, agradeço ao meu orientador, Professor André Pereira Botelho. Sua ajuda e orientação foram imprescindíveis para a concretização dessa dissertação e se não tivesse contado com seu rigor, erudição e pluralismo, esse trabalho não teria sido concluído. Sou muito grato pela paciência com um neófito e pelos ensinamentos nesses mais de dois anos de pesquisa. Seus escritos e sua forma de pensar a sociologia me abriram um caminho que reavivou e possibilitou uma leitura muito mais sofisticada da que pensava anteriormente para meu antigo tema de pesquisa. Cabe mencionar que quaisquer falhas que por ventura esse trabalho apresente são de total responsabilidade minha. Dos tempos de Gragoatá e de UFF, devo muito ao Professor Marcos Alvito. Seu curso sobre Machado de Assis nos tempos de graduação em História mudou minha concepção sobre o ofício de historiador e me apresentou, de forma indireta, o objeto que pesquisei nesta dissertação. Além disso – como se fosse pouco – sua postura docente e intelectual são exemplares e inspiradoras. Aos professores Beatriz Heredia e Marco Aurélio Santana agradeço o excelente curso de metodologia de pesquisa ministrado durante o curso de mestrado. Suas leituras, comentários e “implicâncias” foram fundamentais para o desenvolvimento deste trabalho. Também agradeço a professora Eloísa Martin pelas leituras que em parte informaram a construção dessa dissertação e o excelente curso sobre escrita acadêmica que auxiliou muito na minha formação acadêmica. Às professoras Gabriela Nunes Ferreira e Aline Marinho Lopes agradeço os valiosos comentários no momento da qualificação. Gostaria de agradecer também a professora Maria Fernanda Lombardi que comentou parte deste trabalho quando ainda estava em seu início. Aos colegas de pesquisa Alessando Garcia, Alice Ewbank, André Bittencourt, Karim Helayel, Lucas Carvalho, Luna Ribeiro e Maurício Hoelz agradeço o agradabilíssimo convívio que me propiciaram nesses últimos anos. O ambiente de

camaradagem, generosidade e alegria são coisa rara no meio acadêmico. Devo agradecimentos especiais a Karim e Alessandro, pelas conversas na volta do metrô, que iam de Star Wars a Althusser, e pela ajuda na “correria” da vida acadêmica. Agradeço também a Alice por ouvir sobre os percalços pessoais e profissionais que acompanharam essa jornada desde 2013. E pela cervejinha também pois não somos de ferro, afinal! Aos meus colegas de mestrado, que sempre mantiveram um ambiente amistoso e generoso de convivência. Agradeço especialmente a Samantha Gifalli e Gustavo Fernandes pela ajuda e pelas trocas intelectuais e afetivas desse período. Aos amigos e amigas devo muito do suporte emocional que foi imprescindível para a realização da tarefa árdua e quase sempre solitária que é a escrita e a pesquisa. Impossível citar nominalmente todos, mas sintam-se abraçados por mais essa etapa concluída. O Ferreira Vianna, mais do que um curso técnico em telecomunicações, me forneceu amizades que constituem hoje parte inseparável da minha vida. Klaus, Carlinhos, Moura, Helliton, Mari, Ganso, muito obrigado pelo apoio de sempre. Hermio, agradeço pela amizade, pelas cervejas e também por ter me ajudado na formatação final desta dissertação. Dos tempos de Niterói, por sorte carrego excelentes amigos e excelentes companheiros de diálogo intelectual. Agradeço a Gabriel Neiva pelas conversas sobre música, futebol, vida, pensamento social e pela amizade fraternal. Gondim, Bela, Lari, Carol, Fê, Alanzinho, Bia, muito obrigado pelas “fugas” nesse período tenso de escrita. Filipe Senos, grande companheiro de Penha e de “passeio”, prometo retornar a vida após a defesa e marcar aquela cerva há tempos prometida. À Larissa Costard agradeço por sempre me alertar sobre as minhas “pós-modernices”, além de toda a amizade e carinho que nossa convivência proporciona. À Bárbara agradeço pela amizade ímpar e sua generosidade sempre em alta. À Marina Ayres agradeço por me ouvir tantas e tantas vezes nesses últimos tempos e por levar o conceito de amizade até as últimas consequências. Aos amigos da melhor mesa redonda do planeta, meu agradecimento de coração. Os nossos debates multifacetados, hilários e controversos me ajudaram muito nesse

período de claustro. Bel, Nelo, Rayol presidente, Leléo, Cookie, Yure, Vovô, Careca, Pasca, Sasssone e Raphael, agora leiam minha “tese”. Aos amigos Adriana Xerez, Maria, Dirceu e Pedro, agradeço muito pelo acolhimento nos momentos difíceis desses tempos e os ouvidos sempre disponíveis para as lamúrias da vida e da carreira docente. E também agradeço pela rede mais aconchegante da Grande Tijuca! Agradeço também ao Pedro pela leitura do primeiro capítulo dessa dissertação e pelos sempre instigantes diálogos que travamos. Agradeço especialmente também a Maria que leu o esboço do que viria a se tornar o segundo capítulo da dissertação. À Mônica Mourão, agradeço as trocas intelectuais que tivemos durante esses dois anos e a amizade nova e especial com que Fortaleza me presenteou. Sua generosidade é coisa rara no “mundo cão” de hoje em dia. Aos alunos e alunas da Escola Municipal Bernardo de Vasconcelos, da Escola Municipal F.J. Oliveira Vianna e da Escola Estadual São Bento, meus mais sinceros agradecimentos. A experiência na docência foi fundamental para a abertura de novos horizontes na minha vida, inclusive acadêmica, e o aprendizado que tive com a gana de viver e aprender de jovens tão maltratados pelo poder público foi um divisor de águas em minha trajetória. A barbárie nunca vencerá e a alegria sustentada por eles e elas me comprova isso diariamente. Aos meus pais, Noêmia e Euclides, pela ajuda importantíssima em toda minha formação e por acreditarem nas escolhas que fiz, além de todo suporte afetivo e material. Agradeço também a minha irmã Nathália pela alegria e pelo carinho. Às funcionárias do PPGSA, agradeço a solicitude e o profissionalismo. Agradeço também à CAPES pelo auxílio financeiro que viabilizou este trabalho.

Dedico esta dissertação aos meus alunos e alunas

O respeito das convicções alheias não consiste em julgá-las boas e verdadeiras, mas só em tê-las por íntimas e sinceras Tobias Barreto, O atraso da filosofia entre nós, 1872

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO______________________________________________________12

1 - A CRÍTICA DA CRÍTICA SOBRE SÍLVIO ROMERO__________________25 1.1 - A morte da polidez..................................................................................................25 1.2 - Horror à realidade?................................................................................................33

2 – SPENCERIANISMO HETERODOXO.................................................................49 2.1 - Positivismo e o “spencerianismo crítico” romeriano..............................................49 2.2 - Parlamentarismo como “conservadorismo progressista”.......................................61 2.3 - Crítica ao hiperfederalismo e a questão da interferência estatal...........................69

3 – MESTIÇAGEM CONCEITUAL_____________________________________ 78 3.1 - Meios e fins, logos e práxis......................................................................................78 3.2 - Sílvio Romero, Herbert Spencer e a geração de 1870.............................................86 3.3 – Mestiçagem conceitual........................................................................................... 95 CONSIDERAÇÕES FINAIS___________________________________________108

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS___________________________________117

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INTRODUÇÃO

A presente dissertação objetiva reconstruir o movimento intelectual de Sílvio Romero nos anos nascentes da Primeira República, onde o autor mobilizou uma gama de teorias “cientificistas” para dar conta dos dilemas da formação nacional brasileira e também para pensar os desafios e possibilidades abertos a partir do golpe republicano1. Minha proposta de análise da obra romeriana realiza dois movimentos específicos: o primeiro é perceber sua produção intelectual sem cair na armadilha de pensar em termos disjuntivos teoria e intervenção política, evitando tomar por certo a própria mitologia criada pelo autor, tomando sua “narrativa de si” como algo reificado (Bourdieu, 2005; Skinner, 2005) e também transcender interpretações ossificadas pela fortuna crítica e pensar em possibilidades alternativas de interpretação de seu legado. O segundo aspecto, consequência do primeiro movimento, consiste também em considerar sua mobilização criativa das teorias europeias como um esforço de pensamento teórico periférico. Com isso, busco a abertura de um outro caminho analítico sobre a obra do autor sergipano que permita perceber sua adoção dos repertórios europeus de forma original. Assim, sugiro que a forma como o liberalismo foi lido por Sílvio Romero foi debitaria da tensão frente a tarefa de construção de uma perspectiva interpretativa que advogasse a adaptabilidade de doutrinas sociais e políticas frente a realidade e a história brasileira, mediante o cenário de impossibilidade de negação da mestiçagem e da necessidade de afirmação do país nos rumos da modernização ocidental. Para dar conta desse movimento, tento demonstrar e desestabilizar algumas continuidades acerca da recepção crítica do intelectual sergipano e descortinar outras possibilidades interpretativas sobre o autor, que destaque sua elaboração ativa e criativa dos repertórios “importados”. A motivação primeira da pesquisa que originou a dissertação partiu de um incômodo: a percepção de que as interpretações sobre a obra de Sílvio Romero ressaltariam o caráter contraditório das suas formulações intelectuais. O crítico literário sergipano é destacado por muitos analistas como um dos grandes intelectuais brasileiros 1

A dissertação não pretende dar conta de forma sistemática e linear da trajetória de Sílvio Romero. Existem inúmeros trabalhos que tentam escrutinar o percurso biográfico do autor, relacionando seu percurso às ideias que defendeu. Cf Sussekind, 1938; Rabello, 1967; Mota, 2000. Para uma abordagem sistemática sobre a “Escola do Recife” e o papel de Sílvio Romero neste cenário ver Paim, 1966; Chacon, 1969.

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e sua obra foi objeto de muitas análises, indo da História e Literatura até a Filosofia. Além disso, o autor é comumente associado ao movimento renovador de ideias políticas e filosóficas no Brasil, a chamada “geração de 1870”, formada por intelectuais que se caracterizavam pela oposição à “ordem saquarema” que vigorou quase ininterruptamente entre 1848 e 1878 e também pela tentativa de superação dos três pilares da ordem imperial conservadora: o catolicismo hierárquico, o indianismo romântico e a escravidão, com todas suas limitações à ampliação da participação política. Apesar das contribuições do crítico sergipano terem sido mobilizadas em trabalhos muito diversos, onde sua contribuição foi esmiuçada em áreas diferentes de conhecimento, esse é um traço característico da bibliografia crítica sobre Sílvio Romero. O juízo que o autor teria lançado mão de formulações conflitantes entre si, ora motivado por leituras pouco sofisticadas das teorias formuladas na Europa, ora pelo seu temperamento fluído, agressivo e pouco dado a sistematização, percorre quase toda a fortuna crítica sobre o autor. Em trabalho relativamente recente e de muito fôlego Angela Alonso (2002) procura enquadrar a “Geração de 1870” dentro de um movimento intelectual de intervenção política strictu sensu, indo além das interpretações sobre as produções desse grupo sob as lentes da História das Ideias (uma discussão sobre “escolas de pensamento” baseada numa maior ou menor fidelidade com as matrizes teóricas de origem) e de supostas ideologias de classe. Segundo a autora, a primeira vertente acaba por cair na questão da cópia/desvio, pois a referência sempre é exterior ao ambiente analisado; na segunda vertente a impossibilidade de ganhos heurísticos em interpretar a produção desses novos grupos que supostamente expressariam anseios de grupos sociais novos, surgidos com o processo de modernização econômica do país (Idem: 28) se torna inócua pois essa crise estrutural nos últimos vinte anos do Império não produziu, na cena política brasileira, novos grupos emergentes e nem promoveu sua homogeneidade, mas sim favoreceu uma reconfiguração de forças dentro da elite política-intelectual do período. Como saída para essas questões a autora busca - sem separar a geração entre “intelectuais e políticos”2 - encarar as manifestações intelectuais do período como primordialmente Nas palavras da socióloga “embora se tenha tornado uma convenção, a divisão da geração de 1870 em um grupo de cientificistas pouco atentos às questões nacionais e outro de pensadores politicamente empenhados é um anacronismo. É resultado do arbítrio dos intérpretes, que selecionaram características intelectuais em detrimento das políticas.” (Idem: 38) 2

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eventos políticos. Para a tarefa de interpretar o movimento como uma resposta coletiva ao fechamento das oportunidades políticas no outono do Império, a autora mobiliza a literatura sociológica que trata dos “repertórios contenciosos” (Tilly, 1978, 1993) operando com base na ideia de “tool kit”, onde as ideias seriam como ferramentas a serviço de um uso pragmático de intervenção política em determinado contexto (Swindler, 1986; Tilly, 1993). Sem dúvida não é o caso de ignorar as contribuições e pistas levantadas para a compreensão da atuação intelectual e política de Romero 3, porém, o movimento de Alonso parece desconsiderar, em parte, a presença, na obra desses agentes, de formulações para além do pragmatismo de servirem como ferramentas de contestação e debate político discursivo (cf. nota 18: 38). Movimento que deve-se a escolhas teóricas da autora que, para uma melhor compreensão do meu próprio movimento analítico aqui exposto, necessita-se matizar. Como Alonso afirma, “a apreensão do movimento intelectual impõe ir além da reconstrução da lógica interna dos textos e inscrever sua produção doutrinária no processo sociopolítico em que surge” (Ibidem) e reforçando o argumento, critica os autores da História das ideias que ao atribuir aos agentes o propósito de produzir conhecimento de valor universal teve o efeito de elevá-los à categoria de “filósofos”. O método heurístico, assim, acabou suprimindo a conjuntura e toda conexão com a problemática social contemporânea desaparece nessas análises (Idem: 24). Comungo do diagnóstico em relação a produção específica a que a autora se refere, mas desconfio da separação brusca entre teorização ou produção de conhecimento generalizante e intervenção no debate público e acredito que a raiz do antagonismo reside na questão do falso paradoxo entre leituras “textualistas” e “contextualistas”. Como salienta Botelho, os ensaios, como outras formas de conhecimento social, não são meras descrições externas da sociedade, mas também operam reflexivamente, desde dentro, como um tipo de metalinguagem da própria sociedade (Botelho, 2010: 61) e não se trata de revalorizar ideias e valores como variáveis independentes da realidade social, mas entendê-los como relativamente independentes sem relegar a segundo plano por isso, ou 3

O corte cronológico da presente pesquisa é a Primeira República, período posterior ao delimitado por Angela Alonso em seu livro, que se dedica ao estudo da geração reformista na crise do Império. Entretanto, a análise e mobilização crítica que realizo das problematizações da autora para a geração que Sílvio Romero foi formado, a meu ver, não se impossibilitam por esse fato pois a abordagem teórico-metodológica empreendida pela autora se torna uma agenda generalizável na abordagem da intelectualidade num quadro de não-autonomização do “campo” intelectual, quadro que permanece inalterado na Primeira República.

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simplificar, ordeiramente, sua intricada interdependência com o processo social. (Botelho, 2005: 77). Como forma de enfrentar o paradoxo discutido entendo que uma saída possível seja realizar uma análise que leve em conta que a teoria se constitui em movimento, reflexivamente em relação a “matéria social”, onde a conjuntura não funciona apenas como determinante exterior, mecanicamente, mas sendo incorporada internamente ao texto. Assim, dialeticamente, imbricam-se mudanças na forma sociológica das interpelações e o movimento político e social mais amplo a qual as formulações de Sílvio Romero dialogam de forma analítica, mas também normativa. Entretanto, o contexto, entendido como exterioridade, não é descartável na minha análise, mas o propósito também é entender como ele dialoga e se integra (e se transforma) internamente na obra romeriana. Inspiro-me aqui nas proposições de Schwarz(1999) e de Candido (2000)4, segundo as quais a matéria social funciona como elemento interno ativo na constituição da forma. No caso dos dois autores, se referindo à literatura de ficção e no caso aqui proposto como “modulador” das construções e deslocamentos de temas, abordagens e referenciais teóricos. Além de romper com a disjunção entre “texto” e “contexto”, essa perspectiva pode ser útil por revelar como a migração e adaptação das ideias em contextos periféricos pode trazer úteis mecanismos para desvelar não somente a sua forma, deslocamentos e aplicabilidade (ou não) fora do centro, mas também para desvelar as contradições no funcionamento das teorias no centro (Ricupero, 2008: 68).5 A percepção do descompasso entre as ideias europeias, que serviam as elucubrações da elite intelectual brasileira do século XIX, e o processo social brasileiro, marcado pela escravidão e pela influência negativa do latifúndio e de atrofia do aspecto público, que agiriam como entraves à formação de uma sociedade civil ativa, era uma percepção corrente entre os autores/atores brasileiros do período. Esse “sentimento de despropósito”6 (Schwarz, 1999: 82), traço característico do pensamento conservador, 4

Brasil Jr (2013), inspirando-se nos mesmos autores, demonstra como a aclimatação realizada por Fernandes e Germani não foi simples reprodução acrítica da sociologia da modernização, em especial a de inspiração parsoniana, mas sim foi uma síntese teórica original que deslocou os pressupostos dessa matriz original em função da interpelação de conjunturas específicas em que as pesquisas de cada autor estavam inseridas. 5 A interpretação de Bernardo Ricupero refere-se diretamente ao ensaio “As ideias fora do lugar” de Roberto Schwarz (2012). 6 A citação completa, em resposta a Bosi, salienta a pertença do liberalismo à ordem global capitalista. Nas palavras de Roberto Schwarz: “Assim, ao mostrar que o liberalismo foi coado pelo filtro de um interesse

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acredito, pode ser compreendido de forma mais ampla por meio do cotejamento com outras abordagens sobre a suposta inadequação entre ambiente social e ideias, também partindo de sentimentos de “estranhamento” frente a necessidade de releituras a partir de realidades muito diferentes dos países centrais e suas narrativas acerca do mundo social. Surgidas

dentro

do

movimento

de

crítica

e

tentativa

de

superação

do

eurocentrismo das narrativas sociológicas “clássicas” e da consequente dependência epistemológica e acadêmica das ciências sociais do sul em relação às do “Norte atlântico” (Keim, 2008), esses “discursos alternativos” (Alatas, 2010) sinalizam para a necessidade de se construir alternativas em relação à aplicação acrítica do repertório intelectual europeu na análise das realidades dos países do sul global. Essa aplicação “servil” do repertório teórico europeu, além de representar uma dependência acadêmica e intelectual que reflete uma conjuntura de subordinação econômica mais ampla, não auxiliariam para a compreensão dos contextos específicos das sociedades do sul. Produções que nasceram em realidades histórico-sociais específicas são universalizadas, sendo utilizadas em contextos bastante diferentes daqueles do seu surgimento, não possibilitando assim uma análise mais abrangente das realidades dos países periféricos. Essas tentativas de construção de novas possibilidades de construção do conhecimento sociológico em contextos periféricos tem buscado uma saída frente à universalização de corte eurocêntrico mas, contudo, sem aderir necessariamente às premissas pós-modernas que fragmentam as perspectivas nacionais em narrativas fechadas em si, impossibilitando uma conexão entre os discursos sociológicos produzidos em diferentes partes do mundo. Margareth Archer (1991), em artigo que serve de introdução ao Congresso Mundial da ISA, entidade que presidia à época, advoga em favor de uma sociologia unitária baseada na unicidade da razão humana e alerta para a falsa

de classe execrável, ao qual serviu bem - o que é verdade -, Bosi julga haver dissipado a ilusão, ou melhor, a ideologia de desconcerto e nonsense que acompanhou a sua associação com a escravatura. A meu ver este segundo passo joga a criança com a água do banho. A começar pelo propósito mesmo do raciocínio. A mencionada convicção da excentricidade e do deslocamento local das idéias modernas não é uma invenção dos historiadores do século XX, cuja supressão nos pudesse devolver uma visão mais exata das coisas. Pelo contrário, sem prejuízo do caráter ideológico, aquele sentimento de despropósito é justamente o fenômeno que se deveria explicar em sua necessidade histórica, pois foi uma presença notória no Brasil oitocentista, e estava por assim dizer inscrito nas coisas, tanto que a maioria dos exemplos lembrados por Bosi para provar a funcionalidade escravista do liberalismo serve igualmente para abonar a feição desconjuntada da mesma combinação.” (Schwarz, 1999: 82; grifos nossos)

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dicotomia entre unidade e diversidade. Para a autora, a saída para tal situação seria escapar dos caminhos propostos pelo positivismo e também pelo relativismo pósmoderno e pensar a sociologia com base no realismo crítico, como uma unidade entre diferentes formas e métodos de análise, mas com possibilidade de se conseguir alcançar um norte comum e garantir as potencialidades da disciplina enquanto forma de conhecimento. Analogamente ao que propõe Berthelot (2000), esse movimento analítico pode ser entendido como uma conjugação entre pluralismo (de formas, de objetos de análises e de fontes de construção teórica) e racionalismo (Idem:111). Convém salientar que, para o autor, pluralismo não seria sinônimo de relativismo mas sim uma concepção ainda nos marcos do pensamento racional, como fica claro no trecho citado a seguir: O termo pluralismo é por vezes associado ao de relativismo. Pode efetivamente ser assim quando o pluralismo exprime uma reivindicação defendendo a relatividade dos pontos de vista para justificar a pluralidade destes. Em contrapartida, o termo pode designar igualmente o reconhecimento - a um nível de elaboração intermédio, o das teorias e dos programas - de uma pluralidade de construções, diferentes na sua orientação específica, mas reclamando-se de uma referência comum aos princípios racionais que regem a atividade de conhecimento (Idem: 119).

Hussein Alatas foi um dos primeiros intelectuais que lançaram as bases da, assim chamada, “autonomização” da Sociologia. Sua proposta consiste no desenvolvimento de métodos e teorias capazes de incorporar dados e de pensar a prática analítica com pressupostos que partam “de dentro” das sociedades estudadas “para fora” (Alatas, 2006). Segundo o autor, os conceitos clássicos das ciências sociais europeias, como classe, estratificação social, mobilidade social, cultura etc. teriam uma validade universal no nível abstrato, mas suas manifestações históricas e concretas seriam condicionadas pela conjuntura que foram desenvolvidas (Idem: 07). O movimento que as sociedades e os intelectuais não ocidentais deveriam tomar, no intuito de promover uma ciência social com maiores ganhos heurísticos, seria o de construir uma tradição de conhecimento autônoma, que levasse em conta os aspectos locais, “aplicando um conceito independente de relevância na coleta e na acumulação dos dados de pesquisa” (Ibidem). Isso possibilitaria uma contribuição genuína e verdadeiramente local a uma sociologia supostamente universal, livre da imitação e da cópia de referências alienígenas àquelas sociedades.

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Outra proposta de movimento análogo seria a da indigenização da Sociologia, prática essa desenvolvida em contextos sociais e geográficos específicos, com suas nuances

particulares.

Calcado

na

reformulação

das

premissas

ontológicas,

epistemológicas, empíricas e axiológicas mobilizadas nas pesquisas, tal rompimento permitiria, segundo este movimento, em (re)construir conceitos sociológicos com base nas tradições locais e populares das respectivas sociedades não-ocidentais (Kim apud Alatas 2010: 229). Com isso, se abriria a possibilidade de lançar um projeto sociológico em outras bases7, desenvolvendo conceitos analíticos calcados no conhecimento social contido, por exemplo, nos registros da poesia oral Iorubá que assim serviriam para o uso sociológico futuro tanto na análise nativa como também em outros contextos geográficos e sociais (Akiwowo, 1986: 343). Sem perder de vista a generalização de suas proposições, Akiwowo afirma: the principal aim of this paper is to contribute to a general body of explanatory principles by demonstrating how some ideas and notions contained in a type of African oral poetry can be extrapolated in the form of propositions for testing in future sociological studies in Africa or other world societies (Idem : 343).

Essas duas perspectivas podem abrir possibilidades interessantes para pensar as formulações intelectuais com fins a intervenção na realidade e também com intuitos de fomentar uma produção teórica generalizante sem cair numa divisão estéril entre “Teoria” e “prática” ou intervenção política. Entretanto, deve-se tomar cuidado para não considerar ao extremo essas duas propostas intelectuais e, consequentemente, incorporar uma visão essencialista sobre conceitos como “identidade”, “nacional”, “autóctone” etc. Nota-se, porém, tanto no projeto de autonomização da sociologia quanto no de indigenização, uma forte tentativa de balizar localmente as premissas analíticas de seus trabalhos, de forma a

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Após esse movimento inicial surgiram desenvolvimentos críticos a esse projeto, como os estudos de Makinde (1988) e Lawuyi & Taiwo (1990), e também contraposições às premissas básicas de Akiwowo e à maneira como seu desenvolvimento conceitual ainda mantinha relações espelhadas e estruturais com conceitos europeus e com a vertente do funcionalismo estrutural (Adesina, 2002). Por outro lado, Archer (Ibid.) retoma o projeto intelectual de Akiwowo e afirma que, ao contrário de leituras equivocadas que viam na análise do autor nigeriano um exemplo do relativismo cultural, esse estudo possibilita o entendimento de que “humankind universally thinks and talks about sociality – about creation, social origins, consanguinity and cohabitation. In Isichei´s terms this leads to an anti-relativistic quest for basic conceptual categories whose empirical referents exist whenever human beings are found “ (Ibid. : 143) . Assim, a autora defende que uma das saídas para a falsa dicotomia entre unidade e diversidade, criando-se um conhecimento universal longe das armadilhas do positivismo e do pós-modernismo seria o recurso a universalidade da razão humana, apesar dela se revelar, dependendo do contexto, em manifestações práticas e cotidianas diferentes (Ibid. : 140).

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se contrapor ao projeto original universalizante da sociologia8. Relacionar essa “proposta periférica” com a proposta de Roberto Schwarz primeiramente esposada no capítulo inaugural de Ao Vencedor as Batatas (2002) permite, assim, elucidar minha proposta de abordagem da obra de Sílvio Romero. Roberto Schwarz, em crítica à análise de Alfredo Bosi da suposta “triagem” que o liberalismo teria sido submetido pelas classes dirigentes, afirma a necessidade de pensar a questão da adequação/inadequação do liberalismo tendo em vista o caráter global do capitalismo, como fica claro no trecho abaixo: O mal-estar brasileiro em relação às idéias modernas, de que o sentimento de inadequação do liberalismo é uma instância, pertence a essa esfera dos efeitos globais, de incompatibilidade e co-presença de pontos de vista engendrados no interior e em diferentes lugares de um sistema transnacional, que a noção de filtragem, com o seu viés localista, tende a desconhecer. O próprio Bosi encontrou o problema ao lembrar a explicação de Marx sobre a plantation norte-americana, cujos proprietários são ditos capitalistas a despeito do trabalho escravo, pois se trata de "anomalias no interior de um mercado mundial assentado sobre o trabalho livre" (Schwarz, 1999: 84)

Segundo Schwarz, a funcionalidade das ideias liberais e o “disparate” frente à estranheza mediante a condição sui generis do Brasil perante a modernidade, devido a escravidão, não seriam pólos apartados mas sim se conjugariam na conformação da problemática tratada (Idem: 83). O “mal-estar” que o autor indica nas linhas reproduzidas acima, derivado do aspecto global que o capitalismo já assumia desde o século XVI e a consequente posição “desigual e combinada” da periferia frente ao centro da modernidade internacional seria condição incontornável posto que calcado em condições objetivas e estruturais que não se modificariam apenas com o uso mecanicista do liberalismo. Concordando com o autor, podemos afirmar que a tensão presente na obra de Sílvio Romero permite perceber esse delicado quadro de tentativas de leituras afinadas ao grandes centros como um exercício ativo de manejo intelectual. Por outro lado, as “condições objetivas” que a realidade brasileira impunha a Sílvio Romero deram limites bem delimitados ao alcance de suas formulações.

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Em relação à análise do processo de formação das teorias sociológicas clássicas, essas duas correntes sociológicas, além de “provincializar a Europa” – transcendendo o chamado de Chakrabarty (2000) –, indigenizaram-na (cf Alatas, 2001: 01)

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A conjugação das duas propostas, entretanto, necessita de uma mediação específica, principalmente em relação a questão local-global. O contexto, nas duas perspectivas, desempenha papel analítico central na construção do conhecimento – no caso da proposta de Alatas – e como proposta teórica-metodológica de estudo das nossas formulações ideológicas – no caso de Schwarz. Torna-se possível aproximar as duas propostas por meio da mobilização do conceito de relevância, defendido por Alatas (2001). Esse conceito ancora-se na ideia de que nas ciências sociais uma visão crítica em relação aos modelos analíticos “importados” e a tentativa de buscar soluções originais e locais para pensar os problemas teórico-metolológicos nos contextos nacionais propiciariam saídas heurísticas eficazes e realizariam, de fato, uma generalização afastada do signo da dominação colonial e em bases científicas mais acuradas. Os dois discursos alternativos em tela e a síntese, via Farid Alatas, levando-se em conta suas diferenças não desprezíveis, buscam saídas para o universalismo hierarquizante, escapando das armadilhas do discurso pós-moderno, o qual sinaliza para a pulverização da razão em “razões” conjecturais (Lyotard apud Archer, 1991: 140); ou seja, esses discursos constituem uma saída racional e realista para a questão da globalização e de sua respectiva geopolítica do conhecimento. A questão da relevância aponta também para a necessidade de se buscar, historicamente, as bases de construção da sociologia, entendendo que a produção de conhecimento, como em outras esferas da vida humana, é fruto de processos históricos específicos. Em artigo recente, João Marcelo Maia (2015) aplica essa concepção de Alatas ao estudo do pensamento de Guerreiro Ramos. A aproximação propõe uma abordagem transnacional do estudo do autor de Redução Sociológica e, com isso, inserir seu pensamento na dinâmica mais ampla, global, das formulações sociológicas do pós-guerra. A partir desse estudo de caso, Maia propõe algumas possibilidades de pesquisa dentro do campo de pensamento social que tentem dar conta da mobilização dos produtos intelectuais periféricos dentro de uma lógica relacionada ao movimento mais amplo das formulações teóricas ocidentais, como fica explicitado no trecho que reproduzo em seguida: Tal perspectiva implica desfazer as barreiras e separações entre a história do pensamento social brasileiro e a história das ciências sociais globais, fato que se reflete na própria estrutura de ensino de graduação em nosso

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país, em que, usualmente, o pensamento social é ensinado fora das cadeiras de Sociologia, permanecendo à parte e sem ser necessariamente vinculado com o estudo das ideias modernas sobre o social. De certa maneira, essa separação reflete a polêmica em torno do estatuto científico dos textos agrupados na rubrica do “pensamento social” (Maia, 2015: 54)

O conceito de relevância, como mobilizado por Maia, também permite fugir do essencialismo que perspectivas calcadas na ideia de originalidade das experiências nacionais ocasionaram. Pensado como mediação entre as propostas de indigenização e autonomização da sociologia, ambas essencialistas, o conceito de relevância permite escapar do que o autor caracteriza como um “orientalismo”9 às avessas, pois a aceitação da peculiariedade das experiências nacionais não necessariamente deve negar a relação das experiências intelectuais da periferia com o movimento global mais amplo (Alatas, 2001: 60-61). Nesse sentido, a perspectiva levantada por Alatas, na busca dos nexos locais para a reflexão sociológica, possibilita compreender a aclimatação de Sílvio Romero dentro de um movimento mais amplo da expansão do pensamento liberal e dos ajustes que o liberalismo sofreu, também, nas experiências centrais10. Mais do que uma questão de acuidade ao “reproduzir” tal ou qual modelo intelectual ou político, as tensões das leituras do liberalismo presentes na obra de Sílvio Romero podem ser percebidas como embebidas em dilemas que suas versões mais “fidedignas” também enfrentaram, mas dilemas de outra ordem. Esse descompasso entre “ordens” diferentes, mais do que fruto de leituras menos sofisticadas dos intelectuais fora do centro, podem, talvez, serem entendidas na truncada (e reflexiva) relação entre ideias e contextos na qual procuram se fazer valer. Visto isso, construí a dissertação em três capítulos: no primeiro deles procuro sugerir a presença de uma cristalização de determinado enviesamento da recepção do trabalho de Sílvio Romero que parte de problemáticas surgidas no próprio cenário intelectual fluminense do último quartel do século XIX. Tento demonstrar como determinada sensibilidade crítica, naturalista, defendida por Sílvio Romero causou 9

A referência aqui é ao trabalho clássico do teórico da literatura Edward Said e sua obra fundadora dos chamados Estudos pós-coloniais. Cf. Said, 2011. 10 Convém relembrar o papel que o liberalismo pensando por Stuart Mill teve na “domesticação” das perspectivas liberais no contexto inglês, esvaziando a perspectiva de uma ação do mercado livre de contingenciamentos outros, como aquela ligada à uma concepção liberal atreladas às máximas evolucionistas que enfatizavam o papel positivo da “competição” livre das intervenções do aparelho estatal. Sobre o tema, conferir Bellamy, 1994.

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reações contrárias no grupo de letrados da capital federal que acarretaram interpretações que permaneceram, em menor ou maior grau, na bibliografia posterior que se debruçou sobre seu legado crítico e interpretativo, principalmente as que localizaram sua trajetória intelectual como essencialmente marcadas pela pecha de autor rebelde, contraditório, assistemático e atravessado por impulsos psicológicos incontornáveis. Vale mencionar que não procuro, ao contrário, uma estabilização das tensões em sua trajetória, visto que o próprio autor percebeu essa marca que recebeu de seus adversários e tentou ele mesmo construir sua justificativa retrospectiva (cf. Romero, 1913) mas tento compreender os tensionamentos de seus esforços intelectuais em relação com o momento político-social do país. Já no segundo capítulo, procuro analisar a “aclimatação” do liberalismo spenceriano no Brasil feita por Sílvio Romero, baseando-me principalmente em seus dois livros de debate doutrinário mais contundentes nos anos iniciais da República: Doutrina contra Doutrina (1893) e Parlamentarismo e Presidencialismo no Brasil (1894)11. No primeiro, Romero realiza um embate com o positivismo, criticando a forma com que a doutrina teria se desenvolvido no Brasil, defendendo, em contrapartida, uma interpretação do país baseada no evolucionismo de Herbert Spencer. Já o segundo é uma compilação de sua correspondência ativa com Rui Barbosa concebida por Romero como obra independente em que se esforça em empreender defesa sistemática do modelo parlamentarista em detrimento do presidencialismo baseado numa metodologia calcada novamente em Spencer, mas não de forma ortodoxa. A análise dos dois livros se faz conjuntamente com a reflexão sobre sua curta atuação parlamentar e seu papel de relator do projeto de revisão do Código Civil. Para tal reflexão, mobilizo na discussão do capítulo uma série de intervenções parlamentares, correspondências e outras fontes primárias que permitem ver os movimentos do autor na dinâmica política “prática” do período. Os discursos de sua atuação como deputado federal entre 1900 e 1902 que utilizo aqui foram compilados em forma de livro e editados pela Livraria Chardron e lançados em Portugal, em 1904. Parte da sua correspondência do período que viveu no Rio de Janeiro se encontra nos arquivos da Fundação Casa de Rui Barbosa e disponíveis em versão digitalizada. Outra gama de correspondência foi anexada a biografia de Sílvio Romero, 11

Utilizei os textos em suas edições primeiras. Quando alguma edição posterior for mobilizada faço as indicações necessárias.

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Itinerário de Sílvio Romero, assinada por Sylvio Rabelo (1967). Acredito que o esforço de unir o debate doutrinário feito pelo crítico sergipano conjuntamente com suas intervenções públicas permitam perceber as tensões que a conjuntura de organização do modelo republicano e federalista gerava nos esforços intelectuais do autor e como uma série de impasses a serem resolvidos pela classe política do período, como a questão da representação política e papel do Estado, acabaram por influenciar uma recepção específica do liberalismo de corte spenceriano. O terceiro capítulo intenta um movimento analítico complementar com o do segundo capítulo da dissertação, tentando localizar uma ligação da proposta estética concebida para a análise da literatura por Sílvio Romero com um método específico de interpretação social do país e que também embasou suas concepções sobre o momento político dos anos iniciais da república. Em outras palavras, tento um breve acompanhamento da proposta de "aclimatação" do cientificismo feita pelo crítico sergipano, que tanto na questão da crítica literária em si quanto nas análises sobre a Constituição de 1891 e a República se conformaram como um suposto método científico balizado pela fidelidade ao “caráter nacional” e a adaptabilidade não-servil ao fluxo de concepções e teorias vindas da Europa. Antonio Candido foi o primeiro autor que tentou entender, em estudo sistemático, as tensões da proposta crítica romeriana12. Como salienta no prefácio a segunda edição de O Método Crítico de Sílvio Romero (2006), uma das conclusões que alcançou ao analisar a obra crítica do autor sergipano foi a relativa fidelidade de sua proposta teórica desde seus estudos iniciais sobre a literatura até a consolidação de seu projeto de crítica literária que se concretizou em História da Literatura Brasileira (Candido, 2006: 15)13. Entretanto, Candido salienta que, apesar desta fidelidade na proposta de crítica, a ideia de uma coerência do autor seria exagero e não deveria ser levada em absoluto (Idem: 14). Em parte o trabalho que apresento aqui é tributário dessa percepção de Antonio Candido, 12

Sobre a influência do método de Sílvio Romero para o próprio Antonio Candido, ver Prado, 2009. Sobre a perspectiva crítica de Antonio Candido, salientando seu método comparativo, ver Ewbank, 2014. 13 Ao analisar a relação da proposta crítica de Antonio Candido e de Sílvio Romero, Arnoni Prado afirma que “por mais inadequada que se configure a Antonio Candido a fisionomia literária do crítico projetado por Sílvio Romero, é – digamos – no preenchimento de seus intervalos, na iluminação gradual dos conteúdos implícitos no que Sílvio sugeriu, mas não fez avançar, esboçou, mas não soube exprimir, pressentiu, mas não conseguiu formular; é na discussão integradora desses intervalos que as análises de Antonio Candido redimensionam a contribuição positiva de seus desequilíbrios” (Prado, 2009: 107)

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inclusive sobre a necessidade de entender a ideia de crítica em Sílvio Romero “mediante interpretação que complete a investigação nos textos pela demonstração dos vínculos com o momento, em cuja dinâmica ele quis inserir o seu imenso esforço” (Idem: 15). Caso tenha alcançado minimamente êxito na tarefa que assumi nesta dissertação, pretendo demonstrar como certas características de sua percepção crítica informaram também suas análises sociopolíticas e sofreram influência da conjuntura que tentava estabilizar numa interpretação e também num prognóstico de ação para o futuro.

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CAPÍTULO 1 – A CRÍTICA DA CRÍTICA SOBRE SÍLVIO ROMERO “A luta pela existência na literatura e na arte tem dois momentos capitais: um que é feito pelo próprio escritor em sua vida, e outro que é feito pela consciência pública e pela história depois de sua morte.” Sílvio Romero, História da Literatura Brasileira.

O presente capítulo objetiva uma análise da recepção da obra de Sílvio Romero na fortuna crítica, perseguindo algumas permanências interpretativas em torno da mediação realizada pelo autor frente as teorias cientificistas europeias. A hipótese que guia esse movimento analítico é de que certa percepção sobre a atuação intelectual do crítico sergipano surge no momento de institucionalização do ofício letrado no país, em torno da tentativa de constituição de uma abordagem da vida literária para além dos parâmetros do nativismo romântico. O embate pela afirmação do modelo crítico objetivonaturalista, por conseguinte, precipitou o embate entre sociabilidades intelectuais distintas. A postura naturalista de Romero, eivada da ideia de combate e evolução doutrinária, acabou conformando também um ethos que causou desconforto no ambiente intelectual fluminense do final do século XIX. A raiz do desconforto se localiza no encontro tensionado entre uma sociabilidade cortesã anterior, já estabelecida na cena intelectual brasileira do oitocentos, norteadas pela ideia de “bom gosto”, “dom” e “capacidade individual” frente a uma “ética intelectual” informada pela necessidade de superação e de escrutínio das contribuições dos autores brasileiros – vivos ou mortos. Desse desconforto e estranhamento derivaram algumas críticas sobre a atuação de Romero que informaram às interpretações sobre o legado do autor. Partindo da recepção da crítica romeriana à obra de Machado de Assis, por seus adversários intelectuais, tento descortinar algumas continuidades nas interpretações sobre sua obra já no século XX e, com isso, abrir outras possibilidades de leitura de suas contribuições.

1.1 – A morte da polidez O ambiente intelectual fluminense em que viveram, conviveram e combateram Sílvio Romero, José Veríssimo, Machado de Assis entre outros exibia uma característica

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muito marcante: a sua sociabilidade, que se regia por um modo cortês de interação (Aguiar, 2012). Praticamente a concretização em termos de conduta pública e intelectual do “tédio à controvérsia” de Conselheiro Ayres, notória peça da ficção machadiana. Assim, todas as disputas deveriam manter a boa convivência e a harmonia entre os participantes, ensejando um ambiente agradável e longe da imagem de campo de batalha intelectual que tanto agradava a Sílvio Romero. A criação da Academia Brasileira de Letras (1897), tentativa de especialização do ofício literário14, e a partir de seu surgimento também ambiente preferencial da elite intelectual no Rio de Janeiro, pode nos trazer informações importantes sobre a sociabilidade nesse contexto. Machado de Assis, ao contrário de Romero, pregava o distanciamento e a independência do literato frente às questões políticas do seu tempo. Em um trecho de seu discurso de inauguração da Academia, ele diz: Nascida entre graves cuidados de ordem pública, a Academia Brasileira de Letras tem que ser o que são as instituições análogas: uma torre de marfim onde se acolhem espíritos literários, com a única preocupação literária, e de onde estendendo os olhos para todos os lados, vejam claro e quieto. Homens daqui podem escrever páginas de história, mas a história se faz lá fora (Assis apud Sevcenko, 1983: 83).

Romero, ao contrário, defendia que o homem de letras deveria ser atuante, quase um “militante” em torno das questões caras à realidade social e cultural do país, tendo ele mesmo defendido esse tipo de fazer literário na sua pequena mas nada discreta atuação dentro da Academia. Ao comentar sobre a postura do homem de letras frente às “pugnas e dores da pátria”, delineia assim a postura intelectual que considera adequada: E' prova de desamor deixal-a gemer ao peso das facções e não ter para ella siquer uma palavra de consolação. Entrar no meio dos que pelejam, travar das armas da batalha, quo para muitos de nós é apenas a palavra falada ou escripta, não é acto de heroísmo, chama-se apenas o cumprimento estricto de um dever. Por nossa parte temol-o cumprido sem pretenções e sem alardo, discutindo, repetidas vezes, os homens o os factos brasileiros nos últimos oito annos. Não nos glorificamos disto, que se nos afigurava, e afigura ainda hoje, mera obrigação. Erramos, por certo, em muitas occasiões, mas erramos de boa fé, pelo muito que amamos este formoso paiz, onde nascemos, d'onde nunca sahimos um momento, d'onde não

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Sobre a Academia Brasileira de Letras e a tentativa de Machado de Assis de criação de um ambiente mais livre e autônomo para os homens de letras no Brasil, ver Miskolci, 2006.

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desejáramos jamais sahir, e que nunca trocaríamos por outro, se nos fora dada a liberdade da escolha. (Romero, 1897: XI-XII)

O processo de diferenciação em relação à intelectualidade da capital é muito presente na trajetória de Romero, desde seus primeiros escritos, para o qual o ambiente intelectual fluminense do período e sua homogeneização representavam um fato desestimulante para a individualidade e a crítica renovadora (Romero, 1897)15. Essa busca pela novidade é justificada com base na necessidade de se criar um sistema de pensamento organizado, lógico e unitário que possa dar conta das realidades do Brasil em todos os seus primas. Em seu livro de crítica a Machado de Assis, Sílvio Romero salienta as reticências da crítica literária do período em enfrentar de forma objetiva as letras nacionais. Nas palavras do crítico sergipano, a recepção a obra de Machado de Assis não pretendeu um exame detido de sua importância para a cultura nacional. Em suas palavras: Tem recebido muitos elogios, quantos delles perfeitamente banaes; mas não tem tido analyses ; tem sido encomiado, porém não tem sido estudado. E de tanto é que um homem de seu merecimento ha mister. Quem já o estudou á luz de seu meio social, da influencia de sua educação, de sua psychologia, de sua hereditariedade physiologica e ethnica, mostrando a formação, a orientação normal de seu talento? (Idem: 06)

Maurício Aguiar (2012) indica que o naturalismo que informou a geração de 1870, e Sílvio Romero em particular, no que tange ao combate intelectual à polidez e ao tato, funcionou como forma de afirmação de um modelo intelectual-crítico que possuía a competição como característica desejável (Idem: 75). Logo, a sociabilidade cortesã se transformava em alvo privilegiado do autor sergipano. Fato esse que pode ficar mais enfaticamente demonstrado ao se lançar luz a certos títulos de obras do autor, como por exemplo Doutrina contra Doutrina e a sua adesão ao evolucionismo de Spencer e suas propostas de ampliação de influência da ideia de Struggle for life para além do mundo biológico. Em trecho emblemático dessa posição, o autor sergipano afirma categoricamente, com sua famosa agressividade, o seu modelo intelectual privilegiado: não importa isto uma aprovação a certos absenteísmos muito do gosto dos ânimos fracos, que entendem de salvaguardar a própria pureza, fugindo sistematicamente das tentações. É proceder que nunca aplaudiremos. A 15

Roberto Ventura indica que os ataques de Sílvio Romero a Machado de Assis e a intelectualidade da capital se inserem no escopo maior de combate a qualquer tipo de oligarquia, incluindo as “panelinhas” literárias. Cf, Ventura, 1991.

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virtude prova-se no meio da luta. A sociedade não é um convento de monjas. Que grande mérito advém em não se cobrir do pó a quem não sai à liça do combate e deixa-se tranquilamente ficar em doce e sossegado aposento? Devemos todos, homens de letras ou não, interessar-nos pelas pugnas e pelas dores da pátria. (Romero, 1897: XI)

Apesar de Aguiar desconsiderar o uso das categorias simmelianas de reserva e as explanações sobre o caráter “blasé” próprios da modernidade16 nas grandes cidades (Simmel, 2005) devido as diferenças entre a Berlim do início do século, locus da construção de seu ensaio, e o Rio de Janeiro dos últimos anos do século XIX, acredito que as categorias podem funcionar para se entender a sociabilidade intelectual do período. A Berlim da recém-unificada Alemanha e o Rio de Janeiro da belle époque guardam diferenças enormes em demasiados aspectos. Porém, os dois contextos se apresentam como enclaves urbanos em vias de modernização dentro de uma configuração nacional que guarda pouca correspondência com os modelos de revolução burguesa tidos como paradigmáticos para se pensar as experiências ocidentais. O Rio de Janeiro da virada do século XIX, nas palavras de Nicolau Sevcenko, se mostrava da seguinte maneira: compasso frenético com que se definiam as mudanças sociais, políticas e econômicas” concorrendo para a “aceleração em escala sem precedentes do ritmo de vida da sociedade carioca. A penetração intensiva do capital estrangeiro[...] vem corroborar e precipitar esse ritmo, alastrando-o numa amplitude que arrebata todos os setores da sociedade (Sevcenko, 1983: 2627)

O diagnóstico esposado acima apresenta paralelos com o cenário descrito por Simmel em seu ensaio que tenta dar conta das mudanças que a monetarização trouxe a vida urbana berlinense. Como indica o autor alemão, lá, como aqui, pode se notar a tensão modernidade/tradição, como fica claro no trecho abaixo: o tipo do habitante da cidade grande — que naturalmente é envolto em milhares de modificações individuais — cria um órgão protetor contra o desenraizamento com o qual as correntes e discrepâncias de seu meio exterior o ameaçam: ele reage não com o ânimo, mas sobretudo com o entendimento, para o que a intensificação da consciência, criada pela mesma causa, propicia a prerrogativa anímica. (Simmel, 2005: 580)

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Aguiar mobiliza principalmente dois momentos da obra simmeliana para construir sua pesquisa: os ensaios sobre a sociabilidade (2006) e o estudo sobre Schopenhauer e Nietzsche (2011).

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Assim, continua Simmel, para encontrar refúgio mediante o aumento intenso do ritmo e dos estímulos próprios do processo de modernização e monetarização os indivíduos tendem a se acomodar aos conteúdos e à forma da vida na cidade grande renunciando a reagir a ela — a autoconservação de certas naturezas, sob o preço de desvalorizar todo o mundo objetivo, o que, no final das contas, degrada irremediavelmente a própria personalidade em um sentimento de igual depreciação. (Ibidem: 582) Com isso, Machado de Assis, Veríssimo e seus “aliados” demonstram esse esforço de lançar as bases de um ambiente intelectual livre do peso da atuação polemista e incisiva que Sílvio Romero representava. A primeira reação a crítica de Sílvio Romero ao escritor fluminense se encontra na obra Vindiciae: o Sr. Sílvio Romero crítico e philosopho (1899) de Lafayette Rodrigues Pereira. Nesta obra, o Conselheiro Lafayette pretende rebater as críticas de Romero a Machado e define assim a diferença entre os dois homens de letras: Conhecemos a victima. tem espirito elegante com as delicadezas de um filho da cidade de Minerva, fino observador das fraquezas e ridiculos do seu tempo, engenhoso e habil em urdir contos e historias que encantam e prendem pelo interesse e yivacidade do entrecho e pelo desenho firme e limpido das figuras. Conhecemos tambem o sacrificador: barbaro que veio lá das regiões Cymmerias. Estudou rhetorica em alguma escola de provincia; fez um grosso peculio de theorias, de formulas, de canones, pilhados aqui, alli, que, -embora elle os diga novos, têm, pelo tom e geito com que são expostos, uns resaibos, uns olores de Quinliano, de Vida, de Soares Barbosa. Sem embargo de longa residencia na cidade, conserva ainda muito da primitiva vegetação; falla uma lingua dura, de uma grammatica impossivel, contaminada da ferrugem de aldeia. (Pereira, 1899: 05)

Lafayette Rodrigues Pereira, que assina o livro sob a alcunha de “Labieno”, tem nesse opúsculo sua única produção literária. Apesar deste livro não ter tido repercussão grande dentro do círculo literário fluminense do período, posto que não era figura literária de peso, apesar de político com longa e prestigiosa carreira que remonta ao Império, seus argumentos teriam reverberação para além de seus esforços17. “A urbanidade é também

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Lafayette Rodrigues Pereira viria a entrar na ABL, por exemplo, em 1909, sucedendo o próprio Machado de Assis, recém-falecido em momento já de início da crise da instituição (crise essa que atingiria seu clímax

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uma qualidade literária!”. José Veríssimo condensa, assim, o argumento em torno do qual constrói sua crítica em torno da obra de Sílvio Romero (Veríssimo, 2001: 273). Ele “acusou o golpe”, respondendo e construindo boa parte de sua crítica de forma reativa, num movimento de acusação e defesa de argumento. Pode-se notar, nesta conjuntura, o nascimento da representação de Sílvio Romero como uma personagem difícil no ambiente intelectual do Rio de Janeiro, aparecendo como polemista fervoroso e dono de uma retórica agressiva, com uma personalidade egocêntrica dada com muita frequência as autocitações (Idem: 241) sem pouco apreço e respeito, portanto, à reserva, rotinização básica derivada do caráter blasé (Simmel, 2005) que caracterizou os esforços do mainstream intelectual fluminense do período. Convém lembrar que a polêmica que deu origem às críticas de Veríssimo a Romero tinha como cenário os primeiros anos de formação da ABL e a recepção crítica em torno do romance machadiano. Nesta conjuntura, antigas questões referentes à crítica literária e ao caráter nacional tomaram o centro dos debates e propiciaram grandes polêmicas. Como exemplo, podemos citar o seguinte ataque de Veríssimo a Romero: Eis a que chegou nas mãos incapazes do Sr. Sílvio Romero a “crítica cientificista” como ele próprio chama a sua: à rebusca de coincidências de opiniões, de plágios e reminiscências com cujo achado impavam de gozo críticos das velhas escolas que o Sr. Sílvio Romero veio justamente suplantar e destruir. Não pode haver mais estupenda revelação de incapacidade critica. Igual só aquela de confrontar os versos patuscos e quejandas chulices de Tobias Barreto com o fino e percuciente humorismo de Machado de Assis (Veríssimo, 2001: 267).

Sua suposta incoerência e o ardor e ferocidade para com as querelas em que esteve envolvido marcaram uma tradição de análise que por muito tempo balizou o debate sobre sua contribuição para o pensamento social brasileiro. José Veríssimo, mediante esse quadro, parece inaugurar uma vertente interpretativa sobre a obra do autor ao se posicionar antagonicamente em relação à crítica literária romeriana, do que o trecho abaixo citado constitui exemplo emblemático: [...] ele não é uma natureza complicada e difícil, antes clara, espontânea e aberta. Mas também incoerente, impulsiva, sem medida nem comedimento. Isso explica as suas incoerências, a sua inconstância de em 1914) marcada pela descaracterização dos membros ingressantes, muitos deles pouco ou nada ligados a vida literária brasileira. Sobre o tema, ver Rodrigues, 2003.

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caráter e de espírito [...] se não se emenda, é um candidato ao delírio de perseguição (Veríssimo, 2001: 244)

Nota-se claramente no trecho a desqualificação de Romero transcendendo ao arcabouço teórico e crítico utilizado por ele e fixando-se nas suas características pessoais e psicológicas. Artifício comum no mis-en-scéne intelectual da época, essa característica tão enfatizada pela crítica ao autor sergipano parece se enquadrar em uma salva guarda de determinada forma específica de fazer crítico18. Araripe Junior, outro expoente da crítica literária naturalista do século XIX, também se esforçou em emitir juízos críticos sobre a postura de Sílvio Romero no ambiente intelectual fluminense do período, realizando uma série de escritos publicados na Revista Brasileira entre agosto e novembro de 1899 intitulados de Sylvio Romero – Polemista. Tentando debater o juízo pessimista que Romero atribuía ao futuro do povo

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Rocha (2004), em ensaio que aborda as possiblidades de releitura das proposições de Sílvio Romero acerca da obra machadiana classifica o embate dele com Machado como um ataque, pelo primeiro, de uma postura típica de “homem de letras cordial” (Rocha, 2004: 261). A interpretação do ensaio e do livro a que pertence gira em torno de problemáticas da vida intelectual e crítica brasileira sendo vistas sob o prisma da cordialidade, aos moldes codificados por Sérgio Buarque. Segundo o autor a condição do homem de letras no Brasil seria marcada pela cordialidade, sob o risco de, caso contrário, ser excluído dos “círculos de amizade que costumam assegurar visibilidade no sistema intelectual"(Ibidem: 37). Avançando no argumento, Rocha sinaliza para a similaridade na questão da relação intelectuais e o Estado nos casos brasileiros e francês mas salienta que, aqui, seguindo a fórmula contida em Raízes do Brasil, o embaralhamento entre público e privado criaria intelectuais dependentes do Estado, assumindo cargos de funcionários públicos (como o caso de Machado) mas que não saberiam compreender a função impessoal que o ofício demandaria, ocorrendo consequentemente na capitalização privada dos recursos simbólicos do cargo público. Contra essa situação, segundo Rocha, Sílvio Romero se levantaria e basearia sua acirrada e conhecida polêmica, pois segundo ele, a característica de mecenato, própria do romantismo sob a égide e financiamento do Império, seriam características que afetariam a independência do escritor (Idem: 261). Acredito que, por um lado, a tese mereça atenção pois a validade da hipótese da cordialidade e da ideologia do favor na interpretação da sociedade brasileira em geral e na sociabilidade específica em particular possa ser frutífera para a montagem de um quadro mais completo da nossa vida intelectual do oitocentos. Entretanto, torna-se necessário matizar que para Sérgio Buarque de Holanda, cordialidade não é sinônimo de “civilidade”. Como o autor indica, a polidez significa um mecanismo de defesa perante a sociedade onde o ritualístico só é mantido ao nível das aparências, na “epiderme” do indivíduo (Holanda, 2013: 147). Portanto, a tese de que Sílvio Romero combatia Machado porque ele simbolizava a ligação condenável do homem de letras com o status quo não se sustenta. Além do fato de que Sílvio Romero não era um outsider em relação a esfera do poder, tendo sido deputado federal com apoio explícito do Barão do Rio Branco (Cf. Silva, 2008), fundador da Academia Brasileira de Letras e relacionado com círculos políticos de prestígio do Brasil da Primeira República, a hipótese me parece descabida pois mesmo que funcionasse como retórica apenas e que não se realizasse e aplicasse nem mesmo para seu caso - se especularmos que ela seja correta - as mobilizações contra Machado de Assis não podem ser lidas dessa forma pois outro escritor “funcionário público”, Euclides da Cunha, teve grande simpatia e apoio do crítico sergipano, tendo até proferido seu discurso de introdução à ABL(1896), por mais que esse discurso tenha sido utilizado mais para um ataque à Afonso Pena, presidente à época, do que elogio ao autor d´Os Sertões...

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brasileiro, Araripe Junior ao comentar as análises de Romero sobre a obra machadiana, apresenta o seguinte veredito: Um phenomeno curioso é o que se nota nesse estudo. Sylvio Romero a cada instante declara que mudou de temperamento, amainou as velas e acha-se predisposto a uma grande complacência. Machado de Assis não lhe parece ser o homem impossível que elle atacava em 1872 e 1880. Tem qualidades e representa um bom esforço literário. Todas estas declarações, porém, são illusorias; e o critico que, segundo me parece, não quiz concentrar o seu espirito na obra, já bastante extensa, do autor de Brás Cubas, faz resurgir suas antigas antipathias, recorrendo ao seu processo predilecto de esbordoar os outros com essa clava de Hercules chamada Tobias Barreto (Araripe Junior, 1899: 308)

Localizando o movimento crítico a uma postura de defender sua precedência intelectual e a de seu mestre – Tobias Barreto – Araripe Junior cristaliza a predisposição a conjugar o temperamento de Romero a seus errôneos juízos críticos. Prosseguindo e encerrando seu esforço de compreensão da postura de Romero no ambiente intelectual, Araripe Junior condensa de forma irônica sua avaliação do autor: Aqui termino esse estudo sobre a personalidade de Sylvio Romero, polemista. Escolhi o traço aggressivo de preferencia aos outros, porque ê a sua característica. Deixei um pouco dè lado o philosopho, o homem das grandes generalizações sôbre a historia do paiz, porque este não me interessava tanto; além de que seguindo as suas próprias opiniões, em philosophia os brazileiros por ora pouco valem, por serem talvez um povo de mestiços incapazes de produzir um Spinoza ou ainda um Stuart Mill. (Idem: 370)

O traço agressivo, a suposta falta de compostura e as análises incongruentes são traços generalizados nas impressões dos contemporâneos do crítico sergipano. Como indica Maia (2012), a sociabilidade cortesã pressupunha a formação de um núcleo discursivo que primava por um código que ia além da análise das obras literárias per se, sendo mais do que um ambiente de discussão intelectual mas também conformando-se como um espaço de trocas simbólicas e convivência que transcendia o fazer específico de crítica e atingia outras esferas da vida, como a vida política. Visto isso, considero que a dinâmica própria da sociabilidade intelectual do período, as querelas em torno da obra de Machado de Assis e as saídas retóricas nascidas nestes debates acabaram por estigmatizar Sílvio Romero impedindo uma leitura de sua atuação intelectual como dotada de sentido

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original e próprio, propiciando assim um bloqueio a percepção do manejo do repertório científico do período pelo autor e como esse movimento segue um plano estratégico e uma agenda específica de interferência na realidade nacional. Entretanto, sem desconsiderar esse aspecto importantíssimo, o movimento de agência política não impossibilita a leitura da aclimatação dos referências teóricos como também uma tentativa de generalização por meio dos substratos colhidos no contexto específico.

1.2 – Horror à realidade?

Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, seu clássico ensaio de interpretação do Brasil, ao discorrer sobre a produção intelectual do século XIX no país e em sua respectiva crença mágica no poder das ideias percebe nesse afã um “secreto horror à nossa realidade” (Holanda, 2013: 159). Horror combinado, por outro lado, a um amor pelas formas fixas e pelas leis genéricas que circunscrevem a realidade complexa e difícil dentro do âmbito dos nossos desejos (Idem: 157-158). Como que “dopados” por uma crença obstinada na verdade (Idem: 159), os intelectuais brasileiros do período esperavam o julgamento, obviamente redentor, da História, do futuro e do desenrolar natural dos fatos. Quase meio século após esse diagnóstico, Renato Ortiz salienta a aparente implausibilidade das ideias do cientificismo em terras brasileiras e destaca a tarefa desses intelectuais de compreender e dar conta da discrepância entre teoria e realidade para fornecer um substrato ao apoio cultural e simbólico do Estado em sua formação (Ortiz, 2012). Percepções, tanto de Holanda quanto de Ortiz, muito próximas a explicitada por Paulo Arantes, quando ao analisar as razões do sucesso do positivismo no Brasil, tece uma avaliação que contempla todo o ambiente intelectual da geração que presenciou a crise do escravismo e do Império e a consequente assunção do discurso modernizante no Brasil. Em seus próprios termos, o autor constrói o seguinte julgamento: Um dos grandes lugares-comuns de nossa crítica social consiste em mostrar de mil maneiras o modo pelo qual séculos de escravismo foram desqualificando a ética burguesa do trabalho e quais as complicações que daí resultaram para a vida intelectual. Espírito, imaginação e inteligência, quando afloram espontaneamente como um talento que se traz do berço, são virtudes senhoriais; em contrapartida, o esforço que todo conhecimento requer fere o decoro exigido de quem não pode ter parte com nada que se

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assemelhe a trabalho, servil por definição. Assim sendo, é natural que fraseologia altissonante e economia primário exportadora andem juntas. Por outro lado, como a vida das idéias não podia ter entre nós nenhum futuro cognitivo, resultava — como se observou naquele mesmo ensaio mencionado acima — uma espécie de atonia do espírito, que não excluía, pelo contrário, a mais acelerada vivacidade. Fundidas, passavam pela quintessência do savoir vivre intelectual. (Arantes, 1988: 190)

Sob o mesmo prisma da relação “subdesenvolvimento” – mundo das letras, Luiz Costa Lima (1981), tenta historiar a gênese da crítica literária brasileira. Em chave analítica próxima a Sérgio Buarque de Holanda, Renato Ortiz e Paulo Arantes, tenta demonstrar como a falta de um público leitor que “consumisse” o que a elite letrada produzia acabou por cristalizar no ofício literário do oitocentos brasileiro uma cultura intelectual marcada pela instrumentalização do ofício de letras como sinal de distinção social (Idem: 09). Segundo o autor, esse fato acarretaria numa separação entre a realidade e o ofício desses homens de letras. A discrepância entre o que os intelectuais mobilizavam em seus textos, inclusive as teorias “importadas”, e a realidade nacional era o traço definidor da relação (ou ausência de relação) entre intelectuais e vida social. Em suas palavras a separação é posta nos seguintes termos: Em consequência do enlace estabelecido – textos declamativos, “práticos”, zelosos das insígnias reservadas ao estilo culto, divulgadores de pensamentos muitas vezes mal assimilados – resulta quer o desinteresse pelo debate intelectual, quer, e principalmente, o dogmatismo. Desinteresse e dogmatismo são, no caso, verso e reverso da mesma realidade. Com efeito, como poderíamos imaginar situação diferente se os defensores de uma posição encontravam suas fontes em correntes de pensamento cujas matrizes se mantinham longe, impedindo o contato direto dos “discípulos” e o seu acompanhamento das discrepâncias, alternativas e desenvolvimentos do modelo diretor? Além do mais, o desenraizamento do “discípulo” o impedia de tomar a realidade local como campo de prova e/ou de retificação das formulações originais. (Idem: 11)

Prosseguindo em seu argumento, o autor salienta que o caráter pouco criativo de nossas formulações intelectuais seria fruto de uma característica “auditiva” da cultura letrada brasileira, em que a produção intelectual seria influenciada e teria como destino final a alegoria do discurso público (Idem: 08)19, visto que não existia público leitor que

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A tese que Costa Lima sustenta neste capítulo de seu livro Dispersa Demanda é de que o Brasil possuí uma sociedade baseada na tradição oral, portanto auditiva. Logo, a intelectualidade seria marcada por essa

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recepcionasse de modo significativo suas obras. Tal fato, aliado ao autoritarismo de nossas formas políticas, teria ocasionado uma aversão à teorização em nosso meio intelectual. A conjuntura de cristalização do “pensamento impositivo” que marcava nossa vida intelectual é exposta em suas palavras dessa forma: No caso das nações econômicas e culturalmente periféricas, como a nossa, esta consequência ainda se torna mais intensa, porque o seu horror à teorização própria as deixa duramente sujeitas à teorização alheia. Ou seja, duramente dependentes de outras culturas. Pois, como não há prática consequente que não resulte de uma teorização prévia ou paralela, não ser capaz de teorizar significa, no melhor dos casos, adaptar, e, no caso normal, manter um estatuto colonial (Lima, 1981: 15)

Quatro visões sobre o mesmo cenário intelectual, o mesmo objeto e, levados em conta suas enormes diferenças analíticas, uma face interpretativa comum: a percepção de que no oitocentos brasileiro as ideias parecem um corpo estranho à realidade nacional. Essa perspectiva, nos termos da crítica literária proposta por Sílvio Romero, encontra em Antonio Candido uma importante inflexão conjuntamente com algumas permanências interpretativas. Vamos a elas. Sílvio Romero é considerado por Antonio Candido um dos principais nomes da moderna crítica literária brasileira, apesar do autor salientar discrepâncias nas suas análises e o excessivo enfoque nos fatores externos à literatura. Contudo, Candido, em Método Crítico de Sílvio Romero (2006), enfatiza a relativa estabilidade com que seus pressupostos teóricos foram mobilizados na tentativa de proposição de uma crítica literária ancorada em pressupostos “objetivos”. Nas palavras de Candido, o projeto de uma nova crítica, formalizado na História da Literatura Brasileira de Romero, é caracterizado nos termos abaixo: Se houve, dentro do determinismo crítico oitocentista, uma aplicação coerente de doutrina, esta é sem dúvida alguma a História da literatura. Não devemos, é certo, procurar nele um darwinismo, que não é de fato a sua característica, mas uma direção evolucionista mais ampla, que envolvia a consideração do meio social. Ora, dentro dele, aplicou conscientemente os princípios que propunha [...] Nem sempre com tato e senso de medida, quase sempre perturbando a “seleção natural do talento” com as acomodação de uma tradição basicamente oral em um mundo de predomínio da escrita. Em suas palavras: “a dominância oral” significa que a escolha das palavras e a composição das frases visam a suscitar um efeito de impacto sobre o receptor, sem que este se confunda com uma recepção propriamente intelectual” (Lima, 1981: 16)

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deformações da sua parcialidade; sempre, todavia, dentro do esquema traçado. Os autores são estudados à luz da formação racial, ou do meio social, ou da constituição psicofisiológica, ou dos três; o seu ambiente é determinado, as escolas são estudadas dentro do princípio da evolução e à vista dos fatores sociais. Que mais poderemos exigir de uma hipótese de trabalho – pois que não passam disso as aplicações dos princípios de outras ciências ao estudo da produção intelectual? (Candido, 2006: 131-132)

Anos após a esse estudo de sua juventude, Candido salienta como a obra crítica de Sílvio Romero exprimiu de forma viva as contradições e impasses do Brasil do século XIX, por meio de seu projeto crítico (Candido, 2011: 10). Além disso, a contradição em sua obra é matizada e identificada por Antonio Candido como uma ‘dialética sem síntese”. O vaivém de seus posicionamentos, a tensão entre os paradoxos de seu pensamento, “visão simultânea do verso e do reverso” comporiam o mecanismo de sua produção intelectual, o que, segundo Candido, poderia ferir a lógica mas enriqueceria o “senso de realidade” de sua obra (Idem: 123). Entretanto, as contradições de Sílvio Romero parecem ainda marcadas pela interpretação da geração coetânea ao crítico sergipano. Caracterizando-as como um “ardente e por vezes desordenado movimento entre ideias resultante de um humor instável” (Candido, 2006:19), Candido ainda lança mão de certo psicologismo ao considerar as polêmicas em que Sílvio Romero fez parte no contexto de sua afirmação intelectual. Essa peculiaridade de sua atuação são transferidas, em certo sentido, para a análise da trajetória do mesmo, onde a questão da vaidade e da necessidade de autoafirmação intelectual parecem plasmar a análise que o crítico dialético realiza das intervenções políticas de Romero, onde seu posicionamento propriamente político nas suas obras após a década de 1890 são marcadas pela “coragem”, “destemor”, entre outros epítetos (Idem: 129-130). No contexto intelectual do ISEB, na década de 1950, Nelson Werneck Sodré, em seu livro A Ideologia do colonialismo (1984), trabalha com a perspectiva de que o pensamento evolucionista brasileiro, especificamente o de Sílvio Romero, seria fruto de uma recepção acrítica e servil do ideário da “metrópole”, reflexo da dominação colonial, enfatizando que as teorias adotadas pelos intelectuais brasileiros do fim do século XIX seriam marcadas pela condição colonizada do mundo de letras na periferia, como pode ser notada no trecho abaixo reproduzido:

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[...] transplantação cultural, isto é, a imitação, a cópia, a adoção servil de modelos externos, no campo político como no campo artístico [...] Os povos subordinados não a escolhem por um ato de vontade. São naturalmente conduzidos a recebê-la porque, ao mesmo tempo que justifica a supremacia de nações colonizadoras, justifica, internamente a supremacia da classe ou das classes que se beneficiam da subordinação, associando-se às forças econômicas externas que a impõe (SODRÉ, 1984: 08).

A ideia do naturalismo como “transplante equivocado” em relação a realidade marca a interpretação de Sodré sobre a geração que Sílvio Romero fez parte, salientada pela discrepância em adotar o modelo naturalista europeu sem o desenvolvimento, por aqui, de uma sociedade burguesa com suas características fundamentais em plenitude (Sodré, 1969: 384). Entretanto, sua análise da trajetória de Sílvio Romero reforça a ideia de que sua atuação militante como intelectual propiciou uma aproximação aos temas nacionais mais candentes de sua época, apesar do seu repertório intelectual ser defasado e falho. Em outras palavras, sua abordagem da literatura como parte da realidade, em que o condicionamento social da arte literária é condição primeira, é tida por Sodré como uma grata contribuição ao estudo da literatura e a História das Ideias no país (Idem: 365). A militância de Romero, nas artes e na vida em geral, é descrita como devedora de sua postura dentro do contexto intelectual do século XIX brasileiro, transcendendo juízos errôneos que por ventura tenha cometido, como fica claro no trecho reproduzido da História da Literatura de Sodré: Por tudo isso, a obra vasta e multiforme de Sílvio Romero está viva. Sua incansável atividade, sua dedicação à literatura, não ficaram perdidas. Como todos os pioneiros, teve deficiências enormes, erros indiscutíveis, desvios apaixonados, que devem ser vistos a luz das condições de seu tempo e do meio em que trabalhou. Ninguém, entretanto, realizou, no curto espaço de uma existência, e sob dificuldades tão grandes, uma obra de tal porte. Sílvio Romero não pode, evidentemente, ser apreciado segundo a paixão de seus julgamentos, a deficiência de sua crítica, as falhas de seu método histórico. O saldo de tudo o que fez é dos maiores já alcançado por um pesquisador entre nós. (Sodré, 1969:366)

Essa postura intelectual do crítico sergipano é destacada por Sodré como parte de uma abordagem bem comum na intelectualidade brasileira que visava o enfrentamento da questão da “transplantação cultural” (Idem: 473). Arrolado conjuntamente com autores

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como Azevedo Amaral, Alberto Torres, Oliveira Vianna, entre outros, Sílvio Romero é considerado por Sodré como pioneiro na formulação da questão problemática da imitação na vida cultural brasileira. Essa questão levava em conta a separação entre elite intelectual e o povo e também a suposta alienação dos textos usados em relação as temáticas brasileiras mais candentes (Idem: 475). Entretanto, na interpretação de Sodré sobre o autor de Doutrina contra Doutrina podemos perceber os acertos dos prognósticos feitos sobre a realidade brasileira como debitarios da sua postura intelectual independente em relação as suas referências intelectuais, como a visada sobre o título do capítulo referente a análise da obra de Sílvio Romero pode sinalizar: “Guerrilheiro desarmado”. Ou, em outras palavras, quando ele realizou o movimento interpretativo por sua própria conta e desconsiderou seus autores de predileção, como pode ficar claro no trecho reproduzido abaixo: Mesmo os autores antigos, dentro de suas limitações, que eram as do tempo em nossa terra, viram parte da verdade e apenas não aprofundaram sendas em que penetraram. E é curioso que a viram quando, abandonando as impressões de leituras que constituíam o veículo mais comum da ideologia colonialista, operaram por intuição. É o caso de Sílvio Romero, por exemplo, tão acertado, tão objetivo quando abandona os seus pretensos mestres, falando pelo seu próprio raciocínio [...] (Idem: 479-480)

A relação dos entraves postos pelo passado colonial e suas reminiscências no Brasil também informaria a leitura que Guerreiro Ramos realizaria, oriundo, também como Sodré, das fileiras isebianas. Segundo Ramos, o crítico sergipano, já no século XIX, demonstra claramente uma tentativa de explicação sociológica para o país e para a situação das oligarquias na Primeira República, mesmo que de forma assistemática, conformando assim um dos primeiros esforços na constituição de uma “teoria da sociedade brasileira” (Ramos, 1995: 86). Segundo o autor, Sílvio Romero conseguiu exprimir com exatidão, apesar de seus referenciais teóricos, o problema racial do país e, de forma quase intuitiva, delineou uma agenda de pesquisa para a história do negro no Brasil. A relação da intuição transcendendo as limitações impostas pelo emprego das teorias racialistas europeias, nas palavras de Guerreiro Ramos, se realiza da seguinte forma: O que parece importante ressaltar na posição de Sylvio Romero é o ter conseguido superar a precariedade dos instrumentos da ciência de sua

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época. Assim viu, com precisão, as bases ideológicas da antropologia do seu tempo e esforçou-se em induzir da realidade brasileira os critérios de investigação do "problema" do negro. Graças a isto, identificou o sentimento de "vergonha" da camada letrada pelas origens raciais da população e inclinou-se pela busca de uma solução desta inautenticidade. No equacionamento do problema do negro como de outros problemas do Brasil, assinalou a deficiência fundamental dos estudiosos: a adoção literal de categorias europeias, das quais suspeitou com fundamento. Aliás, Sylvio Romero, em toda sua obra, principalmente em sua famosa História da Literatura Brasileira (1a edição, 1888), acentuou o caráter inautêntico da cultura brasileira, decorrente da pratica intensiva e extensiva de transplantação. (Ramos, 1954: 194)

Guerreiro Ramos realiza a análise da evolução do pensamento sociológico no Brasil e da contribuição de Sílvio Romero com a finalidade de encontrar indícios para formular sua perspectiva de uma abordagem nacionalisticamente informada, voltada para os problemas reais da nação e com uma postura não-imitativa frente às referências europeias. Dentro desse movimento, localiza seis posturas presentes no passado sociológico nacional: “simetria”, “sincretismo”, “dogmatismo”, “dedutivismo”, “alienação” e inautenticidade” (cf. Ramos, 1995: cap I). As duas primeiras posturas incidiriam na adoção irrefletida dos postulados teóricos centrais e na consequente imitação do desenrolar das escolas teóricas europeias. Em outros termos, os intelectuais brasileiros, ciosos de copiar os grandes centros produtores de conhecimento, aclimatariam acriticamente essas teorias e seguiriam o desenvolvimento das correntes, refazendo a mesma “evolução” que as ideias teriam tomado nos países centrais. A terceira postura incidiria na adoção de uma postura de autoridade via textos produzidos por autores prestigiados (Idem: 38) e as posturas referentes as três últimas posturas seriam decorrentes do caráter imitativo representado pelos primeiros modus operandi intelectuais. Segundo Guerreiro Ramos, Sílvio Romero recaiu nesse dogmatismo ao combater outro dogmatismo: o positivismo dos seguidores do Apostolado. Nos termos de Ramos, a questão é colocada da seguinte forma: Sylvio Romero, que foi um caso de bifrontismo, pois exprimiu e adotou tendências contraditórias, em uma de suas obras contra os positivistas, depois de afirmar que ‘a lei máxima de todos os fenômenos do mundo físico, a lei da evolução”, era devida ao “gênio” Herbert Spencer, aconselha aos sectários do naturalismo evolucionista “que se organizem também em um centro de ação e propaganda e procurem reagir, pelo jornal, pelo livro, pela conferência, pela lição oral, contra o neo-jesuitísmo que nos invade”, neojesuitísmo que ele identifica com o positivismo. De resto, o

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proselitismo à outrance é sempre companheiro inseparável dos dogmatismos. (Idem: 39; grifos do autor)

Além do dogmatismo, o “bifrontismo” teórico no qual Sílvio Romero é localizado por Guerreiro Ramos também é enquadrado por meio da ideia de “sincretismo”. Essa ideia, como dito anteriormente, era caracterizada pela imitação acrítica dos intelectuais europeus e a postura teórica sincrética, segundo Ramos, consistiria em adotar pressupostos teóricos contraditórios, onde o disparate da combinação seria enfrentada tanto na periferia quanto no centro emissor das respectivas teorizações (Idem: 38). Guerreiro Ramos, em sua análise, de forma próxima a realizada por Werneck Sodré, realça os feitos do crítico sergipano na direção de um pensamento sociológico informado pela problemática real que a sociedade brasileira apresentava. Os dois intérpretes também salientam o paradoxo entre a postura intelectual de Romero e sua ação intelectual motivadas por uma intuição para as questões de seu tempo, intuição essa que acabariam por fazer com que o autor transcendesse seu uso dos esquemas analíticos de fora – uso esse contraditório e deslocado – em favor de uma suposta intuição para a percepção da situação político-social que procurava diagnosticar. Essa interpretação contida tanto nas análises de Ramos quanto de Sodré acabam por manter o intelectual dentro da ideia de cópia e/ou desvio do rumo que acreditava-se o correto e que as teorias cientificistas deveriam encaminhar. Dante Moreira Leite em O Caráter Nacional Brasileiro (1983) delineia uma interpretação, no que tange a adoção das teorias cientificistas, próxima a realizada pelos autores vinculados ao ISEB. Segundo o autor, a postura voluntariosa e polêmica de Sílvio Romero agiria como mediação entre as teorias importadas e o seus “usos” empreendidos pelo crítico sergipano. Nas palavras de Leite, a relação entre o temperamento de Romero e o repertório adotado se revela da seguinte maneira: Em Sílvio Romero (1851-1914), a pretensão científica era frequentemente contrabalançada, às vezes anulada, por seu temperamento polêmico, que hoje parece ser simpático, mas que certamente contribuiu para muitos de seus juízos falsos, positivos ou negativos. Além disso, Sílvio não era um contemplativo, nem procurava uma interpretação exclusivamente teórica e distante das lutas políticas. Ao contrário, participava intensamente das questões de momento, às vezes com violência verbal característica de nossos tribunos da época (Leite, 1983: 193-194)

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Prosseguindo, Leite salienta que apesar da inconsistência e da ingenuidade que imprimia ao fazer intelectual, sua contribuição foi bastante positiva (Idem:194). Ao tentar decifrar as contradições de Sílvio Romero, Dante Moreira Leite não emite um juízo definitivo que permita dar inteligibilidade a sua incorporação do cientificismo. Entretanto, ao tatear as possibilidades de se entender as contradições, permite traçar uma linha de seu pensamento sobre o crítico sergipano por meio dos indícios desse cotejamento não-definitivo, como pode-se perceber no trecho reproduzido a seguir: Uma forma de explicar as contradições tão evidentes seria dizer que Sílvio Romero absorveu as teorias europeias da época e, como essas teorias eram erradas, fatalmente provocariam contradições quando aplicadas a casos concretos. Embora isso seja verdade, ainda não explica porque Sílvio Romero pode sustentá-las. Aparentemente, não tinha recursos intelectuais para opor-se aos mestres europeus e isso o obrigava a repetir afirmações que a realidade desmentia a todo instante [...] Uma interpretação possível – mas que no caso de Sílvio Romero parece discutível – seria dizer que nele existia o preconceito de classe e de raça que será tão nítido nos autores seguintes. O que sugere esse preconceito é o fato de Sílvio Romero insistir no branqueamento da população, na necessidade de manter a imigração. Além disso, a caracterização que faz de índios e negros é nitidamente desfavorável a esses. Outra prova desse preconceito pode ser encontrada na sua descrição no negro na África, onde procura mostrar todos os seus aspectos aparentemente desagradáveis. No entanto, como repetia descrições europeias, poderia ser vítima do preconceito desses autores. (Idem: 204-205; grifos do autor)

A passagem permite perceber de forma nítida como a precariedade analítica frente à aclimatação do cientificismo é traço fundamental na interpretação de Leite. Mesmo o racismo e sua condição de classe seriam pormenorizadas mediante o malabarismo para adequar as teorias raciológicas e mesológicas a realidade brasileira, já que sua leitura desfavorável em relação a indígenas e negros é relacionada, de forma especulativa, a interpretação dos autores racistas europeus. Já na década de 1970, Thomas Skidmore, em Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1976) não foge a essa linha e também destaca as supostas contradições no pensamento de Sílvio Romero, principalmente na questão do papel do mestiço na construção da ideia de um novo Brasil. O historiador americano classifica como inconsistente as posições de Romero, o qual teria ressignificado as ideias

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cientificistas raciológicas, alocando o mestiço em um contraditório papel na construção desse “novo” nacional (Skidmore, 1976: 53) Essa inconsistência, segundo Skidmore, seria ainda mais aguda tendo em vista a solução do branqueamento e a sua incompatibilidade com as ideias matriciais europeias. Essa incompatibilidade entre ideias e a realidade significariam para o autor uma adesão a uma postura classificada como estritamente ligada aos anseios da elite brasileira (Idem: 116). Em trecho significativo reproduzido abaixo, o historiador norte-americano delineia sua exposição sobre as contradições do crítico sergipano: No fundo, naturalmente, Sílvio Romero estava inseguro. Pois: “Se é certo que a mistura de povos diversos é um garante de geração vigorosa, nenhum mais que o brasileiro pode oferecer maior vantagem.” A cláusula condicional epitomiza sua incerteza. Era irredutível em declarar que a miscigenação estava no centro da História do Brasil. Mas suas conclusões sobre a significação disso dependiam de sua estimativa do progresso contemporâneo do país e da sua tendência muito pessoal de confundir análise histórica com futurologia. Esse equívoco não é de surpreender. O pensamento científico sobre híbridos mudava rapidamente ao tempo dele. A ciência europeia continuava a renegar sangues humanos misturados como fracos e potencialmente estéreis. Sílvio Romero pensava que isso era, provavelmente, uma tolice, mas ainda não tinha base científica para proclamá-lo. (Idem: 52)

Retomando e criticando essa vertente analítica propagada pelo brasilianista, Roberto Ventura, no seu livro Estilo Tropical: História Cultural e polêmicas literárias no Brasil analisa essas aparentes contradições na obra de Romero como uma forma de integração do ideário europeu no Brasil consoante à conjuntura política nacional, como fica claro no trecho abaixo citado: [...] os sistemas de pensamento europeus foram integrados de forma crítica e seletiva, segundo os interesses políticos e culturais das camadas letradas, preocupadas em articular os ideários estrangeiros à realidade local. O racismo científico assumiu essa função interna, não coincidente com os interesses imperialistas, e se transformou em instrumento conservador e autoritário de definição da identidade social da classe senhorial [...] (Ventura, 1991: 60)

No fragmento acima, o autor dialoga com a tradição interpretativa na qual Sodré, Leite e Skidmore se enquadram. Ao contrário desses autores, Ventura não enxerga a adaptação do ideário europeu como cópia ou erro de percurso, ao contrário, enxerga o

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repertório cientificista atuando como um arsenal retórico que foi utilizado para os anseios modernizadores da intelectualidade brasileira do último quartel do século XIX e início do século seguinte. O autor relaciona o recurso à polêmica como reflexo de uma prática da intelectualidade brasileira e que representaria certos aspectos tradicionais – a questão da honra e da busca pela manutenção da integridade pessoal – e aponta na direção de que forma e conteúdo das críticas feitas pelo autor sergipano seriam fruto de uma conjuntura influenciada por um modus operandi tradicional. Relacionando esse aspecto as leituras posteriores sobre a obra de Sílvio Romero, Roberto Ventura indica que a permanência da chave da luta e do combate nos intérpretes é aspecto que impede uma visada crítica sobre a obra do polígrafo sergipano. Em seus próprios termos, Ventura define a questão: A abordagem da polêmica com metáforas de guerra e luta aparece em Sílvio Romero e foi seguida por Araripe Júnior e por muitos de seus intérpretes, como Sylvio Rabello, Carlos Sussekind de Mendonça e Clóvis Bevilacqua. As metáforas de luta proliferaram sobretudo nas abordagens apologéticas, em que o intelectual é valorizado como herói em conflito com o mundo. A manutenção da linguagem de luta e combate indica que muitos intérpretes se mantém no mesmo discurso metafórico e em atitude combativa próxima à de Romero, o que impede a adoção de uma perspectiva crítica em relação às polêmicas. A linguagem da luta é parte do discurso da polêmica, em que se valorizam predicados como a “valentia” e a “coragem”, parte de um código de honra que exige a reparação direta das ofensas pessoais. A ciência evolucionista, com ênfase na luta entre espécies, justificava a violência de tais debates como necessária a propagação das novas ideias e ao aperfeiçoamento cultural e social. Afinal, na ótica de Romero e de seus contemporâneos, cabia à polêmica contribuir para o processo de seleção e depuração das obras e escritores, lançados ao público na luta pela existência (Idem: 80)

Essa abordagem pode ser útil para ver como o repertório intelectual se realiza, como forma, numa ferramenta retórica de debate e disputa, como apresentada linhas acima. As tensões da vida social brasileira são questionadas frente a um repertório de certa forma deslocado das suas matrizes originais e encontram no ambiente social pessoalizado e marcado pelas regras de convívio baseadas na honra e no prestígio pessoal seu nexo. Entretanto, a polêmica para Romero não era algo determinado exteriormente apenas - pelo mundo social - mas foi algo plasmado pela sua leitura de Spencer e a ideia de Struggle for life adaptada, em suas construções críticas, para se pensar a sucessão supostamente natural entre teorias mais fortes em detrimento das mais fracas (cf. Romero, 1894: Introdução).

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Em sentido próximo a interpretação de Ventura, em que percebe a mobilização ativa dos repertórios “alienígenas” por Sílvio Romero, Lilia Schwartz (2008) localiza o uso feito do cientificismo pelo autor como comprometido com a busca de soluções para as questões nacionais e na tentativa de construção de uma identidade própria para o povo brasileiro, ainda heterogêneo. Segundo a autora, a questão cientificismo versus aclimatação, para Romero, se configuraria por meio da filtragem do que seria utilizado/descartado via contexto, como fica claro no trecho seguinte: Sílvio Romero era antes de mais nada um grande agitador. Autodidata e pouco preocupado com o que chamava de “pura especulação”, utilizou com entusiasmo a última palavra em ciência e filosofia para lidar de forma direta com os problemas nacionais. Na verdade, as diferentes matrizes teóricas só o interessavam na medida em que ajudavam a pensar em um compromisso com as questões locais, em novas aspirações de uma nacionalidade [...] A novidade estava, porém, não apenas na argumentação como também na postura teórica (compartilhada com boa parte dos mestres de Recife) que encontravam no “critério etnográfico” a chave para desvendar os problemas nacionais. Nele, o princípio biológico da raça aparecia como denominador comum para todo o conhecimento. Tudo passava pelo fator raça, e era ele que se deveria retornar se o que se buscava explicar era justamente o futuro da nação (Schwartz, 2008: 153-154)

Em trabalho recente de Alberto Luis Schneider (2005), percebe-se a preocupação em historicizar as querelas de Romero frente aos seus adversários intelectuais e políticos (principalmente Machado de Assis), transcendendo o “estigma do contraditório” que marcou, durante décadas, as abordagens sobre Romero. Dessa forma, Schneider percebe que muitos dos movimentos críticos e ataques de Sílvio Romero à “panelinha fluminense” e ao seu “chefe” – Machado de Assis – representavam uma tentativa de crítica à posição central ocupada pelo Rio de Janeiro no ambiente intelectual do país no momento (Ibidem: 99). Além disso, Schneider destaca que a disputa empreendida por Romero em torno da definição e normatização da semântica do ofício letrado no país se dava por meio da polêmica. Esse modus operandi, segundo Schneider, tornava-se o único meio possível de participação no debate público, visto que na conjuntura do Brasil daquele momento inexistiam universidades, as faculdades eram poucas e restritas, não existia público leitor devido ao analfabetismo e o mercado editorial ainda era bem acanhado (Idem: 98). O embate de Sílvio Romero a posição que a antiga capital federal ocupava no quadro da literatura brasileira, encarnado na análise da obra machadiana, segundo

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Schneider representava, na verdade, um embate político. Embate esse, vale ressaltar, surgido a partir das rusgas precipitadas pelo ataque de Machado de Assis a geração que Sílvio Romero fazia parte, concretizado no opúsculo A Nova Geração (1879). Prosseguindo, o autor destaca que a crítica de Romero sobre Machado fugia completamente de uma abordagem literária e na verdade era uma estratégia de angariar prestígio intelectual, como fica explícito no fragmento abaixo: No fundo suas pretensões eram ainda mais ambiciosas. Ao atacar Machado de Assis, Sílvio Romero também almejava atacar a posição central ocupada pelo Rio de Janeiro no ambiente intelectual brasileiro – que emularia o espírito oligárquico da elite política [...] Romero incomodava-se com a atitude do escritor, voltada à formação de grupos de afinidade nos quais exercia certa liderança [...] A crítica dirigida a Machado de Assis não se circunscrevia a uma apreciação literária clássica, pois era antes uma censura política, o que naturalmente não isenta o autor dos célebres juízos que tanto depuseram contra sua fortuna crítica (Idem: 99)

Outro aspecto presente no trabalho de Schneider tange a certas interpretações que dão a linha de comparação empregada neste capítulo. O autor, em passagem que explica a diferença entre as abordagens de Machado de Assis e Romero quanto à questão da nacionalidade, deixa clara a chave de compreensão dessa diferença: A pretensão romeriana de explicar o Brasil exibiu uma consciência nacionalista perturbada, oscilando entre o otimismo e o pessimismo, que observava a vida brasileira e ao mesmo tempo lia os teóricos europeus, extraindo desses olhares respostas contraditórias. A imaginação intelectual do século XIX penetrou fundo no universo romeriano. Machado de Assis, ao contrário, foi menos suscetível aos discursos hegemônicos, menos interessado nas grandes teorias explicativas e mais disposto a flagrar a universalidade do homem nas suas estratégias veladas, no cálculo escondido atrás da generosidade ou da ingenuidade, no jogo das aparências, no interesse de classes dissimulado. Sem a angústia da identidade nacional, Machado de Assis soube falar do seu país e de seu tempo, conseguindo afirmar e relativizar, criticar e compreender, capaz de aludir às coisas brasileiras sem cair num discurso nacionalista ou antinacionalista (Schneider, 2005: 117) (grifo meu).

O autor, ao fazer essa comparação, repete a tradição explicitada linhas acima, vendo em Sílvio Romero uma adoção equivocada de repertórios intelectuais externos à realidade brasileira e, por outro lado, em Machado de Assis, saltaria aos olhos a

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sofisticação de sua interpretação e o refinamento de se afastar do cientificismo tão em voga no período, o que lhe permitiria ver as nuances da realidade social brasileira, desprendido das amarras da “angústia da identidade nacional” (Idem: 117). Não nego que Machado de Assis não comungava e sempre foi um crítico do cientificismo nas suas mais variadas vertentes e o fez com muita perspicácia no seu tempo. Entretanto, entender a prevalência de Machado de Assis em relação a Romero através dessa chave de leitura me parece um exercício eivado de anacronismo, posto que essa interpretação desconsidera a realidade do momento em que os agentes estavam inseridos, ocorrendo assim em uma leitura teleológica. Como nos lembra Quentin Skinner (1996), o estudo do contexto em que a obra foi produzida não significa apenas adquirir uma informação adicional sobre uma etiologia, mas também implica em perceber e ter maior visão interna sobre o que seu autor queria dizer, o que ele “estava fazendo”20 quando escreveu suas obras. A proposta metodológica do contextualismo linguístico transcende a simples análise do argumento do autor e possibilita dar conta das “questões que Sílvio Romero lançava e tentava responder e, em que medida, aceitava e endossava, ou contestava e repelia – ou às vezes até ignorava – as ideias e convenções predominantes” (Idem: 13). Ademais, entender que existem teorias ou “doutrinas” específicas ou mais apropriadas em relação a determinado período pode ser perigoso e não permitir enxergar a forma política em que os repertórios são empregados. Por outro lado, como visto na questão do suposto combate a Machado – entendido como um combate ao aspecto oligárquico tanto na política quanto nas letras nacionais - plasmar seu exercício crítico como algo instrumentalizado visando um alvo de outra ordem, político no caso, nubla as possibilidades de compreender o deslocamento do entendimento sobre a “matéria social” presentes internamente na obra de Romero. Dito em outras palavras, esse pressuposto metodológico empregado à análise da contribuição de Sílvio Romero corrobora uma visão utilitarista sobre o emprego e a aclimatação de determinados repertórios intelectuais.

Skinner não defende que esse “fazer” seria o de adentrar a mente do autor e, em um esforço subjetivista, dar conta dos meandros de sua mente. O que ele coloca é o fato de entender a produção dos textos dentro dos seus contextos linguísticos específicos e compreender como os mesmos têm uma função estratégica e instrumental de agência na realidade (Skinner, 2005). 20

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O naturalismo como projeto intelectual levado à cabo por grande parte da intelectualidade brasileira nos últimos trinta anos do século XIX tinha por objetivo a delimitação de um corpus metodológico razoavelmente coerente, em contraste com o ecletismo e as ideias de direito natural da geração anterior, de formação quase majoritária em Coimbra. Esse novo aporte deveria informar em bases objetivas a análise de nossa realidade mas, em termos de intenções declaradas ou como projeto ativo, não se apresentava, nas motivações de seus portadores sociais, como forma de intervenção direta na realidade. Sílvio Romero, como representante notório dessa nova geração, enquadrase nesse movimento e vê que ao realizar esse tour de force contra a herança colonial, romântica e portuguesa não estaria interferindo diretamente na realidade objetiva mas sim desvelando os mecanismos e o funcionamento das leis gerais da evolução e da história. Em trecho esclarecedor contido em seu livro de crítica à Machado, podemos perceber tal movimento: Entretanto, a crítica que se não gereralisa, que não atinge a região dos princípios, que não é capaz de discernir as leis que dirigiram o desenvolvimento complexo da nacionalidade, que não abarca na sua integridade, por mais interessante que se possa mostrar, não passa de uma negaça illusoria, de um entretenimento de ociosos. E é dessa que hemos tido a fartar, espéce de chocalhice alvissareira de maravilhas literárias que não possuímos, quando não são diatribes grosseiras contra os escriptores de que os analystas não gostam. O meio de evitar estes desacertos dissonos e comprometedores é, repetimos, generalizar: ver o povo, onde de ordinário só se costuma enxergar o indivíduo; tomar a evolução das letras e das artes como alguma cousa de impessoal, de superior às cotteries de momento, uma como espécie de expoente da vida nacional, uma função da capacidade espiritual da raça. Olhada desta altura a região das sciencias, letras e artes, não deixa ella ver os rancorosos conflitos do egoísmo, a pequenez dos temperamentos, o lado passageiro das paixões, para só descortinar aos olhos do observador os grandes, os nobres esforços da alma do povo para a luz para a gloria, para o belo, para os deslumbramentos do porvir (Romero, 1897: XXIII)

Em quase toda sua obra, o autor sergipano demonstra a mobilização do ideário cientificista, frente a necessidade de um estudo criterioso do passado cultural nacional, por meio da crítica literária. Em introdução a sua primeira tentativa de síntese sobre as letras brasileiras (A Literatura brasileira e a crítica moderna [1880]), Sílvio Romero, em ataque ao romantismo, defende o ataque crítico apaixonado, exatamente nesses termos, pois “sim, é escrever com paixão, isto é, com pureza e verdade; é ser apaixonado, isto é,

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ter a nobreza das boas convicções e a fé dos bons estímulos” (Idem: 04). Logo, os bons estímulos, ou seja, o repertório intelectual europeu empregado na descoberta dos caminhos e formas que possibilitariam nossa entrada na modernidade exporiam a mestiçagem como o fator democratizante que levaria o Brasil ao concerto das nações civilizadas (Romero, 1894). Em uma primeira aproximação com essas perspectivas defendidas por Sílvio Romero, podemos acreditar que o que os nossos autores clássicos disseram sobre a intelectualidade do XIX se encontra também de forma muito forte na obra de Sílvio Romero. Afinal, munido do evolucionismo, principalmente do caráter fortemente histórico-processual presente na obra do inglês Herbert Spencer21, os processos históricos, os produtos culturais e as formações que o autor acreditava “nacionais”, extrapolando e muito uma concepção mais beletrista da literatura, funcionariam como revelador do que o passado colonial, romântico e atrasado escondia. Deixando “cair o véu” sobre a nossa realidade, o futuro em outros termos se faria possível. Porém, para uma melhor compreensão do esforço intelectual de Romero, precisamos transcender essa visão “nativa”. Aliás, não só nativa pois, em chave oposta mas complementar, boa parte da literatura sobre a produção crítica, literária e ensaística dos herdeiros da “geração de 1870” parece encarar a questão nos termos que foram postos pelo projeto críticointerpretativo naturalista e, principalmente, por seus críticos.

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Spencer em Do Progresso, sua lei e sua causa (1857) esboça de maneira sistemática sua teoria sobre o progresso. Nela, toda a realidade seria explicável pelo modelo mecanicista de passagem do homogêneo para o heterogêneo. Assim, tanto a formação do universo, a diferenciação dos animais e a sociedade em suas mais variadas questões (economia, política, estética e vida social) seriam regidas por essas leis. Daí vem a necessidade da aplicação de um método de compreensão da realidade, por Sílvio Romero, que dê conta do caráter processual e histórico dos fenômenos, sejam eles literários ou políticos, pois estariam todos sendo afetados pela mesma lei definidora e ao fim e ao cabo a separação em esferas especificas desses fenômenos não ajudaria, muito pelo contrário, impediria o projeto intelectual levado a cabo por ele.

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CAPÍTULO 2 – SPENCERIANISMO HETERODOXO “As idéias têm todas um elemento hereditário e tradicional e um elemento novo de adaptação a novas necessidades e a novos meios.” Sílvio Romero, História da Literatura Brasileira.

O presente capítulo intenta acompanhar a mobilização do evolucionismo spenceriano por Sílvio Romero no enfrentamento de questões sobre o papel dos positivistas durante o governo provisório republicano, a conformação institucional do novo regime e os “ajustes” necessários para conduzir o futuro brasileiro a modernização. Sílvio Romero ainda mantém uma postura esperançosa frente ao modelo republicano, nesses primeiros anos após o golpe e seus esforços de proposição de mudanças situa-se na elevação do evolucionismo conjugado com a sua ideia de adaptabilidade via mestiçagem. O movimento mais geral que guia este segundo capítulo baseia-se na ideia de que o crítico sergipano lançou mão das ideias liberais, sob o prisma cientificista, de forma não-usual e nesse movimento de aclimatação desse repertório pode-se notar a tensão entre as características ortodoxas da doutrina frente ao confronto com a realidade nacional.

2.1 – Positivismo e o “spencerianismo crítico” romeriano

Os primeiros anos da República no Brasil conviveram com um debate aberto acerca dos moldes e limites político-institucionais que configurariam a cena política brasileira das décadas seguintes. As questões da representação política, funções do executivo, equilíbrio entre poder central e interesses regionais dariam o tom da tensão acerca do papel do Estado e de questões como a incorporação e formação cívica do povo. Como nos lembra Renato Lessa, a tônica do absurdo marcava profundamente esses embates pois o futuro político do novo regime era incerto e diversas possiblidades saltavam aos olhos e mãos dos intelectuais e/ou políticos brasileiros do período (Lessa, 1999). A Constituição de 1891, na prática, não estabeleceu com precisão um arranjo político que instituísse os novos limites da comunidade política e as relações internas que

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definiriam o jogo político da Primeira República. A forma que a nova carta constitucional assumiu dependeu de traduções que definiriam os lados em litígio pelas disputas em torno de sua significação (Idem: 98) Basicamente, a literatura classificou em duas vertentes os pólos de disputa em torno do novo arranjo político brasileiro do período inicial republicano: de um lado uma vertente autoritária, majoritariamente identificada com o positivismo e o militarismo; e de outro a vertente liberal, ciosa de, além de abrir caminho para as bandeiras clássicas do liberalismo – livre-iniciativa no campo econômico, garantia às liberdade civis e diminuição do papel interventor do estado – garantir a autonomia econômica das elites regionais (Campelo de Souza, 1978; Lessa, 1999; Alonso, 2002; Hollanda, 2009)22. Os debates em torno do papel que essas demandas assumiriam a partir da promulgação da constituição de 25 de fevereiro de 1891 foram extensos e um debate político - público e parlamentar - se seguiu até mesmo para depois da relativa rotinização que se apresentou na cena política brasileira com o “pacto Campos Sales”. Este pacto consistiu no alinhamento dos interesses das elites estaduais com os do governo federal, garantido pelo apoio do executivo federal à manutenção dos grupos dominantes na presidência dos estados e na eleição de seus representantes para o legislativo em troca de apoio aos grupos das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais para a sua manutenção na presidência da República (Cardoso, 2006)23. Sílvio Romero não se isentou de marcar posição nesse debate mas torna-se difícil seu enquadramento nas duas vertentes apresentadas anteriormente. Entretanto, não deve-

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Hollanda, em sua pesquisa sobre as discussões acerca da representação política na Primeira República apresenta uma terceira vertente, a do conservadorismo realista, que negava o formalismo presente na questão das mudanças institucionais e indicava a necessidade de um arranjo político que se adequasse as características sociais do Brasil (2009). Contudo, esse debate se torna público e reverbera com maior notoriedade apenas a partir das primeiras décadas do século XX, na obra de intelectuais como Alberto Torres e Oliveira Vianna, logo escapando do recorte cronológico que realizo neste segundo capítulo. Entretanto, algumas características dessa vertente se apresentam na obra de Sílvio Romero mas a análise mais detida sobre seus alcances e limites heurísticos será feita com maior profundidade no capítulo III da dissertação. 23 O “pacto Campos Sales”, também denominado pela literatura especializada de “política dos governadores”, significou um rearranjo que visava a sobrevida política dos grupos locais, enfraquecidos durante a última década do século XIX, ao contrário do que aparentemente pode parecer uma força maior das oligarquias estaduais frente à União no complexo jogo de correlação de forças do período. Como lembra Leal (1976), o alinhamento dessas elites com o governo federal permitiu para essas oligarquias a sua hegemonia nas eleições estaduais e para o executivo nacional um suporte para seus projetos, devido a decorrente estabilidade política que esse arranjo estabeleceu na cena política brasileira da Primeira República.

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se, a meu ver, tomar essas posições divergentes e seus antagonismos de forma cristalizada e torna-se frutífero ir além das retóricas dos agentes, inclusive de Sílvio Romero, para uma compreensão mais abrangente do processo. Isso não significa ignorar suas formulações, suas representações, mas tentar compreender os rótulos políticos que arrogava para si – e que também eram localizados por adversários e intérpretes – como algo em tensão permanente. Em linhas gerais, a análise da adoção do evolucionismo do filósofo inglês Herbert Spencer pelos intelectuais brasileiros caminhou no sentido de relacioná-la ao pensamento liberal e sua crítica a interferência do Estado, a ênfase no individualismo e na livre concorrência enquanto que o positivismo encontrou guarida e serviu de base para projetos de cunho autoritário. Richard Graham, em seu clássico livro sobre a influência britânica nos projetos de modernização no Brasil, cristaliza a relação entre liberalismo e pensamento de Spencer neste sentido, como o trecho abaixo exemplifica: Conceitos que pudessem correlacionar entre si o progresso, a ciência e a indústria exerciam especial atração sobre os que estavam trabalhando para destruir a sociedade tradicional. O pensamento de Herbert Spencer servia admiravelmente por isso, pois eles o entendiam afirmando que o progresso é inevitável, que os levaria a um futuro industrial e que a ciência provara a veracidade de ambas as afirmativas [...] Além disso, Spencer conferia fidedignidade à crença nas atitudes governamentais do laissez faire e fornecia-lhes argumentos muito bem arquitetados contra a legislação do bem-estar social, o que aumentava as esperanças e reduzia os receios de muitos membros das novas comunidades urbanas. (Graham, 1973: 241242)

Assim, o autor britânico defende que, em grande parte, a aceitação do filósofo inglês no Brasil foi devido a possível correspondência do pensamento científicista e de seu papel na contestação à tradição e as permanências decorrentes do Império com o pensamento liberal. No mesmo diapasão, Angela Alonso avança e afirma que, além disso, positivismo e spencerianismo representavam pólos opostos de concepções político-ideológicas para os rumos do país, e de forma geral, o spencerianismo tendeu a fornecer uma via liberal para o progresso, enquanto o positivismo comteano trazia uma perspectiva autoritária. (Alonso, 1995: 05). Esse cenário em parte corresponde ao contexto intelectual presente no Brasil do período, entretanto, a forma como Romero percebe e constrói sua argumentação sobre o

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papel do Estado e, principalmente, sobre o cenário político da Primeira República brasileira e o domínio dos setores oligárquicos flui em direção diferente e permite matizar de forma mais complexa e precisa esse cenário. Convém mencionar que, em grande medida, o positivismo que Romero toma como alvo é basicamente o de inclinação ortodoxa, seguido pelos adeptos do Apostolado. Entretanto, o positivismo no Brasil não pode ser considerado um movimento de apenas uma vertente. Além da sua forma religiosa como apresentada pelos membros do Apostolado, que, levando ao extremo as proposições de Comte, baseado principalmente na obra de Lafitte, propunham uma leitura da obra de Comte de forma integral e literal também existiam os que foram chamados de “heterodoxos”, que realizavam uma leitura da doutrina comteana aos moldes da concepção de Littré, articulando a doutrina do mentor francês mais como recurso metodológico e discursivo de crítica ao status quo tradicional, com vistas a uma saída para a modernidade nacional e menos com aspirações morais, éticas e metafísicas (Alonso, 1995). Essa “história oficial” do positivismo no Brasil identificado somente com as atividades do Apostolado teve em Miguel Lemos e Teixeira Mendes figuras proeminentes na construção de uma narrativa ideal sobre a inserção do positivismo no país. Como nos lembra Alonso (Ibidem), esses intelectuais construíram uma narrativa para a recepção da doutrina no Brasil que excluiu outros intérpretes de Comte, como por exemplo Pereira Barreto, os membros da Igreja Positivista no Rio Grande do Sul e todos os demais leitores e mobilizadores de Augusto Comte que não se enquadravam na ortodoxia dos membros do Apostolado. Essa diferenciação é importante para balizar como retoricamente Sílvio Romero localiza o seu “alvo” no grupo que adotava uma percepção mais ortodoxa dos princípios baseados na doutrina de Augusto Comte. Entretanto, o alcance de sua crítica a doutrina positivista pode ser entendido para além do quadro conceitual delineado pelo Apostolado e encampado pelo autor e, assim, permitir perceber como esse debate com o positivismo representava um quadro mais complexo do que o contido no debate travado pelo crítico sergipano com o positivismo “ortodoxo” e pode desvelar a maneira como o autor propunha um projeto diverso de state building daqueles presentes nas intervenções positivistas e liberais do período. Por outro lado, o liberalismo era parte da retórica (e da “motivação para a ação”) de grupos com concepções políticas para o país muito diferentes entre si. Ninguém

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naquele momento da cena política mainstream brasileira se dizia um “não-liberal” ou um “antiliberal” ou negava as validades dos preceitos universalizantes desse ideário e sua relação com os projetos de modernização que se pretendia adotar na nascente república. Ao contrário, a ideologia liberal, quase que confundida com o processo de modernização em si, servia de parâmetro cognitivo para as construções e proposições normativas da política nacional. Contudo, suas aclimatações diferiam bastante e também surgiam divergências quanto aos papéis adotados pela nova engenharia institucional estatal do período. “Industrialistas” e “agraristas”, para usar um exemplo notório de embate do período, dificilmente localizariam suas divergências na questão do liberalismo. O que não quer dizer que suas aclimatações pudessem conter diferenças para além das questões práticas. Ser liberal no Brasil naquele momento era uma forma dos intelectuais e publicistas se enquadrarem no movimento modernizador e reformador da “civilização brasileira” mas seus usos das teorias europeias e o enquadramento dado a elas nas disputas político-institucionais possuíam diferenças e aclimatações não ignoráveis. Em outras palavras, os usos do liberalismo na periferia responderam reflexivamente à questões conjunturais importantes e não ignoráveis sem que, com isso, se possa dizer que serviam apenas como alegoria para projetos políticos em nada relacionados com a “doxa” dessas doutrinas em sua “origem”. Portanto, importante passo para enquadrar o uso que Romero fez das contribuições de Herbert Spencer é o de entender esse movimento dentro de uma disputa política para além de um debate bizantinista sobre formas mais acuradas de utilização de tal ou qual teoria. Romero, em Doutrina contra Doutrina (1894), realiza um escrutínio dos primeiros anos republicanos, do governo provisório e dos primeiros presidentes militares e apresenta uma alternativa política para o país baseada nos preceitos evolucionistas Herbert Spencer. Editada em formato de livro em 1893, foi compilada durante o governo de Floriano Peixoto e suas crítica ao positivismo dita a narrativa deste trabalho, além da associação da doutrina aos seus portadores sociais – a saber, a juventude militar que ajudara a promover o golpe republicano no país. Nele, associa analiticamente esse movimento político ao, em sua opinião, negativo papel assumido pelos militares e utiliza o evolucionismo spenceriano como contraponto ao “atrasado” positivismo com seus anacronismos, ditaduras, seu patriarcado. (Idem: 122). Romero, ao contrário das propostas de cunho autoritário que ganhariam forma no governo provisório, defendia que

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o Brasil seria “fatalmente democrático” (Idem: 72) e em outras palavras, a nação brasileira, por surgir no momento posterior ao fim das aristocracias próprias do Antigo Regime, quando a mestiçagem funcionou como um mecanismo que tornou a sociedade brasileira “naturalmente” igualitária, tornaria a ideia de um governo aristocrático e autoritário, representado e operado por poucos, não condizente com os fatores do meio social brasileiro. Em outros termos, o ideal político positivista e sua postura ditatorial não poderiam ter lugar no Brasil - candidato ao ingresso das nações civilizadas – posto que localizado já em um momento onde a forma representativa substituiria formas outras de concorrência política. Parafraseando seu conterrâneo Fausto Cardoso24, afirma que a segurança e fixidez de todo progresso político, moral ou jurídico repousam sobre a continuidade histórica, quer dizer, sobre a ligação intima entre o passado e o presente, e esta, por sua vez, repouza, em ultima analyse, no meio e na hereditariedade das funcções, e por isso bem se comprehende que, quebrada a uniformidade destas condições staticodinamicas da sociedade, a barbaria e a desordem invadem e diffundem- se por todas as camadas sociaes, predispondo assim o terreno para o desenvolvimento do militarismo. Este é o esphinge, o grande enygma da política brasileira. Não temos na actualidade a resolver problema mais sério do que este, nem mesmo o problema econômico. (Ibidem: LIX - LX)

Continuando sua análise dos primeiros anos da República, Romero se esforça para desvencilhar o advento da República à ação dos positivistas. Para ele, que como mencionado anteriormente localizava o positivismo como sinônimo às doutrinas do Apostolado, os adeptos ortodoxos da doutrina se esforçaram para criar uma mitologia autoindulgente que ligava os avanços em relação a modernização cívica, legal e institucional do país a sua atuação num projeto de construção de uma hegemonia política que concedesse legitimidade a seus projetos autoritários, como fica claro no trecho abaixo citado: É evidente o affan em que se agitam de ficarem senhores absolutos do terreno, donde já teriam expellido a todos os que lhes não seguem as traças, se, por impossível, tivesse já vingado o desejo, que logo de principio manifestaram, de sei nesta terra proclamado um governo dictatorial, mais ou menos á guisa do que por eles é sonhado para a felicidade... do gênero humano. Tal a razão capital da guerra insidiosa que a sua propaganda escripta e oral (mais oral do que escripta) move contra os mais eminentes 24

Advogado e publicista sergipano também oriundo da Escola de Direito do Recife, como Sílvio Romero. Participou em 1894 da derrubada de José Calasans, presidente do Estado do Sergipe, conjuntamente com o grupo liderado, entre outros, por Sílvio Romero. Sobre o tema, ver Passos, 2009.

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caracteres republicanos. Entretanto, a experiência de quatro annos de governo já deveria lhes ter aberto os olhos sobre o desarrazoado de seus cálculos e pretenções. Quem tem governado a republica ha sido o exercito ; e o sectarismo positivista é quem têm dirigido o exercito, cada vez a mais. (Idem, LXXXVI - LXXXVII).

Essa suposta falsa construção de legitimidade seria facilmente desmontada pois o caráter da representação moderna se assentaria na separação entre executivo e legislativo e na garantia, via forma institucional, da questão da soberania popular na influência do jogo político. A concentração de poder nas mãos de Deodoro e Floriano e a pregação positivista por uma unidade centralizada e emanadora de sentidos sociais e públicos da vida política brasileira significariam um anacronismo, um retorno ao estágio de despotismo régio próprio do tempo do Império e seu respectivo dispositivo de controle vertical sobre o legislativo – o poder moderador (Idem, 102-103). Entretanto, sua crítica ao caráter centralizador do projeto autoritário positivista não caminha para um entendimento liberal ortodoxo sobre o papel estatal na República. Parto do pressuposto que a desconstrução de parte das premissas apresentadas anteriormente - da necessária ligação do spencerianismo lido e utilizado no Brasil com o liberalismo político e a crítica ao papel do Estado como interventor – possa abrir outra possibilidade de leitura da forma como Romero utiliza Spencer: não necessariamente para desabilitar o papel do Estado, mas antes para pensar em formas de atuação do Estado na função normativa sobre certos aspectos da vida pública, como a educação e a incorporação do “proletariado” nascente. Em relação ao papel do Estado como fornecedor dos meios para a emancipação do povo – no caso a educação – e a crítica à suposta forma autoritária proposta pelos seguidores do comtismo, Sílvio Romero lança uma crítica ao projeto de incorporação do “proletariado” e de normatização da relação capital–trabalho propostas pelo positivismo relido “à brasileira”: reduzida a sua mais simples expressão, a solução positivista do problema do proletariado, a que emphaticamente chama-se a sua incorporação na sociedade moderna, reduz-se a ser o dito proletariado levado ao rego, isto é, á obediência e á veneração aos ricos, pelo clero da nova seita, adinstar do que, quasi sempre embalde, procurou fazer a clerezia catholica da idade média. D'ahi o desespero em que se acha o clotildismo para crêar o alludido clero, custe o que custar. Querem espalhar a nova milícia religiosa pelo mundo em fora para preparar o amanho das almas. E quanto mais inculto fôr o terreno, tanto melhor, mais depressa brotará a semente clotildeana. Por isso é que se ataca todo o ensino leigo, todo o ensino do Estado, com

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o fim de deixar ao padre positiveiro desimpedido o caminho. (Romero, 1894: 105-106)

As mudanças causadas pelo arranjo político republicano nas condições de inserção na vida política, econômica e cultural dos populares eram fatores primordiais a serem enfrentados com vistas à construção de um rearranjo espiritual e político do país segundo o movimento intelectual de Sílvio Romero, precedendo à questão da mudança institucional. Em trecho da terceira edição de sua História da Literatura Brasileira (1943)25, Romero descreve como as condições herdadas da colônia e não alteradas durante o momento Imperial indicariam a necessidade de uma reformulação na estrutura social brasileira e em seus pontos cruciais: a questão fundiária e a necessidade da educação generalizada: Latifundia perdiderunt Italiam, disse Plínio; as fazendas e os engenhos estão perdendo o Brasil, é o brado que sai, com razão, de todos os lados. O comércio é em parte uma pirataria em grosso, movida contra o pobres agricultores, endividados e perdidos. [...] As fazendas e estâncias pastoris estão no mesmíssimo caso das fazendas de café e dos engenhos de açúcar. Que resta, pois, para o grosso da população? O pauperismo completo, ou os empregos públicos, isto é, uma forma bastarda ainda de pauperismo...Neste meio os filhos daqueles que podem, negociantes ou agricultores, vão para os estudos, alinhavam os preparatórios, fazem um curso de medicina, direito ou engenharia, e, ou vão engrossar as fileiras dos empregados públicos, ou agitar-se nas aventuras temerosas de uma política relapsa e torpe; ou, estes são poucos, pelo exercício de sua profissão conseguem fazer alguma coisa na vida. No meio de tudo isto, quem entre nós escreve e quem entre nós lê? Não são, de certo, os lavradores, os negociantes, os criadores, os industriais, os políticos, nem os administradores. Somente as classes acadêmicas e alguns empregados públicos saídos dessas classes. É a regra geral. (Idem: 123)26 25

A terceira edição de sua História da Literatura Brasileira foi lançada após sua morte, em 1943, e compilada por seu filho, Nelson Romero. Esta edição é basicamente a reprodução fidedigna da primeira edição, excetuando as mudanças na grafia de algumas palavras e nos títulos das seções, além da inclusão, por Nelson Romero, de outros livros de seu pai, como Novas Contribuições para o Estudo do Folclore Brasileiro(1897) e O Brasil Social e os elementos que o plasmaram (1912). Para a análise costurada aqui nesta dissertação, torna-se interessante levar em conta que o capítulo sobre o histórico das relações econômicas, sociais e institucionais (Cap. VIII) manteve-se intacto desde a primeira edição de 1888, alterado apenas no título, ao incluir no subtítulo “As instituições Políticas e Sociais da Colônia e do Império” referência a república (ficando, assim, “As instituições Políticas e Sociais da Colônia, do Império e da República”) sem alteração substantiva na interpretação que realiza. Esse fato leva a crer que o advento republicano não alterou essa sua interpretação sobre a formação social brasileira, o que coaduna sua mobilização neste momento da minha análise. 26 A célebre citação de Plínio reproduzida por Sílvio Romero, “Os latifúndios perderam a Itália”, parece ser no contexto em que está inserida uma crítica severa a concentração fundiária. Como nos lembra Gibbon (2005), a generalização do latifúndio em Roma durante o baixo Império e a política fiscal para os plebeus se constituíram numa das razões para a decadência do Império Romano do Ocidente.

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Podemos conferir críticas no mesmo diapasão presentes também nas intervenções públicas do crítico sergipano. Em pronunciamento datado em 1908 – portanto já com a política da Primeira República estabilizada pelo “pacto Campos Sales” - referindo-se à política econômica de Afonso Pena27 e a insuficiência dos serviços públicos durante os primeiros anos da República, Sílvio Romero sintetiza sua crítica ao regime republicano brasileiro e salienta os aspectos que considerava necessários para os quais o Estado deveria voltar seus esforços: […] com o desmantelamento de todos os serviços públicos, nomeadamente os que se referem à instrução, à educação e à aplicação do direito; com o seu abatimento geral de todas forças ideias, impulsionadoras da alma dos povos à segurança dos altos destinos autônomos; com o abatimento de tudo que não seja pedir dinheiro para gastar e mentir para fascinar, função única dos governos desta boa terra na hora presente, com todas essas máculas e mil outras que todas se calam por não poderem entrar num só período o nosso querido e desventurado Brasil tem sido levado a não se parecer com povo algum da terra.(Romero, 1978: 200)

A chamada feita pelo autor para que o Estado assuma certas funções em prol do desenvolvimento nacional, até em última instância na descoberta de uma “identidade” até então oculta, parece contrariar os principais ditames da teoria spenceriana, principalmente no que diz respeito, na voga dessa teoria, aos entraves causados pelo Estado ao desenvolvimento social e a defesa das potencialidades individuais, bem como a ideia de que a tutela já faria parte de um período ultrapassado nas modernas civilizações e, por consequência, sua presença significaria atraso (Spencer, 1960). Nesse sentido, Romero parece “torcer” as pressuposições básicas do filósofo inglês e fazer com que elas dialoguem com o momento político-social em que estava inserido. Se por um lado, Romero adota e declara a filosofia da história proposta por Spencer como superior àquela defendida por Augusto Comte, principalmente na questão das teorizações metafísicas e suprarreligiosas do segundo, por outro parece relativizar a máxima clássica de Herbert Spencer da sobrevivência do mais apto, aos moldes depois incorporado pelo

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Afonso Augusto Moreira Pena foi presidente da República de 1906 até 1908, tendo como característica de seu governo um breve desalinhamento com os interesses oligárquicos e com a tentativa de promover a modernização do interior do país e o seu respectivo povoamento. Sobre o tema, Cf Carone, 1969.

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transformismo social de influência darwinista (o “darwinismo social”) para se pensar o mundo natural, como justificativa para a exclusão social de determinados grupos. Romero não ignora a necessidade de se pensar de forma crítica o projeto republicano oligárquico que excluiu e relegou à miséria grande parte da população e vê o Estado como responsável por equacionar essa situação. Convém salientar que estudos mais recentes discutem o papel do Estado na obra de Herbert Spencer e relativizam um pouco a noção de que a obra do autor incorporaria um liberalismo vitoriano selvagem. John Offer (1999) desvela certos aspectos pouco explorados na obra de Spencer, principalmente nas obras Principles of Sociology (1898) e Principles of Ethics (1897), que trazem à tona sua defesa do papel das redes de beneficiência, que assumiriam o papel de fornecer uma política privada de Wellfare, relativizando assim o absolutismo da ideia liberal expressa na máxima struggle for life social presente nas formulações de Spencer. De certa forma, Romero se antecipa a essa interpretação e relê o spencerianismo utilizando um critério criativo e realista das condições sociais do Brasil naquele momento, principalmente ao realizar uma interpretação heterodoxa em um contexto periférico de produção do conhecimento. Em outras palavras, para ele a condição de “nação nova” que se apresentava para aqueles que tentaram “pensar o Brasil” naquele momento mediante o quadro de emancipação política e separação cultural em relação a metrópole traria a necessidade de descobrir como a cultura popular e as tradições orais próprias do caldeamento racial no Brasil seriam a chave para uma saída identitária formadora de novos nexos políticos (Romero, 1888). Além disso, sua análise caminha no sentido de uma proposta analítica e normativa da vida político-social brasileira onde as grandes questões herdadas da nossa herança colonial aparecem como antípodas privilegiados da modernização da qual o crítico sergipano almejava. Logo, o passado e as condições estruturais que ecoavam na conjuntura do Brasil naquele momento formavam o substrato para a proposição romeriana de modernização do país e a mudança do regime de governo, por si só, seria inútil, mesmo para um republicano convicto como Romero: Durante mais de três séculos foi o Brasil governado por prepostos de um governo absoluto. Retalhado. A princípio, em capitanias, mal divididas e mal determinadas, que foram entregues em alguns aventureiros e áulicos, o que nos fez ter também nossa idade feudal, passou depois ao domínio direto da coroa, que tratou de segrega-lo do mundo e explorá-lo. Num e noutro sistema o índio era considerado uma fera, que devia ser caçada; o

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negro uma máquina, que se devia estupidificar para produzir; o peão português, o colono, um ente de sangue bastardo, diante do sangue azul, escravos dos fidalgos e de El-Rei, Nosso Senhor!...Nestas condições, as populações que se iam formando no país traziam a marca da origem: a submissão (Romero, 1888: 124).

O historicismo e o lugar que a evolução histórica e a crescente complexificação social típica do pensamento spenceriano tomam, na interpretação do Brasil realizada por Sílvio Romero, pode ser exemplificada no trecho acima citado. A referência ao regime monárquico absolutista próprio da colônia e a forma privada e concentrada com que a questão da terra foi encarada pelo trono português e permaneceu intacta durante o Império dos Bragança e chegou incólume ao momento republicano parecem ser o lastro de sua análise. Nesse aspecto de sua análise, nada se apresenta estranho em relação a doxa proposta por Spencer para se pensar o mundo social e a modernização que o ocidente enfrentava durante o século XIX. Entretanto o determinismo biológico, nesse movimento, tão caro às formulações de Spencer, no autor sergipano parecem ser tensionadas pelo quadro dado pelas “condições objetivas”: o cenário era de falta de coesão social no campo e hegemonia do autoritarismo oligárquico, simbolizado pelo “caráter feudal” representado na preponderância da grande propriedade e nos males causados por anos de colonização. Uma saída apenas de mudança institucional com o advento da república seria insuficiente para alterar o alicerce social brasileiro e de fato “criar” o povo. Esse movimento de crítica lastreada historicamente encontra ressonância também em Doutrina Contra Doutrina e permanece num movimento teórico muito aproximado daquele proposto ainda na sua História da Literatura Brasileira. Quando Romero analisa a forma como os positivistas encaravam o passado imperial, o autor sergipano demonstra como os adeptos ortodoxos de Augusto Comte acreditavam serem portadores de um sistema filosófico e orientador da ação política superior ao contido nos alicerces ecletistas e neotomistas do Império, mesmo em sua fase constitucional. Entretanto, a negação do passado colonial – negação aqui entendida não apenas como crítica e tentativa de superação mas de desconsideração no processo de construção do projeto modernizante nacional - e Imperial não poderia se bastar apenas na aclamação da superioridade de um sistema mediante outro, mas sim na depuração histórica dos fatores que levaram o Império e o passado da influência portuguesa no Brasil a constituírem um obstáculo a

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civilização brasileira. Ao comentar o quadro político influenciado pelos positivistas no pós-golpe republicano, argumenta que: Isto é que é preciso fazer e é o que não tem sido praticado em gráo algum. Quem ahi já escreveu a historia analytica da administração regia no Brasil, mostrando os esbulho?, as violências, as tyrannias de que eram victimas os filhos do paiz ? Quem ahi já praticou outro tanto para com a administração e a política imperial dez vezes mais desastradas do que a gestão colonial? Quem, per cutro lado, já escreveu a historia, clara, precisa, dramática das aspirações para a liberdade e para a republica em terras do Brasil? Ninguém e tudo isto devia ter sido levado a effeito como doutrina e como ensinamento para o povo. (Romero, 1894: XVII)

A ideia da mudança da nossa vida política e a “exportação” de modelos estrangeiros surge com força nesse momento da obra de Sílvio Romero. A adoção acrítica dos dogmas positivistas e também do modelo constitucional americano surgem como um problema para a conformação institucional brasileira. Segundo o crítico sergipano, a educação cívica da população e a consequente ampliação da possibilidade de exercício público da cidadania passavam por massificar as ideias republicanas e assim dar coesão ao novo projeto político: Não são raros, na historia, os casos de adaptação exterior de fôrmas políticas a povos que nunca as comprenderam de todo, nem dellas se serviram com destreza e vantagem. Nós mesmos somos disso um exemplo, que por demasiado próximo, não deve ser deslembrado. As praticas e usos do constitucionalismo parlamentar não assentaram jamais neste paiz em aspirações, impulsos, necessidades do povo. O nosso constitucionalismo, apezar de alguns benefícios que prestou ao paiz, não passou de uma comedia, cujos papeis eram distribuídos a limitadíssimo numero de actores e a cujo desempenho o grosso da nação nem em sonhada miragem assisto (Idem : XVIII)

As preocupações com direções políticas mais afinadas com nosso caráter popular, historicamente dado, em sua visão, não se apresenta na obra de Romero apenas no momento republicano, como visto anteriormente. Em sua obra de maior repercussão, História da Literatura Brasileira (1888), ele já apresenta sua proposta de crítica e de interpretação da realidade brasileira baseada na busca de nexos históricos com nossa formação e consequentemente com a associação dos nossos processos históricos com os rumos da civilização ocidental. Em discussão inscrita no prólogo da primeira edição do livro, Sílvio Romero apresenta uma interpretação bastante peculiar sobre a relação de

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formas de governo e nosso suposto caráter étnico, apresentando suas ideias para a forma republicana que achava a ideal: Somos sectários da república unitaria, livre, autonoma, compatível com a boa e vasta descentralização administrativa, econômica e compatível também com a unidade política, espiritual e étnica do país. Passar da monarquia centralizadora, dadas as condições do meio e do espírito nacional, para a federação pelo modelo norte-americano, é desconhecer o caráter dos povos ibero-latinos; é estimular o separatismo, que já vai lavrando assombroso; é caminhar para o desmembramento da pátria brasileira. [...] A pretexto de reformas impensadas, não venhamos a desmantelar a famosa peça de arquitetura política de que falava o velho Andrada e que ele ajudou a levantar (Romero, 1888: XXII; grifos do autor)

Como se percebe, no momento anterior a República, ainda de certa forma unificado com o movimento republicano, consideradas suas matizes e diferenças, Sílvio Romero não apresenta de forma sistemática suas críticas ao modelo federalista que se consolidaria anos mais tarde, apesar de sinalizar para a questão da “importação” de modelos intelectuais e políticos estrangeiros. Contudo, com as disputas abertas no pós-golpe essa questão se torna premente para seus debates políticos-intelectuais e a questão da aclimatação de modelos estrangeiros e sua relação com a conjuntura política nacional ganha destaque.

2.2 – Parlamentarismo como “conservadorismo progressista”

Uma das questões políticas em que mais se deteve Sílvio Romero nos primórdios do período republicano foi a referente à forma presidencialista apresentada pela Constituição de 1891. Com clara inspiração no modelo da Constituição Americana, principalmente na questão do modelo federativo de República, além de também ter sido defendida principalmente pelos esforços de Rui Barbosa (Hollanda, 2009) maior defensor desse modelo naquela conjuntura mas também dava conta dos interesses das classes dirigentes do período, de forma majoritária. O que, numa primeira visada, pode parecer um salto inovador na rotina institucional brasileira, esse novo modelo não encontrou tábula rasa no ambiente político nacional. Como Renato Lessa (1999) demonstra, essa

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novidade institucional possuía conexão com os anseios de parte das elites estaduais durante o período imperial e que, na prática, o centralismo do Segundo Reinado, na verdade, não coibiu o exercício do localismo nas diversas províncias. Logo, o compromisso federalista assumido por grande parte daqueles que tomavam parte do governo provisório expressava o que possuíamos de mais “moderno” e mais “tradicional”, concomitantemente, pois práticas de governo exercidas com alto grau de autonomia em relação ao Imperador, baseadas na lógica patrimonialista de domínio eram regra em várias das províncias, escapando ao controle central do Império (Idem: 54). Por outro lado, a “modernidade” política desse novo arranjo se representou mediante a integração à rede de comércio internacional que São Paulo, principalmente, estruturou logo após a inauguração do regime republicano (Love, 2006). Portanto, a mudança institucional ocorrida a partir da Carta de 1891 significou a acomodação de interesses de ordens e “tempos” diversos e a crítica de Romero à questão da relação entre “leis” e “práticas”, que se torna explícita em sua série de correspondências para Rui Barbosa (1893), deve ser entendida nesse jogo complexo entre diversas temporalidades e anseios, ora em competição, ora em conjunção. O governo de Floriano, apesar de apresentar forte influência dos militares e da presença constante da repressão centralizadora levada a cabo pela União, não pode ter a interpretação de seus mandato dissociada dos interesses agrário-exportadores das elites regionais. Sua subida ao poder é articulada com o Partido Republicano Paulista (PRP) e quadros importantes desse partido assumem posições estratégicas no governo: Bernardino de Campos na Presidência da câmara de deputados; Prudente de Morais na presidência do Senado e Rodrigues Alves na pasta de finanças (cf. Cardoso, 2006). As primeiras medidas que se seguiram a sua posse foram a derrubada dos presidentes de Estado alinhados à Deodoro e a substituição por elementos afinados com a nova burguesia em ascensão28. O quadro delineado no período apontava para um desenho das correlações de forças que seguiria praticamente inalterado até 1930, com o alinhamento da elite

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Lessa argumenta que, para as facções civis mais sistematicamente organizadas, em um primeiro momento, a subida de Floriano Peixoto a presidência pudesse configurar uma solução temporária para o conflito de Deodoro e o congresso. Entretanto, as deposições dos governos estaduais trouxeram ainda mais incerteza ao jogo político. O que garantiu o apoio dos paulistas a Floriano foi a esperança que seu governo propiciasse a viabilidade e continuidade do regime mediante um momento de grandes incertezas e muita agitação social, exemplificado pela Revolução Federalista do Rio Grande do Sul e pela Revolta da Chibata, ambas ocorridas em 1893 (1999: 102).

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paulista, fortalecida pelo seu poderio econômico e político oriundo da lavoura de café, tendo preponderância sobre os demais estados e suas respectivas oligarquias (Cardoso, 2006; Campelo de Souza, 1978; Love, 2006). Em boa medida, parte do cenário político que apresentava as forças oligárquicas paulista e mineira como protagonistas já estava dado desde o governo provisório com a sua respectiva hegemonia refletida em termos de maioria nas bancadas, fato que refletia seu predomínio econômico na cena brasileira do período. A composição da constituinte já demonstrava essa situação, tendo seus cargos mais importantes, de presidente, vice e primeiro secretário, sendo ocupados por São Paulo, Bahia e Minas Gerais, respectivamente (Lessa, 1999). Sílvio Romero, em sua tentativa de inserção nesse debate, propunha um projeto que garantisse maior campo de influência para o parlamento e o aumento de suas prerrogativas decisórias, em contraponto tanto ao esforço centralizador excessivo dos militares quanto ao ultrafederalismo liberal encampado pelos setores agrários das oligarquias regionais, chegando até mesmo a atacar o uso formalista e ortodoxo da teoria da separação dos poderes de Montesquieu feito pelos membros da constituinte de 1891 (Romero, 1893: 09). Esse movimento crítico pode ser entendido dentro da conjuntura do debate sobre formas de encarar a questão da representação e, sob a perspectiva de Romero, construção de alternativas políticas que embasassem os novos arranjos institucionais em processo de acomodação na Primeira República, atuando como tentativa de alternativa política ao excessivo predomínio do poder local e do caráter expansivo e concentrado da posse da terra no nascente período republicano. Como método de demonstração dessa hipótese, segue-se agora uma análise mais pormenorizada de seus argumentos em torno da questão do presidencialismo e a alternativa que defendia para tal modelo: o parlamentarismo de inspiração inglesa. O movimento de crítica ao presidencialismo encontra-se sintetizado, na obra romeriana, na tentativa de diálogo epistolar com o principal defensor desse modelo aqui em terras brasílicas: Rui Barbosa. Em cartas enviadas ao político baiano defensor do modelo inaugurado pelo “gigante do norte” (1893) – e nunca respondidas, cabe mencionar - Sílvio Romero defende a forma parlamentar como solução para a parca representatividade apresentada pela Constituição de 1891 – tanto no exercício formal da Carta quanto nos processos informais de vivência política via legislação - e os perigos da forma autoritária que o presidencialismo assumiria nos primeiros anos da república.

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Importante frisar que nesse momento, a necessidade de um ente político capaz de dar conta dos conflitos regionais que se sucediam no período possibilitou a aliança entre Floriano e seus seguidores com as elites paulistas, portanto, neste momento da Primeira República, interesses oligárquicos regionais e o ímpeto centralizador de determinados setores ainda não eram concorrentes com o mesmo grau de rivalidade na cena política brasileira, fato que vai se acirrar a partir dos anos 20 do século XX. Sílvio Romero, baseado no argumento spenceriano que apresentava o progresso como fenômeno essencialmente marcado pela passagem do homogêneo e do simples para o heterogêneo e complexo em todas as esferas do mundo natural e social (Spencer, 2002) e da consequente busca histórica por determinantes históricos que informassem a prática política nacional, argumenta sobre a suposta disjunção entre presidencialismo e índole nacional brasileira: na geral indisciplina e desorgànisação do caracter brasileiro, resvala facilmente para o despotismo; estando divorciado, por vicios de sua origem militar, da massa do nosso povo, não tem meios de o attrahir, por sua natural tendência de viver á pane, sem precisar de attender, como se sabe, ás aspirações da opinião; tem contra si a índole do nosso povo, no que ella tem de mais liberal, as suas tradições, no que ellas têm de mais sèlecto; é antipathico e suspeito á democracia, feição geral da vida social contemporânea, pelo aferro com que o defende o doutrinarismo compressor e dictatorial dos positivistas. (Romero, 1893: 24, 25)

Avançando, destaca o perigo do modelo presidencialista e a forma que assumiu no Brasil de extrema simbiose com o militarismo: E se acontece que a republica foi feita com o auxilio da força publica; se ella foi ajudada por uma revolta armada ; se ella já teve dois presidentes militares ; se esta classe teve força e habilidade para levar algumas dúzias de seus camaradas ao senado e á câmara dos deputados; se ella teve geito para em vinte governadores de estados tirar mais de metade de seu seio; se ella tem alastrado por toda a administração publica; se ella, bedecendo aos acenos do presidente, poz os fuzis ao serviço da derrocada dos governos estaduaes, temos bem fundados motivos, Sr. conselheiro, para desconfiar de que o nosso presidencialismo é um guapo alliado do militarismo, e de que os dois amigos não se separarão facilmente. (Idem: 25)

Essa relação que o autor desenvolve entre presidencialismo e autoritarismo pode ser explicada pela ideia de que a importação imprópria de modelos que não condizeriam

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com o substrato social e a forma como a vida social brasileira se apresentava durante o final do século XIX brasileiro. Mesmo argumentando que o presidencialismo seria um erro tanto nos Estados Unidos quanto aqui, sua transplantação para nossa realidade social seria ainda mais danosa devido ao caráter de “indisciplina” e “desorganização” que o povo brasileiro apresentava (Idem: 24). Dado este cenário, o resultado prático no Brasil e em outras repúblicas sul-americanas do presidencialismo seria o despotismo e a ditadura. Avançando no argumento, incide sua lente crítica para a acomodação desse modelo externo ao cenário encontrado nos primeiros anos da República, notadamente marcado pelo militarismo. Cabe notar que os argumentos sobre o momento étnico do país, de “mestiçagem cultural” generalizada como apresentava na célebre introdução de sua História da Literatura (1888) reaparece aqui como alicerce para se pensar a necessidade de integração da demos ao modelo de representação ainda bastante mirrado que a Primeira República desenhou e que, para ele, sintetizava-se na adoção acrítica ao presidencialismo. Para o autor, o presidencialismo só poderia existir em uma sociedade que tivesse seu povo majoritariamente impingido dos alicerces cívicos para o exercício pleno da vida política na democracia e consequentemente livre do aspecto despótico que por ventura a doutrina poderia assumir. Na sociedade norte-americana, formada por “heróis de caráter” (Idem: 115), o presidencialismo poderia se realizar sem a faceta autoritária que encontrou em realidades sociais outras. A adequação ou não de formas políticas e formas de sociabilidade são mobilizadas aqui para provar o caráter nocivo que o presidencialismo apresentava no início da república e o tempo que essa experiência institucional teve no país era prova cabal de sua inadequação: se o regimen fosse viável no Brasil, passadas as primeiras dificuldades, iria sempre em ascensão gradativa para melhor ; o contrario, entretanto, é a verdade: o primeiro governo constitucional foi mal, o segundo é péssimo, e este, que já está com três ou quatro modificações, vai cie mal a peior... O systema bem cedo está conhecido neste paiz pelos seus fructos; em três anos expoz ás vistas de todos os seus vicios, as suas mazelas. (Idem: 119)

A forte coloração evolucionista não é novidade na escrita romeriana mas o argumento neste livro não aparece por acaso. Ele mantém estrita relação com a sua crítica ao presidencialismo. Não só quando fala de “índole” do povo brasileiro e “fatores étnicos” da formação social do país mas traz também a marca de Spencer em sua crítica sobre a

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questão da evolução das formas de organização política, que marca forte presença na narrativa do autor sobre a melhor forma de organização para o caso nacional e servem de embasamento para defesa do parlamentarismo e a consequente crítica ao presidencialismo: Os norte americanos são filhos de ingleses; e quem sabe dois dedos de política e de jurisprudência britannicas deve conhecer o proverbial aferro daquellas gentes ás suas instituições, o harmonioso conservadorismo de sua índole, singularmente apta a alli.tr o direito constituído com as necessidades dos tempos. Não temos a mesma virtude, a mesma superior plasticidade política. Não é tudo; o presidencialismo que, segundo Bryce, é apenas a prolação em ponto maior da fôrma governamental das colônias da Nova Inglaterra, tem raizes sérias naquela porção da America; o que não quer dizer que as tenha também no Brasil. Alli, fundamentalmente, não houve mutação. Não assim entre nós, que passamos de um pólo para outro, da unidade para a federação, e do systema parlamentar para o presidencialismo (Idem, p. 120)

Continuando no esforço comparativo como forma de reforçar seu argumento, Sílvio Romero utiliza a França como exemplo dos males trazidos pelo presidencialismo encarado de uma maneira especulativa e puramente “teórica”. Neste caso, associando presidencialismo e radicalismo jacobino, o autor salienta que o presidencialismo, ao contrário do que acreditavam os revolucionários franceses da Primeira República e os jacobinistas brasileiros, aliados a Floriano Peixoto, não é obra intelectual abstrata ou pode ser pensada e erigida como se a República, como forma política específica ao extremo, não dialogasse com concepções institucionais outras (Idem: 138). Utilizando a Constituição da Terceira República francesa como modelo de boa equalização das novidades institucionais e políticas oriundas da modernidade e sem esquecer as tradições históricas francesas, Sílvio Romero desenha a comparação das concepções republicanas presentes na Constituição da Terceira República com a escolhida em 1793: E' bem verdade que duas concepções da republica estão deante uma da outra. A republica de 1875 foi feita por homens práticos, que não eram republicanos de véspera, que viam apenas neste regimen uma fôrma de governo e a preferiam muito menos em virtude de raciocínios especulativos do que por simples e sagazes vistas de patriotismo, desejando dar instituições ao seu paiz e percebendo que as circumstancías não lhes davam logar á escolha. O que elles pretenderam fundar era uma republica policiada, não se afastando systematicamente das instituições dos outros paizes mais do que o

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estrictamente necessário, capaz de conservar com'brilho seu logar entre elles, um Estado entre os outros Estados da Europa, diferindo unicamente pela eliminação da realeza, e pela applicaçâo democrática do suffragio universal. Dahi esse regimen parlamentar que foi adaptado ao novo edifício politico, e que se lhe accommodou optimamente até hoje. Bem diversa é a concepção revolucionaria, e temo que a mór porção dos republicanos da véspera, dos republicanos de theoria estejam dominados por este ultimo modo de entender. (Idem: 137 – 138)

Localizando neste movimento a percepção de que o presidencialismo no Brasil, sob comando de Floriano Peixoto e seu grupo, apresentaria afinidades eletivas com a forma que os revolucionários franceses pensaram e organizaram a República na França, pode-se perceber em Romero a defesa de uma mudança sem muitos sobressaltos, sem rompimentos estruturais dramáticos e levando-se em conta o tempo específico dentro do seu metro naturalista. Um bom exemplo desse movimento também aparece em sua visão sobre o movimento operário no Brasil e a impossibilidade da realização do socialismo em terras brasileiras29. Na introdução a sua obra Doutrina contra Doutrina (1894), ao fazer um balanço dos grupos políticos existentes após a queda de Floriano Peixoto da presidência da república, destaca o absurdo da criação de um partido de cunho socialista no país pois segundo ele: as condições para a existência de um partido reivindicador dessa natureza são sempre e sempre por toda parte: paiz demasiado cheio de população, concentrada principalmente esta em grandes cidades industriaes e clima inclemente. Dahi a superabundância de braços; dahi os abusos do capital; dahi a hyper-produção e as crises; dahi a chômage, a miséria, a morte, muitas vezes. Dahi também, em larga escala, a tendência emigratória. Onde nada disto no Brasil? Temos terras demais e não temos população; em vez de emigrarmos, pedimos immigrantes; não temos indústrias grandes cidades populosas e manufatureiras; existe para nossa minguada lavoura escassez de braços; não temos capitaes acumulados, não temos sobras, não temos poupança. Justamente o inverso das pátrias natas do socialismo... [grifos do autor] (Idem: XXXII – XXXIII)

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Sílvio Romero se refere aqui a tentativa de criação do Partido Socialista Brasileiro ocorrida no I Congresso Socialista Brasileiro, em 1892. A fundação desse partido não logrou êxito nesse momento, mas é considerado por grande parte da literatura especializada como o embrião do que viria a ser a COB (Confederação Operária Brasileira), de influência do socialismo reformista e do anarcossindicalismo, fundada em 1906. Sobre o tema, cf. Badaró, 2002.

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O caráter arcaico do desenvolvimento histórico brasileiro aparece como entrave para o surgimento naquele momento do socialismo. Mas o autor não disfarça sua simpatia para com a experiência socialista e percebe que a vitória do quarto estado era condição inevitável e a defesa da democracia social uma necessidade, apesar de que nesta obra enfatiza que a situação das classes operárias, quase inexistentes, era bem melhor do que a da sua congênere europeia. A atenção ao estudo e crítica da exploração capitalista dos operários também é salientada (Ibidem: 90), chegando mesmo a flertar com o movimento socialista e a tecer elogios a obra de Marx, Engels e Wilhelm Liebtknecht30 (Idem: 85). A perspectiva evolucionista nesse caso, funcionando quase como um “pré-etapismo” que no futuro informaria algumas leituras marxistas sobre nossa formação social. Interessante notar que nesse movimento analítico, o crítico sergipano baseia toda essa crítica na questão de adequação de modelos exógenos, ou em outras palavras, em como o cotejo a influências estrangeiras no campo intelectual deve ser feito com atenção especial ao substrato social que se acomodará. Finalizando sua crítica comparativa, Sílvio Romero destaca esse aspecto, ao criticar o formalismo com que as ideias políticas são encaradas pelo governo republicano no Brasil: Destes brilhantes disparates do radicalismo fátuo e perigoso, que deitou a perder a primeira e a segunda republicas de França, é que a terceira procurou precaver-se. E é o que também nos incumbe fazer. O presidencialismo ha de vacillar sempre entre o despotismo dos presidentes trefegos e as revoltas perniciosas dos espíritos revolucionários. O parlamentarismo, com sua marcha moderada e suave, é a fôrma mais perfeita do conservatorismo progressista. (Idem: 139-140) [Grifos meus]

O receio de Sílvio Romero frente à mudanças bruscas e a qualquer sinal de interferência na harmonia social parecem ser a tônica do projeto republicano por ele defendido. O enfoque na questão da ordem, na defesa de uma inserção na modernidade via República sem sobressaltos e evitando a desintegração da unidade nacional parecem ser a tônica de suas críticas nesse momento. Tanto que no único momento que traça linhas elogiosas ao governo de Floriano é para defender as ações do presidente na repressão a revolta da Armada e a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul (Romero, 1895), em

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Fundador do Partido Social Democrata alemão e pai de Karl Liebknecht. O filho, mais famoso contemporaneamente, fundou junto a Rosa Luxemburgo a Liga espartaquista em 1916.

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um momento de intensas disputas e ainda num regime sem a estabilidade política que apresentará anos mais tarde. A opção pelo parlamentarismo aparece em sua crítica como meio de organizar um modelo que garanta tanto a manutenção da ordem sem a necessidade de expedientes centralizadores e repressivos do Estado (mesmo defendendo Floriano nos episódios da Armada e do Sul, Romero centra suas crítica aos primeiros governos militares por conta também desse aspecto autoritário) quanto a modernização cultural, social e política do país. Como nas críticas ao positivismo, o argumento evolucionista e o tratamento que Sílvio Romero adota frente a dinâmica intelectual do país caminham para um entendimento sui generis sobre o momento de mudança vivido pelo país e o “papel das ideias” nesse processo. Parece não bastar apenas a adoção das inovações intelectuais centrais mais sim realizar um processo de adequação desses repertórios ao ambiente social brasileiro e a um entendimento específico do modus operandi que o Brasil faria sua integração a civilização ocidental, garantidor de um processo de transição sem grandes rupturas. Integração nacional frente ao mando local das oligarquias, controle do Estado para com questões econômicas e sua relação com a federação são tópicos privilegiados na discussão política que Romero travou durante os anos iniciais da Primeira República. Agora, passo a uma análise de sua atuação parlamentar e tento estabelecer nexos entre discussões sobre emendas a recém-promulgada constituição e a forma específica com que o autor sergipano idealizou para a atuação estatal no país e suas relações com a sociedade civil.

2.3 – Crítica ao hiperfederalismo e a questão da interferência estatal

A crítica ao presidencialismo de corte federalista também perpassava por uma discussão sobre a simetria dos poderes entre os diversos Estados. Romero entendia que deveria prevalecer certa igualdade de representação entre entes da federação maiores e menores e que a lógica econômica não poderia hierarquizar os estados, privilegiando os com maior sucesso na empresa agroexportadora em detrimento dos mais fracos nessa dinâmica. A política dos governadores, visando sanear a economia que havia sido afetada

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pela crise do encilhamento31 - por meio da política tributária controlada pelos Estados, submetendo os municípios aos seus interesses e garantindo a não-intervenção da União nessa matéria - acabou por privilegiar os Estados com maior inserção na dinâmica exportadora oriunda da produção agrícola monocultora em detrimento dos Estados onde essa lógica era menor ou inexistente (Osorio Silva, 1996). Com isso, houve desequilíbrio entre o poder dos estados e podemos localizar as críticas de Romero desse período parlamentar inseridas nesse debate. Entretanto, para uma melhor inteligibilidade das críticas de Romero torna-se necessária uma análise mais detida do acúmulo político que, a meu ver, possibilitou a sua eleição a candidatura de 1900 para a câmara dos deputados. Antes, cabe mencionar que durante seu mandato, outra grande discussão se impôs na cena política institucional brasileira: a discussão sobre a implementação do Código Civil. A regulamentação da vida privada brasileira era uma demanda tida como urgente pela elite política do país desde o primeiro Império e tentativas de organização jurídica desse aspecto de nossa vida social lograram fracasso desde então. A partir de projeto elaborado por Clóvis Bevilacqua e sob extrema pressão pela sua rápida aprovação pelo Executivo32, durante os anos de 1900 e 1902 o projeto de código foi discutido em comissão parlamentar que teve Sílvio Romero como relator (cf. Santos, 2011) e extensos debates na câmara tentavam delinear o “projeto civilizatório” que a nova república assumiria. Em meados de 1902, o projeto é finalmente votado e aceito pela câmara dos deputados e segue para aprovação no Senado. O Código Civil, entretanto, permanece mais de quatorze anos bloqueado, principalmente pelos esforços de Rui Barbosa, em processo que entrou para a mitologia jurídica do país como tendo sido um embate bizantinista em torno da melhor correção gramatical do projeto e, por isso, só entraria em vigor em 1916. Para os objetivos do trabalho em curso, não torna-se útil (nem possível) uma imersão nessa questão, mas é importante ter claro os debates que mobilizavam os parlamentares do período, posto que nas intervenções no parlamento, Sílvio Romero tem as suas principais falas baseadas

A crise do “encilhamento” foi como ficou conhecida a política econômica adotada pelo primeiro governo republicano e que teve sua gestação no último gabinete do Império, elaborada pelo Visconde de Ouro Preto e Rui Barbosa e consistia numa política de concessão de créditos mais alargada, com a finalidade de estimular a industrialização do país. Durante os primeiros anos da república essa política econômica causou uma alta da inflação e a consequente desvalorização das ações, causando uma quebra em vários investidores. Sobre o tema, ver Dean, 1997 e Neto, 2008. 32 Para uma análise sobre os interesses de Campos Sales na aprovação do Código e a relação do fato com a necessidade de criar uma elite burocrática especializada que centralizasse as demandas do projeto do executivo, ver Santos, 2011. 31

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nessa grande questão posta pela elite da classe política do país: quais rumos deveria tomar a formação do povo via sistematização e organização da legislação sobre a vida comum nacional? Tentarei delinear nesses debates como, durante a exposição e discussão sobre os mais variados temas na tribuna, pode-se perceber a tentativa de defesa de um modelo legal que não recorresse a meios bruscos e não ignorasse os “fatores do meio social” brasileiro. Duas forças disputavam a cena política sergipana desde fins do Império até o início republicano: de um lado a capitaneada pelo Padre Olímpio Campos, antigo membro do Partido Conservador que aderiu a república quando instalada pelo golpe de 1889. Representante do pensamento católico, ingressou na política com o intuito de defender os interesses da Igreja frente a intensa campanha laicizante maximizada pelo novo regime; de outro, existiam forças mais afinadas com o republicanismo, em suas mais variadas matizes, incluindo Fausto Cardoso, Oliveira Valadão33 e Sílvio Romero (Prado, 2009). Olímpio Campos e seu grupo dominavam a cena política de Sergipe desde os tempos do Império e sua hegemonia se concretizou na eleição para o cargo de Presidente do Estado em 1894 e para a liderança da Assembleia Legislativa. Entretanto, Sílvio Romero e seus aliados não aceitaram o resultado das urnas, alegando fraude, e com o auxílio das forças militares de Floriano presentes no Estado por conta do processo eleitoral e da proximidade pessoal de Valadão e Floriano Peixoto, depuseram o, no momento, presidente do Estado, José Calasans, aliado político de Campos, impedindo assim a continuação do poder nas mãos do grupo. Alegando ser uma atitude estratégica visando unir os grupos republicanos sergipanos em torno do “perigo dos monarquistas” (Romero, 1969: 252), Sílvio Romero não escapou de críticas a sua aliança ao grupo florianista que tanto se opusera publicamente e do uso do expediente militar para lograr êxito em sua jornada. Em resposta a essas críticas, no prólogo à segunda edição de Doutrina contra Doutrina, escrito em 1895, Romero sintetiza suas motivações para sua adesão e liderança ao levante:

Foi só depois de uma reflexão madura sobre elas que decidimos entrar na liga política que levamos a efeito acolá. Foi só depois de pesar todos os motivos de ação que nos colocamos ao lado dos nossos amigos, a convite 33

Manuel Prisciliano de Oliveira Valadão, oficial militar do exército, foi presidente do Estado de Sergipe entre 1894 e 1896 e 1914 a 1918. Também foi senador da República nos períodos de 1904-1914 e 19191921.

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de nosso chefe Vicente Ribeiro. O caso era o seguinte: o Partido Republicano achava-se em Sergipe, devido a gravíssimos erros do primeiro governador dos tempos do Provisório, dividido em dois grupos e entrava a enfraquecer-se cada vez mais. Diante dele o velho grêmio retrogrado e monarquista, unido, coeso, crescera em forças, tomava conta de todas as posições e acabava estrondosamente de vencer as eleições gerais de 1º de março de 1894, nas quais entre outros republicanos, nós e nosso patrício Coronel Oliveira Valadão, que prestara bons serviços à causa da política da República, saímos derrotados. Vicente Ribeiro e outros amigos republicanos históricos, grêmio a que pertencíamos, tiveram a ideia de unir os dois grupos dissidentes do partido, no intuito de resistência ao inimigo comum. (Romero, 1969: 251)

Anos mais tarde, às vésperas das eleições de 1899, um rearranjo entre os grupos políticos em Sergipe garantiu o retorno de Olímpio Campos a presidência do Estado. Martinho Garcez, figura política proeminente do grupo de Valadão e ex-presidente de Sergipe (1896-1898), rompe com este último e compõe uma chapa conciliatória com o grupo de Campos, visando a estabilização política sergipana frente as incontáveis querelas que ocorreram no estado desde a proclamação da República. Esse acordo possibilitou a inclusão de dois nomes na chapa que concorreria e venceria as eleições para o mandato 1900-1902, a saber Fausto Cardoso e Sílvio Romero, dois antigos adversários políticos de Campos. Depois de duas tentativas sem sucesso, finalmente o crítico consegue ser eleito para seu primeiro e único mandato como deputado federal por Sergipe, apoiado pelo antigo “inimigo comum”, o grupo ligado aos católicos e antigos adeptos da monarquia. Em sua primeira e única experiência parlamentar como deputado federal por Sergipe, entre 1900 e 1902, teve pouca participação efetiva mas os poucos discursos e embates em que dedicou seus esforços podem demonstrar como as ideias que postulou anteriormente em suas obras foi mobilizada na ação “prática”. Em discurso datado em 23 de maio de 1900, Sílvio Romero apresenta e defende duas propostas de emendas à constituição de 1891: a limitação de concessões territoriais a estrangeiros pelos Estados e o direito deles manterem milícias próprias para a sua defesa (1904: 02,03). Ao discutir sobre o desequilíbrio de forças entre os entes federativos, foca a questão do direito da formação de exércitos estaduais e propõe um ajuste à constituição: É princípio elementar entre os publicistas que tratam dessa forma de governo, ser elle impossível entre partes de todo desiguaes, desarmônicas

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em grandeza, recursos, força e prestígio. Ora, desde os tempos da monarchia, e foi esta uma das causas de sua decadência até a crise final, tivemos a má divisão das províncias, dando como resultado ficarem as pequenas na sombra, esquecidas, annulladas, o que produziu a política insaciável das grandes e o desequlibrio geral. Já que não tivemos a habilidade de organizar o paiz por outra forma dividindo os grandes Estados, ou unificando os pequenos, e continuamos, n´este ponto a má política do Império; já que nem ao menos marcamos um máximo à representação dos Estados grandes, como se faz nos Estados Unidos, pois que ficamos no materialismo da representação pela brutalidade do algarismo da população, lancemos mão de algumas medidas, que encurtem o abysmo que separa os Estados; e o limite máximo marcado às forças armadas de cada um d´elles acha-se n´este caso[...] É dever da União garantir a unidade do paiz; e se a Constituição reservou à União o exército e a armada nacionais, implicitamente vedou aos Estados organizarem outros tantos exércitos e armadas. Mas, disse eu existirem defeitos em nossa organização política, que se referem à própria posição da União em face dos Estados. Estes é que não podem todos ser eliminados sem reforma constitucional. Taes são a pluralidade das justiças e do processo jurídico, a péssima distribuição das rendas entre uma e outros, a entrega do ensino primário privativamente aos Estados, etc, etc. “(idem: 03)

No trecho acima citado fica claro que o autor sergipano toca em pontos basilares da forma como o federalismo foi arregimentado no Brasil. Um consenso entre a literatura especializada sobre o período é que a forma federativa atendeu aos interesses de certas elites agrárias regionais na manutenção de seus interesses comerciais (Campelo de Souza, 1978; Cardoso, 2006; Lessa, 1999). A garantia da liberdade para gerir a vida jurídica dos seus Estados e a possibilidade de negociarem diretamente com seus centros compradores na Europa e nos Estados Unidos foi fator preponderante para o apoio e consolidação do hiperfederalismo, via Constituição de 1891. Obviamente que a importância dentro da federação que o estado de Sergipe gozava na dinâmica oligárquica pode ser um determinante importante nessa motivação de crítica ao modelo federativo, entretanto ao olharmos para sua mobilização argumentativa e intelectual, tanto desse momento quanto de fases anteriores de sua trajetória, a questão aparece entrelaçada com o receio de que as incertezas geradas pela mudança de regime no país pudessem dar lugar a radicalismos de diversas ordens e a tentação ao autoritarismo presentes nas tentativas do executivo nacional de solucionar os impasses de nossa formação cívica por medidas do alto para baixo.

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A tensão entre os pressupostos centrais do liberalismo e a necessidade de adaptação desse ideário ao terreno das “tradições populares” percebe-se tanto na tentativa de “domesticação” do federalismo como entendido pelos liberais no poder, naquele momento, como no trato das questões sobre o direito civil. Em sessão na câmara datada de 07 de abril de 1902, Sílvio Romero, na figura de relator do projeto que acabara de ser aprovado três dias antes pelos deputados, responde as diversas críticas feitas por Valentim Magalhães34 ao projeto de Clóvis Bevilacqua. Nesta defesa das normas estipuladas pelo novo código, o crítico sergipano salienta os “bons termos” em que a nova codificação foi construída: Tendo na devida conta as duas grandes forças que constituem os dous grandes motores de toda a evolução histórica – o indivíduo e a sociedade – a comissão nem se quis fazer o arauto do individualismo intratável, nem se quis mostrar socialista; procurou fugir dos extremos nas soluções dadas. Assim, na questão dos direitos autoraes, respeitou as prerrogativas do indivíduo, dando-lhes a propriedade de sua obra durante a vida e aos seus herdeiros por um prazo razoável, e atendeu aos interesses geraes, fazendo cessar a propriedade privada a pós o prazo estipulado. Igual tendência seguiu nas vexatoe questiones do divorcio e da liberdade de testar. Nesta respeitou a prerrogativa individual, dando a cada pessoa o direito de dispor discricionariamente de sua fazenda até metade d´ella se essa pessoa tem herdeiros necessários, e respeitou os interesses da sociedade, representados aqui nos interesses da família, dando a esta ultima o direito à herança na metade restante na fazenda succedenda (Romero, 1904: 127128; grifos do autor).

As críticas de Valentim Magalhães ao projeto de Código Civil foram publicadas no jornal O Paiz em colunas datas em 27 de março e 01 de abril de 1902. Nelas - além de críticas formais em que a escrita prolixa de Sílvio Romero é o alvo - o jornalista ataca o caráter conservador do projeto, que em sua opinião atentaria contra a influência liberal que propiciou a fundação da república no Brasil e uma constituição antenada a princípios modernos. Salientando o contraditório explícito entre as ideias defendidas pelo crítico sergipano e a forma com que o código se desenhou pela comissão, afirma: [...] confessa-se interdito, atemorizado, bambo no momento de aplicar os princípios mais essenciais do seu sistema filosófico, de tornar práticas as ideias mais caras ao seu espírito, que ele considera o substractum da evolução mental e as mais nobres e relevantes Antônio Valentim da Costa Magalhães (1859 – 1903) foi um jornalista e literato carioca, fundador da ABL conjuntamente com Sílvio Romero. 34

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conquistas da ciência. Legislador que na confecção de um código civil atende unicamente a satisfação da opinião nacional atual, não legisla para o futuro, não o prevê nem o prepara, submete-se a injunção da ignorância, servantismo rancheiro das massas e não legisla com o que ele aprendeu nem com o que ele tem por verdadeiro. Não é legislador, é padeiro de ruim farinha (O Paiz, 27 de março de 1902: 01)

A crítica de Magalhães ao suposto caráter conservador do código centra-se nas questão do divórcio, da liberdade de testar35 e dos direitos autorais e Sílvio Romero rebate os argumentos contrários ao modo como essas questões aparecem no código por meio de retórica muito parecida a que se apresentou na discussão sobre o presidencialismo: como efetivar um processo de modernização de instituições, leis e costumes sem adotar arroubos radicais que afetem e tragam desordem a cena brasileira. A perspectiva de manutenção da ordem era condição inseparável da proposta política de Sílvio Romero, perspectiva essa já demonstrada bem antes de sua atuação parlamentar. O trecho abaixo reproduzido pode clarificar sua ideia de adaptação via mestiçagem também no que tange a questão da conservação da ordem: Variemos a hypothese e figuremos o caso, não com os indios, até porque os que nos restam ou estão bem envolvidos e desfigurados em nossas populações do norte, conftindindo-se com ellas, ou vivem inteiramente selvagens e estranhos a nós nos últimos recessos do paiz, figuremos o caso com os negros. Supponhamos que, por um esforço ingentíssimo e miraculoso, elles se reunissem e tivessem força para tomar em tudo a dianteira e dictar a lei a todos os mais que ficássemos fora do privilegio da cór de cabiúna... Que aconteceria? Levantar-se-ia um formidável berreiro, que acabaria por armar a todos os brasileiros contra a onda negra. Seria o inevitável resultado. (1888, vol II, p. 867)

A integração, via branqueamento, dos negros aparece, então, como forma de evitar rebeliões dos negros, escravos ou libertos. Esse medo manifesto pelo crítico sergipano, muito comum na elite intelectual do século XIX brasileiro, assombrada com a ainda recente revolta de escravos de São Domingos e com as rebeliões ocorridas no próprio país (cf. Reis, 2003; Azevedo, 2015)36, tem como antídoto a integração dos elementos étnicos

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Em direito privado e de família, a ideia da liberdade de testar pressupõe que o indivíduo possa determinar livremente os seus herdeiros sem precisar necessariamente contemplar seus cônjuges e/ou prole em testamento. 36 Em Onda negra, medo branco (primeira edição publicada em 1987) Célia Maria Marinho de Azevedo analisa como as revoltas de escravos no Brasil - aliada ao impacto que a insurreição negra do Haiti (1790

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com fins a estabilidade política e a viabilidade nacional. Prosseguindo em seu argumento, Romero expõe seu projeto: Todos os nossos principaes typos têm sangue branco: são brancos puros ou desfigurados pelo sangue das outras raças; mas sempre têm sangue do branco em qualquer gráo. E' força convir, porem, que o futuro d'este paiz só pertencerá ao branco depois de haver elle assimilado os elementos das raças tropicaes a que se alliou n'esta terra, mistura indispensável para o habilitar a resistir plenamente ás agruras de nosso clima. Si houvera necessidade de fazer applicação rigorosa ao Brazil da theoria das raças, procurando uma que definitivamente nos represente, melhor que Portugal o nosso paiz offereceria ampla possibilidade para a empresa; porque não fora preciso levantar á altura de uma raça uma simples classe da população, como alli praticou um extravagante com os mosarabes. Entre nós o concurso de três raças inteiramente distinctas, em todo o rigor da expressão, deu-nos uma sub-raça, propriamente brazileira, o mestiço. O elemento mais progressivo tem sido o branco, que vae assimilando o que de necessário à vida lhe podem fornecer os outros dois factores. (Idem: 869)

A preocupação demonstrada por Sílvio Romero em razão da instabilidade política do novo regime e os perigos para a desestruturação social decorrente deste fato podem ser entendidas, conjuntamente com sua preocupação em defender as concessões do novo Código Civil à tradição, como um esforço inscrito em toda sua obra de buscar uma saída política e cultural para que garantisse homogeneidade e não abalasse o que de positivo se manteve do Império: a unidade política e territorial (Romero, 1888: 386). Sua defesa do caráter “científico” do código e da consequente proeminência do “método objetivo” para o direito, localizados por ele na tradição dos juristas da Escola de Recife, é realizada de forma a levar em conta o que havia de consolidado nas tradições do direito consuetudinário (Romero, 1904: 114). Sua perspectiva historicista e evolucionista, influenciada por Herbert Spencer, basearam toda essas concepções defendidas por Sílvio Romero, posto que advogava a modernização da esfera jurídica e a inclusão das novas concepções liberais ao direito aplicado no país. Entretanto, o crítico e jurista sergipano desconfia da obliteração das antigas concepções, rotinizadas por anos de colonização e – 1804) ainda provocava nas elites brasileiras - conformou uma preocupação nesses setores para a questão da incorporação dos negros a vida brasileira. Em análise pioneira a autora tenta romper com a visão consolidada pela “Escola Paulista” que considerava que a condição da escravidão acabou por anular as possibilidades de agência e de contestação dos cativos e como essas mesmas movimentações despertaram nas classes dirigentes a necessidade urgente de manter a ordem legal, via aparelho repressivo, evitando a sublevação desses setores. Sobre o tema da repressão como contenção das populações escravizadas também ver Matoso, 1988.

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ordenações reais, em favor das concepções cientificas sobre o direito. Para o autor, o Direito, como todas as outras criações humanas, são entendidas de forma em que as esferas sociais estão ligadas, agem umas sobre as outras (Idem: 262). Logo, apesar de não terem confundidas suas funções, elas são entendidas como que integradas e a percepção da importância do embasamento das formulações nas “raízes populares” faz com que Romero não advogue a suplantação dos costumes via legislação. Esse esforço de adaptar as inovações doutrinárias dos países centrais, via evolucionismo, marca o esforço interpretativo do autor e no próximo capítulo perseguirei algumas consequências dessa noção de adaptabilidade.

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CAPÍTULO 3 – MESTIÇAGEM CONCEITUAL “Nunca apreciamos a arte pela arte ou a sciencia pela sciencia, e não somos devotos da historia pela historia. É preciso que de tudo isso saia um princípio, um elemento de enthusiasmo e de lucta.” Sílvio Romero, História da Literatura Brasileira

A questão da adequação (e da inadequação) de modelos intelectuais e políticos europeus à realidade brasileira é um tema consolidado e recorrente nos estudos de pensamento político-social no país desde o século XIX. Mais que um tema de pesquisa, porém, o problema também se tornou um traço característico das próprias análises dentro da sub-área de conhecimento (Schwarz, 1999). A questão principal perseguida neste capítulo é de que esse topos presente tanto nas “fontes primárias” quanto nas análises posteriores consolidou uma percepção sobre o nosso passado intelectual que, mesmo considerando seus inegáveis ganhos heurísticos, acabou por engessar a forma como compreendemos a produção intelectual dos ensaístas. Neste terceiro e último capítulo pretendo demonstrar como a ideia de adaptabilidade e mestiçagem, que é primeiro exposta por Sílvio Romero para uma proposta de crítica literária objetiva, também conforma as análises políticas do autor sergipano. Um lugar comum, e nem por isso errôneo, das interpretações sobre Romero (cf. Candido, 2006; Mota, 2000; Schneider; 2005) se baseia na ideia de que sua crítica literária seria pensada de forma ampla, abrangendo todas as manifestações culturais da nação, incluindo as manifestações populares. O esforço que me detenho a seguir é de demonstrar como a metodologia aplicada para o estudo da cultura também conforma seus prognósticos político-sociais sobre o país.

3.1 – Meios e fins, logos e práxis

Construindo ensaios com resultados distintos mas complementares, Wanderley Guilherme dos Santos em Praxis Liberal no Brasil – Propostas para reflexão e pesquisa

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(1978) e Bolívar Lamounier com seu Formação do Pensamento Político Autoritário na Primeira República (2006) produziram análises paradigmáticas para a fortuna crítica sobre o tema e, para negar ou reforçar esses mesmos argumentos, o pesquisador ou pesquisadora se vê obrigado a se deter em suas explicações. Nestes estudos, os autores tentam reconstruir o passado do pensamento sobre a política no país partindo de um pressuposto, como indica Ricupero (2011), que se altera apenas na polaridade das premissas: a separação entre Estado e sociedade. Consequentemente, suas críticas a tese antagonista do outro seriam corretas, apesar dos seus diagnósticos sobre o passado brasileiro estarem equivocadas37. Não tenho como pretensão esgotar as possibilidades interpretativas dos dois textos clássicos, mas para os fins perseguidos pela dissertação em tela, torna-se conveniente uma mirada mais profunda em alguns aspectos das explanações dos dois cientistas políticos. Mesmo que esses estudos tenham recuperado a validade de se encarar às obras dos ensaístas pré-1930 como fontes preciosas para a imaginação sociológica contemporânea, acredito que alguns resquícios sobre o processo de construção intelectual dos autores da chamada “geração de 1870” precisam ser relidos de uma outra maneira. Agrupados pelos intérpretes arbitrariamente sob o rótulo de “naturalistas”, “evolucionistas” ou congêneres, compreenderam o uso de determinadas teorias com a finalidade de gerar inteligibilidade sobre a sociedade como exercício puramente mimético (como trabalhei, em parte, no primeiro capítulo dessa dissertação) ou pelo viés da instrumentalização política imediata, dada pelos humores da conjuntura do período. Esse movimento gerou como resultado a obliteração das inovações teóricas trazidas por esses polígrafos do final do século XIX, não permitindo ver em seus constructos teóricos questões incorporadas posteriormente pela geração de Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, entre outros.

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Em Existe um pensamento político brasileiro ou As ideias e seu lugar Bernardo Ricupero define assim sua crítica: “Assim, o `fetichismo institucional` dos liberais do Império, discutido por Santos, realmente quer fazer crer que não existe maior problema em adotar instituições norte-americanas e europeias num ambiente social bastante diferente do original. Já a atitude conservadora, analisada por Lamounier, sugere que haveria apenas uma forma – a correta, a deles – de apreender a realidade. Isto é, junto com o dedutivismo jurídico dos liberais convive o objetivismo pretensamente realista dos conservadores. No mesmo sentido, o `autoritarismo instrumental` de Wanderley Guilherme dos Santos, incorpora a `autoimagem do pensamento conservador`, e a `ideologia de Estado`, de Bolívar Lamounier, não existe pelo simples motivo de que não existe ideologia política sem referência ao Estado” (2011: 39). Essa postura complementar entre as duas posições, segundo Ricupero, deriva do fato que tanto conservadores quanto liberais adiavam ao máximo o enfrentamento com a questão da escravidão (Idem: 40)

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Para Santos (1978), a tradição conservadora conseguiu perceber a problemática do projeto institucional liberal que estava sendo promovido na cena política brasileira desde o Império. Essa problemática, presente na tentativa de importação formal de modelos jurídicos e de formação estatal que, sozinhos, a importação de modelos institucionais exógenos não poderiam alterar a realidade amorfa e fragmentária que a sociedade brasileira se encontrava, herança do modelo de colonização português. Desde José Bonifácio, passando pelo Visconde do Uruguai e desembocando na leitura mais acabada desse nó górgio do processo de formação estatal no país que seria feita por Francisco José Oliveira Vianna a partir da década de 1920, o conservadorismo brasileiro serviu para Wanderley Guilherme dos Santos como subsídio empírico para a construção de seu conceito de “autoritarismo instrumental”. O conceito descreveria a instrumentalização da autoridade estatal e sua consequente centralidade na definição de rumos para o país como uma ferramenta transitória para alcançar, aí sim, uma sociedade liberal como nos países centrais, funcionando quase como um identificador do “realismo” político brasileiro desde sua gênese e acompanhando seus momentos de evolução. Bolívar Lamounier, por outro lado, critica esse movimento de, segundo ele, assumir como dado inconteste na análise a própria narrativa dos atores políticos do autoritarismo brasileiro. Ao contrário, chama a atenção para o processo de consolidação do que denomina de “ideologia de Estado” nesses movimentos interpretativos dos críticos da Primeira República. Esse conceito de Lamounier tenta demarcar a formação de um pensamento normativo sobre o papel do Estado como tutor e molde da sociedade, ideia essa presente nas prescrições intelectuais desde a Independência (2006: 386). Por um lado, se na tese de Wanderley Guilherme dos Santos meios e fins estariam bem demarcados pela destreza dos intelectuais conservadores de enxergarem que precisariam moldar o repertório político corrente para se atingir a modernidade política ocidental, na interpretação de Lamounier a distinção de meios e fins não é preconizada em sua análise, posto que a defesa da construção do Estado Nacional como um “Leviatã benevolente” surge como pressuposto essencial da formulação dos intelectuais do período, alinhado a uma série de pressupostos que negariam os ditames clássicos do liberalismo, como o individualismo e a autossuficiência organizativa da sociedade civil, além das prerrogativas contrárias às determinações do mercado (Ibidem). As diferenças são bem nítidas nas interpretações dos dois cientistas políticos mas para os objetivos

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perseguidos no trabalho em tela focarei no ponto da distinção presente nas duas teses entre enunciados teóricos e práxis política. Para Bolívar Lamounier, a recepção do que chama de “ideologia protofacista europeia” (2006: 388) no Brasil não foi imitativa nem muito menos acrítica. Ao contrário, atendia a uma necessidade específica dos state makers desde o tempo da Independência de centralização política com vistas à manutenção da unidade territorial e o bloqueio de revoltas sediciosas e/ou populares (Ibidem). Ao salientar sua recepção em terras brasileiras, afirma: A formação da ideologia de Estado no caso brasileiro é inseparável da assimilação pelas elites intelectuais do país de um conjunto de ideias sociológicas que se convencionou chamar de protofascistas, ou seja, daquelas correntes que, embora exercendo inequívoca influência na formação do fascismo como doutrina e como movimento político, são muito anteriores a ele, achando-se plenamente configuradas antes de 1910. Desde as últimas décadas do século XIX, é patente a influência das correntes protofascistas no Brasil. Por essa razão, um esclarecimento adequado da visão ideológica que começou a forma-se não pode deter-se na mera constatação da presença do vocabulário protofascista, como tem sido feito, pois do que se necessita é um esforço no sentido de determinar como se deu a assimilação (Idem: 389) [Grifos do autor]

Embora seja um considerável avanço o resgate do “pensamento autoritário” para além do formalismo, o sentido que Lamounier imprime aos esforços dos autores parece ser feito numa leitura teleológica e retrospectiva, que considera o sentido que esse acúmulo intelectual tomou já na sustentação ideológica e prática do golpe de 1930 e na consolidação do Estado Novo e o transforma no nexo dos usos que as teorias organicistas tomaram pelos autores. Ao contrário do que parece sustentar o autor de Formação de um pensamento político brasileiro, o repertório “orgânico-corporativo” assumiu diferentes formas e sentidos entre seus portadores tanto no fim do Império quanto na Primeira República. Logo, os fins últimos de toda a reflexão sobre estado e sociedade presente em Alberto Torres, Oliveira Vianna e nos naturalistas, inclusive em Sílvio Romero, parecem ter sido feitos única e exclusivamente no intuito de criar uma ideia aceitável, na disputa política da Primeira República, de um Estado tutelar. A afirmação de Lamounier de que a recepção desse repertório “protofascista” feita pelos intelectuais brasileiros acentuou positivamente os caracteres conservadores da doutrina, com o intuito de obliterar as

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noções de mercado e individualismo por outras de cunho tutelar e comunitarista (Idem: 390) parece ser guiada pela conformação de toda essa experiência num tour de force vinculado à criação do Estado centralista no primeiro governo de Getúlio Vargas. Wanderley Guilherme dos Santos constrói seu binômio conceitual já clássico – “liberalismo doutrinário” e “autoritarismo instrumental” – dando ênfase, como mencionado anteriormente, a adaptação do liberalismo mediante a conjuntura sui generis brasileira em relação à Europa e para tal busca nexos em autores desde os primeiros anos após o fim da colonização portuguesa no Brasil. Entretanto, demonstra que, a partir da década de 1870, uma voga evolucionista substitui o ecletismo que reinava absoluto como subsídio às elites brasileiras desde início do Império (Santos, 1978: 30). Esse evolucionismo, na abordagem de Santos, faz crer que todas as doutrinas científicas que pregassem uma objetividade na análise social e que fossem herdeiras, em maior ou menor grau, das filosofias mecanicistas da segunda metade do século XIX na Europa acarretariam em interpretações com o mesmo sentido. Entretanto, ao demarcar dessa maneira ampla o pensamento vinculado à geração de 1870, acaba por obliterar nuances do cenário intelectual no país que não são ignoráveis. Em primeiro lugar, Santos relaciona a crença na evolução, cara tanto as teorias de Augusto Comte e Herbert Spencer, como fator determinante na mudança de abordagem sobre a questão da representação política nesses autores/atores. Para o cientista político, as abordagens desse tipo traziam vantagens em relação às anteriores ao perceberem a inevitabilidade da mudança na organização social no país e em suas instituições. Ao apresentarem um método objetivo para a interpretação do passado, a análise do presente e o prognóstico do futuro (todas essas esferas entrelaçadas entre si) o evolucionismo brasileiro, que Santos nomeia indiscriminadamente como “positivismo”, acarretaria na necessidade de modernização da economia, voltada à industrialização, que ocorresse via certo tipo de “despotismo iluminado” (1978: 89) e afirma que: O argumento a favor do desenvolvimento econômico, e contra a escravidão, foi assim acoplado a um argumento contra o liberalismo político, em virtude do caráter científico que qualquer decisão política deve e pode revelar (Idem: 89)

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Em comum nos dois autores percebe-se o enquadramento limitador das contribuições do naturalismo brasileiro ao acúmulo que informaria os debates que seriam desenvolvidos nos anos finais da Primeira República. Mesmo trazendo a importância dos autores pré-institucionalização das ciências sociais no país como fonte de análise e inspiração para construção de conceitos e objetos, parece-me que certa visão sobre a geração de 1870, como pensamento desconexo e totalmente voltado à prática política e, portanto, carente de contribuições para além da análise conjuntural, permanece. Se em Lamounier a análise parece refém do clímax que o “pensamento autoritário” encabeçou no país – o Estado Novo – Santos ao tentar defender a ideia de que o ensaísmo inaugurado por Oliveira Vianna e congêneres na década de 1920 tenha sido pioneiro na sistematização satisfatória de uma crítica ao liberalismo no país, parece alocar todo o “objetivismo realista” dos conservadores como uma grande inovação intelectual. Segundo Santos, a “linha evolutiva” que o pensamento brasileiro seguiu para superar o ecletismo foi diferente da Europa, que seguiu o liberalismo heterodoxo de Stuart Mill. Assim, concepções mais atentas a necessidade de correção dos déficits em termos de representação popular e proteção dos direitos da minoria foram obliteradas pela adoção do positivismo, doutrina essa que pregava uma saída “intelectualista, autoritária e elitista” (Idem: 88-89). No segundo capítulo desta dissertação procurei demonstrar como mediante aos debates abertos em torno da primeira constituição republicana - a obra de Herbert Spencer foi mobilizada de forma original por Sílvio Romero para pensar para além da forma em que serviu ao liberalismo inglês – o que escapa deste enquadramento de Santos e também foge à concepção de Lamounier sobre as “teorias organicistas”. Além disso, o crítico sergipano, como também discuto no capítulo anterior, utiliza a obra do filósofo inglês para embasar sua análise historicista com vistas a legitimar o parlamentarismo como saída para uma representação mais igualitária do poder político. Acredito, concordando com Lessa (2011)38, que as ferramentas metodológicas na construção de seus objetos, ferramentas essas compartilhadas tanto Bolívar Lamounier quanto Wanderley Guilherme dos Santos, são debitarias do movimento de ambos autores

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O artigo de Renato Lessa foca principalmente na produção da Ciência Política brasileira a partir da década de 1970, quando a geração que Lamounier e Santos fazem parte realizou seus doutoramentos nos Estados Unidos, o que justificaria ainda mais a influência da virada behaviorista nas pesquisas desses autores. Entretanto, acredito que sua crítica possa ser alargada para os trabalhos anteriores ao recorte feito nesse artigo, como mobilizo no trabalho em tela.

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buscarem no passado intelectual brasileiro uma construção que trouxesse o político como categoria relativamente autônoma para as proposições normativas que ensejavam nos momentos de suas respectivas criações. Tal fato deve-se ao que Renato Lessa, tomando como parâmetro o conceito de Embedness de Karl Polanyi (2000)39, identifica na necessidade de diferenciação e autonomização da Ciência Política no Brasil em relação às demais disciplinas das humanidades. Para Lessa Os assim chamados fatores estritamente políticos apareceriam – ou teriam sido constituídos, para utilizar terminologia filosoficamente menos ingênua – de modo não encerrado ou embebido em narrativas de outras ordens, que os vinculariam a dinâmicas não estritamente políticas. No que toca à reflexão brasileira, a visibilidade e a relevância descontaminadas de temas de natureza política teria sido marcante, desde seus primórdios. O efeito diacrônico presente nesse juízo, no entanto, é menos uma homenagem à tradição do que um recurso a ela dirigido para sustentar um argumento a respeito de como devem ser o presente e o futuro do campo que se está a afirmar: um campo que não fará concessões ao “historicismo”, ao “culturalismo” e ao “sociologismo”. (Lessa, 2011: 26)

Esse movimento de recusa a padrões de Embedness e no movimento correlato de delimitação do objeto da ciência política a um campo cada vez mais restrito, segundo Lessa, também deve-se a virada behaviorista das ciências sociais americanas a partir da década de 1960 (Idem: 38-40), que buscava uma objetividade que eliminasse o caráter normativo das pesquisas sobre a política. A tentativa de enquadramento do pensamento político-social brasileiro a uma ciência política nascente pelos dois autores, além dos fatores acima descritos, também acarretou na obliteração das tensões na constituição dos objetos analíticos (e dos prognósticos correlatos) pelos intelectuais brasileiros estudados por eles. Como demonstrou Antonio Brasil Jr (2007) em trabalho sobre o percurso nãolinear das concepções que visavam solucionar o problema do caráter deficitário da ação coletiva no Brasil na obra de Oliveira Vianna, as formulações que tomariam forma em Populações Meridionais do Brasil e encontrariam pleno desenvolvimento, já numa crítica 39

Em A Grande Transformação (2000), Polanyi demonstra como, mediante o surgimento de uma economia de mercado na Europa, o processo de autonomização da esfera econômica surge em prejuízo da percepção do fenômeno econômico em relação às relações sociais. Nas palavras do autor: “Em vez de a economia estar incrustada nas relações sociais, são as relações sociais que estão incrustadas no sistema económico. A importância vital do fator económico para a existência da sociedade antecede qualquer outro resultado. Desta vez, o sistema económico é organizado em instituições separadas, baseado em motivos específicos e concedendo um status especial. A sociedade tem que ser modelada de maneira tal a permitir que o sistema funcione de acordo com as suas próprias leis. Este é o significado da afirmação familiar de que uma economia de mercado só pode funcionar numa sociedade de mercado. (2000: 77, grifos nossos)

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contundente a recepção do ideário liberal no Brasil, em O idealismo da Constituição não se construiriam de forma homogênea, mas em constante tensão. Essa tensão entre as matrizes anglo-saxã e a percepção da indispensabilidade do centralismo estatal, apreendido via Alberto Torres, é sintetizada assim por Brasil Jr:

O que ocorre é que a forma teleológica com que Oliveira Vianna apresenta a passagem de uma situação de insolidariedade para a consolidação de um Estado autoritário – isto é, a apresentação do prognóstico anti-democrático como uma etapa necessária para a reorganização do país – torna pouco visível a existência de outras possibilidades institucionais sugeridas pelo próprio Autor. Neste sentido, uma melhor compreensão destes desníveis de PMB-I talvez não seja oferecida pela terminologia "autoritarismo instrumental"91 – na medida em que este conceito poderia terminar por aparar as arestas e eliminar as ambigüidades do pensamento de Oliveira Vianna – mas propor que a formação intelectual do Autor, caracterizada tanto pelo elogio da experiência anglo-saxã quanto pela adesão ao centralismo estatal de Alberto Torres, esteve marcada por referenciais divergentes e tensionamentos internos incontornáveis (Brasil Jr., 2007: 122, 123)

O “enigma”40 do suposto paradoxo entre as observações “realistas” de Oliveira Vianna frente as suas expectativas do “dever ser” da nação brasileira (Werneck Vianna: 1993), portanto, não devem ser pulverizados na tentativa de enquadrá-los em determinado modelo analítico, mas sim levados em conta como parte importante do processo de construção intelectual do autor41. Entendido o tensionamento como pista analítica da relação entre obra e “matéria social” a ser escrutinada pelo pesquisador, pode se enriquecer a análise, ao não descolar do movimento “real” da sociedade as próprias construções intelectuais que versam sobre ela. Sobre a distinção entre concepções “realistas” e “formalistas” presentes nas análises sobre as linhagens conservadora e liberal no Brasil, Gabriela Nunes Ferreira (1999) - em estudo sobre o debate entre centralização e descentralização travado entre Tavares Bastos e Visconde do Uruguai - afirma que a distinção entre “meios” e “fins” na análise dos projetos políticos dos autores perde de vista o fato de que os próprios meios,

Também sobre o suposto paradoxo entre os repertórios “ibérico” e “anglo-saxão na obra de Oliveira Vianna, ver José Murilo de Carvalho, 1993;2004. 41 André Bittencourt em trabalho sobre o processo de construção de Populações Meridionais do Brasil também salienta a tensão das perspectivas “ibéricas” e “anglo-saxônicas” desde as fases iniciais de sua trajetória até o momento de lançamento de sua grande obra, indicando que a adesão do jurista fluminense a uma perspectiva que negava os valores individualistas não foi fenômeno de juventude, mas marcou de forma não ignorável o processo de constituição de sua obra magna. Cf Bittencourt, 2011. 40

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ou seja, a forma defendida por cada autor para que seu projeto nacional tivesse êxito, não podem ser entendidos como “neutros”, como se não tivessem embutidos em si toda uma série de concepções acerca das contradições a se enfrentar para elevar o país ao estatuto moderno. Em outras palavras, estratégias para a constituição do Estado não se desvencilhavam de concepções primeiras sobre a própria sociedade e os dilemas a serem enfrentados, tais como a escravidão e a necessidade de manutenção da unidade nacional, portanto configurariam projetos civilizatórios distintos (Ferreira, 1999: 171). Visto isso, não quero afirmar que a intepretação do naturalismo enquanto fornecedor de repertórios para se pensar a política tenha sido nublada apenas por esse movimento dos dois autores acima discutidos. Mas, suas interpretações geraram, de certa forma, parâmetros informadores das pesquisas subsequentes que não se limitam a área de Ciência Política, obviamente. Entretanto, a separação analítica de interpretações e prescrições nas análises sobre os membros da geração de 1870 parece ter tido fôlego para além do que foi demonstrado até aqui. 3.2 – Sílvio Romero, Herbert Spencer e a geração de 1870

Sílvio Romero foi um dos mais célebres membros do que se convencionou chamar de “geração de 1870”. Se por um lado estudos relacionam a mobilização feita por autores dessa geração como resultado de transplantações miméticas e pouco originais, onde a cópia revelaria a posição subalterna da intelectualidade brasileira mediante a voga internacional de doutrinas alheias à nossa realidade (Sodré, 1984, 1969; Leite, 1969; Skidmore, 1976), outros estudos posteriores procuraram enfatizar a relação das ideias com o uso prático e político em que elas eram “instrumentalizadas”. Essas interpretações avançaram, ao criticarem a questão da aclimatação de determinados referenciais como cópia ou tomando a forma como essas teorias se desenvolveram na Europa como parâmetro último de julgamento de produtos intelectuais produzidos na periferia da modernidade ocidental. Com isso, a forma como os adeptos das vogas científicas ligadas a Comte, Spencer e Darwin, entre outros, tiveram seu movimento de incorporação intelectual ligados necessariamente à dinâmica de crise do Império. A ascensão das camadas médias urbanas e os dilemas decorrentes da mudança do regime de trabalho, da mão de obra cativa para a livre e assalariada, surgiam como os principais elementos

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desestabilizadores desse momento de mudança no país. As novas ideias europeias agiriam, então, como subsídio para a intervenção no debate público e/ou como instrumento de manutenção ou rearranjo das estratificações típicas da sociedade brasileira nos tempos do Império. Questões como a formação da “identidade nacional”, estigmatização e controle dos recém-libertos ou a modernização do país sob a luz dos ditames mais avançados em termos de política e instituições parecem ter plasmado grande parte da reflexão intelectual e crítica sobre o período, tornando as produções desses intelectuais fatalmente datadas e com um valor meramente antiquário para os estudos contemporâneos. Em seu livro Contribuição à História das Ideias no Brasil, Cruz Costa argumenta que a ascensão do bacharel como extração social nova42gerou uma nova conformação do status social dessas camadas oriundas das famílias latifundiárias e que tiveram sua formação nas Universidades europeias e nas novas universidades criadas pelo Império. Esse novo grupo surgiu como algo correlato a uma “nova nobreza” onde O espencerismo que apresentava a mais vasta teoria do progresso, que afirma a “lei da diferenciação progressiva, corresponderia perfeitamente aos desejos desses novos-nobres...A noção de aperfeiçoamento indefinido do indivíduo, que a filosofia evolucionista encerra, condizia com os interesses dessa nova classe de bacharéis e doutores e libertava-os, ao mesmo tempo, das crenças teológicas sem os obrigar a aderir a religião da Humanidade. A elite burguesa brasileira encontraria no evolucionismo uma síntese filosófica que justificava a sua atitude política, social e até religiosa, pois que, como diz Engels, o próprio agnosticismo era uma maneira de aceitar ocultamente o materialismo e renega-lo publicamente (Cruz Costa, 1967: 281; grifos do autor).

Tratando de forma geral, sem atenção às variações internas dentro dessa tradição, fica clara a relação direta estabelecida entre experiência social e o uso, sempre utilitarista, com que as ideias cientificistas teriam sido apropriadas no Brasil. Richard Graham, em chave semelhante, mas destacando a especificidade das mobilizações de Spencer mediante as de Augusto Comte, tenta encontrar demarcações mais finas e específicas para

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A percepção da via bacharelesca como nova forma de mobilidade social no dezenove brasileiro que Cruz Costa lança mão foi primeiro formalizada por Gilberto Freyre, no famoso capítulo sobre a ascenção do bacharel e do mulato, presente em Sobrados e Mucambos (1981). Nele, afirma que a formação de uma nova elite intelectual nas universidades europeias e nas nascentes universidades brasileiras significou uma progressiva substituição dos antigos quadros administrativos do Império e também a constituição de uma nova camada social ciosa de impor seus valores mediante ao antigo ordenamento social brasileiro. Esse quadro também permitiu aos mulatos, filhos bastardos de grandes senhores brancos, uma possibilidade de isonomia frente aos seus pares não-mestiços, desde que, convém mencionar, possuíssem “mão pequena, o pé bonito, às vezes os lábios ou o nariz, dos pais fidalgos.” (FREYRE, 1981: 574)

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esse processo de recepção. Em obra sobre a influência, econômica e “ideológica” da GrãBretanha sobre a modernização brasileira, o historiador norte-americano estabelece essa primeira diferenciação: Sua popularidade foi geralmente provocada pela relutância brasileira em aceitar o rígido e antiliberal sistema político proposto por Comte. A importância que Spencer atribuía à cooperação voluntária constituía uma alternativa alvissareira em face das autoritárias características da filosofia positivista (Graham, 1973: 244)

Prosseguindo no argumento, o autor indica que os republicanos de 1889, segundo a declaração de um dos seus partidários, Francisco Rangel Pestana, eram em sua maioria adeptos do “liberalismo democrático, do federalismo americano e do spencerianismo” (Ibidem), indicando uma suposta coerência e correlação entre as diferentes orientações. Prosseguindo, utiliza Oliveira Vianna para relacionar outra das causas que suspostamente teriam determinado o sucesso do filósofo inglês entre as classes médias urbanas ascendentes naquele período: o interesse de Spencer pelas estradas de ferro. (Idem: 248). O historiador norte-americano constrói sua exposição da recepção de Spencer com vistas ao intuito mais geral de seu trabalho, que seria o de demonstração da influência britânica sobre o país e para isso concede pouca atenção às diferenças de mobilização de Herbert Spencer, priorizando uma exposição mais panorâmica dos autores que fizeram essa mediação entre evolucionismo e realidade brasileira, mas sempre no sentido de relacionar progresso, evolução, liberalismo e spencerianismo. Sintoma significativo de tal fato é a alocação no mesmo quadro argumentativo de Joaquim Murtinho, Ministro da Fazenda de Campos Sales e idealizador do Funding Loan, e Sílvio Romero, sem expor diferenças nos “usos” que cada um faria de Spencer, apesar do primeiro ganhar bem mais espaço na estrutura narrativa de seu trabalho do que Romero, motivado talvez pela coincidência entre as ideias do ex-ministro e a linha argumentativa que pretendeu construir. Nessa linha e tendo Joaquim Murtinho como “leitor de Spencer” mais proeminente na esfera política nacional, afirma que: É verdade inconteste que Murtinho favorecia muito mais a agricultura que a indústria. Achava que somente as indústrias “naturais” deveriam ser encorajadas e, como Spencer, era fervoroso adepto do livre-comércio. Defendia ardorosamente a redução da taxa de exportações do café, procurando proteger, como era natural, os interesses dos riquíssimos fazendeiros de café partidários de Campos Sales, por cuja mão fora elevado a ministro. Mas é importante citar-se que não procurou de forma alguma

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proteger os agora decadentes fazendeiros das antigas e prósperas áreas cafeeiras de antes de 1889, que praticamente haviam governado o Brasil até àquela época.[...] “O Estado”, dizia ele, “não pode e nem deve proteger a indivíduos ou classes mas sim aos direitos de cada um” (Idem: 256)

Em estudo pioneiro e influente sobre o pensamento raciológico da segunda metade do século XIX, Renato Ortiz em seu Cultura Brasileira & Identidade Nacional oferece uma saída que tenta compreender a recepção das ideias evolucionistas como tendo sido adaptadas frente ao “atraso” da conjuntura brasileira frente à europeia por meio dos parâmetros de raça e meio (2012: 15). Se, segundo Ortiz, para o caso europeu os conceitos de raça e meio não seriam tão úteis aos seus intelectuais, no Brasil assumiria função primordial nos constructos ideológicos, como expõe no trecho a seguir: O evolucionismo se combina, assim, a dois conceitos chave que na verdade têm ressonância limitada para os intelectuais europeus. No entanto, são fatores importantes para os intelectuais brasileiros, na medida em que exprimem o que há de específico em nossa sociedade. Quando se afirma que o Brasil não pode ser mais uma “cópia” da metrópole, está subentendido que a particularidade nacional se revela através do meio e da raça. Ser brasileiro significa viver em um país geograficamente diferente da Europa, povoado por uma raça distinta da europeia. (Idem: 16, 17)

Com isso, a questão étnica conjuga-se a necessidade de formação de uma identidade própria brasileira e se torna essencial para a adaptabilidade das vogas cientificistas dentro de uma construção que nos diferenciasse simbolicamente da Europa, ao mesmo tempo que nos incluísse no concerto das nações civilizadas. Em O espetáculo das raças (2010), Lilia Schwartz apresenta uma explicação sobre a forma com que a mestiçagem conformou a aclimatação das variadas vertentes do “darwinismo social” no país. Segundo a autora, os aspectos raciais dessas doutrinas foram obliterados e a questão da mestiçagem e a necessidade de manutenção de determinadas hierarquias sociais que eram ameaçadas pelas mudanças decorrentes do pós-Abolição e da queda do Império proporcionaram a originalidade da recepção crítica e ativa desses referenciais (Idem: 17,18). O paradoxo do contraste entre ideias raciais contrárias à miscigenação e a realidade social do país funcionou como prisma de adaptação dessas diversas teorias: Do darwinismo social adotou-se o suposto da diferença entre as raças e sua natural hierarquia, sem que se problematizassem as implicações negativas da miscigenação. Das máximas do evolucionismo social sublinhou-se a noção de que as raças humanas não permaneciam estacionadas, mas em

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constante evolução e “aperfeiçoamento”, obliterando-se a ideia de que a humanidade era uma. Buscavam-se, portanto, em teorias formalmente excludentes, usos e decorrências inusitados e paralelos, transformando modelos de difícil aceitação local em teorias de sucesso. (Idem: 18)

O argumento utilizado para dar inteligibilidade, em O espetáculo das raças, a essa suposta forma difusa com que os diversos cientificismos foram apropriado pela intelectualidade brasileira avança em relação aos diagnósticos anteriores, pois considera que os diversos naturalismos poderiam apresentar dimensões diversas tendo o cotejo com a realidade e não um “desvio” de leitura dos intelectuais brasileiros como definidor da nova funcionalidade desses repertórios. Nessa linha argumentativa, é possível considerar, ao lado da questão racial, também outras questões, como as miradas neste trabalho. Sílvio Romero, por exemplo, apesar de ter construído uma ideia de crítica literária e crítica da sociedade tendo o “elemento étnico” (cf. Romero, 1888: Cap. 1) como fator fundamental de sua interpretação do país, não deixa de ser ambíguo. Ao comentar sobre a questão da forma estética no realismo que denominava “nativista”, por exemplo, Romero tenta fazer uma combinação dos aspectos objetivos que o naturalismo fornecia propondo, porém, uma mediação específica para as formalizações artísticas: A poesia deve ter a intuição de seu tempo; não tem por fim fazer sciencia nem photographar a realidade crua; ella não é hoje, não deve ser, pelo menos, condemnada à affectação dos ciassicos, com seus deuses; dos românticos,com seus anjos, ou dos realistas, com suas prostitutas; ella deve também lutar pelas idéas, sem despir a sua fôrma amena e lyrica (Romero, 1888: 134)

No mesmo diapasão, continua sua crítica ao romantismo apontando a falhas do nacionalismo cultural sob o viés romântico. Em diagnóstico muito aproximado ao de Machado de Assis em seu Instinto de Nacionalidade43, afirma: O nacionalismo não há de, pois, ser uma these objectiva de litteratura, a caçada de um titulo; antes devemos estudar o nosso povo actual em suas origens, em suas producções anonymas, apossarmo-nos da sua intimidade emocional, da sua visualidade artística (Idem: 136)

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Antonio Candido (1978), em comentário a essa seção específica da História de Sílvio Romero levanta a hipótese de Sílvio Romero ter absorvido a crítica de Machado de Assis ao romantismo. Entretanto, para os fins do trabalho em tela, torna-se infrutífero a exploração desse aspecto e a tentativa de comprovação da hipótese de Candido.

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Essa proposta estética apresenta fortes nexos com as análises mais propriamente políticas do autor, presente em Doutrina contra Doutrina e em Parlamentarismo e Presidencialismo no Brasil. Nestes livros, o crítico sergipano realiza um movimento de acomodação de certas concepções de Spencer com alguns conceitos chaves muito comuns ao léxico político liberal do XIX, na função de reabilitar o papel do Estado, não na forma autoritária dos positivistas, mas mantendo certas responsabilidades de guiar o processo de modernização na Primeira República, como exposto no capítulo anterior deste trabalho. Angela Alonso, em seu trabalho de grande fôlego sobre a geração de 1870, apresenta explicação que escapa da interpretação do naturalismo brasileiro como cópia e que também tenta transcender a relação direta entre extração de classe e filiação a determinada teoria (2002: 27 - 28). Para a autora, a ideia de que novos agentes sociais surgiriam a partir da crise do Império é errônea, pois os “novos setores médios” seriam oriundos do mesmo recorte social das antigas elites imperiais brasileiras (Ibidem), portanto inabilitando uma identificação direta entre corte de classe e adesão a tal ou qual teoria cientificista. Além disso, também critica o movimento de levar a autoclassificação dos autores/atores como dada, considerando suas rotulações políticas e teóricas como conceitos e não objetos de análise. Esse movimento deriva também, segundo a autora, da aceitação acrítica das memórias dos próprios autores sobre seu passado intelectual, memórias essas muitas vezes construídas já no período republicano. Neste momento, onde muitos desses intelectuais ocuparam instituições e cargos de relevo, eles consequentemente projetaram esses nexos de sua trajetória retrospectivamente para o passado, com o intuito de criar uma imagem harmônica e monolítica sobre suas “tradições inventadas” (Idem: 31 - 33). Como saída para essas questões, Alonso propõe uma abordagem que leva em conta o sentido prático e político em que todas essas teorias cientificistas e/ou políticas foram mobilizadas pelos agentes, tentando superar a separação texto-contexto. A recepção desses repertórios intelectuais sofreria um processo político de triagem que seria guiado pelos horizontes de expectativas políticas que esses agentes imprimiam como norte de suas disputas políticas na conjuntura de crise do Império. A escolha metodológica (e teórica) da autora desemboca numa compreensão prática: a pesquisa sobre a experiência compartilhada de exclusão desses intelectuais dos lugares de poder

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nos últimos anos do Império é feita com base nos nexos políticos de suas trajetórias e suas produções intelectuais não são objeto de análise, nem levadas em conta no movimento interpretativo mais geral da autora. A questão é posta nos seguintes termos pela autora: O movimento “intelectual” contemporâneo à crise do Império não é nem um movimento “de ideias”, nem é formado por “intelectuais”. Embora o processo seja percebido pelos agentes como o de filosofias tomando mentes, são os agentes sociais que selecionam e utilizam teorias explicativas[...] Levando a sério a intenção do uso político, fica compreensível o recurso a várias tradições teóricas, a escritos de divulgação e o desleixo com contradições teóricas evidentes. Há uma pluralidade de fontes e nenhuma unidade propriamente teórica entre os citados. O movimento intelectual colheu elementos para compor uma interpretação da conjuntura no repertório político-intelectual contemporâneo (Idem: 39)

Mobilizando conceitos como “repertório” e “comunidade de experiência” a autora procura demarcar de que forma a marginalização política se torna a chave interpretativa principal para a compreensão do sentido das manifestações intelectuais da geração, a saber, uma forma “coletiva de crítica às instituições, aos valores e às práticas fundamentais da ordem imperial” (2002: 43). Acredito, como propõe Alonso, que é preciso desconfiar - metodologicamente das auto-interpretações dos agentes sobre seu papel na vida pública brasileira e ir além da sua retórica. Assim, podemos perceber que a construção de sentido que Sílvio Romero imprime à sua trajetória e às de seus adversários/aliados deve ser também problematizada, matizada e deve constituir parte integrante do objeto de análise. Por exemplo, Alonso chama a atenção para o fato que a “Escola de Recife” e a proeminência de Tobias Barreto como pai fundador da crítica objetiva ao Direito e a política são “tradições inventadas” pelo próprio Sílvio Romero (2002: 134). Esse processo pode ficar explícito na contenda que teve com Machado de Assis e na consequente elevação de Tobias Barreto como “pai fundador” de uma linhagem na literatura que desembocaria no projeto intelectual-crítico defendido pelo próprio Sílvio Romero. Após o lançamento do livro de crítica sobre a obra de Machado de Assis, intitulado Machado de Assis: Estudo comparativo de literatura brasileira (1897), Romero comenta em correspondência a Artur Guimarães, datada de 02 de fevereiro de 1898, a razão do livro, apesar da impressão dada pelo título, indicar um estudo sobre Machado, ser ele todo marcado por um grande esforço comparativo em relação a Tobias e explica a escolha de método com uma resposta cristalina e direta:

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É assim que, no fundo, o paralelo com Tobias só foi feito como resposta indireta a certos críticos; que tinham aqui, a propósito da minha Doutrina contra Doutrina e bem fora de propósito, falar em péssima escola de Tobias, ao passo que sempre tem andado a babar-se de gozo falando de Machado de Assis! Além disso, há motivos especiais em nosso meio literário, meio que tem sido hostil e contra o qual arremeto sempre que posso. Bem ou mal, não estou de acordo com eles; pertenço ao partido da reação, iniciado vai para trinta anos quase no Recife. Defendo o velho Tobias: 1º pelo seu mérito intrínseco; 2º para justificar meu próprio critério; 3º como meio de guerra. (1967: 203, grifos meus)

Fica claro o movimento de tentativa de construção de uma linhagem para o próprio projeto intelectual criado e defendido por Sílvio Romero e a utilização de Tobias Barreto mais como mito fundador do que como representando uma real relação entre suas proposições e a de seu discípulo. Entretanto, acredito que para uma visão mais ampla das suas contribuições, devemos transcender o pressuposto que é central para Alonso: o fato de os intelectuais de Recife, incluídos ai Sílvio Romero, não terem se fixado em doutrinas e essa característica ser geral para toda a geração de 1870. Em perspectiva oposta à da autora, não considero o estudo de suas construções intelectuais como algo irrelevante, posto que podem permitir acompanhar a tensão entre os referenciais externos e a acomodação do cientificismo numa chave processual, onde o conflito entre texto e realidade se torna parte significativa do esforço em apreender em sua totalidade o movimento intelectual de Sílvio Romero. Esse movimento, por mais que avance em relação à antiga questão da “cópia/desvio”, me parece ainda guardar paralelos com interpretações desse tipo, por desconsiderarem a produção, o aspecto interno, desses movimentos. Ao privilegiar o “aspecto prático”, ou seja, o debate público e o uso desses “rótulos”, entendidos apenas como alegorias numa estratégia discursiva que não se esgota nos textos em si, me parece subestimar o próprio poder que as ideias poderiam ter nesse momento de crise e buscas de saídas para a modernização brasileira. Como nos indica Bastos & Botelho (2010) sobre a necessidade de romper com a visão disjutinva entre texto e contexto:

recusar a ideia de autonomia da obra não implica necessariamente aceitar a tese do condicionamento da sociedade sobre as ideias como algo já dado de antemão, não importando aqui se os condicionantes são entendidos em termos econômicos, políticos, institucionais ou biográficos.[..] Tomadas de modo disjuntivo, ambas as posturas podem acarretar ordenações que, ao lado de inegáveis méritos, não deixam também de apresentar certos limites

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simplistas. Assim, mesmo reconhecendo as diferenças entre aquelas perspectivas, é possível sugerir que, no lugar da escolha exclusiva entre texto e contexto, a sociologia dos intelectuais também exige que se reconheça e se qualifique a tensão existente entre estes termos, na medida em que ela é constitutiva da própria matéria que cumpre à análise ordenar. (Idem: 912, 913)

Visto isso, acredito que boa parte das questões relativas às interpretações sobre o naturalismo brasileiro e a chamada “geração de 1870” – e consequentemente sobre Sílvio Romero – alocaram o produto intelectual desses autores dentro dessa dupla camisa-deforça: ou são entendidas como leituras errôneas ou apenas como sendo utilizados de forma puramente instrumental na intervenção do debate público que estavam inscritas, ou até mesmo tendo ambas as “funções”. Por isso a questão da raça, do meio e o fato de possuírem certa visão substantiva e essencialista sobre o “caráter nacional” nem sempre levaram em conta que aqueles autores aclimataram o pensamento europeu, mas não o fizeram de forma necessariamente mecanicista. Consequentemente, o produto último de todo movimento intelectual, as obras e construções textuais, podem fornecer subsídios para o estudo tanto do “contexto”, como para a consideração das formulações políticas, econômicas e simbólicas do movimento. Levar em conta esses dois aspectos permite enxergar com mais clareza a tensão que estavam envolvidas teoria e realidade nacional para Sílvio Romero e demais autores do período. Da mesma forma que os ensaios de interpretação do país foram encarados como “pré-científicos” ou apenas como uma pré-história ideológica das formulações decorrentes da pesquisa sistemática (Brandão, 2005; Lamounier, 2006; Santos, 1978), acredito que os naturalistas brasileiros tiveram suas contribuições obliteradas por uma impressão, verdadeira por sinal, de que os intelectuais das fileiras do cientificismo adaptaram teorias cientificistas com pesado enfoque racial para um país onde a questão racial era (e ainda é) mal resolvida, mal enfrentada e que determinantes estruturais provenientes do passado escravista fornecem a base de desigualdades enormes. Entretanto, acredito que a produção de Sílvio Romero em específico – e do naturalismo de forma geral – e a contribuição que deram aos estudos posteriores, seja para negarem ou afirmarem esses pressupostos, ainda é pouco explorada e pode ter contribuições para além da questão racial ou de formação de identidade nacional. Entretanto, não quero com isso negar a determinação desses fatores e dos outros que, surgindo do momento histórico

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de onde as produções de Sílvio Romero emergiram, acabaram dando certos limites ao exercício intelectual do crítico. A questão da incoerência e da “heterodoxia” para lidar com os cânones da moderna ciência europeia não eram um efeito colateral de uma dispersão de métodos e sistematização, mas sim um projeto intelectual defendido pelo crítico sergipano, desde sua primeira obra de vulto até os estudos que mobilizo dentro do recorte da dissertação, onde a ideia de mestiçagem e de democratização via mistura racial torna-se elemento fundamental para a compreensão de sua interpretação sobre o país. Mas, a compreensão geral de seu esforço intelectual pode ser melhor apreendida analisando como, internamente, o modo como busca saídas para as contradições brasileiras ou mesmo quando as oblitera. Esse part pris metodológico informou tanto seu projeto de crítica literária quanto seus esforços de crítica política e parlamentar e interpretação do país. 3.3 – Mestiçagem conceitual

Pode-se notar a presença de uma continuidade na obra de Sílvio Romero, que perpassa alguns de seus principais livros e que tem sua gênese na sua publicação mais famosa, História da Literatura Brasileira (1888): a percepção da necessidade de se criar uma sensibilidade própria, nacional, para todos os aspectos da abordagem intelectual. Em clara recusa ao projeto do romantismo e seu nativismo, concentra seus esforços neste livro em mostrar, percorrendo toda a história dos estilos literários e manifestações culturais do país a presença, ausência e/ou momento de formação desse tipo nacional, novo e adaptado ao meio. Por isso, a questão da raça perde força em favor da adaptabilidade do mestiço: O que se quer tornar patente é que o branco para supportar a lucta pela existência no meio brazileiro, para adaptar-se á sua nova pátria, teve de reforçar-se com o sangue das raças tropicaes. Dahi o cruzamento e dahi o mestiço, que, como producto de uma adaptação, já é por si mais próprio para o meio, e, si fôr inferior ao branco pela intelligencia, é-lhe superior como agente de differenciação, como elemento para a formação de um typo nacional. (1888: 217)

O signo da adaptabilidade, que foi o nexo encontrado pelo crítico sergipano para acomodar as negativas das teorias cientificistas em relação à figura do mestiço, não é mero arbítrio interpretativo do autor. Prosseguindo, ele faz uma enorme explanação sobre como a questão da mestiçagem é diversa da forma posta por algumas teorias

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cientificistas44, posto que a ideia de hibrido traz consigo a percepção de diferentes origens para as diferentes raças humanas. Nas palavras do autor o papel do mestiço em sua proposta crítica tem o seguinte propósito: Alguns auctores ainda sob o dominio de certos preconceitos negam todo e qualquer valor intellectual, ethnologico e social ao mestiço. Isto por duas razões capitães: 1* os nossos maiores talentos, como José Bonifácio, Silva Lisboa, Alexandre Rodrigues Ferreira, Arruda Uamara, etc, foram trancos; 2» o mestiço é um hybrido, é fraco e tern a esterilidade de todo e qualquer

outro congênere animal. Uludem-se redondamente. Em primeiro lugar não é a superioridade intellectual do mestiço sobre o branco que se quer provar neste livro. O que se quer tornar patente é que o branco para supportar a a lucta pela existência nomeio brazileiro, para adaptar-se á sua nova pátria, teve de reforçar-se com o sangue das raças tropicaes. Dahi o cruzamento e dahi o mestiço, que, como producto de uma adaptação, já é por si mais próprio para o meio, e, si fôr inferior ao branco pela intelligencia, é-lhe superior como agente de differenciação, como elemento para a formação de um typo nacional. (Romero, 1888: 216, 217; grifos do autor) A inteligência do branco, a sua pureza (Sílvio Romero chega a questionar a sua existência em qualquer parte do mundo, no século XIX) não são vantagens per se ao se defrontarem com um novo habitat. O que determina a sua sobrevivência, sua permanência e sua capilaridade no meio social brasileiro é a adaptabilidade. E para ser adaptado não basta, como as ideias, serem lidas com absoluta fidelidade, no sentido formalista, mas sim que fossem compreendidas em função do contexto. Ou seja, a que melhor se adaptasse ao sentido que um evolucionista inveterado havia de enxergar no processo histórico aberto no oitocentos brasileiro. Em ensaio sobre Emile Zola, datado de 1882 (1978), ao discutir a incorporação do naturalismo na crítica e na literatura no Brasil, Romero expõe de maneira clara o seu método acerca do uso das diversas teorias que, em suas palavras, chegavam como um 44

Apoiando-se em Haeckel, Sílvio Romero nega a validade das teorias que viam na mestiçagem um fato de enfraquecimento da linhagem evolutiva. Em suas palavras: “Quanto a chamar o mestiço de hybrido, é um desses imensos lapsos em que ás vezes cahem até os grandes talentos. E' formar um conceito contra os factos a respeito da idéia de espécie, dando-lhe um valor que não tem. é alçar á cathegoria de espécies inteiramente distintas as variedades da família humana; é affirmar nesta a existência de hybridos contra a observação quasi unanime de todos os tempos e contra o ensino de todas as sciencias anthropologicas; é,finalmente,ainda dar importância ao velho argumento da hybridação contra o transformismo das espécies, cançado redueto que já voou pelos ares. Todas as variedades humanas são entre si fecundáveis e os descendentes desses cruzamentos o são igualmente. As raças cruzadas são fortes e hábeis. Si jamais existiu povo intelligente e progressivo sobre a terra, esse povo foi a nação grega.” (Romero, 1888: 216, 217; grifos nossos)

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turbilhão ao país a partir da década de 1870: “Não basta repetir de oitiva que em Paris Zola está na ordem o dia; é mister compreender as novas doutrinas e entrar nelas como um consócio e não como um simples caixeiro, um simples moço de recado.” (Ibidem: 99). Essa compreensão sobre a mobilização dos referenciais externos permanece em sua obra mais célebre, escrita alguns anos depois do ensaio sobre o naturalista francês, como fica claro no trecho citado abaixo:

A litteratura no Brazil, a litteratura em toda a America, tem sido um processo de adaptação de idéias europeas ás sociedades do continente. Esta adaptação nos tempos coloniaes foi mais ou menos inconsciente; hoje tende a tornar-se compreensiva e deliberadamente feita. Da imitação tumultuaria, do antigo servilismo mental,queremos passará escolha, á selecção litteraria e scientifica. A darwinisaçâo da critica é uma realidade tão grande quanto o é a da biologia. [...]Tal é a razão por que todo poeta, todo romancista, todo dramaturgo, todo critico, todo escriptor brasileiro de nossos dias tem a seu cargo um duplo problema e ha de preencher uma dupla funcção: deve saber do que vai pelo mundo culto, isto é, entre aquellas nações europeas que immediatamente influenciam a intelligencia nacional, e incumbe-lhe também não perder de mira que escreve para um povo que se fôrma, que tem suas tendências próprias, que pôde tomar uma feição, um ascendente original. Uma e outra preoccupação são justificáveis e fundamentaes. Si é uma cousa ridícula a reclusão do pensamento nacional numas pretenções exclusivistas, si é lastimável o espectaculo de alguns escriptores nossos atrazados, alheios a tudo quanto vai de mais palpitante no mundo da intelligencia, não é menos desprezível a figura do imitador, do copista servil e iatuo de toda e qualquer bagatella que os paquetes nos tragam de Portugal, ou de França, ou de qualquer outra parte... (1888: 15-16)

Essa percepção permanece praticamente inalteradas na produção do autor sergipano mesmo após o golpe republicano. Em Doutrina contra Doutrina (1894), ao comentar sobre o grupo de republicanos “puritanos”, segundo ele presos ortodoxamente aos ditames da doutrina liberal e desiludidos com a forma com que a República se apresentava no Brasil, afirma que a solução não viria de “ideólogos insensatos” mas sim de homens públicos capazes de, conhecendo a história brasileira e sua formação, conciliar análise da realidade e proposições modernizadoras (Idem: XVLIII). Nesse sentido, observa sobre a desilusão dos republicanos mais presos às fórmulas teóricas sem a devida atenção a realidade brasileira:

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Deixe-se, pois, o jacobinismo de illusões e de vaidades. Em um governo de opinião, de suffragio, de voto, é um disparate espantar a maioria, e o puritanismo a espanta, com suas irrequietas pretenções, com suas aéreas phantasmagorias. E ouça para seu completo ensino: todas as grandes reformas, capazes de representar um papel na historia, só se podem fazer, só podem se transformar em realidades vivas, se ellas rompem o circulo de ferro do sectarismo estreito e derramamse sobre as massas exteriores. (Idem: LI – LII)

Os trechos acima citados permitem perceber como, além da questão da adaptação de ideias ser tema recorrente nas análises de Romero, a necessidade de uma adaptação que levasse em conta a realidade brasileira, de certo totalmente diferente da encontrada nos países centrais, é salientada. Essa particularidade e também a construção, via evolucionismo heterodoxo, de uma proposta que valoriza a proeminência do social diante dos aspectos políticos e institucionais, permanece, com inflexões, obviamente, nas análises do ensaísmo conservador que desponta a partir da década de 1920. Duvidando da premissa retrospectiva de Bolívar Lamounier acerca do sentido do “pensamento autoritário” e de sua suposta seleção interessada do rótulo guarda-chuva do “organicismo”, podemos perceber como Spencer e seu evolucionismo mecanicista, conjuntamente com a herança historicista da crítica literária romântica alemã possibilitaram a Sílvio Romero uma abordagem que desestabiliza esse quadro, visto que não é possível enquadrá-lo dentro desse esquema que culmina com os intelectuais estadonovistas. Tanto a crítica literária, quanto a análise sobre a política, sobre a cultura, etc. seriam fruto de um mesmo movimento e, portanto, inteligíveis por um método objetivo. Essa objetividade do método faz Sílvio Romero buscar no evolucionismo de Spencer, conjugado com o transformismo de influência darwinista de Haeckel e das concepções mesológicas de Taine e Renan o substrato para suas formulações. Entretanto, apesar desse desenvolvimento de um método crítico-objetivo se realizar baseado nos mais altos desenvolvimentos intelectuais dos centros europeus - portanto ligando seu próprio exercício intelectual à modernidade europeia - o movimento analítico de Sílvio Romero apresenta uma preocupação em ler de forma apropriada esses referenciais para pensar os dilemas nacionais. Além disso, essa proposta metodológica mais geral apresentava uma percepção totalizante da relação dos mais variados saberes: N'estas palavras não está uma concessão de secundário valor e de somenos

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importância, está uma concessão capital ; ^porquanto a connexão, o consensus, a interdependência das sciencias, no sentido spenceriano, implica a impossibilidade de classifical-as em uma série, em uma linha successiva, por falta de base para o fazer. Quando muito as scieneias podem se distribuir em agrupamentos, segundo o modo especial por que encaram o seu objecto. (1894: 155)

Essa forma de enxergar os modelos e sua aplicabilidade também permanece nas análises propriamente políticas do autor. Em Parlamentarismo e Presidencialismo no Brasil (1893), compilação em formato de livro que reúne sua correspondência ativa com Rui Barbosa, Sílvio Romero, ao discutir sobre a prevalência do parlamentarismo sobre o presidencialismo, afirma: Não se trata propriamente neste assumpto de discutir abstractamente as excelencias ou imprestabilidades de um ou de outro systema de governo. Seria uma pugna estéril, inútil, impertinente e soflrivelmente pulha na sua inopportunidade. Trata-se de cousa bem diversa: buscase saber se o regimen, que ora temos, é viável entre nós, se tem por si os nossos costumes, as nossas qualidades, os nossos defeitos políticos; se elle poderá em tempo algum aqui funccionar de modo adequado e regular. Eis o pleito, nem mais nen menos. (1893: 114)

Prosseguindo seu argumento, Sílvio Romero realiza um exercício de remontar historicamente raízes outras para o parlamentarismo, para além do caso inglês, motivado por críticas dos que diziam que o parlamentarismo era forma própria e exclusiva dos britânicos, portanto inadequada ao Brasil e afirma: Deixando, porém, de lado a face, por assim dizer, estatística da questão, penetremos mais intimamente no interior do assumpto, sob o ponto de vista brasileiro. Dizemos brasileiro, porque o nosso parlamentarismo, para ser viável, terá que atender a certas condições de nosso meio social e politico. (Idem: 124)

Como no caso da defesa de uma crítica da cultura brasileira metodologicamente objetiva, mas também nacional, conjugada com nossas tradições mais profundas, o elemento etnográfico e o meio aparecem nas formalizações políticas do autor. Funcionando como uma saída para a questão da originalidade das expressões nacionais, o “critério etnográfico” aliado a ideia de adaptabilidade agiriam fornecendo o substrato para a formação do novo cidadão, mestiço biologicamente mas também, e sobretudo, nas ideias (Romero, 1888). Neste processo o crítico condena o dogmatismo em suas mais variadas frentes e a adaptação do repertório estrangeiro a realidade prática e estética

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brasileira torna-se uma tarefa que engloba tanto o estudo sobre os fatores culturais como a análise sobre a “importação” de modelos políticos com origens em contextos dos mais diversos em relação ao Brasil. Entretanto, o historicismo decorrente do evolucionismo praticado por Romero também apresentava uma certa concepção de mudança social45 que desconfiava da possibilidade de rupturas bruscas, de surtos revolucionários que pudessem alterar o bom ritmo modernizante, lento e gradual, que o país estava atrelado. Em dois momentos essa disposição sobre a velocidade e a forma que o crítico sergipano encarava as mudanças se faz bastante clara: sua interpretação sobre os movimentos sociais nascentes durante o início republicano e sua defesa do parlamentarismo frente ao presidencialismo. Em sua análise da presença das ideias socialistas no país, Sílvio Romero apresenta, em um primeiro momento, uma inusitada simpatia pelas ideias do “velho e bom socialismo”46 mas contesta sua viabilidade e, ao fim e ao cabo, sua necessidade como fornecedora de meios de emancipação do “quarto estado” (Romero, 1894: XXXV). Sob o aspecto da formação social brasileira, sua inadequação ao contexto brasileiro derivaria da predominância do meio rural e consequentemente da presença insignificantes do meio urbano. Nas palavras do crítico, o paradoxo se apresenta na seguinte forma: Reconheceremos por toda a parte, uma pobreza geral, dando-se até uma singular anomalia: a classe mais pobre que existe no paiz é justamente a que corresponde á burguezia da Europa. Effectivamente, considerem-se os habitantes das cidades e dos campos. Nas cidades é preciso fazer ainda uma distincção entre as quatro ou cinco merecedoras deste nome, e as pequenas cidades esparsas por todos os Estados, muitas das quaes não passam de verdadeiras aldêas. As primeiras não são grandes centro fabris, manufactureiros, industriaes, como as suas congêneres do velho mundo. São apenas núcleos commerciaes. A pequena industria local é sempre insignificante. Nellas a população divide-se, pouco mais ou menos, nas seguintes classes: alguns capitalistas e banqueiros ricos; mas estes em numero que se pode contar nos dedos, e isto mesmo em duas ou três praças apenas; logo abaixo certo numero de negociantes bem collocados, possuidores de fortunas, que nos parecem consideráveis, porém, em verdade, ele pequeno vulto, comparadas ás da Europa e dos Estados Unidos. (Idem: XXXVI)

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Sobre os impasses das concepções de mudança social no país na obra de Sílvio Romero e o contexto de efervescência social da Primeira República conferir Rezende, 1998. 46 Sobre o impasse das demandas oriundas da emergência da questão social na Europa e a tendência a saídas harmoniosas e garantidoras da ordem social na obra de Sílvio Romero Cf Candido, 1978 e Sala, 2006.

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A inviabilidade do socialismo residiria na predominância da ruralização e no consequente descompasso dos lugares sociais no caso brasileiro, em comparação com a ascensão da plebe nos países centrais. Mais do que isso, a situação social de maior vulnerabilidade, em suas palavras, não reside no estrato menos abastado mas sim “na riquíssima classe média” (Ibidem: XXXVIII; grifos do autor), adjetivada com clara ironia. A situação dos novos grupos de profissionais liberais e sua situação no Brasil da primeira república é descrita da seguinte forma: Em quinta classe veja-se desfilar o nosso verdadeiro pauperismo; é a mendicidade envergonhada; porque é diplomada e veste casaca: é o mundo dos médicos sem clinica, dos advogados sem clientela, dos padres sem vigararias, dos engenheiros sem em prezas e sem obras, dos professores sem discípulos, dos escriptores, dos jornalistas, dos litteratos sem leitores, dos artistas sem publico, dos magistrados sem juizados ou mesmo com elles, dos funecionarios públicos mal remunerados. (Idem: XXXVIII; grifos do autor)

O diagnóstico exposto linhas acima pode ser entendido também como defesa da própria posição social que o autor ocupava, oriundo de uma família proprietária falida de um Estado da federação que era um dos que mais sofria com a mudança do eixo econômico do nordeste para o centro-sul do país. Sílvio Romero encontrou na formação acadêmica seu sustento e migrou desde sua diplomação em Recife entre vários cargos como juiz e como professor, indo até o final da vida em situação financeira preocupante (cf. Rabello, 1967). Entretanto, para uma análise mais ampla de seu argumento, torna-se conveniente continuar a perseguir essa linha argumentativa do autor, agora analisando a condição dos “operários propriamente ditos” (Romero, 1894: XXXVIII). Em chave contrária ao desenvolvimento que a questão social teria na Europa, no Brasil além de não existirem proletários pela ausência de cidades e de indústria que pudessem caracterizar um recorte social relevante, a situação da sexta classe analisada por Romero não é de miséria, mas, ao contrário de uma situação bastante confortável: Em um sentido geral são a gente mais prospera e satisfeita de todo o Brasil. Não se queixam de falta de trabalho; pois ao contrario, elle superabunda. Os próprios carroceiros, carregadores e talvez mesmo engraxadores, ganham muito mais, especialmente nos dias actuaes, do que a mór parte dos médicos, advogados e pequenos negociantes, os quaes empregaram um capital, que se acha improductivo, ao passo que aquelles não empregaram nenhum, ou quasi nenhum. Depois segue-se a turbamulta, indistincta, viciosa, que possuímos em larga escala, de vadios, capoeiras, capangas, jogadores de profissão, que vivem ao Deus dará, ou de suas agencias,

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como elles mesmos dizem. Ora, sejamos francos : onde está ahi, em todas estas classes, o proletário, o trabalhador famelico, que veja suas forças exploradas criminosamente pelo capitalismo, o mammonismo devorador? Não está em parte nenhuma; é a resposta irrefragavel. Não é tudo. Nas pequenas povoações do interior reproduzem-se as mesmas séries de classes da população, apenas em escala muito menor e com maior desafogo para o trabalhador braçal. (Idem: XXXVIII, XXXIX; grifos do autor)

O argumento da inadequação das ideias socialistas no país se conjuga com o diagnóstico da extrema diferença da situação do “quarto estado”, em situação das mais privilegiadas em relação ao pauperizado operário europeu. Mais do que isso, a análise da plebe urbana e rural brasileira feita pelo autor permite perceber que, em certo sentido, sua análise naturaliza a situação social do demos rural no quadro social de predominância do latifúndio, visto que, em menor escala mas em situação semelhante, os homens livres pobres do campo teria ainda uma situação menos opressora do que seus congêneres da cidade. O diagnóstico de Sílvio Romero sobre a inviabilidade do socialismo por aqui também acarreta numa posição referente a representação política. Para ele, a criação de um partido operário no Brasil seria apenas obra de políticos mal intencionados e, ao fim e ao cabo, não condizente com o “fuso horário” do país periférico. Entretanto, mais do que não se adequar ao caminho evolutivo que deveria seguir, a análise de Sílvio Romero apresenta caráter - para dizer o mínimo - dúbio sobre a representatividade desses setores. Em suas palavras: A conclusão a tirar dos factos é que um partido político e social operário no Brasil é uma crêação prematura, artificial, que pôde aproveitar a alguns geitosos, porém, de certo, não vai aproveitar ao operário, ao trabalhador nacional. Quereis uma prova? Não dispuzessem os operários do direito de votar, não pudessem eles levar com seus suffragios algum pretendente ao Congresso, e, com certeza, não teriam agora tantos amigos... Karl Marx dizia: ' Uni-vos, proletários/» Nós dizemos aos nossos trabalhadores: "Abri os olhos, amigos!... » (Romero, 1894: XLI; grifos do autor)

Ainda sobre a questão da representação, Sílvio Romero, ao defender o parlamentarismo frente ao positivismo na compilação epistolar endereçada a Rui Barbosa, defende que essa forma de governo, que figurava durante o Império, foi o que impediu a realeza, fator externo por excelência porque europeia, de assumir uma forma completamente autoritária (Romero, 1893: 100). Em argumento que não deixa nada a desejar a doxa liberal, o crítico sergipano é enfático na defesa do parlamentarismo:

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A outra força, o povo, não ficou, porém, inactiva, e não se deixou aniquilar ou sufocar. E porque não deixou? Porque é que as nossas liberdades de reunião, de pensamento, de imprensa, de ensino, de locomoção, de segurança individual, de profissões, não morreram, não se atrofiaram? Porque lá estava o parlamento, com os seus processos de ampla discussão, de forte fiscalização dos actos dos governos (Idem: 100)

Sete anos após a edição que tornaria livro as cartas ao famoso jurista baiano, Sílvio Romero ingressou em seu único mandato parlamentar e foi relator do projeto de reforma do Código Civil, como esmiuçado no segundo capítulo da dissertação em tela. Em sua atuação parlamentar, discute em plenário alguns dos temas polêmicos a serem encampados na nova codificação. Uma visada mais atenta a forma como defende seus argumentos nesse contexto se torna profícuo para entendermos melhor as tensões em torno das adesões teóricas do autor e do significado de sua defesa do parlamentarismo. Sobre a questão do divórcio e da liberdade de testar, Sílvio Romero defende o desquite como garantidor da liberdade individual mas também não altera o estatuto de inviolabilidade do matrimônio, posto que enraizado na tradição popular (1904: 130). Ao reforçar seu argumento, o autor oferece com clareza o modus operandi de sua ideia de mudança: Pelas tendências individualistas do meu espírito, educado principalmente pela filosofia de Spencer, dominado quase sempre pela influência da intuição anglo-saxonia e germânica, que se me antolha a mais eminente em assuntos políticos sociais, dei no seio da comissão o meu voto ao divórcio e a liberdade de testar; deio-o e declarei-o francamente no parecer, ficando, d´est´arte, quites com a minha consciência de escritor. Conhecedor, porém, de que isto aqui não é a Inglaterra ou a União Americana, convecindo dos males incalculáveis produzidos pelas duas medidas, no meio brasileiro, se viessem a ser agora adotadas, diga-se a coisa sem rebuço, não fiz por elas o mínimo esforço e, como brasileiro, estimei imensamente que tivessem caído. Ficava, deste modo, quites com a minha consciência de patriota. O caráter relativo de todas as criações humanas, bem claro está aí a mostrar que uma instituição, em um dado momento, pode ser útil na Inglaterra e inoportuna no Brasil. (Idem, 1904: 133)

A fala de Sílvio Romero é enfática nas questões sobre a necessidade de se adequar o repertório intelectual que se pretende aplicar na realidade brasileira às características caras à tradição e a nossa cultura política suspostamente enraizada em nossa “índole”. Essa resposta vem, como mencionado anteriormente, no momento em que o “projeto

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Bevilacqua” havia sido aprovado e seguiria para o senado. As necessidades de defesa da qualidade do trabalho podem ser entendidas como um fator determinante nesse enquadramento que o autor dá ao amortecimento de suas convicções intelectuais frente a necessidade de moderação no processo de rotinizar a vida privada nacional via código. Em sessão datada de 24 de maio de 1901 – portanto antes de sua nomeação como relator da comissão que discutiria o projeto, o que ocorreria em Julho de 1901 – Sílvio Romero expõe suas convicções acerca da questão da legalização do divórcio. O longo discurso pretende dar nexo às suas ideias acerca dos fatores que subsidiariam sua opinião contrária a permissão do divórcio e para isso esboça uma análise sociológica acerca das noções de casamento, família e religião. Ao falar sobre a religião e o casamento, criticando aqueles que acham que a religião seria apenas um modo dissimulado de enganar indivíduos para causas torpes e vãs, se apoia em Spencer para justificar a necessidade de se compreender essas duas instituições como parte do processo de formação cultural de cada povo (Romero, 1904: 48). A religião, como criação humana e não fruto de revelação transcendente de uma divindade, deveria ser compreendida como mais uma criação da humanidade e como tal deve ser entendida como dando sentido à vida humana e como tal deve ser mantida. Portanto, conclui que casamento civil e religioso devem se manter como possibilidades respaldadas pela lei (Ibidem). Ainda sobre a questão da presença do casamento em suas facetas religiosas e seculares, Sílvio critica a determinação da constituinte, segundo ele marcado pela influência de “certa corrente religiosa” – o positivismo – de não estabelecer a precedência do casamento civil sobre o religioso. Sob fortes apartes de outros parlamentares que afirmavam que tal medida seria uma afronta a liberdade religiosa em específico e a liberdade individual, no aspecto mais geral, o crítico argumenta sobre sua ideia acerca do conceito de liberdade: Ataque à liberdade, dizem uns...obrigação de casar dizem outros. Mas a liberdade tem seus limites, traçados na lei; a liberdade é toda relativa não pode ter privilégios inaceitáveis. Há de harmonizar-se com as conveniências da comunhão [...] É uma coisa singular, senhor presidente, e é uma das esquisitices de nosso tempo, essa perpétua disputa em nome da liberdade. Em uma época em que quase todos os sistemas filosóficos contestam por completo a existência de liberdade individual, quando muitos proclamam sem rebuço que não existe liberdade de consciência, como não existe liberdade em matemática, em mecânica, em física, esses mesmos,

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em certas questões e em certas horas, para conveniências especiais, sejam os primeiros a encher a boca de liberdade, não já como um princípio seletor, limitado, relativo, senão como um axioma absoluto, universal e incontrastável [...] Filhos do meio, da raça, do momento histórico, carregando com a pressão esmagadora da hereditariedade individual, étnica e política, servos do organismo, do temperamento, do caráter, da educação, das mil influências ocultas e imponderáveis que se cruzam na atmosfera social. (Idem: 61-62)

O trecho permite estabelecer dois pontos importantes no esforço de análise empreendido em tela: Spencer e o liberalismo por ele inspirado ao serem reivindicados como recurso de análise e intervenção na realidade por Sílvio Romero parecem deslocados. Enfraquecendo o aspecto mais ligado ao liberalismo vitoriano (Bellamy, 1994) e suas demandas por mínima interferência na vida privada dos indivíduos, o autor sergipano apresenta a teoria spenceriana mais como forma de elaborar uma interpretação – e também proposição para o futuro – da realidade social brasileira. Essa interpretação prezava pela conjunção das características tradicionais da vida social brasileira, como os produtos da cultura como religião, costumes e práticas cotidianas cojuntamente com as perspectivas modernizadoras que pretendiam levar o Brasil ao rol das sociedades mais avançadas do Ocidente. Por outro lado, a forma como relaciona o tema da liberdade individual com “quase todos os sistemas filosóficos” europeus pode nos dar indícios da forma como a questão da representação também seria marcada pelos limites impostos pela realidade que se pretendia uniformizar. O parlamentarismo, na estrutura narrativa de Sílvio Romero, surgiria como saída frente aos perigos do despotismo, perigos esses representados pela atuação dos positivistas no governo dos anos iniciais da república. A defesa do parlamentarismo pelo crítico sergipano também carregava um prognóstico sobre a incorporação do “quarto estado” à representação liberal e moderna. Segundo o autor, como visto anteriormente, o quadro de desorganização da massa popular devido a herança da colonização portuguesa impossibilitava a realização do presidencialismo como nos Estados Unidos, posto que no Brasil, ao contrário do caso norte-americano, não possuíamos um “povo cheio de virtudes cívicas” (Romero, 1893: 25). Assim, o modelo parlamentarista seria o mais adequado porque garantiria a continuidade da tradição representativa imperial sem os empecilhos que, identificados com o absolutismo e assim alocados como exóticos e estrangeiros, a

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presença de um monarca e do poder moderador representavam para a plena realização de toda energia do “povo” brasileiro para a liberdade (Idem: 101). Entretanto, o povo não se pode fazer representar por si mesmo, devido ao suposto momento evolutivo em que o país se encontrava, logo se faria representar por essa classe de intelectuais, dotados do conhecimento sobre o passado brasileiro, nossa formação e, com isso, gabaritados para fornecer uma via segura e ordeira para a modernidade. A mestiçagem, como “atualizador” das referências europeias (Ventura, 1991; Botelho, 2002) frente a necessidade de se consolidar uma nova ordem social que parecia estremecida no processo de abolição e golpe republicano atuaria como o natural equalizador das nossas contradições, posto que, para o autor, mestiçagem e democracia estariam ligadas intimamente no processo brasileiro: O Brasil é um paiz fatalmente democrático. Filho da cultura moderna, depois da época das grandes navegações e das grandes descobertas, o que importa dizer, depois da constituição forte da plebe e da burguezia, elle é, além do mais, o resultado do cruzamento de raças diversas, onde evidentemente predomina o sangue tropical. Ora, os dous maiores factores de egualisação entre os homens são a democracia e o mestiçamento. E estas condições não nos faltam em gráo algum, temol-as de sobra.(Romero, 1893: XX; grifos nossos)

Podemos concluir com base neste trecho que a velocidade lenta que Sílvio Romero preconizava para as mudanças sociais no país e para a desconfiança sobre a participação na plebe na vida política republicana se encaixa com sua ideia sobre o papel da mestiçagem na modernização do país. Funcionando como traço formador de nossa identidade, a mestiçagem tanto biológica quanto no aspecto simbólico (Romero, 1888) também funcionaria como freio e controle às aspirações “plebeias” de uma representação política mais efetiva. Com isso, democracia nesse quadro desenhado pelo crítico sergipano equivaleria ao plano final defendido por ele, da mestiçagem se realizando plenamente, via branqueamento das características fenotípicas e o encontro de uma forma especificamente nacional que passaria pela incorporação dos elementos das três raças formadoras e uma consequente estabilização das contradições de nossa formação social. Em trecho de Machado de Assis, podemos perceber a forma como a questão da mestiçagem e seu suposto caráter imitativo aparece coadunada a importação de modelos políticos exógenos:

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uma pequena elite intellectual separou-se notavelmente do grosso da população, e, ao passo que esta permanece quasi inteiramente inculta, aquella, sendo em especial dotada da faculdade de aprender e imitar, atirouse a copiar na politica e nas letras quanta cousa foi encontrando no velho mundo, e chegámos hoje ao ponto de termos uma litteratura e uma politica exóticas, que vivem e procrêam em uma estufa, sem relações com o ambiente e a temperatura exterior. E' este o mal de nossa habilidade illusoria e falha de mestiços e meridionaes, apaixonados, phantasistas, capazes de imitar, porém organicamente impróprios para crear, para inventar, para produzir cousa nossa e que saia do fundo immediato ou longínquo de nossa vida e de nossa historia. (Romero, 1897: 122)

Portanto, o trecho acima reproduzido permite perceber como a questão da mestiçagem, que também é uma saída - tanto na questão do “caráter nacional” quanto na formulação institucional - mais adequada ao nosso “espírito” também é posta como um entrave. Se a mestiçagem é uma realidade dada, seus impasses parecem em permanente tensão na obra do crítico sergipano. Como lembra Salette Sala, a geração de intelectuais que Sílvio Romero fez parte atuou, em certo sentido, de forma parecida com a que Taine e Renan assumiriam para a Terceira República francesa, ou seja, parafraseando Thibaudet, agiriam como “médicos da França”. Em outras palavras, agiriam como mediadores das contradições, tentando amenizá-las pelo trabalho de construção de narrativas que obliterassem as tensões e eram levados a reconhecer “como critérios legítimos e naturais, os interesses dos proprietários do país agrário (sem mercado desenvolvido) e as certezas sobre a inferioridade racial dos escravos (avaliada pela ciência do tempo)” (Sala, 2006: 59). A obra de Sílvio Romero, concordando neste ponto com Sala, reflete esse movimento tortuoso de acomodação de perspectivas com bases objetivas muito diversas. Contudo, esse fato não impediu, por outro lado, a conformação de um pensamento que desestabiliza, de certa forma, o enquadramento dos seus procedimentos intelectuais dentro de uma categoria explicativa fechada, tais como “liberal”, “conservador” ou outra correlata. Se por um lado o “medo à utopia” (Moraes Filho, 1985) de Sílvio Romero - para usar uma expressão forte de um de seus interpretes - pode ser compreendida como o contingenciamento que o cenário social brasileiro impunha, por outro lado as saídas encontradas para travar o debate político e intelectual na cena brasileira fazem com que a vinculação total de sua filiação ao cientificismo e ao liberalismo como uma atuação puramente prática possa ser problematizada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em Machado de Assis (1897), livro sobre a obra do escritor fluminense, Sílvio Romero polemiza, entre outros, com o famoso artigo A Nova Geração (1879), no qual Machado crítica a geração que bebeu nas fontes cientificistas e de sua reação exagerada ao romantismo. Segundo Romero, como escreve no prefácio, o livro pretendia colocar Machado de Assis em seu “devido lugar” (Romero, 1897: XV), segundo suas palavras lugar que deveria ser ocupado pelos mais “dignos”, mais “inteligentes”, mais “fortes”, mais “destros”, mais “preparados”, mais “ativos nas pugnas do pensamento” (Ibidem: XVIII). De forma complementar, o livro também é caracterizado pela defesa de Tobias Barreto, igualmente mestiço, dentro de um esforço de mostrar o quão inadequada em relação a “índole nacional” se apresentava a obra de Machado de Assis. Em relação ao estilo do autor de Memórias Póstumas de Brás Cubas em comparação à Tobias Barreto, Sílvio Romero novamente lança mão de seu “critério etnográfico”, como fica claro no trecho abaixo reproduzido: Era, demais disso, e nesse ponto não estava só, era demais disso um mestiçado, o que eqüivale a afirmar que era o resultado de tendências oppostas, que quasi sempre se atropellam e muitas vezes se aniquillam, estado psychologico quasi sempre aggravado nas Índoles estheticas e progressivas, como a delle, por essa moléstia da côr, esse mal não definido ainda, que ainda não tem nome, e deve ser uma espécie de nostalgia da alvura, envolta em certa dose de despeito contra os que gozam da superioridade da branquidade.1 Todas estas condições juntas são capazes de fazer nascer certa classe de humour, a espécie de humour compatível com as nossas raças ibero-africoamericanas. Tobias as possuía todas, e Machado de Assis apenas algumas; um era, quasi se pôde dizer, um tumulto organisado ; o outro, por índole, é manso e tranquillo, como o mais pacato burguez. (Romero, 1897: 164)

Os dois mestiços ilustres, então, encarnariam as formas possíveis da mestiçagem: uma positiva e adequada, com Tobias Barreto exemplificando tal “tipo-ideal”, possuindo, nas palavras de Romero, uma “índole espiritual” - atento como era Barreto aos ideias europeus e sem encontrar ambiente que acolhesse suas ideias - aprisionada a um “corpo de americano” (Idem: 163). Como contraponto, Machado de Assis surgiria como o exemplo típico da adaptabilidade, via mestiçagem, que não deu certo. Afinal, seu humor era cópia descarada do humorismo inglês, recurso estilístico utilizado apenas como

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arremedo sem bases na realidade. Não aparecia em meio a discussões profundas e balizadas pela necessidade de solucionar os problemas nacionais mas era um apanhado de motivos frívolos, em torno de uma construção com fins ao gracejo vazio, fruto de uma produção voltada para a satisfação de quem encomendou o texto (Idem: 167). O traço da adaptabilidade como reforço a ideia da mestiçagem, entendida como chave para a interpretação da realidade, esposada com clareza na comparação Machado – Tobias, se produz na tensão entre a realidade que era inegavelmente marcada pela mestiçagem e o juízo primeiro da superioridade dos “arianos”. Em mais uma explicação sumária sobre as diferenças dos dois autores, demonstra como a personalidade de Barreto, que se refletia em sua obra, era marcada pelo contraste, pela união de uma sensibilidade própria aos “latinos” e “meridionais” em contraponto ao humorismo de aparências de Machado: O poeta e critico que venho comparando a Machado de Assis, sob o ponto de vista de alguns predicados litterarios,*era uma espécie de natureza dupla, uma synthese de duas Índoles contrarias: um temperamento escarninho e zombeteiro, cuja origem não seria difficil indicar a quem. como eu, conheceu os seus antepassados, alliado a uma natureza de melancólico, de que me seria também fácil determinar a procedência. (Idem: 199)

Como pode-se perceber, Tobias Barreto encarnaria a verdadeira face brasileira, marcada pela sensibilidade em convivência com o lado racional, de crítica, de análise. Estariam em conexão e em tensão, pois os aspectos ligados a seu lado “objetivo” estariam permeados pelo “subjetivismo da poesia e do sonho” (Idem: 200). Concluindo sua comparação, enfatiza que Tobias não fez uso do humor como recurso estilístico de forma consciente, deliberada. Tal fato, contrário ao diagnóstico sobre Machado, comprova o quanto o humorismo de seu conterrâneo, segundo juízo de Romero, era afinado com seu lugar de mestiço, sempre em tensão com a seriedade com que encarou outras questões. E em Machado tal característica nada mais significaria do que pastiche, mimetismo pobre (Idem: 255). Os julgamentos de Sílvio Romero em seu Machado de Assis estão totalmente relacionados com a interpretação contida em sua História da Literatura Brasileira, uma vez que nela o seu tão defendido “critério etnográfico” foi sistematizado como introdução

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a sua extensa análise sobre a gênese da cultura brasileira. Como esforço de gestar um projeto nacional, baseado na literatura, que entendia a civilização brasileira como uma versão da sociedade europeia - versão essa “modificada”, “desfigurada” (Romero, 1888: 161) - Sílvio Romero acabou por inverter a lógica da função histórica da mestiçagem. Essa teoria de Gobineau, que chegou a Sílvio Romero via Buckle, julgava que a mistura de uma raça branca original com outras inferiores foi o que viabilizou a civilização, posto que esse grupo, hipotético, imaginado pelo cientificista francês, existia em número exíguo (cf. Candido, 2011: 134-136). Na concepção original de Gobineau, a mestiçagem, além de um mal contido na gênese da civilização humana, levaria inevitavelmente a degradação, haja visto que a mistura entre raças diversas sempre era degenerativa. Logo, civilização na concepção primeira de Gobineau era inevitavelmente um caminho fadado a extinguir os tipos “puros” via cruzamento e seu consequente rebaixamento. A superação de tal paradoxo, na retórica de Sílvio Romero, não se fez sem aderir a outros. O crítico sergipano, ao aderir a mestiçagem como chave de leitura para a identidade nacional, precisou tensionar a proposta original do autor de Essai sur l'inégalité des races humaines como saída para evitar a própria derrocada de seu projeto. A saída foi aderir a proposição de Taine, baseada na ideia de crítica fundada em três fatores: raça, meio e história. Entretanto, repudiava parte da doutrina, principalmente a que reputava o fatalismo das variantes do “tainismo exorbitante”. Em suas palavras: Em esthetica e critica o bello, o ideal, as producções artísticas e litterarias, foram tratados por um systema inteiramente mecânico, foram considerados fataes, impostos á intelligencia humana por não sei que poder da natureza externa. E' tempo de reagirmos contra esse tainismo exorbitante, deixandolhe apenas o que ele tiver de verdadeiro. As individualidades humanas não são pontos mecânicos no espaço; são, ao contrario, centros de energia, de creação, de força e vigor. A arte é ainda e será sempre, segundo o velho Schopennhauer, a região da liberdade, isto é, de todas as regiões do pensamento—aquella em que com maior autonomia se affirma uma intelligencia, de selecção. (Romero, 1888: 620)

Ainda sobre a questão da adaptabilidade, na sua História Sílvio Romero, como visto anteriormente, indicava a harmonização racial não como um caminho possível, mas como única saída, visto que sobre a mestiçagem, em suas palavras, “não vem nada ao caso discutir se isto é um bem ou um mal; é um facto e basta” (Idem: 92). No cadinho racial brasileiro, o negro levou vantagem em relação ao índio mas a questão da adaptação

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aparece mitigada pelo quesito racial novamente. Ao observarmos o trecho abaixo reproduzido, fica clara a demarcação do branco como fator de integração e adaptabilidade, ainda mais que a ambientação em relação ao meio, posto que os indígenas, natos da região, em tese levariam vantagem, como na narrativa própria do romantismo:

O negro é adaptável ao meio americano; é susceptível de aprender; não tem as desconfianças do indio; pôde viver ao lado do branco, alliar-se a elle. Temos hoje muitos pretos que sabem ler e escrever; alguns formados em direito, medicina, ou engenharia; alguns comerciantes e ricaços; outros jornalistas e oradores. Ao negro devemos muito mais do que ao indio; elle entra em larga parte em todas as manifestações de nossa actividade. Cruzou muito mais com o branco. (Romero, 1888: 90; grifos meus)

As linhas acima demarcam claramente os limites da proposta interpretativa de Sílvio Romero, ao focar na reprodução com o branco como forma privilegiada (e única) de adaptação positiva. Mesmo quando tratou da questão da imigração europeia e demonstrou preocupação com a integração destes à nacionalidade brasileira, salientou a necessidade da manutenção da “raça portuguesa” como modo de manutenção do caminho a ser seguido de fortalecimento de um tipo étnico afinado ao caráter nacional (Romero, 1904: 312). A necessidade de aceitação da realidade e encaminhamento para um futuro moderno, alinhado aos países centrais conformaram toda o movimento pendular, contraditório sim, mas em tensão e movimento permanente. O diagnóstico da necessidade de um enfrentamento sério e baseado em dados da realidade fez com que o crítico assumisse a mestiçagem como dado inconteste e fator correlato ao processo de democratização assumido pelo “quarto estado” na Europa (Romero, 1894). Esse senso de realidade e de necessidade de manejar um repertório que se adequasse a essa missão fica latente no trecho abaixo, também extraído de sua História da Literatura: A realidade é grosseira, mortificante e miserável; o homem sempre e em todos os momentos, collectiva e individualmente, forceja por libertar-se da pressão incommoda e aviltante a que se sente condemnado. O mundo da arte é a região encantada da liberdade; ella é tanto mais perfeita, quanto mais nos affasta da realidade triste e mesquinha da vida. A arte ó uma audaciosa corrigenda, que o homem, Prometteu encadeado, impõe ao mundo feio e deprimente a que o prendera um destino cruel. Achamos acanhada a realidade e sonhamos um mundo melhor (Romero, 1888: 507508).

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A afirmação de um tipo intelectual novo, atuante, esteve ligado diretamente a proposta estética de Sílvio Romero. Como procurei demonstrar no primeiro capítulo desta dissertação, a sensibilidade naturalista, encampada por Sílvio Romero, provocou celeumas graves no ambiente cortesão da capital federal. A necessidade de romper com a crítica baseada no bom-gosto e no julgamento de autores, ao bel prazer dos julgamentos pessoais do crítico e sem uma análise da obra no conjunto da cultura brasileira fez com que encarasse a participação intelectual no Rio de Janeiro como uma luta em duas frentes: a defesa de um método objetivo e a defesa de uma trajetória e de uma linhagem intelectual que fizesse de sua própria trajetória o ápice do amadurecimento do cientificismo no Brasil. Movimento complementar ao que localiza Machado de Assis, grande nome da cena intelectual brasileira do período, como o antípoda privilegiado de seus esforços críticos, elevando Tobias Barreto como o grande prócere das letras brasileiras daquele momento. Escolhendo essa estratégia, também acabou por defender seu projeto intelectual mais amplo de análise do “momento histórico” brasileiro. Sua aclimatação do repertório cientificista, heterodoxa em todos seus aspectos, carregava em si não só a tensão sobre a inclusão dos negros e indígenas mas também era extremamente conflitante quanto a adesão aos ditames centrais do liberalismo. Tentei, no segundo capítulo da dissertação, demonstrar essa tensão entre as referências liberais, entendidas principalmente pelo prisma que Herbert Spencer imprimiu em sua obra com a tentativa de Sílvio Romero de viabilizar o futuro do país e a identificação do povo, entendidos pelas lentes da suposta originalidade. Essa originalidade, buscada nas tradições culturais do povo, na poesia, no folclore, nos cantos e contos populares (cf. Romero, 1883; Romero, 1885; Matos, 1994) também foi buscada na proposição de novos arranjos institucionais, como o parlamentarismo e a definição do papel do Estado e da forma que o federalismo deveria assumir para equilibrar o poderio das unidades federativas, tão díspares em poderio econômico e político e solucionar os entraves também pela educação. O parlamentarismo, como forma de evitar o metabolismo excessivo da máquina estatal, como estava sendo gestada nos anos do governo provisório, foi associada pelo crítico ao positivismo e suas concepções tutelares e autoritárias, principalmente pelo tom dado pelos membros do Apostolado. Demanda em total acordo com a doxa liberal mas

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defendida sob os argumentos calcados numa perspectiva substantiva sobre a índole do povo brasileiro. Contudo, “povo” no esquema analítico do autor de Doutrina contra Doutrina é encarado como algo a ser descoberto, garimpado, mas não nos moldes do Romantismo: deveria encarnar e referenciar a realidade em um projeto estético-político que não deveria ser alegórico como o da geração romântica. Entretanto, essa “descoberta” convive também com a perspectiva que o Estado poderia atuar como modelador desse caminho ideal para o surgimento do “popular” autêntico, seja na literatura, seja na política. Afinal, como salientou em diálogo unilateral com Rui Barbosa, ao contrário do povo norte-americano, o brasileiro não teria a “índole” corajosa e forte para garantir sua participação como cidadãos num esquema representativo aos moldes da pátria de Thomas Jefferson (Romero, 1893: 42). A tensão e o movimento a que Sílvio Romero parece imprimir a esses pólos conflitantes de sua formação também se combinam, de forma crítica, com o próprio romantismo, posto que a ideia de uma particularidade nacional a ser encontrada nas manifestações culturais populares carrega forte relação com o projeto romântico alemão. A triagem que o crítico sergipano opera com suas referências teóricas sofre efeitos reflexivos dados pela conjuntura, posto que os dilemas da nascente república e os entraves deixados pela história colonial e Imperial brasileira são os temas a serem enfrentados intelectualmente mas não podemos, mediante tal fato, resumir seu projeto intelectual como determinado mecanicamente pelos sabores da conjuntura. O projeto máximo de uma perspectiva nacional, legítima e não-mimética desemboca no que tentei localizar no terceiro capítulo do presente trabalho como “mestiçagem cultural”. Esse movimento que levava as concepções gestadas na análise literária para dar inteligibilidade e viabilidade aos fenômenos políticos não era realizado de forma monolítica e sua conformação também acarretou diversas contradições. A questão da representação política, entendida sob esse prisma, aparece como fortemente marcada por essa visão substantiva do “povo” e caracteriza um grande impasse não enfrentado pelo autor. A situação de dispersão, domínio sob as oligarquias e falta de voz não seriam solucionados mediante assunção dos pobres como indivíduos que tem a cidadania em seu estatuto pleno mas sim seriam representados por uma elite intelectual municiada por um instrumental de leitura e intervenção na realidade que desse conta dos impasses nacionais (cf. Sevcenko, 1983).

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Já no final da primeira década do século XX, já nos últimos anos de vida de Sílvio Romero, suas concepções sofreram uma inflexão importante, que não trabalhei na dissertação pelas limitações objetivas que a natureza do trabalho impôs. Essa inflexão significou um abandono total das concepções mais ligadas ao liberalismo clássico, como a questão do papel do Estado e da participação da “sociedade civil” mas também significaram uma acentuação no enfoque pessimista. Em O Brasil na Primeira Década do Século XX, livro de 1910, Sílvio Romero traça linhas de extremo desencanto sobre a forma republicana assumida no país: Como quer que seja, a república é agora e por enquanto a última ilusão do povo brasileiro. Sua constituição espúria, copiada servilmente da constituição dos Estados Unidos, erro que nos tem custado caro; sua loucura financeira por ocasião do famoso encilhamento; suas revoltas da armada, do Rio Grande, de Canudos, e outras e outras acarretando tremendas despesas ao Tesouro, e dando lugar às mais repugnantes cenas de cruel ferocidade; seus câmbios sempre baixos, revelando a extraordinária depreciação da moeda; sua bancarrota, que trouxe a moratória do funding loan; seus pesadíssimos impostos de todo o gênero a vexarem o povo; o despotismo das oligarquias estaduais, oprimindo todas as classes; a desorganização de todos os serviços administrativos; as roubalheiras nas repartições fiscais, denunciadas quase diariamente pela imprensa; todas estas chagas visíveis a olhos nus, que andam a afear o corpo da república, têm levantado um tão formidável coro de imprecações, como se não tinha ainda ouvido outro igual em toda a existência da nação. (Romero, 2001: 114)

O diagnóstico pessimista sobre os rumos do país também é acompanhado pelo tom enfático agora dado a necessidade de reformar a constituição e, com isso, dotar o Estado brasileiro de poderes de sanar os males sociais em que o país se encontra (Idem: 115). Mais do que isso, as erupções sociais que começam a estourar no país acabam por fomentar em Sílvio Romero o seu antigo receio sobre convulsões sociais de todos os tipos. Comentando sobre a insurreição dos marinheiros, em sua maioria “negros boçais” (Idem: 119) na Revolta da Chibata (1910), faz pesadas críticas ao governo federal e ao parlamento, por terem anistiado os revoltosos e como isso teria resultado em um péssimo efeito de demonstrar a fraqueza da nação perante a população (Ibidem). Em sua última aparição pública, em discurso de paraninfo aos bacharéis da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, datado em 20 de dezembro de 1913, poucos meses antes de sua morte, Sílvio Romero aconselha os ouvintes

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formandos a optarem pelos estudo da Escola de Le Play e do Antropossociologia de Ammon e Lapouge47 ao invés do evolucionismo de Spencer. Após longas linhas enaltecendo os feitos analíticos do filósofo inglês, os caracteres do liberalismo e marcando os malefícios do Estado enquanto tutor, faz o seguinte aconselhamento: “O estado, por seu lado, desempenha seu papel de protetor de modo a arruinar uns, desapontar outros, a fazer recuar de medo os que mais necessidades têm de seu auxílio; seu método para organizar a defesa do país é tão extravagante e tão ineficaz que todos os dias são queixas, censuras, zombarias; enfim, como intendente da nação e de uma parte de nosso vasto domínio público, tira como renda – o déficit. Logo, confiai no estado...” Dito isto por quem e contra quem? Por um dos mais eminentes sociólogos modernos, contra a administração de uma terra, onde há governo e existe a iniciativa particular. – Que se diria de certa gente onde não há uma coisa nem outra?... Mas é principalmente nos valentes escritores da ciência social leplayana que, de preferência, aconselho a meus jovens patrícios que vão procurar as lições de que todos nós precisamos. Eles fizeram especialidade do estudo das medidas indispensáveis aos povos denominados comunários, para conseguirem a modificação de sua índole apática e sua transformação particularista. (Romero, 2001b: 249; grifos do autor)

Associando os ensinamentos da Escola de Le Play aos da Antropossociologia, opera importante modificação na sua concepção sobre a mestiçagem no país e a necessidade de contar, por meio da imigração europeia planejada, com distribuição igualitária por todo o território nacional. Em suas próprias palavras, Sílvio Romero condensa essa nova perspectiva no encerramento de seu discurso: E, ou o seu sistema educativo seja a causa determinante de seu gênio e caráter, como querem os da ciência social, ou seja, ao contrário, como ensinam os da antropossociologia, separados, neste pontos, dos outros, um rebento, uma conseqüência, um reflexo desse mesmo gênio e caráter, para nós brasileiros, gentes mestiçadas a mais não ser, e que precisamos da grande escola e dos fortes exemplos, é indiferente... Causa ou efeito, ou simultaneamente, causa em uns casos, efeito em outros, a severa seleção energética que tem nas gentes particularistas e eugênicas por excelência seus melhores modelos, é que nos convém, se nos queremos regenerar, se aspiram especialmente matar a politicagem e seus inqualificáveis perniciosíssimos efeitos. É a tarefa do futuro. Ainda creio nele. (Romero, 2001b: 272)

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A Escola de Ciência Social, comumente associado a figura de Frédéric Le Play, foi uma tentativa de conciliação do método objetivo informado pelo positivismo e uma concepção fortemente marcada pela necessidade do estudo das manifestações socioculturais como chave de leitura de outros aspectos da realidade. Essa vertente foi ligada ao pensamento da Doutrina Social da Igreja e apresentava forte viés conservador. Sobre o tema, ver Lepenies, 1996.

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A esperança que Sílvio Romero demonstra no final de sua fala aos novos bacharéis se apresenta de forma totalmente diversa daquela encontrada nos seus intentos durante os primeiros anos da república. A mestiçagem não aparece mais como elemento democratizante por excelência do processo histórico brasileiro e os problemas da conjuntura social permanecem no mesmo diapasão do diagnóstico feito pelo autor nas primeiras décadas do regime republicano. Alguns autores, como seu biografo Sylvio Rabelo (1967) e Evaristo de Moraes Filho (1985), apontam que sua experiência intelectual e parlamentar, de certa forma frustrada, provocou o descrédito para com os antigos modelos que defendeu e um dos mais preponderantes entre eles foi o da mestiçagem, agindo como fator primordial de adaptabilidade. O evolucionismo spenceriano também perde impacto no conjunto do seu pensamento, na sua fase final da vida, em proveito das teses fatalistas, do ponto de vista racial, que a Escola de Ciência Social e a Antropossociologia indicavam. Essas são hipóteses a serem testadas em outras pesquisas mas as pistas aqui elencadas talvez permitam perceber que as contradições de Sílvio Romero, vivas e em relação aos problemas enfrentados por ele, integram um quadro do naturalismo brasileiro menos estático do que indicado por grande parte da fortuna crítica. A breve análise que realizei pondo em paralelo sua reflexão intelectual materializada nos seus textos conjuntamente com suas “intervenções práticas” permite perceber como diversas concepções sobre modernidade estavam em discussão e disputa pela geração que viveu a crise do Império do Brasil e a transição para a República. Além disso, num plano mais geral, demonstrase útil esse movimento de análise, a meu ver, como forma de pensar as trajetórias e produções intelectuais chamadas clássicas, dentro do campo de estudo do pensamento social brasileiro, dentro de uma dinâmica menos “desencarnada” (Fevbre apud Chartier, 1988: 70) e mais atenta aos processos constituintes da produção intelectual e de formação dos instrumentos de produção e interpretação do conhecimento As ideias não se localizam nem se produzem num vazio social e o uso que os intelectuais fazem delas respondem reflexivamente a conjunturas político-sociais específicas.

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