O Contencioso do Direito à Informação no regulamento da LDI (Resumo

June 2, 2017 | Autor: Paulo Daniel | Categoria: Direitos Fundamentais e Direitos Humanos
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O Contencioso do Direito à Informação no regulamento da LDI (Resumo) Paulo Comoane Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da UEM

No cumprimento das suas prorrogativas constitucionais, a Assembleia da República (AR) conferiu ao Governo a competência originária para, no prazo de 180 dias, aprovar o regulamento de execução da Lei n.º 34/2014, de 31 de Dezembro – Lei do Direito à Informação (LDI). A aprovação do regulamento da LDI visava responder a orientação do Direito que defende que os actos legislativos que incumbem ao poder executivo a sua regulamentação são inexequíveis antes da aprovação dos respectivos regulamentos porque, estes actos actuam como condição suspensiva dos actos legislativos que visam regulamentar1. Pelo que, em termos práticos, a LDI manteve-se inexequível durante um ano, já que o respectivo regulamento, o Decreto n.º

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Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiro Editores, 41.ª Edição. Pg 144.

35/2015, de 31 de Dezembro, só apareceu exactamente um ano depois da publicação da LDI. O mesmo também se verifica quando o poder regulamentar excede o prazo dentro do qual uma lei deve ser regulamentada, como aconteceu neste caso em que o Governo aprovou o Regulamento da Lei do Direito à Informação (RELDI) seis meses depois do fim do prazo fixado na lei. No Direito, o tempo é um acontecimento natural com relevância jurídica e é controlado através de prazos fixados na lei por acordo dos interessados. No Direito Civil, por exemplo, a falta de exercício de um direito por certo lapso de tempo determina a sua prescrição. O mesmo acontece com o Direito Público onde o tempo também não é indiferente porque as normas dão-lhe relevância jurídica, como é o caso das normas constitucionais que fixam mandatos em função do tempo. Investido num mandato, um órgão público só pode exercer regularmente as suas competências dentro do prazo de duração da sua investidura num determinado cargo, findo o qual e antes da sua substituição só pode exercer os chamados poderes de gestão corrente2.

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Neves, Maria José Castanheira. Gestão Corrente; regime de gestão limitada dos órgãos das autarquias locais e seus titulares, Lei n.º 47/2005, de 29 de Julho. Pareceres Jurídicos, disponível em http://www.ccdrc.pt/index.php?option=com_pareceres&view=details&id=1750&Itemid=45

No que à regulamentação da LDI diz respeito, o Governo dispunha de uma competência a ser exercida dentro do prazo de cento e oitenta dias. Não tendo sido exercido dentro do prazo fixado na lei, será que opera a caducidade da competência de regulamentar do Governo? A prática jurisprudencial do direito comparado considera que quando a lei fixa prazo para a sua própria regulamentação, decorrido esse prazo sem publicação do decreto regulamentar, os destinatários da norma legislativa podem invocar os seus preceitos e auferir todas as vantagens dela decorrentes, por entender-se que a omissão do poder executivo não tem o condão de invalidar os mandamentos legais do poder legislativo3. Não há caducidade do poder regulamentar. No entanto, a falta de exercício do poder regulamentar pelo poder executivo pode ser objecto de litígio pelos interessados na aprovação da norma regulamentar. Portanto, o poder conferido pelo legislador ao Governo para regulamentar a LDI não é um poder ilimitado, antes pelo contrário é um poder vinculado à Constituição e ao próprio conteúdo da LDI. A ausência do conteúdo normativo, constitucional, do direito à informação pode indiciar a inexequibilidade deste direito, já que o 3

TJSP, RT 568/33, Apelação N.º9111929, 12 de Fevereiro de 2012, disponível em http://tjsp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21591022/apelacao-apl-9111920112009826-sp-9111920-1120098260000tjsp/inteiro-teor-110381918.

poder de delimitação e conformação das permissões legais correspondentes ao seu conteúdo normativo foi deixado a cargo do legislador ordinário. Deste ponto de vista, as posições jurídicas do cidadão face ao Estado no que diz respeito ao direito à informação ficaram necessariamente dependentes “de uma optimização legislativa”. Contudo,

em

termos

práticos,

esta

aparente

fraqueza

constitucional do direito à informação pode traduzir-se num ganho, na medida em que o legislador ordinário ficou com maior liberdade para fixar o seu conteúdo. Só que esta técnica legislativa constitucional comporta um risco associado a possíveis omissões do legislador ordinário. Do Contencioso administrativo do DI Ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 253 da CRM, é assegurado aos cidadãos o direito ao recurso fundado em ilegalidade de actos administrativos prejudiciais aos seus direitos. Por esta norma constitucional, o direito a recurso contra actos administrativos, é uma garantia fundamental do cidadão, ou seja, traduz-se num modo específico no direito de acesso à justiça administrativa contra as decisões administrativas dos órgãos da administração estadual e autárquica no domínio da informação. Neste sentido, o RELDI adopta um modelo judicialista de protecção do direito à informação, o que no plano da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) corresponde ao direito

de ser julgado por um tribunal independente e imparcial4. Igualmente, a opção de remeter os litígios do direito à informação ao contencioso administrativo materializa o direito de acesso à justiça, previsto no artigo 8.º da DUDH, segundo o qual toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para jurisdições nacionais competentes contra actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei. Esta garantia é formalmente reconhecida pelos artigos 69 e 70 da CRM, assegurando o direito de impugnação contra actos que violem os direitos protegidos pela Constituição e demais leis; e, por outro, expressando o direito de o cidadão recorrer aos tribunais contra actos que violem os seus direitos reconhecidos pela Constituição e demais leis. A justiça administrativa é definida pela sua finalidade, como o conjunto das garantias dos cidadãos contra as actuações ilegítimas da Administração que ofendem os seus direitos5, mas porque o direito à informação não é exclusivamente dirigido ao cidadão uma vez que pode ser exercido mesmo por entidades públicas, é correcta a crítica de José Vieira de Andrade, segundo a qual já não é possível, no contexto de um Estado Social com uma administração descentralizada, reduzir a justiça administrativa à garantia dos particulares. A justiça administrativa deve ser vista

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De acordo com o artigo 10.º da DUDH, Toda a pessoa tem, em plena igualdade, direito a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida. 5 Andrade, José Vieira. A Justiça Administrativa. Almedina, 11.ª edição.

como substantivamente dirigida ao julgamento de recursos e acções emergentes de relações jurídicas administrativas6. litígios emergentes do exercício direito à informação Atendendo ao disposto na LDI, os litígios emergentes do exercício do direito à informação podem ser de índole civil, criminal, disciplinar e administrativos. Perante esta diversidade de domínios processuais em que se pode traduzir a litigiosidade ligada ao exercício do direito à informação, é legítimo perguntar se o legislador remeteu-os todos ao contencioso administrativo. Face ao disposto nos artigos 228 e 230, ambos da CRM, a resposta é obviamente negativa. Os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas no âmbito do exercício do direito à informação não se limitam, obviamente, aos casos de indeferimento de pedido de informação, consulta de processo ou passagem de certidões. Eles podem resultar, por exemplo, da deficiente prestação de informação, situação a que o legislador se refere expressamente no n.º 2 do artigo 9 da Lei n.º 14/2011, de 10 de Agosto, segundo a qual A Administração Pública é responsável pelas informações prestadas por escrito aos administrados, mesmo que não sejam obrigatórias. Em conclusão, deve-se afirmar que o regime de contencioso do direito à informação previsto no artigo 36 da LDI e artigo 18 do RELDI não esgotam, nem o leque de litígios que podem emergir de relações jurídicas administrativas de direito à informação, nem a 6

Andrade, José Vieira. A Justiça Administrativa. Almedina, 11.ª edição.

diversidade de meios processuais de que o interessado pode lançar mão em defesa dos seus direitos e interesses. Meios processuais no RELDI O recurso contencioso é um meio processual de garantia judicial do direito à informação que tem por objecto a anulação ou a declaração de nulidade ou inexistência desse acto. Portanto, para que se possa dar como admissível ou procedente o recurso contencioso, será necessário demonstrar a ilegitimidade do acto administrativo em causa, por padecer de qualquer ilegalidade geradora da sua invalidade7. Nem a LDI, nem o RELDI elencam as ilegalidades que podem inquinar o acto de indeferimento de pedidos de informação com invalidade, devendo ser aplicado o regime geral do contencioso administrativo, constante do artigo 34 da LPPAC, onde o legislador fixou as ilegalidades aplicáveis a todos os actos administrativos. Outro meio processual de garantia judicial do direito à informação é a intimação para informação, consulta de processo e passagem de certidão que consiste na condenação ou imposição à administração pública para uma especial prestação: a prestação de informação, a disponibilização de processos para consulta e a emissão de certidões 8. Diz-se meio processual de condenação porque, contrariamente aos meios impugnatórios como é o caso do recurso contencioso, a 7

Oliveira, Mário Esteves at al. Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Vol. I (Anotado), Almedina, 2006. 8 Fonseca, Isabel Celeste. Direito Processual Administrativo. Roteiro Prático, Almeida & Leitão, Lda. Porto, 2011. 3.ª edição, pg 175.

intimação para informação, consulta de processo ou passagem de certidão é de plana jurisdição porque o juiz administrativo detém o poder de ordenar a Administração a prestar a informação solicitada e fixar o prazo dentro do qual a intimação deve ser cumprida9. Por último temos a Intimação de órgão administrativo, particular e concessionário para prestar informação que tem por finalidade a condenação da Administração Pública para adoptar determinada conduta positiva (acção) ou negativa (abstenção). Lança-se mão deste meio processual urgente quando os órgãos administrativos, os particulares ou os concessionários violem normas de direito administrativos ou deveres decorrentes de acto ou contrato administrativo ou quando a actividade destes entes viole um direito fundamental como é o caso do direito à informação 10. Concluindo é importante frisar que o regime do contencioso do direito à informação previsto no RELDI é um reenvio para o regime

geral

do

contencioso

administrativo

actualmente

constante da Lei n.º 7/2014, de 28 de Fevereiro, do qual já constam meios processuais aplicáveis à defesa do direito à informação. A consagração formal dum contencioso do direito à informação traduz o reconhecimento da titularidade de uma posição juridicamente activa do cidadão merecedora de garantias judiciais próprias e típicas. 9

Artigo 110, n.º 1 da LPPAC Artigo 144, n.º 1, da LPPAC.

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Os meios escolhidos pelo legislador no RELDI para a defesa do direito à informação perante a Administração tem um potencial muito grande para garantir o acesso à informação de interesse público não subtraida do conhecimento público. Porém, a eficácia destas garantias jurisdicionais dependem de muitos factores, desde logo, o facto de os tribunais terem de lidar com os processos relativos ao acesso à informação como verdadeiras garantias jurisdicionais de um direito humano fundamental porque previsto na Constituição da República, DUDH, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos e no Protocolo da SADC sobre Cultura e Desporto. Em segundo lugar, é necessário que o cidadão esteja ao corrente da disponibilidade destes meios processuais como garantias que o legislador lhe proporcionou para a defesa dos seus direitos. A própria Administração Pública deve estar consciente de que o recurso ao contencioso administrativo não é um litígio contra ela, mas sim contra os seus actos de recusa de informação.

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