O contraditório no processo administrativo face a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Análise dos Mandados de Segurança nº 24.859-9/DF e 24.268-0/MG.

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O

CONTRADITÓRIO

NO

PROCESSO

ADMINISTRATIVO

FACE

A

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: Análise dos Mandados de Segurança nº 24.859-9/DF e 24.268-0/MG.

Murillo Sapia Gutier1 Santo Aparecido Gutier2

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Análise dos Mandados de Segurança nº 24.859-9/DF e 24.2680/MG; 2.1 O Mandado de Segurança nº 24.859-9/DF; 2.2 O Mandado de Segurança nº 24.268-0/MG; 2.3 Distinção entre ambos; 2.4 Fundamentos de um e outro julgado; 2.5 Solução que foi dada aos casos analisados; 3 Conclusão.

1 Introdução

O princípio do contraditório é tema fundamental na seara processual, consistindo em verdadeiro direito fundamental posto aos jurisdicionados. O que se discorrerá com o presente artigo é o alargamento dessa garantia ao processo administrativo, por força do artigo 5º, LV da Constituição Federal. Para tanto, far-se-á análise de dois julgados emblemáticos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que estes enaltecem a evolução da hermenêutica daquele Sodalício pela nova forma de interpretar o princípio do contraditório, mormente na esfera administrativa.

2 Análise dos Mandados de Segurança nº 24.859-9/DF e 24.268-0/MG.

2.1 O Mandado de Segurança nº 24.859-9/DF

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Advogado militante. Mestre em Direito Público pela PUC-MG. Especialista em Direito Civil pela PUC-MG. Professor de Direito Processual Civil na Universidade Presidente Antonio Carlos – Campus Uberaba e na Faculdade Talentos Humanos – Facthus. 2 Professor de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo na Universidade de Uberaba. Juiz de Direito em Minas Gerais (aposentado). Advogado Militante.

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O Mandado de Segurança em comento, impetrado no Supremo Tribunal Federal (STF), teve como causa de pedir próxima, ato do Presidente do Tribunal de Constas da União (TCU) que entendeu por ilegal o ato de concessão de pensão civil em favor da impetrante do writ. Em 1990, o INSS – que era a fonte pagadora da pensão – deferiu a habilitação da impetrante na qualidade de filha viúva (equiparada solteira) do beneficiário. Em 1992, a Câmara dos Deputados passou a pagar a pensão da impetrante, uma vez que seu pai era servidor daquela casa legislativa. Com isso, a mesma ficou na condição de pensionista da Câmara dos Deputados. O TCU cancelou o recebimento da pensão pela impetrante, ao fundamento que “na data do óbito do instituidor do benefício, ocorrido em 11 de março de 1974, a impetrante era casada e, portanto, não faria jus ao deferimento de seu pleito”. Entendeu o TCU que o benefício a que desfrutara a impetrante era ilegal e com base nisso determinou o cancelamento do desfrute sem que resguardasse o contraditório. Tendo em vista esses fatos, a Câmara dos Deputados, amparada em determinação do TCU, suspendeu o pagamento da pensão a que percebia a impetrante. Em causa de pedir remota, salientou a violação ao direito adquirido, segurança jurídica, prescrição e decadência, com fulcro no artigo 54 da Lei nº 9.784/99, postulou o restabelecimento liminar da pensão. Nas informações prestadas, a Câmara dos Deputados apenas salientou o cumprimento de determinações do órgão responsável pelo registro da pensão – o TCU. Este, por sua vez, enfatizou que ilegalidade não é passível de convalidação pelo decurso do tempo e, por ser a concessão de pensão um ato complexo, o aperfeiçoamento do mesmo ocorre apenas com o registro do Tribunal de Contas. Instado a emitir parecer, a Procuradoria Geral da República opinou pela denegação da ordem, ao fundamento de ser ato complexo a concessão da pensão, o que se completaria (rectius: passaria a produzir plenos efeitos) a partir do exame da legalidade pelo TCU. O STF, em relato da lavra do Ministro Carlos Velloso, citando precedentes da Corte, indeferiu a liminar, entendendo que o Tribunal de Contas exercita controle externo acerca da

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legalidade das concessões de aposentadorias, sendo que, para tanto, não precisa observar um processo em contraditório.3 Para o relator, o ato de concessão de aposentadoria e pensões não é definitivo senão com o pronunciamento pelo Tribunal de Contas acerca da legalidade do ato. Novamente invocando os precedentes da Corte, como o RE nº 163.301/AM e a Súmula nº 6 do STF, enaltece que a possibilidade de averiguação e revisão da legalidade do ato concessivo, assim como as decisões do Tribunal de Contas a respeito desse tema não estão sujeitas ao contraditório. Um dos fundamentos para corroborar a inaplicabilidade do contraditório ao poder de controle do TCU4 residiria em “enfraquecimento absolutamente incompatível com o papel que vem sendo historicamente desempenhado pela instituição, desde os albores da República”, fato este que acarretaria em grave lesão à ordem administrativa. O grande lapso de tempo para a análise da legalidade da concessão da pensão não ensejaria a ocorrência da decadência, entendeu o Relator. Quanto à legalidade do ato em si, entendeu o mesmo que ao tempo do óbito do instituidor da pensão a impetrante era maior de idade e não era dependente daquele, amparando-se, novamente, em precedentes da Corte.5

2.2 O Mandado de Segurança nº 24.268-0/MG

Em situação semelhante à anterior, o Mandado de Segurança em epígrafe teve como causa de pedir próxima, atos do Presidente do Tribunal de Constas da União (TCU) e do Gerente de Recursos Humanos da Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Fazenda, - Gerência Regional em Minas Gerais, que cancelou o pagamento de pensão especial que gozava a impetrante, concedida à 18 anos.

“O Tribunal de Contas, no julgamento da legalidade de concessão de aposentadoria, exercita o controle externo que lhe atribui a Constituição, no qual não está jungido a um processo contraditório ou contestatório” (STF – Pleno - MS nº 24.784/PB, rel. Min. Carlos Velloso, j. 19.05.2004). 2 Fundamentando-se em julgado da lavra de Octávio Gallotti (Suspensão de Segurança nº 514 – AgR/AM, in RTJ 150/402). 3 STF – MS n. 22.604/SC – rel. Min. Maurício Corrêa – DJ de 08.10.99. 1

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Em causa de pedir remota, suscitou que o cancelamento foi feito unilateralmente, sem a observância dos princípios do contraditório, ampla defesa, devido processo legal, ao direito adquirido e à coisa julgada. Nas informações prestadas, o Presidente do TCU esclareu que o ato de adoção, ocorrido em 1984, não observou a formalidade disposta nos artigos 28 e 35 da Lei 6.697/79 (Código de Menores). A impetrante fora adotada pelo instituidor do benefício no ano de 1984, quando esta contava com quatro anos de idade, época esta em que vigia o Código de Menores (Lei n. 6.697), que estabelecia que, para a adoção de menor de 18 anos, era necessária autorização judicial (art. 28). Em não sendo respeitada as formalidades da Lei supra citada, entendeu o TCU que o ato era ilegal, e conseqüentemente, a concessão da pensão. Quanto ao segundo impetrado, este apenas cumpriu o determinado pelo TCU. A Procuradoria Geral da República opinou pela concessão da segurança. A relatora original do caso foi a Ministra Ellen Gracie, embora reconhecesse a Competência do TCU para apreciar a legalidade dos atos de concessão de aposentarias, para fins de registro e da possibilidade de controle pelo Judiciário dos atos praticados pela mesma, pautou-se nos precedentes da Corte, especialmente na Suspensão de Segurança nº 514, citado anteriormente. Igualmente, pautou-se no RE n. 158.543, em voto do Ministro Carlos Velloso6, entendendo que, em questões estritamente de direito, é dispensável o contraditório na fase administrativa. Outro fundamento suscitado pela Ministra reside na não ofensa ao contraditório (art. 5º, LV da CF/88) ato do Tribunal de Contas que retifica ato de concessão de aposentadoria, excluindo-se vantagens tidas como indevidas.7 Ementa: “ATO ADMINISTRATIVO - REPERCUSSÕES - PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE SITUAÇÃO CONSTITUÍDA - INTERESSES CONTRAPOSTOS - ANULAÇÃO - CONTRADITÓRIO. Tratando-se da anulação de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque e comum a Administração e ao particular”. (STF – 2ª T. – RE 158.543/RS – Rel. Min. Marco Aurélio - j. 30/08/1994 – fonte: www.stf.gov.br, acesso em 12.03.2007). 5 Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RETIFICAÇÃO DE ATO DE APOSENTAÇÃO. REDUÇÃO DE PROVENTOS, COM BASE NO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE (ART. 37, CAPUT, DA C.F.). DESNECESSIDADE DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, COM OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA, DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. 1. O acórdão recorrido julgou válido ato de governo local (municipal), contestado em face da Constituição Federal. Tanto basta para que seja conhecido o R.E., interposto com base no art. 102, III, "c", da Constituição Federal. 2. 4

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Quanto à alegação de ocorrência da coisa julgada e direito adquirido, aventada pela impetrante, a então relatora aduziu que o Juiz de Direito da 5ª Vara de Família de Belo Horizonte não entrou no mérito da legalidade ou não do ato, mas que apenas “decidiu que os pais naturais reassumissem o pátrio poder sobre a então menor e que se procedesse a averbação à margem do registro de nascimento, sem prejuízo da situação anterior de adotada por seu bisavô, para o gozo dos benefícios e exercício do direito de adoção”. Para a Ministra Relatora, não houve coisa julgada quanto a esse ponto, por não ter o Judiciário se pronunciado sobre este tema. No que tange aos efeitos do tempo, pelo fato de ter se passado 18 anos do ato de concessão originário até a impugnação pelo TCU, salientou a magistrada, amparada no AgRg n. 120.893, em que foi relator o Min. Moreira Alves, fundamentando que situações ilegais não se consolidam no tempo e que “tampouco, a pretexto do fato consumado, não pode o Tribunal de Contas ser impedido de exercer suas atribuições constitucionais”. Por fim, salientou o exíguo lapso temporal entre a data da escritura da adoção e o óbito do adotante, que foi de uma semana, enfatizando a Relatora que “as circunstâncias evidenciam simulação na adoção com o claro propósito de manutenção da pensão previdenciária” e, sendo feita sem as formalidades legais, a adoção é nula, não produzindo os efeitos legais. Divergindo do voto da Ministra Ellen Gracie, o Ministro Gilmar Mendes, consignou novos fundamentos ao conteúdo jurídico do princípio do contraditório.8 Para o iminente Ministro, o advento da CF/88: Quanto ao direito de defesa, ampliou seu conceito, de modo que outorgou aos litigantes, seja em processo judicial ou administrativo. Igualmente, todo e qualquer acusado

O ato municipal, retificando o ato de aposentação do impetrante, ora recorrente, reduziu seus proventos aos limites legais, cumprindo, assim, o princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, da C.F.). 3. Mantendoo, o acórdão recorrido não ofendeu os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, até porque tal retificação prescinde de procedimento administrativo (Súmulas 346 e 473, 1ª parte). 4. Nem afrontou o princípio da irredutibilidade de vencimentos e proventos, pois só seriam irredutíveis os vencimentos e proventos constitucionais e legais. Não os ilegais. 5. Para a retificação, o Prefeito valeu-se da legislação municipal, que considerou aplicável ao caso do impetrante. 6. E esta Corte, em R.E., não interpreta direito municipal (Súmula 280). 7. Não ofendidos os princípios constitucionais focalizados no R.E., este é conhecido pela letra "c", mas improvido. 8. Decisão unânime: 1ª Turma do S.T.F. (STF – RE nº 185.255 – rel. Min. Sydney Sanches – j. 01.04.1997). 6 Em sede doutrinária o Ministro Gilmar Mendes já consiganara as colocações a seguir na obra: Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. – 3ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2004, p. 167.

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em geral é assegurada a ampla defesa e contraditório, abarcando o direito ao recurso inerente à ampla defesa. Toda e qualquer dúvida acerca do respeito ao contraditório restou superada pelo artigo 5º, LV da CF/88, ou seja, é cabível em todo e qualquer processo judicial ou administrativo. Com fundamento em Pontes de Miranda9, ressaltou que o Poder Constituinte, ao consagrar o direito ao contraditório, assegurou uma “pretensão à tutela jurídica”. Cita João Barbalho10, em clássica obra que data mais de um século, em que a plena defesa é incompatível com processos secretos, inquisitivos, que aceite depoimento de inimigos capitais do acusado ou julgamentos sem a sua presença. Sob forte aspiração na doutrina alemã, apresenta consistentes fundamentos embasados na Bundsverfassungsgericht (BVerfGE), enaltece que a pretensão à tutela jurídica não abrange apenas o direito de manifestação - como quer a doutrina clássica brasileira – e nem subsume ao direito à informação acerca do objeto do processo, mas abrange o direito de ver refletidas as considerações de quem as alega pelo órgão julgador. O eminente Ministro subdivide o princípio do contraditório nos seguintes direitos:

- “direito de informação (Recht auf Information), que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes”; - “direito de manifestação (Recht auf Äusserung), que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo”; - “direito de ver seus argumentos considerados (Recht auf Berücksichtigung), que exige do julgador capacidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefähigkeit und Aufnahmebereitschaft) para contemplar as razões apresentadas”.11-12

Entendeu o Ministro que a Lei 9.784/99 – Lei do Processo Administrativo Federal – que, no seu artigo 2º prescreve à Administração Federal o dever de observância do Contraditório e da Ampla Defesa, sendo que no parágrafo único desse mesmo artigo 7

Comentários à Constituição de 1967/69. Rio de Janeiro, 1987, t. V, p. 234. Constituição Federal Brasileira: comentários, Rio de Janeiro: Forense, 1902. 9 Salienta o Ministro: “Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador (Recht auf Berücksichtigung), que corresponde, obviamente, ao dever do juiz ou da Administração de a eles conferir atenção (Beachtenspflicht), pode-se afirmar que envolve não só o dever de tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas”. 10 Embora não citado no voto, este é o posicionamento adotado por Celso Antonio Bandeira de Mello, ao longo de sua obra Curso de direito administrativo. – 12ª ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 2000, n. 29, p. 432 e ss. 8

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estabelece o dever de respeito às formalidades processuais (inciso VIII) e do direito à comunicação de seus atos (inciso X).13 Cita os precedentes da Corte em abono e contra a tese por ele esposada, de modo que, ao fim das citações jurisprudenciais consigna sua discordância quanto ao posicionamento do Ministro Carlos Velloso, quanto aos procedimentos administrativos que tratem apenas de questões de fato, uma vez que estaria restringindo a finalidade do dispositivo do art. 5º, LV. Quanto às demais matérias de fundo do Mandado de Segurança, consignou que: - Não se mostra possível anular atos administrativos que outorga direitos à prestações em dinheiro, como no caso das pensões.14 - Em consideração à boa-fé e segurança jurídica, substitui-se a possibilidade de anulamento dos atos administrativos pela sua impossibilidade;15 - O papel desempenhado pela segurança jurídica, “como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material”. - Outra importante premissa fixada no voto reside no fator temporal como fator de justiça em face do caso concreto: “Não é admissível, por exemplo, que, nomeado irregularmente um servidor público, visto carecer, na época, de um dos requisitos complementares exigidos por lei, possa a Administração anular seu ato, anos e anos volvidos, quando já constituída uma situação merecedora de amparo e, mais do que isso, quando a prática e a experiência podem ter compensado a lacuna originária. Não me refiro, é claro, a requisitos essenciais, que o tempo não logra por si só convalescer – como seria, por exemplo, a falta de diploma para ocupar cargo reservado a médico – mas a exigências outras que, tomadas no seu rigorismo formal, determinariam a nulidade do ato”.16

2.3 Distinção entre um e outro

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Nesse sentido também se posiciona Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo, op. cit. n. 59, p. 445 e ss. 12 Com amparo na doutrina do Almiro do Couto e Silva, salienta que: “É absolutamente defeso o anulamento quando se trate de atos administrativos que concedam prestações em dinheiro, que se exauram de uma só vez ou que apresentem caráter duradouro, como os de índole social, subvenções, pensões ou proventos de aposentadoria”. (COUTO E SILVA, Almiro do, “Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança jurídica no estado de direito contemporâneo”, in Revista da Procuradoria-Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, vol. 18, nº 46, 1988, p. 11-29) 13 Para tanto, cita BACHOF, Oto. Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in der Rechtssprechung des Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen, 1966, 3ª ed., Auflage, vol. I, p. 257 e ss.; vol. II, 1967, p. 339 e ss. 14 O fundamento desse posicionamento reside nas lições de Miguel Reale. Revogação e anulamento do ato administrativo, 2ª ed. Forense, Rio de Janeiro, 1980.

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Verifica-se com a análise dos dois acórdãos que o primeiro ressalta a primazia do interesse

público

em

detrimento

do

privado

(direitos

fundamentais

dos

cidadãos/administrados). Ao conferir amplos poderes revisionais à Administração Pública, mitigando direitos consagrados pela Constituição da República. A Lei Fundamental de 1988 instaurou o que a doutrina processual chama de modelo constitucional de processo, que abarca os processos judiciais e administrativos. Isto quer dizer que a essência da teoria do processo como procedimento realizado em contraditório reside na “simétrica paridade” da participação, nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele são interessados porque, como seus destinatários, sofrerão seus efeitos17. E isso abrange todo e qualquer processo, como ressaltado pelo Ministro Gilmar Mendes, na esteira de seu voto. Para André Cordeiro Leal: “mais do que garantia de participação das partes em simétrica paridade, portanto, o contraditório deve efetivamente ser entrelaçado com o princípio (requisito) da fundamentação das decisões de forma a gerar bases argumentativas acerca dos fatos e do direito debatido para a motivação das decisões”.18 Interessante lição é ressaltada por Robert Alexy, que aduz:“Quando o juiz deixa as partes falar, porém não participa da brincadeira, na medida em que no final decide de forma a fazer valer o direito como ele o entende, ele trata as partes como pessoas que não entenderam o que é um processo jurídico, e que, portanto, não podem participar dele. Isso mostra que a argumentação em juízo não só deve ser interpretada no sentido de uma teoria do discurso, mas também precisa ser interpretada dessa maneira”.19 Explica Jürgen Habermas que: “Os paradigmas de direito permitem diagnosticar a situação e servem de guias para a ação. Eles iluminam o horizonte de determinada sociedade, tendo em vista a realização do sistema de direitos. Nesta medida, sua função primordial consiste em abrir portas para o mundo. Paradigmas abrem perspectivas de interpretação nas quais é possível referir os princípios do Estado de direito ao contexto da sociedade como um todo. Eles lançam luz sobre as restrições e as possibilidades para a

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GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 115. O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 105. Mesmo Candido Rangel Dinamarco, autor que melhor difundiu a doutrina instrumentalista no Brasil, assim se posiciona acerca do princípio do contraditório: “O que caracteriza fundamentalmente o processo é a celebração contraditória do procedimento, assegurada a participação dos interessados mediante exercício das faculdades e poderes integrantes da relação jurídica processual”. (A instrumentalidade do processo. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 79). 17 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. Tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001, p. 324. 16

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realização de direitos fundamentais, os quais, enquanto princípios não saturados, necessitam de uma interpretação e de uma estruturação ulterior”.20

Segundo Habermas, o paradigma do Estado Democrático de Direito – que ele chama de o paradigma procedimental do direito – é efeito da tentativa de superação dos paradigmas do Estado Liberal e o do Estado Social, que até hoje competem entre si. A Magna Carta mudou o paradigma21 do Estado Social, com amplos e irrestritos poderes – de revisar, retificar, cassar os atos emanados em detrimento dos cidadãos – para, com a consagração do Estado Democrático de Direito, conferir força normativa à cláusula geral do devido processo legal e seus consectários lógico-normativos (contraditório, ampla defesa, direito à defesa técnica).22

2.4 Fundamentos de um e outro julgado

Em síntese, considerando o exposto acima, pode-se destacar as seguintes diferenças acerca do princípio do contraditório no Processo Administrativo, tendo em vista os Mandados de Segurança objeto de análise, vejamos:

Mandado de Segurança nº 24.859-9/DF

Mandado de Segurança nº 24.268

Rel. Min. Carlos Velloso

Rel. Min. Gilmar Mendes

1. Fundamentação única e exclusivamente em 1. O contraditório e o direito à ampla precedentes da Corte, cingindo defesa devem ser observados em oxigenação/abertura de sua própria processo judicial ou administrativo; jurisprudência. 2. Julgamentos sem a sua presença da 2. O Tribunal de Contas exercita controle parte são inadmissíveis em face do 18

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, v. II, p. 181. 19 Termo com o qual Thomas Kuhn (v. kuhniano) designou as realizações científicas (p. ex., a dinâmica de Newton ou a química de Lavoisier) que geram modelos que, por período mais ou menos longo e de modo mais ou menos explícito, orientam o desenvolvimento posterior das pesquisas exclusivamente na busca da solução para os problemas por elas suscitados (cf. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.0 – verbete: paradigma). 20 “[...] o objetivo principal da garantia em exame não é a defesa compreendida no sentido negativo, ou seja, como oposição ou resistência à ação do outro, mas a ‘influência’ entendida como Mitwirkungsbefugnis (Zeuner) ou Einwirkungsmöglichkeit (baur), ou seja, como direito ou possibilidade de incidir ativamente sobre o êxito da decisão”. (TROCKER, Nicolò. Processo civile e constituzione. Milão: Giuffrè, 1974, p. 371). Nesse sentido aponta a doutrina, ao interpretar o artigo 156 da Lei 8.112/90, que o contraditório e ampla defesa à luz da referido artigo “representa a concretização do direito de presença do servidor e de seu defensor”. (BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo administrativo disciplinar. 2ª ed. – São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 312).

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externo acerca da legalidade das artigo 5º, LV. concessões de aposentadorias, sendo que, 3. O princípio do contraditório é para tanto, não precisa observar um abrangente, abarcando: processo em contraditório; a) Direito de manifestação; 3. O ato de concessão de aposentadoria e b) Direito à informação; pensões não é definitivo senão com o pronunciamento pelo Tribunal de Contas c) Direito da parte de ver seus acerca da legalidade do ato, dessa forma, as argumentos considerados pelo decisões do mesmo, a respeito desse tema órgão julgador. não estão sujeitas ao contraditório; 4. A Lei 9.784/99 – Lei do Processo 4. Se fosse observado o contraditório, Administrativo Federal – absorveu incorreria no virtual enfraquecimento do essa abrangência acerca do princípio poder fiscalizatório a ser exercido pelo do contraditório. TCU, que comprometeria ou acarretaria 5. Todo e qualquer procedimento grave lesão à ordem administrativa. administrativo deve resguardar o direito ao contraditório, seja envolvendo questão de direito ou de fato, sob pena de restringir, indevidamente, o conteúdo do art. 5º, LV da CF/88.

Dessa forma, é perceptível que os Mandados de Segurança em comento são colidentes sob o prisma do conteúdo jurídico do princípio do contraditório. Vislumbra-se, nitidamente, que os fundamentos do MS 24.268 representam um considerável giro hermenêutico na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, estabelecendo premissas mais consentâneas com o marco do Estado Democrático de Direito instituído pela Lei Maior.

2.5 Solução que foi dada aos casos analisados

Em se tratando de casos que guardam entre si alguma semelhança (sob o plano dos fatos ou da causa de pedir próxima), no caso do MS n. 24.859, o Pretório Excelso, em decisão unânime, indeferiu o writ. No caso do MS n. 24.268, por maioria, em seção plenária o STF deferiu a pretensão, para conceder a segurança.

3 Conclusão

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Com a análise feita verifica-se nítida mudança de paradigma na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, de modo que se percebe uma evolução no reconhecimento do alcance do princípio do contraditório nos processos judicial e, o mais importante, a devida e necessária extensão ao processo administrativo, conferindo-se, por oportuno, efetividade e força normativa ao artigo 5º, LV da Constituição Federal, consentânea com o Estado Democrático de Direito.

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