O \" CONTRATO DIDÁTICO \" NA AULA DE COMPREENSÃO LEITORA EM FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA

May 30, 2017 | Autor: Angela Correa | Categoria: Methodology and Didactics of Foreign Language Teaching
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O “CONTRATO DIDÁTICO” NA AULA DE COMPREENSÃO LEITORA EM FRANCÊS LÍNGUA ESTRANGEIRA

VOLTAR Angela Maria da Silva Corrêa Docente - UFRJ A análise do discurso (a A.D.) constitui um campo de pesquisa bastante diversificado em seus princípios teóricos. As diversas correntes têm como ponto de partida a constituição de um “corpus discursivo” — definido como um “conjunto de textos de dimensão variável (ou um conjunto de seqüências discursivas) que remetam a condições de produção consideradas estáveis” 1 . Assim sendo, os analistas do discurso distinguem, de início, os traços comuns aos textos (orais ou escritos) que constituem o “corpus” pré-estabelecido, para, em seguida, através do estudo desses traços em confronto com a situação de produção dos textos, descrever os “gêneros discursivos” ou distinguir, através desses textos, os “imaginários sociais” que os atravessam (isto é, as maneiras de ver e de construir imaginariamente o mundo, próprias aos diferentes grupos sociais, que se materializam em suas “maneiras de dizer”). Qual seria, então, a relação possível entre a A.D. e o processo de ensinoaprendizagem do FLE? Acredito que, embora os objetivos de professores e alunos envolvidos neste processo sejam bastante diferentes daqueles dos analistas do discurso, alguns princípios da A.D. podem ser úteis aos professores de francês, e isso numa dupla perspectiva: 1) Na tomada de consciência do papel discursivo que professores e alunos assumem na sala de aula de FLE. 2) Na utilização de instrumentos e de princípios da A.D. para enriquecer as atividades

que

visam

ao

desenvolvimento,

nos

alunos,

da

habilidade

de

compreensão de textos. Passo então a desenvolver uma reflexão que abordará estes dois aspectos, e utilizarei, para atingir tal objetivo, alguns princípios de análise do discurso preconizados por Patrick Charaudeau2 . 1. A natureza discursiva do ato didático Segundo Patrick Charaudeau, todo ato de linguagem (logo, toda produção discursiva) pressupõe um contrato de comunicação. A noção de contrato é central na teoria discursiva de Charaudeau: para ele, cada vez que dirigimos a palavra a alguém, ou cada vez que tentamos nos comunicar com alguém — mesmo que através de gestos — o fazemos no intuito ou de cumprir ou de romper um contrato. O contrato pode ser definido como uma relação inter-subjetiva que se baseia no “status” psicossocial que cada um dos parceiros assume para com o outro e

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reconhece no outro. Examinemos o seguinte esquema, proposto por Charaudeau: Contrato de comunicação / \ / \ Mundo Sujeito Mundo Sujeito Mundo \ / \ a significar comunicante significado Interpretante / interpretado (finalizado (finalizado pelo Sc) pelo Si) Segundo Charaudeau, e a partir do que podemos ler no esquema acima, o Sujeito comunicante é aquele que, para atingir determinados fins, “se encontra diante do problema de ter de significar3 um mundo4 ao dirigir-se a um outro sujeito”. Assim sendo, aquele que toma a iniciativa de comunicar-se efetua uma série de operações linguageiras5 para representar o mundo e produzir sentido. E é justamente esse processo de operacionalização da linguagem para produzir sentido que constitui o discurso, materializado num texto. O Sujeito interpretante é aquele que, no ato comunicativo, efetua uma série de operações de atribuição de sentido ao texto com o qual entra em contato — o que caracteriza o processo de interpretação. Nesse processo, o Sujeito interpretante reconstrói o sentido do texto que lhe é endereçado — e o resultado dessa reconstrução é o mundo interpretado. É inevitável pois, que não haja coincidência entre “mundo significado” e “mundo interpretado”, visto que cada série de operações de representação é realizada por sujeitos diferentes, e diretamente dependente de seus saberes (de ordem lingüística, discursiva, enciclopédica, etc.), e que, naturalmente, são diferentes de um indivíduo para outro. É por essa razão que, numa seqüência discursiva em que os parceiros estão um

em

presença

do

outro,

o

normal

é

que

estes

parceiros

assumam,

alternadamente, os papéis de comunicante e interpretante, visto que quem toma a palavra

é

freqüentemente

solicitado

a

fornecer

informações

e

explicações

suplementares, a esclarecer pontos obscuros, num processo de ajuste e de negociação do sentido — necessário à realização do ato de comunicação. Ora, sabemos que, em sala de aula, professores e alunos estão ligados por um contrato didático: segundo este contrato, ao professor cabe transmitir conhecimentos e aos alunos adquiri-los — e como esse contrato é realizado através da linguagem, deve ser incluído na categoria mais geral do contrato de comunicação. O contrato de comunicação didático que liga professor a alunos em sala de aula se baseia numa assimetria: o professor é reconhecido pela sociedade como aquele que domina um certo saber e está apto a transmiti-lo, ao passo que o aluno é considerado como aquele que não sabe, e que, então, está em posição de inferioridade com relação ao mestre. A instituição escolar é um dos meios criados pela sociedade para fornecer as condições materiais e operar os meios de organizar a transmissão do saber. No âmbito da instituição escolar, criaram-se mecanismos de avaliação e de sanção que conferem poder aos professores — o que reforça a relação assimétrica desse contrato.

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Sendo assim, no contrato didático, trata-se, para o Sujeito-comunicante professor, de um dever transmitir um saber e de exercer um poder, o que lhe confere uma autoridade reconhecida pela sociedade e pela instituição escolar. E para o Sujeito-interpretante aluno, trata-se de dever adquirir um saber e submeter-se aos regulamentos escolares. É claro que o que acabo de afirmar no parágrafo precedente reflete uma visão rígida e parcial do contrato didático. Para que os objetivos desse contrato sejam atingidos, está previsto que professor e alunos sejam ora Sujeitoscomunicantes ora Sujeitos-interpretantes. O que permanece como uma constante, entretanto, é a natureza do dever que se impõe a cada um dos parceiros (o dever transmitir do professor e o dever adquirir dos alunos). É claro, também, que na “mise en scène” quotidiana desse contrato “as coisas não são tão simples assim”. Cada vez que exponho essa esquematização do contrato didático a colegas e alunos de francês, há sempre alguém que faz objeções. Dizem-me que nem sempre professores e alunos conseguem comunicar-se — “nem sempre a informação passa” — seja porque os alunos não estejam interessados em adquirir o saber que os professores devem transmitir-lhes (eles recusam o papel que

lhes

é

atribuído),

seja

porque

lhes

faltem

conhecimentos

gerais

ou

conhecimentos de sua própria língua materna para poderem “alcançar” os conteúdos do programa (eles não disporiam dos meios necessários para desempenhar o papel de interpretantes do discurso do professor). Com esses obstáculos, o contrato didático de transmissão do saber não deixaria de existir? Eu diria que o contrato institucional que liga professor e alunos, apesar desses e de outros obstáculos, continua vigente. Todos os professores a quem já expus essas reflexões admitem que, ao entrarem em sala de aula, o fazem com o objetivo de cumprir esse Contrato. Entretanto, se os alunos tentam esquivar-se e substituí-lo por um “contrato de divertimento” 6 , cabe ao professor encontrar os meios de motivá-los e de fazê-los querer aprender. Isso implica, da parte do professor, um esforço de persuasão baseado num conhecimento mais aprofundado dos interesses e das expectativas de seus alunos. Um dos princípios da teoria discursiva de Charaudeau diz respeito, justamente, à imagem de destinatário que o Sujeito-comunicante produz através de seu discurso: se essa imagem for muito distante daquela que o interpretante faz de si mesmo, o contrato de comunicação não terá muitas chances de realizar-se convenientemente. Por outro lado, se os problemas estão ligados ao nível insuficiente dos conhecimentos dos alunos, cabe uma ação pedagógica que objetive preencher as lacunas existentes — sem, no entanto, perder de vista os princípios7 segundo os quais os conteúdos que o professor apresentar aos alunos devem estar num nível um pouco acima daqueles já adquiridos, para que os alunos possam interessar-se em aprendê-los. Trata-se, aí também, de uma questão de adequação da imagem que o professor constrói de seus alunos à realidade dos conhecimentos que estes já

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possuam: procurar saber quais são as necessidades de seu alunado em termos de conteúdos a serem adquiridos e adotar objetivos educativos mais realistas (que vão além do conteúdo restrito dos programas) são atitudes que permitem ao professor traçar uma estratégia didática mais adequada em sala de aula. O contrato didático posto em cena na aula de língua estrangeira tem especificidades que requerem reflexões suplementares. Desempenhando o papel de Sujeito-comunicante no contrato didático, o professor de língua estrangeira não está na mesma situação que o de geografia, por exemplo. Enquanto a função do professor de geografia é a de transmitir conhecimentos utilizando-se da linguagem como de um instrumento, o professor de língua estrangeira deve transmitir uma língua, isto é, uma nova linguagem. Entretanto, como as línguas servem, justamente, para significar o mundo, é somente através de manifestações linguageiras dos sujeitos comunicantes que as línguas são postas em funcionamento para significar. Assim, é preciso repensar a tarefa dos professores de língua estrangeira, e refletir sobre o que é “ensinar a língua". Não se trata, por exemplo, de aprender “na teoria” como funcionam as formas lingüísticas. Nosso ensino tem como objetivo possibilitar aos alunos a utilização do repertório das formas lingüísticas para assumir ora o papel de sujeitos comunicantes ora o papel de sujeitos interpretantes dos textos (orais ou escritos) nessa língua. No que concerne à educação em geral, contribuímos para o desenvolvimento integral das habilidades de produção e interpretação dos alunos — o que facilitará, sem dúvida, seu “desempenho” em qualquer domínio intelectual. Ora, sabemos que a aquisição da língua materna, chamada de “aquisição natural”, se dá graças à exposição da criança a manifestações linguageiras (isto é, a textos em situação). Comparativamente, e apesar do fato de que a aquisição de uma língua estrangeira em “contexto institucional” siga etapas diferentes daquela da língua materna, é graças à exposição regular dos alunos a manifestações em língua estrangeira que sua aquisição se torna possível. Como assegurar essa “exposição” aos alunos? Sabemos que, na maior parte das vezes, os meios materiais da escola são bastante insuficientes para uma aprendizagem eficaz. Devemos então, por tal motivo, renunciar ao que nos propomos? Devemos limitar-nos a pseudo-aulas de língua sem apoiar-nos em atividades de produção ou de interpretação de diferentes tipos de textos? Como tentei expor acima, os princípios em que se baseiam os analistas do discurso podem ser úteis para que nos tornemos conscientes de que um dos principais objetivos do ensino de uma língua estrangeira deve ser o de proporcionar aos alunos o acesso aos processos de produção e interpretação dos textos nesta língua — ou seja, objetivar a aquisição de uma competência discursiva. Esses mesmos princípios podem tornar-se instrumentos de análise dos textos que utilizamos em sala de aula.

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2. Abordagem de um texto sob uma perspectiva da A.D. As

propostas

de

análise

textual

que

vou

esboçar

a

seguir

estão,

obrigatoriamente, adaptadas aos objetivos do contrato didático em aula de francês língua estrangeira. Inspiram-se nos princípios expostos em dois livros de Patrick Charaudeau, publicados em 1983 e 19928 . Nos estudos que se ocupam da análise de textos jornalísticos, recomenda-se que os alunos tenham acesso, pelo menos, a toda a página onde foi publicado o artigo a ser trabalhado. Por uma questão de espaço, transcrevo aqui apenas o texto que escolhi como objeto de análise. TEXTO: (Publicado na revista L’Express

de 25 de julho de 1991, na coluna EN

DIRECT): MILTON NASCIMENTO MILTON L’ENCHANTEUR L’homme à la casquette — “Dès que je ne la porte plus, je passe inaperçu” — est un enchanteur. Un alchimiste des cultures et des musiques d’ailleurs. Milton Nascimento, adoré du public comme des plus grands jazzmen, n’est d’aucune école. Méditatif, populaire et raffiné, il est “la” voix du Brésil. Avec ses aigus incomparables, entre le chant pygmée et la sonorité du saxophone, Milton sait mieux que per-

sonne restituer la magie des sentiments. Aussi, quand, en 1989, il se rend chez les Indiens du rio Jurua en Amazonie — “De la poésie vive” — il y trouve son paradis à lui. Et enregistre le merveilleux album “Txaï” (Sony Music) qu’il leur dédie aujourd’hui. “Protéger la forêt n’est pas une cause perdue. Tous les pays sont concernés.” Alors, après Paris, il continue sa tournée — Berlin, Tokyo puis les États-Unis. Portant son message et son talent.

Estudo do texto: Questões a propor aos estudantes de FLE9 . 1- Examine o título e os nomes próprios mencionados no texto. A partir deste exame, identifique o tema do texto. Explanação: esse tipo de questão é conveniente para textos onde se descreve

uma pessoa e/ou se relatam

jornalísticos

opinativos

(onde

o

acontecimentos. Mesmo

jornalista

toma

uma

posição

em textos frente

aos

acontecimentos, defendendo um ponto de vista), sempre são mencionados os autores dos acontecimentos que serviram de motivo de reflexão e crítica. Aqui, o tema central é o lançamento de um disco de Milton Nascimento, e o texto gira em torno de sua carreira e sua personalidade — procedimento freqüente nas colunas sobre arte e espetáculos. Identificar os nomes próprios permite descobrir as marcas das seguintes operações sintático-semânticas, essenciais à depreensão do tema:

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— operação de identificação: quem é descrito? quem é o principal ator dos acontecimentos narrados? O texto é suficientemente claro para que os estudantes descubram a resposta a essas questões graças ao inventário dos nomes próprios: “Milton Nascimento”, o cantor; Txaï”, seu último álbum; e “Sony Music”, sua gravadora. — localização espacial: onde se passaram os acontecimentos narrados? O inventário permite distinguir que “Brésil”, “Rio Jurua”, “Amazonie”, referem-se ao lugar de origem do cantor e de seu último trabalho; “Sony Music” é a companhia onde grava seus discos; “Paris”, “Berlin”, “Tokyo” e “États-Unis” referem-se à tournée internacional do cantor-compositor para lançar o álbum Txaï. Assim, a partir do levantamento destes dados, torna-se fácil levar os alunos a concluir que o principal tema do texto é o lançamento do álbum e a “tournée” de Milton Nascimento para difundi-lo. 2- Examine os nomes comuns presentes nesse texto. Quais são os nomes que servem para descrever Milton Nascimento? E os demais? Por que são usados no texto? Explanação: Procurar os nomes comuns permite-nos discernir os que introduzem um novo tópico daqueles que retomam o tópico principal. A semelhança lexical e sintática entre o português e o francês permite inferir que “l’enchanteur”, “un enchanteur”, “l’homme à la casquette”, “un alchimiste des cultures et des musiques d’ailleurs”, “la voix du Brésil” são referências a Milton. Os demais nomes se

distribuem

em

três

eixos:

elementos

que

contribuem

para

descrever

características de Milton (“la casquette”, “ses aigus”, “le chant”, “la sonorité du saxophone”, “la magie des sentiments”, “sa tournée”, “sa musique”, “son talent”), elementos que dão conta da recepção de seu trabalho em geral (“du public” e “des plus grands jazzmen” têm a função sintática de agentes da passiva dependentes do particípio “adoré”), e elementos ligados indiretamente a seu trabalho de 1991, de tom ecológico (“Indiens”, “forêt”, “pays”). 3- Examine os adjetivos do texto. Quais deles qualificam Milton? Explanação: uma outra operação de base dos textos descritivos é a qualificação. Assim, graças ainda à semelhança entre o francês e o português, é possível inferir a significação de “méditatif”, “populaire”, “raffiné”, que qualificam diretamente o cantor. Outras qualificam elementos ligados à sua pessoa e à sua arte: “aigus incomparables”, “chant pygmée”, “merveilleux album”. 4- Esse texto é em parte descritivo e em parte narrativo. Em que ponto do texto termina a descrição e começa a narração? Não esqueça que a narração se caracteriza pela representação de ações que se desenrolam no tempo. Explanação: a data “en 1989”, precedida da conjunção “quand” marca o começo da narração. A partir desse ponto o jornalista relata a viagem de Milton, a gravação do disco e do álbum e o trajeto da “tournée”. O valor do presente do

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indicativo muda: até então, tratava-se do presente habitual. A partir desse ponto, encontra-se o chamado “presente histórico”, utilizado para referir-se ao passado (“se rend”, “trouve”, “enregistre”), o presente atual (“dédie”) e o presente utilizado com valor do futuro (“continue”). 5- Esse texto foi publicado numa revista. Qual é a função da coluna onde está incluído? Qual seria a intenção do jornalista que escreveu esse texto? Que leitores se interessariem em ler esse tipo de texto? Explanação: após a análise das características discursivas do texto (através do levantamento de seus elementos descritivos e narrativos, como sugerimos nas questões anteriores), os alunos habituados à leitura de textos jornalísticos poderão identificar que este se inclui numa coluna que se destina à difusão cultural e artística. É uma boa ocasião para lembrar que se trata de um texto que põe em cena um contrato de informação — que orienta a atividade de toda a imprensa em geral. Assim, a primeira “intenção” do jornalista é cumprir seu papel de informar, no caso, informar a respeito do lançamento do álbum e sobre a tournée do cantor. Entretanto, nesse tipo de coluna um outro contrato também está em jogo: um contrato publicitário, visto que o jornalista não visa apenas a informar, ele participa de um esquema publicitário que procura incitar ao consumo do produto cultural. O tipo de leitores visados: os fãs da música brasileira ou de qualquer música que se aproxime do universo do jazz e que já conheçam Milton — atraídos pelo título. 6- Quando se fazem referências a textos jornalísticos, geralmente se pensa em um texto perfeitamente objetivo, impessoal. Essa concepção seria aplicável ao texto acima? Justifique sua resposta. Explanação: O título do artigo, com o aposto “l’enchanteur”, já indica que o jornalista emite uma opinião subjetiva a respeito do artista. Essa atitude é característica dos responsáveis pelas colunas que orientam o gosto dos leitores, e comum aos sub-gêneros da crítica cinematográfica, da crítica dos espetáculos, da crítica dos livros etc. Pelo contrato de comunicação posto em cena nesses textos, o jornalista crítico se atribui uma autoridade de “connaisseur”, de alguém que tem todas as aptidões necessárias para orientar o gosto do público. Assim, ele propõe, através de seu discurso, um contrato de confiança a seus leitores, cujos termos implícitos podem ser verbalizados assim: “como eu tenho um gosto refinado e como eu sou um especialista em assuntos artísticos e culturais, se você consumir aquilo que eu lhe aconselhar, seus desejos serão satisfeitos”. Nesse artigo, o jornalista situa o cantor num mundo de magia e de mistéiro (basta reler as designações e os adjetivos que remetem a Milton para verificá-lo): desse modo, ele assegura a seus leitores que, ouvindo Milton Nascimento, seu desejo de mergulhar no encanto e no mistério será plenamente satisfeito. Deve-se notar que Milton é apresentado como um ser mítico: “alchimiste des cultures et des musiques

d’ailleurs”,

o

que

revela

uma

certa

atração

pelo

exotismo,

tão

característica dos europeus em face da cultura brasileira.

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3- Considerações finais O Contrato Didático da aula de língua estrangeira, tal como o expusemos aqui, não implica, obrigatoriamente, o desenvolvimento das “quatro habilidades” lingüístico-discursivas que integram a maioria dos manuais de ensino de línguas estrangeiras na atualidade. Entretanto, privilegiar o texto escrito, não significa alijar totalmente outros tipos de documentos que podem ser trabalhados com auxílio de suportes escritos, como filmes, programas de TV, canções, diálogos etc. Por outro lado, privilegiar o texto escrito não significa abolir o ensino da gramática na aula de língua nem a reflexão a respeito do léxico e suas características morfológicas. Após a fase de compreensão global, as aulas de reconhecimento das formas gramaticais, em que os alunos são incentivados a fazer generalizações a partir daquelas de uso mais freqüente, tornam-se indispensáveis para que se atinja, progressivamente, a proficiência de leitura em língua estrangeira. Mas isto é assunto para outra comunicação.

[1] Cf. MAINGUENEAU, Dominique. Initiation aux méthodes de l’analyse du discours. Paris: Hachette, 1976. p. 85. A tradução é de nossa responsabilidade. [2] Cf.o artigo de CHARAUDEAU, P. Les conditions de compréhension du sens de discours.. In: LÓPEZ ALONSO, C. & SÉRÉ DE OLMOS, A. Langage, théories e applications en F.L.E. Texte et compréhension. Madrid, S.G.Espanõla de Librería, 1994. [3] “Significar um mundo”: representar um mundo através de signos. [4] Não se deve pensar, a partir desse esquema, que cada ato discursivo seja uma representação do mundo em sua totalidade. A designação mundo , nesse contexto, indica que cada ato discursivo só ganha sentido quando se estabelece uma relação entre ele e a situação em que foi produzido (isto é, entre ele e suas condições de produção). [5] O termo “linguageiro” é utilizado aqui para traduzir “langagier”, isto é, aquilo que diz respeito à linguagem. [6] Proponho esta designação para um tipo de ato comunicativo em que cada um dos sujeitos se dirige ao outro apenas para “passar o tempo”. [7] Cf. BROWN, H.D. Principles of language learning and teaching. Prentice-Hall, 1987, p. 188.

2. ed.

Englewood Cliffs, New Jersey:

[8] CHARAUDEAU, Patrick. Langage et discours; éléments de sémiolinguistique. Paris: Hachette, 1983. 176 p. ("Langue, Linguistique, Communication") ——— . Grammaire du sens et de l'expression. Paris: Hachette, 1992. 927 p. [9] Refiro-me, aqui, a estudantes que já tenham estudado francês, pelo menos durante um semestre, através de metodologia que vise a aquisição da habilidade de compreensão escrita.

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