O Contributo das análises metalográficas na caracterização cultural e estilística de adornos metálicos da Idade do Ferro. O caso do Crasto de Palheiros - Murça / Norte de Portugal

August 24, 2017 | Autor: Ana Abrunhosa | Categoria: Idade do Ferro
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Estudos Arqueológicos de Oeiras, 19, Oeiras, Câmara Municipal, 2012, p. 13-18

O CONTRIBUTO DAS ANÁLISES METALOGRÁFICAS NA CARACTERIZAÇÃO CULTURAL E ESTILÍSTICA DE ADORNOS METÁLICOS DA IDADE DO FERRO. O CASO DO CRASTO DE PALHEIROS – MURÇA / NORTE DE PORTUGAL Ana Abrunhosa1 & Dulcineia B. Pinto2 1 Resumo O estudo apresentado reflecte os resultados obtidos num projecto de investigação – financiado pelo programa IJUP’10/Santander – que integra a análise metalográfica de vários artefactos metálicos em liga de cobre encontrados na estação arqueológica Crasto de Palheiros – Murça (Vila Real). As várias análises foram realizadas no CEMUP (Centro de Estudo de Materiais da Universidade do Porto), pela técnica SEM-LVMSEM e tiveram como objecto de estudo vários artefactos de metal datados da Idade do Ferro. O principal objectivo prende-se com uma caracterização fina dos adornos metálicos deste povoado de modo a permitir, num momento posterior, uma caracterização das condições de produção e modos de fabrico em articulação com os gostos estéticos e estilísticos das comunidades desta região de Trás-os-Montes durante este período cronológico-cultural. Palavras-chave : Idade do Ferro, Análises metalográficas, modos/técnicas de fabrico

Abstract A research project funded by the program IJUP’10/Santander performed metallographic analysis of a selection of Iron Age copper alloy adornment artefacts from the archaeological site of Crasto de Palheiros - Murça (Vila Real). Three items were analysed by SEM-LVMSEM at CEMUP (Center for the Study of Materials, Oporto University). The main objective was the determination of small scale morphological features and composition of the metallic alloys that will allow the study in a following project of the conditions of production and modes of manufacture combined with the stylistic and aesthetic tastes of the communities in this region of Trás-os-Montes during this chronological-cultural period. Keywords : Iron Age, metallographic analysis, manufacturing techniques, Crasto de Palheiros

1 – INTRODUÇÃO O Crasto de Palheiros situa-se no Nordeste de Portugal, na Freguesia de Murça, Concelho de Vila Real. Foi ocupado continuamente durante dois largos períodos cronológicos: durante o III e inícios do II milénio a.C., i.e. no Calcolítico regional; e do I milénio a.C. até ao século II d.C., coincidindo com ocupações da Idade do Bronze Final e Idade do Ferro. É o único povoado da Idade do Ferro estudado de modo siste-

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Faculdade de Letras, Universidade do Porto, Investigadora do CEAUCP. [email protected] Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra, Investigadora do CEAUP. [email protected]

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mático em Trás-os-Montes e um dos mais extensamente escavados e estudados do Norte de Portugal 2. O terminus ocupacional coincide com a presença romana efectiva na região (séculos I/II d.C.) no entanto, à excepção de alguns artefactos metálicos, o sítio não revela sinais de uma ocupação claramente romana ou indígena/romana (SANCHES, 2008).

2 – O PROJECTO 2.1 – Objectivos A investigação encontra-se a ser desenvolvida no âmbito dos Projectos Pluridisciplinares 2010 do programa IJUP3 – Investigação Jovem na Universidade do Porto, financiado pelo Banco Santander Totta. Os objectivos principais orientadores do projecto são: (i) dar continuidade ao estudo dos artefactos metálicos do Crasto de Palheiros; (ii) definir diferenças tecnológicas através da determinação da composição metalográfica e química dos metais e (iii) procurar identificar marcas e métodos de fabrico, privilegiando as análises não destrutivas. A maioria dos artefactos metálicos corresponde a níveis das ocupações das Idades do Bronze e do Ferro. O conjunto destes artefactos é notável devido a diversos aspectos: (1) grande quantidade (72 artefactos, 21 fragmentos de escória, 2 cadinhos e 4 conjuntos de pingos de fundição); (2) grande diversidade (sendo que 53% são adornos ou partes de adornos, 20% são objectos utilitários como pregos, vasos em cerâmica com aplicações metálicas, caldeiros, agulhas, pinças, anzóis, rebites, punções, etc., 15% são armas ou instrumentos de trabalho, 10% são objectos não identificados e 1% são objectos de cariz “ritual” – pé de uma estátua); (3) bom estado de conservação de vários exemplares, sua presença em todas as áreas do povoado e percorrendo toda a cronologia da ocupação do mesmo e, por último, (4) revelam técnicas, morfologias e um sentido estético que permite realizar uma primeira caracterização regional dos adornos pessoais (PINTO, 2008). 2.2 – Metodologia No Centro de Estudo de Materiais da Universidade do Porto (CEMUP) – foram realizados análises por microscopia electrónica de varrimento em baixo vácuo com capacidade analítica que permitiu obter dados quanto à composição química de pequenas áreas de vários artefactos 4. A escolha dos pontos críticos a analisar posteriormente foi realizada aquando da observação macroscópica. A análise tem em conta áreas de reduzidas dimensões nos diversos artefactos o que inviabiliza a compreensão total do artefacto na sua heterogeneidade. Ou seja, os resultados isolados não são representativos de materiais heterogéneos e que apresentem perturbações composicionais à superfície – como corrosão, alterações, precipitações e adesões – sendo esta situação comum a todos os materiais arqueológicos. No entanto, as análises realizadas possibilitam a colocação de algumas hipóteses interpretativas de cariz social e cultural.

A investigação científica deste sítio encontra-se sob a direcção da Prof.ª Doutora Maria de Jesus Sanches (Faculdade de Letras da Universidade do Porto). 2

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O programa IJUP apoia projectos desenvolvidos entre as unidades orgânicas da Universidade do Porto pelo período de um ano.

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Amostras 1, 2 e 3.

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2.3 – Amostra Foram seleccionados 5 artefactos para a análise. Procurou-se seguir os mesmos critérios de selecção para os cinco de forma a comparar resultados. Deste modo, escolheram-se apenas objectos pertencentes ao grupo dos adornos pessoais, que cremos representativos das escolhas estéticas e técnicas das comunidades da Idade do Ferro da região, num período compreendido entre o século V/IV a.AC. à viragem da Era e realizados preferencialmente em cobre. Os adornos seleccionados para estudo foram: (1) pulseira decorada (amostra 1 – Fig. 1) que se encontrava na camada de incêndio da Unidade Habitacional 2 – U. Hab. 2; (2) pulseira decorada (amostra 2 – Fig. 2) encontrada na camada de incêndio da U. Hab. 6; (3) pendente (amostra 3 – Fig. 3) encontrado na zona de ocupação mais antiga correspondente à U. Hab. 5 e 6; (4) alfinete de cabelo (amostra 4) na U. Hab. 9 também em camada de incêndio; por último, (5) pendente de forma semelhante a uma arrecada (amostra 5) que se encontrava na Estrutura de Deposição Funerária, na Plataforma Inferior Leste 5.

Fig. 1 – Pulseira decorada (UET. 97-2 – MT) – amostra 1 (PINTO, 2010).

Fig. 2 – Pulseira decorada (UET. 99-24 – MT) – amostra 2 (PINTO, 2010).

Fig. 3 – Pendente (UET. 98-14-MT) – amostra 3 (PINTO, 2010).

A camada de incêndio das U. Habs. 2, 6 e 9 onde se encontraram as pulseiras e o alfinete de cabelo (amostras 1, 2 e 4) foi datada de c. de 80 d.C., por diversas datas de 14C (SANCHES & PINTO, 2008). Deste modo, estes adornos pessoais encontravam-se em uso no I século d.C. mas cremos serem o somatório de toda uma estética que pode ser reportada, pelo menos, ao século II/I a.C. Os pendentes (amostras 3 e 5), integram-se num período cronológico balizado do século IV ao III a.C. (PINTO, 2008) mas que cremos poder reportar a sua estética, pelo menos, ao século V a.C. As peças metálicas apresentam características que cremos regionais da “ourivesaria” transmontana das quais destacamos a imitação de motivos e formas presentes noutras regiões nomeadamente da Meseta Espanhola (PINTO, 2010).

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Para mais informações sobre estes artefactos ler o artigo de uma das autoras de 2010 (PINTO, 2010).

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3 – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS As análises realizadas permitiram um novo olhar sobre os adornos metálicos do Crasto de Palheiros. As análises efectuadas à pulseira (amostra 1 – Fig. 4) demonstram a presença forte de oxigénio, carbono e cobre. Paralelamente encontram-se elementos vestigiais como chumbo, estanho e titânio com valores constantes em todos os pontos analisados.

Fig. 4 – Gráfico de espectrometria por SEM e imagem EDS da amostra 1 (pulseira decorada), Z6.

A presença de oxigénio, carbono e titânio certamente será justificada quer pela oxidação do metal (oxigénio e carbono) quer por contaminações recentes devido ao manuseamento do objecto durante e após a sua detecção em ambiente de escavação (titânio). A presença de cobre, estanho e chumbo relacionam-se com a liga metálica, sendo que o chumbo deve ter sido adicionado intencionalmente à liga de cobre de forma a tornar esta mais maleável. A maleabilidade da liga metálica era aqui um factor importante na manufactura do adorno pois este é extensamente decorado. Cremos que este adorno foi realizado através do método de cera perdida, sendo que uma liga com uma componente de chumbo elevada potenciava o sucesso da operação técnica. Há assim uma optimização dos recursos tecnológicos. São visíveis macroscopicamente, no centro do arco da pulseira, vestígios de uma coloração dourada, diferente da restante. Colocou-se a possibilidade de esta pulseira ter possuído a aplicação de folha de ouro que lhe conferiria uma coloração e brilho distintos, normalmente utilizado na coloração de artefactos. É possível que a mimetização de motivos de outras regiões se estendesse à coloração dos artefactos. A concentração de análises nesta área não detectou qualquer vestígio de ouro e conduziu à conclusão de que a coloração da pulseira resulta de processos de corrosão. A transformação do cobre em óxidos como a cuprite reduz em termos percentuais os valores do cobre enquanto os valores de outros materiais como o estanho sobem e alteram a coloração original do objecto. 16

A análise da pulseira (amostra 2 – Fig. 5) permitiu observar, macroscopicamente, no centro do arco da pulseira, vestígios de uma coloração diferente da restante superfície e as análises revelaram importantes valores de estanho. As análises pontuais não demonstraram totalmente a evidência de uma composição que se distinga dos resultados obtidos noutros pontos analisados. Morfologicamente (na estética decorativa), este adorno mimetiza adornos em prata da Meseta espanhola o que justificaria a intenção de mudar a cor à pulseira através do uso de um metal não nobre – ouro ou prata, adicionando estanho. Numa análise mais cuidada, o valor do estanho pode ser elevado devido à perda do cobre causada por oxidação e transformação deste noutros elementos.

Fig. 5 – Gráfico de espectrometria por SEM e imagem EDS da amostra 2 (pulseira decorada), Z6.

O pendente (amostra 3 – Fig. 6) revela uma percentagem clássica quanto aos valores de estanho e cobre. As ligas, tanto deste como da pulseira (amostra 2), são de cerca 10% estanho e 90% cobre. A presença de fósforo nestes artefactos (pulseira e pendente – amostras 2 e 3) pode apontar para uma manipulação bastante cuidada das ligas onde o objectivo era uma maior maleabilidade. A ausência de chumbo nas ligas podia ser “ultrapassada” com a “adição” de fósforo que iria cumprir os mesmos objectivos técnicos. No entanto, a presença do fósforo e carbono pode também estar directamente ligada ao nível de incêndio referido anteriormente.

4 – CONCLUSÃO Concluímos que os artesãos da Idade do Ferro no Crasto de Palheiros conheciam de um modo prático as características dos diversos metais e aplicavam esse conhecimento de forma a potenciar os resultados. É também evidente a utilização da tecnologia de forma a responder a necessidades estéticas.

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Fig. 6 – Gráfico de espectrometria por SEM e imagem EDS da amostra 3 (pendente) Z1.

A realização deste estudo revelou-se da maior importância e contribuiu fortemente para a revisão de interpretações de cariz cultural. Aspectos físicos dos materiais podem ter, e no caso concreto da amostra 1 têm, origem no comportamento físico e químico natural dos elementos que os compõem. Esperamos no futuro realizar um conjunto mais alargado de análises que permita um melhor entendimento dos artefactos metálicos do Crasto de Palheiros.

REFERÊNCIAS PINTO, D. B. (2008) – Artefactos metálicos do Crasto de Palheiros, Cap. 3.3. ( Parte II) de O Crasto de Palheiros (Fragada do Crasto), Murça-Portugal. In SANCHES, M. J. – Coord. científica e editorial. Murça: Município de Murça, p. 142-150. PINTO, D. B. (2010) – Os artefactos metálicos da Idade do Ferro do Crasto de Palheiros – Murça, Norte de Portugal: Breve introdução à gramática decorativa dos adornos metálicos do Nordeste de Portugal. Revista Douro 1 – Vinho, História e Património, p. 289-332. SANCHES, M. J. (Org.). (2008) – O Crasto de Palheiros (Fragada do Crasto), Murça-Portugal. Murça: Município de Murça. SANCHES, M. J. & PINTO, D. B. (2008) – Cronologia e faseamento do Crasto de Palheiros em I, II e III. Cap. A.4. (Parte I) de O Crasto de Palheiros (Fragada do Crasto), Murça-Portugal. In SANCHES, M. J. – Coord. científica e editorial. Murça: Município de Murça, p. 43-53.

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