O controle jurisdicional da discricionariedade técnica (evidências científicas e avaliação econômica) nos conflitos de saúde pública

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Saúde Coletiva
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Nº CNJ RELATOR AGRAVANTE AGRAVADO ADVOGADO ORIGEM

: 0014009-23.2010.4.02.0000 : DE SE MBARGADOR FE DE RAL SE RGIO FELTRIN CORREA : UNIAO FEDERAL : JOAO EMANUEL DA SILVA BARROS REP/ P/ CLAUDIO BARROSO DE MACEDO : DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO : DÉCIMA SÉTIMA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (201051010163855)

RELATÓRIO Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto pela UNIAO FEDERAL em face de JOAO EMANUEL DA SILVA BARROS REP/ P/ CLAUDIO BARROSO DE MACEDO, buscando a reforma da seguinte decisão (v. fls. 24/27): Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por JOÃO MANUEL DA SILVA BARROS , representado por seu pai, Cláudio Barroso de Macedo , visando em sede de tutela antecipada e a final seja a parte ré compelida a fornecer os medicamentos MOTILIUM SUSPENSÃO ORAL , VALPROATO DE SÓDIO XAROPE 250mg/ 5ml, SABRI L VI GABAT RI NA 500MG, NITRAZEPAN 5MG e fraldas descartáveis extragrande ao autor é portador de Paralesia Cerebral com Síndrome de West. Aduz a parte autora, através de seu representante, que está sendo assistido e fazendo acompanhamento médico no Hospital Geral de Bonsucesso e que a medicação encontra-se em falta na farmácia do aludido Hospital. Salienta que o pedido de fornecimento do medicamento e das fraldas gratuitamente insere-se no dever de assistência integral à saúde previsto da Constituição. É o breve relatório, passo a decidir. Primeiramente , defiro a gratuidade requerida pela parte autora. O caso em tela apresenta peculiaridades e dificuldades próprias. Embora o direito à saúde, insculpido no art.

196 da Carta Constitucional deva ser garantido ativamente pelo Estado, reconhecendo a jurisprudência o dever, por parte do governo, de custear tratamentos e medicamentos a cidadãos hipossuficientes, deve-se analisar as circunstâncias fáticas do caso concreto em apreço para determinar-se o direito ou não ao tratamento ou medicamento especificamente pleiteado. O Demandante tem 1 (um) ano de idade e é portador de Paralesia Cerebral com Síndrome de West. Nessa linha de raciocínio, a questão apresentada é grave por envolver o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, inserido na Carta Política de 1988 logo em seu primeiro Título, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Dada a sua importância, prepondera sobre todas as disposições constitucionais e infraconstitucionais, afinal de contas, o direito à vida, incluído nele o direito à saúde, é o mais essencial de todos os direitos, o ponto de partida para a existência de toda a sociedade. Vale dizer, o direito à vida digna suplanta qualquer restrição ao deferimento de antecipação dos efeitos da tutela em face da União, já que sopesando a regra restritiva e aquela, a última sempre prevalece, permeando todo o corpo constitucional, como por exemplo, os artigos 4o , II, 5o, caput, III e 196. Ademais, tais medicamentos não significarão custo desproporcional aos cofres públicos. Neste sentido transcrevo a seguinte ementa: “Recurso Especial. Processual Civil. Ofensa ao artigo 535, II, do CPC. Inexistência. Fornecimento de medicamentos para pessoa carente. Legitimidade da União, do Estado e do Município para figurarem no pólo passivo da demanda. A Carta Magna de 1988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (artigo 196). Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas

mazelas, em especial, as mais graves. (STJ – RESP 507205, Relator Ministro José Delgado, DJ datado de 17.11.2003, pg.00213).” Sendo, assim, considero presentes os pressupostos do artigo 273 do Código de Processo civil, dentre os quais a verossimilhança das alegações autorais e a iminência de risco para a saúde e vida da autora. Frise-se que apenas se está fazendo um exame perfunctório da demanda, não se entrando em juízo de valor, próprio do julgamento do mérito, a ser oportunamente proferido, depois de esgotadas as oportunidades de produção de provas. F ace ao expost o, DE F I RO O P E DI DO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, determinando à União, ao Estado do Rio de Janeiro e ao Município do Rio de Janeiro, todos réus na presente demanda, que viabilizem, solidariamente, a fruição do direito previsto constitucionalmente quanto ao acesso à saúde, FORNECENDO AO AUTOR OS REMÉDIOS MOTILIUM SUSPENSÃO ORAL , VALPROATO DE S ÓDI O XAROP E 2 5 0 m g / 5 m l , S ABRI L VIGABATRINA 500MG, NITRAZEPAN 5MG e fraldas descartáveis extra-grande até o encerramento de seu tratamento, sob pena de incidência do artigo 14, inciso V e parágrafo único do Código de Processo Civil, o qual prevê aplicação de multa diária e pessoal fixada em R$ 50,00 (cinqüenta reais) junto ao responsável pelo cumprimento do provimento judicial, caso o mesmo não implemente o tratamento dentro do prazo de 15 (quinze) dias contados da intimação da presente decisão. Deverá o autor, através de seu pai Cláudio Barroso de Macedo dirigir-se à farmácia da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro para retirar o aludido medicamento. Sustentou a Agravante ilegitimidade ad causam para a entrega dos medicamentos deferidos. Quanto as fraldas descartáves, alegou se tratar de insumo que não integra nenhum programa de dispensação gratuita do Ministério da Saúde ou do SUS. Por fim, aduziu o não cabimento da imposição de multa (v. fls. 02/22). Em contrarrazões, afirmou o Agravado sofrer de paralisia cerebral

com síndrome de west, tendo como sequela crise severa de asfixia neonatal e crise convulsiva de difícil controle, sendo indispensável o recebimento dos medicamentos e materiais indispensáveis ao seu tratamento (v. fls. 63/70). Parecer do MPF às fls. 73/83, pelo não provimento do recurso É o relatório. Peço dia para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado VOTO O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Primeiramente, cabe consignar que é solidária entre os entes da Federação e tem assento constitucional a responsabilidade pelo fornecimento dos produtos e serviços públicos de saúde, o que não tolera exceções por lei e tampouco por normas administrativas, as quais se limitam a distribuir responsabilidades internamente e não servem de fundamento para negar direitos perante os interessados (STF, SL 47 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJ 30.04.2010). É papel do Poder Judiciário delimitar o núcleo duro dos direitos fundamentais, apontando quais produtos ou serviços de saúde são essenciais. Nesse contexto, o direito à saúde é judicialmente exigível da Administração, não apenas por omissão administrativa (em que o dever de prestação está prevista em lei), mas também por omissão legislativa, sempre que a essencialidade da prestação (mínimo existencial) estiver demonstrada. Porém, com efeito, o fenômeno da judicialização da saúde pública nem sempre diz respeito à jurisdição constitucional, porque grande parte dos conflitos referentes à oferta de produtos ou serviços de saúde se relaciona com a efetivação, pela Administração, de políticas de saúde já existentes em lei (STF, Segunda Turma, AI 734487 AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ. 20.08.2010). No tocante a não padronização das fraldas descartáveis deferidas, cabe ressaltar que a discricionariedade técnica da Administração, quanto aos aspectos científicos - evidências científicas e avaliação econômica - que embasam a decisão referente à oferta de produtos e serviços de saúde, como

previsto no art. 19-Q, §2º, incisos I e II, da Lei nº 8.080/90, com a redação da Lei nº 12.401/2011, está sujeita ao controle jurisdicional, porém desde que viável uma prova técnica (isto porque a aferição desta prova técnica nem sempre está ao alcance cognitivo do juiz, o que, na prática, poderia, indevidamente, levar o perito a ser transformado em juiz). No tocante à multa cominada, releva notar a expressa permissão legal contida nos artigos 461 e 461-A do CPC, aplicáveis sem restrição à Administração Pública (STJ, 1ª Turma, EDRESP 200802021369, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJ 17.11.2009). Conforme constatado pelo Juízo a quo, os requisitos necessários para o deferimento da tutela antecipada restaram demonstrados por laudos médicos não impugnados no presente recurso (v. fls. 24/27 e 56), restando demonstrado o quadro clínico de paralisia cerebral com síndrome de west, sendo necessário o uso contínuo de fraldas descartáveis e os medicamentos motilium suspensão oral , valproato de sódio xarope 250mg/5ml, sabril vigabatrina 500mg e nitrazepan 5mg. Assim, nego provimento ao Agravo de Instrumento. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

EMENTA AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO À SAÚDE. EXIGIBILIDADE DO DIREITO À SAÚDE. RESPONSABILIDADE PELO FORNECIMENTO. DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA DA ADMINISTRAÇÃO. MULTA DIÁRIA. PROVA TÉCNICA NÃO IMPUGNADA. 1. É solidária entre os entes da Federação e tem assento constitucional a responsabilidade pelo fornecimento dos produtos e serviços públicos de saúde, o que não tolera exceções por lei e tampouco por normas administrativas, as quais se limitam a distribuir responsabilidades internamente e não servem de fundamento para negar direitos perante os interessados (STF, SL 47 AgR, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, DJ 30.04.2010). 2. É papel do Poder Judiciário delimitar o núcleo duro dos direitos

fundamentais, apontando quais produtos ou serviços de saúde são essenciais. Nesse contexto, o direito à saúde é judicialmente exigível da Administração, não apenas por omissão administrativa (em que o dever de prestação está prevista em lei), mas também por omissão legislativa, sempre que a essencialidade da prestação (mínimo existencial) estiver demonstrada. Porém, com efeito, o fenômeno da judicialização da saúde pública nem sempre diz respeito à jurisdição constitucional, porque grande parte dos conflitos referentes à oferta de produtos ou serviços de saúde se relaciona com a efetivação, pela Administração, de políticas de saúde já existentes em lei (STF, Segunda Turma, AI 734487 AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, DJ. 20.08.2010 3. A discricionariedade técnica da Administração, quanto aos aspectos científicos - evidências científicas e avaliação econômica - que embasam a decisão referente à oferta de produtos e serviços, como previsto no art. 19Q, §2º, incisos I e II, da Lei nº 8.080/90, com a redação da Lei nº 12.401/2011, está sujeita ao controle jurisdicional, porém desde que viável uma prova técnica (isto porque a aferição desta prova técnica nem sempre está ao alcance cognitivo do juiz, o que, na prática, poderia, indevidamente, levar o perito a ser transformado em juiz). 4. Os artigos 461 e 461-A do CPC permitem a aplicação de multa diária no caso de descumprimento de decisão judicial, Aplicáveis inclusive à Administração Pública (STJ, 1ª Turma, EDRESP 200802021369, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJ 17.11.2009). 5. Prova técnica quanto a necessidade do produto ou serviço de saúde não impugnada no recurso apresentado. 6. Negado provimento ao Agravo de Instrumento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao Agravo de Instrumento, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Rio de Janeiro, 31de janeiro de 2012. RICARDO PERLINGEIRO Juiz Federal Convocado

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