O CONTROLO DA ATIVIDADE DE INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS DE ESTADO EM REGIMES DEMOCRÁTICOS

June 1, 2017 | Autor: E. Jeronimo Pereira | Categoria: Intelligence, Democracia, Serviços De Informações Portugueses
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DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA

2015

O CONTROLO DA ATIVIDADE DE INFORMAÇÕES ESTRATÉGICAS DE ESTADO EM REGIMES DEMOCRÁTICOS ELSA JERÓNIMO PEREIRA Doutoranda em Direito e Segurança

RESUMO

Em Democracia, a compatibilização entre o exercício da governação, e a delegação do poder de governar é executada com recurso a mecanismos de controlo, particularmente relevantes num cenário de reclamação governamental de maior poder de atuação dos Serviços de Informações e consequente aumento do risco de cometimento de desvios à legalidade e arbitrariedades. O controlo é simultaneamente o garante da eficácia da atividade dos Serviços de Informações,

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR em resposta a imperativos crescentes de Segurança, e o garante da conformidade da sua atuação com Direitos, Liberdades e Garantias individuais. Neste sentido, afigura-se-nos cientificamente pertinente inquirir: os mecanismos de controlo garantem a conciliação do secretismo, condição inerente à atividade de produção de Informações, com a transparência imposta pela Democracia? Haja em vista a compreensão da importância da manutenção de uma arquitetura de controlo que garanta a compatibilidade entre os binómios secretismo e transparência, concentraremos a nossa análise quer no estudo dos mecanismos de controlo e seus instrumentos, quer na sua aplicabilidade, em modelos de mecânica de inspiração anglo saxónica e europeia.

PALAVRAS-CHAVE Serviços de Informações, Controlo, Fiscalização, Democracia.

ABSTRACT

In democracy, the compatibility between the exercise of governance, and the delegation to govern, is achieved by using control mechanisms. These mechanisms, are particularly relevant when Governments claim greater powers for Intelligence Services, and consequently increase the risk of legal deviations and arbitrariness. Control, simultaneously ensures the effectiveness of the Intelligence Services activity, in response to now a days growing security demands, and guarantees the conformity of its actions with Individual rights, Freedoms and Guarantees. Elsa Jerónimo Pereira | Working Paper | Doutoramento em Direito e Segurança | 2015

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR In this sense, it seems to us scientifically pertinent to inquire: do control mechanisms really ensure the reconciliation of secrecy, inherent condition to the Intelligence activity, with democracy`s enforced transparency? In order to understand the importance of maintaining a control architecture, that ensures this compatibility between secrecy and transparency, we'll focus our analysis either in the study of the control mechanisms and instruments available, and in its applicability, in mechanical models of AngloSaxon and European inspiration.

KEY WORDS Intelligence, Control, Supervision, Democracy.

INTRODUÇÃO

“The deepest problem of controlling domestic intelligence agencies is that they

have both the capacity to hide disobedience and a justification for not taking constraints seriously” (Heymann, 2000, p. 2). Em Democracia, a compatibilização entre o exercício da governação, e a delegação do poder de governar é executada com recurso a mecanismos de controlo, particularmente relevantes num cenário de reclamação governamental de maior poder de atuação dos Serviços de Informações e consequente aumento do risco de cometimento de desvios à legalidade e arbitrariedades. O controlo é simultaneamente o garante da eficácia da atividade dos Serviços de Informações,

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR em resposta a imperativos crescentes de Segurança, e o garante da conformidade da sua atuação com Direitos, Liberdades e Garantias individuais. Contudo, de entre os vários órgãos constitutivos do sector de segurança do aparelho de Estado, os Serviços de Informações são ainda aqueles que, comparativamente com outros órgãos da administração pública, se têm mantido à margem dos tradicionais mecanismos de controlo: “Among these organizations,

intelligence (or secret) services have always stood out as a conspicuous exception to the rule, in that they enjoyed greater immunity from accountability and close oversight than others” (DCAF, 2003, p. 2). Glenn Hastedt advoga que a excecionalidade dos Serviços de Informações ao controlo encontra justificação na sigilosidade da natureza da atividade, e que o silêncio, por oposição à transparência democrática, é imperativo na manutenção da eficácia da produção de Informações. Tal como enunciado pelo autor, por princípio, aos Serviços de Informações está vedada a revelação pública das suas ações (Hastedt, 1991, pp. 13-15). Em contraposição, Marina Caparini alerta para a instrumentalização do secretismo por parte dos Serviços de Informações. O sigilo permite o encobrimento de operações não autorizadas, ou de operações de legalidade questionável: “Secrecy may facilitate the cover-up of

unauthorised actions and it makes control by non-intelligence actors more difficult” (Caparini, 2007, p. 17). Uma segunda justificação para a verificação de alguma excecionalidade no controlo da atividade dos Serviços de Informações, avançada por Hastedt, reside no elevado grau de tecnicidade inerente à atividade, e uma incapacidade de acompanhamento dessa tecnicidade por parte dos órgãos de controlo e fiscalização, traduzindo-se numa postura demissionista (Hastedt, 1991, pp. 13-15). Se na anterior justificação era possível encontrar em Marina Caparini uma oposição ao pensamento de Hastedt, nesta segunda, é possivel não só um entendimento concordante como um alerta para a perigosidade de uma excessiva autonomia dos Serviços de Informações, decorrente da postura demissionista dos órgãos de controlo e fiscalização,

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR resultado da sua incapacidade de acompanhamento da tecnicidade da atividade, e igualmente para a possibilidade da excessiva autonomia derivar numa politização dos Serviços de Informações (Caparini, 2007, p. 17). Da elevada tecnicidade, e da decorrente postura demissionista por parte do decisor político, propícia a uma ambiência favorecedora de alguma excecionalidade ao controlo, Hastedt perceciona-a como favorável ao decisor politico, que a pretexto do desconhecimento se desresponsabiliza politicamente (Hastedt, 1991, pp. 13-15), um entendimento igualmente partilhado por Thomas Bruneau e Steven Boraz: “We have found in our studies of intelligence reform that politicians are reluctant

to seek to control intelligence agencies” (Boraz & Bruneau, 2006, p. 32). Perante as posições dicotómicas que opõem Hastedt, apologista da manutenção do imperativo do sigilo, ainda que passível de comprometimento da transparência democrática, e de Caparini, defensora da introdução de mecanismos de controlo, ainda que comprometedores da sigilosidade, afigurase-nos cientificamente pertinente inquirir: os mecanismos de controlo garantem a conciliação do secretismo, condição inerente à atividade de produção de Informações, com a transparência imposta pela Democracia? Haja em vista a compreensão da importância da manutenção de uma arquitetura de controlo que garanta a compatibilidade entre os binómios secretismo e transparência, concentraremos a nossa análise quer no estudo dos mecanismos de controlo e seus instrumentos, quer na sua aplicabilidade, em modelos de mecânica de inspiração anglo saxónica e europeia.

CAPÍTULO I. MECANISMOS DE CONTROLO INTERNO I.1 O Controlo Administrativo Inscrito na esfera interna dos Serviços de Informações, o controlo administrativo assume-se como um mecanismo profissional e hierarquizado,

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR exercido pelos titulares dos lugares de direção do Serviço de Informações, que de forma descendente, o exercitam sobre a conduta dos seus obedientes e sobre a conformidade da atividade de produção de Informações (Ugarte, 2012, pp. 107-108). É ainda passível de uma tipificação bipartida, que opõe o controlo administrativo Legal-formal a um outro, de carácter Informal. No que toca ao controlo administrativo de caracter Legal-formal, José Ugarte admite três linhas distintas de atuação: uma primeira linha de atuação, através da adequação dos recursos à missão institucional e respetivos planos de ação; uma segunda linha focada na apropriada aplicação dos recursos financeiros reservados ao Serviço de Informações, avalizando a sua racional utilização no cumprimento das missões atribuídas; e por fim, uma terceira linha de atuação, enquanto garante da conformidade procedimental, em concordância com as diretivas do Órgão, com os normativos regulamentares por ele emanados, e com a normatividade legislativa e constitucional (Ugarte, 2012, p. 108). No mesmo sentido, e passível de enquadramento numa tipificação de controlo administrativo de carácter Legal-formal, Ian Leigh e Hans Born advertem para uma outra linha de atuação no domínio interno: a obrigatoriedade da denúncia interpares de atuações que se revistam de ilegalidade1, através de um canal adequado e de uma moldura punitiva regulamentada: “The most reliable

information about illegal action by a security or intelligence agency is likely to come from within the agency itself. Hence, a duty to report illegal action and to correct it is useful and also strengthens the position of staff within the agency in raising concerns that they may have about illegality” (Born & Leigh, 2005, p. 46). Por oposição à normativização, E. Drexel Godfrey introduz, ainda em 1978, a Ética como instrumento de controlo e auto regulação: “Most professions, such

as the law and medicine, have for centuries provided themselves with fail-safe

Num entendimento discordante, Peter Gill adverte para um reduzido grau de eficácia do controlo administrativo Legal-formal assente na denúncia interna, e defende que o mesmo é ultrapassável com recurso a auditorias internas (Gill P. , 1994). 1

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR systems to ensure that ethical norms are not compromised out of existence, or rusted from misuse. Some of these systems work better than others, some are susceptible to corruption themselves and a few are mere shams, but the fact that they exist and generally are taken seriously by the members of the profession is critically significant. At the very least, it means that there are limits to a professional's freedom and that those limits are defined by ethical codes sanctioned by colleagues. (…) However, the intelligence professional has in the past operated under the simple guideline, "don't get caught." Recently there have been signs that suggest that the intelligence community is busily, if somewhat ponderously, groping towards a limit-setting policy for its professionals” (Godfrey, 1978, p. 624), um conceito retomado por Paul Ericson: "Given these operational

challenges, it would only seem appropriate to arm our officers with the clear understanding of the minimal ethical standards they will be expected to apply throughout their careers” (Ericson, 1996, p. 15). No mesmo sentido, e uma década depois, Marina Caparini introduzia a socialização e a tomada de consciência como veículos de controlo de carácter Informal. O processo de socialização profissional e a tomada de consciência também visam a auto regulação deontológica da atividade de produção de Informações, através da cultura organizacional: “Traditionally one of the

strongest mechanisms for accountability in secret services has been selfaccountability through commitment to professional standards and ethics. Related mechanisms of control and accountability thus include (…) socialisation, training in legal norms and democratic practices, and the quality and integrity of senior management. This aspect focuses on the norms and values of intelligence professionals in their day-to-day functioning, as well as the attitudes and beliefs of political actors, the media, and members of the public” (Caparini, 2007, p. 11). Caparini alarga ainda o espectro do controlo Informal através da introdução da figura do “whistle-blower”, ou seja, uma fuga de informação, personificável e materializada pelo profissional, que voluntaria e deliberadamente

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR a divulga, haja em vista a denúncia, junto da opinião pública, de práticas abusivas na atividade de produção de Informações: “Another internal accountability

mechanism is the ‘whistle-blower’, or a public servant who discloses information, presumably to serve the higher public interest, despite his or her obligation for confidentiality and for obeying his or her superior. The whistleblower seeks to draw public and political attention to an occurrence of corruption, deception or major mismanagement. Accountability is especially served when whistleblowers are guaranteed protection from legal or disciplinary action, enabling them to draw attention of oversight bodies to misconduct” (Caparini, 2007, p. 11). Pese embora a importância da dimensão administrativa, os mecanismos de controlo interno não se esgotam em instrumentos de carácter orgânico, legalistas ou comportamentais. A Accountability ou responsabilização política2, inerente aos regimes democráticos ditou a necessária subsidiariedade entre instrumentos de controlo da atividade de produção de Informações, exercidos pelo próprio Órgão, com instrumentos de controlo exercidos pelo Poder Executivo: “It is essential, however, that the agencies and officials who carry out

these roles be under democratic control through elected politicians, rather than accountable only to themselves; it is elected politicians who are the visible custodians of public office in a democracy” (Born & Leigh, 2005, p. 55). I.2 O Controlo Executivo Exercitado pelo Chefe do Executivo, isto é, pelo Presidente, se considerarmos

regimes

presidencialistas,

ou

pelo

Primeiro-ministro,

se

estivermos perante regimes parlamentares: “The source of executive control

No mesmo sentido: “To gain the benefits and avoid the risks, control and accountability arrangements must balance, and be seen to balance the need to protect and promote national interests with the need to safeguard individual rights and freedoms. At the same time, these arrangements need to ensure an appropriate focus on achieving their desired results” (DCAF, 2003, p. 39). 2

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR should be either the president or the prime minister (…) ” (DCAF, 2003, p. 43), o controlo executivo serve um duplo propósito: por um lado, garantir politicamente que a atuação dos Serviços de Informações, no decurso da atividade de produção de Informações, salvaguarda os Interesses Nacionais, por outro, avalizar o grau de implementação das políticas públicas por ele definidas (Alter, 1992). Peter Gill alerta não só para a importância do papel do Chefe do Executivo no exercício do controlo e das suas implicações em regimes democráticos, mas também para uma frequente postura demissionista, decorrente da falta de aptidão para o controlo da atividade de produção de Informações (Gill P. , 1994, p. 260), um entendimento partilhado por Thomas Bruneau e Steven Boraz: “(…)politicians may wish to be able to disavow knowledge of operations and so

avoid seeming as if they have condoned illegal activity. Third, most civilian politicians do not know enough about intelligence to be able to have an informed opinion” (Boraz & Bruneau, 2006, p. 32). Num efetivo reconhecimento desta realidade, a maior parte das democracias ocidentais estabeleceu poderes de delegação do exercício de controlo, e de criação de comissões adicionais auxiliares3: “Hence, governments

in democracies will normally appoint individuals or establish committees or boards mandated with control and supervision of intelligence activities ” (DCAF, 2003, p. 43), não se constituindo Portugal como exceção. O ordenamento jurídico português, alicerçado na Lei Orgânica n.º 14/2014 de 13 de agosto, instituiu o Conselho Superior de Informações, enquanto órgão interministerial de consulta e coordenação em matéria de Informações, com funções de aconselhamento do Primeiro -Ministro e de apresentação de propostas de orientação das atividades a desenvolver pelos Serviços de Informações. Presidido pelo Primeiro –Ministro, é composto pelo Vice -Primeiro -

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No mesmo sentido cf. (Lowenthal, 2003, pp. 153-155).

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR Ministro, Ministros de Estado e da Presidência, Ministro da Defesa Nacional, da Administração Interna, da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças e ainda pelos Presidentes dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira; pelo Chefe do Estado -Maior -General das Forças Armadas; pelo Secretário -Geral do Sistema de Informações da República e por dois deputados designados pela Assembleia da República. O controlo executivo, exercido ministerialmente ou com recurso a comissões, avalia a prestação dos Serviços de Informações com base na capacidade de satisfação do decisor politico, contudo, é possível outro tipo de avaliação, com recurso à figura da Auditoria, nomeadamente: a aferição da conformidade da atuação dos Serviços de Informações com as normas legais e com as orientações emanadas pelo decisor politico, sobretudo num contexto de cooperação internacional, especialmente permeável a arbitragens e desvios: “One area in which it is especially difficult for national ministers or legislatures to

exercise scrutiny lies within the work of international/supra-national bodies and bilateral cooperative arrangements. Post 9/11 these arrangements are increasingly important and widely-used. Even where the interests of two nations do not entirely converge, intelligence often supplies the ‘quid’ for others’ ‘quo’. Bilateral cooperation normally involves the sharing of intelligence information and analysis on topics of mutual interest. Such bilateral relations can only be maintained and continued if both parties fully and strictly respect the basic agreement underlying their intelligence sharing: that the origin and details of intelligence provided by the partner service will be protected according to its classification and will not be passed on to third parties” (Born & Leigh, 2005, p. 64); a avaliação do desempenho dos Serviços de Informações numa ótica de eficiência e eficácia, imposta pela política de racionalização de recursos, comum aos regimes democráticos ocidentalizados, e por fim, uma avaliação da adequabilidade da verba inscrita em orçamento do Estado à prossecução da atividade de produção de Informações, numa validação de reforço de dotação

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR ou, em casos de natureza excedentária, a canalização de recursos para outras atividades da administração pública: “ (…) To review the intelligence program

and budget proposals and report to the government, the minister or the prime minister on whether the resource allocations for intelligence correspond with the intelligence requirements of the government” (DCAF, 2003, p. 44). Thomas Bruneau e Steven Boraz reconhecem ao poder executivo, uma incapacidade de exercer um controlo absoluto sobre a atividade dos Serviços de Informações e alertam a perigosidade da dominância dos Serviços de Informações sobre o decisor político. No entendimento dos autores, a consolidação do regime democrático exige uma subordinação dos Serviços de Informações ao controlo Governamental e uma não politização da atividade de produção de Informações, por parte do executivo, somente alcançável com recurso a sólidos mecanismos externos, nomeadamente o Controlo Parlamentar (Boraz & Bruneau, 2006).

CAPÍTULO

II.

MECANISMOS

DE

CONTROLO

EXTERNO

II.1 O controlo Parlamentar

Born e Leigh nomearam quatro justificações para a importância do envolvimento do poder legislativo no processo de fiscalização da atividade de produção de Informações. A primeira, decorrente do seu carácter sigiloso, resulta do risco de se perpetrarem abusos. Desta forma, a fiscalização parlamentar da atividade dos Serviços de Informações procura prevenir e impedir eventuais abusos. Na segunda, consideram que a fiscalização

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR parlamentar é essencial à prevenção e impedimento da partidarização e politização dos Serviços de Informações, pelo poder executivo. O mesmo princípio é igualmente aplicável a parlamentares que integrem comissões de fiscalização. Uma terceira justificação reside na interferência do Parlamento na aprovação da fração do orçamento de Estado afeto à atividade de produção de Informações. Um maior grau de envolvimento parlamentar na atividade dos Serviços de Informações é sinónimo de um aprofundamento do conhecimento da atividade desenvolvida e consequentemente uma maior compreensão das necessidades de dotação orçamental. O último fundamento reside obviamente na aferição da legalidade da atividade, em benefício do cidadão comum, e em proteção dos próprios operacionais (Born & Leigh, 2005, p. 164). A atividade de controlo parlamentear é frequentemente exercitada com recurso à figura institucional de Comissões Permanentes de Fiscalização, contudo são observáveis diferentes arranjos constitucionais, em função do sistema político de acolhimento, que aqui ilustramos: a manutenção pelo Parlamento alemão de uma Comissão de Controlo Parlamentar cuja composição integra parlamentares e peritos, desde que aprovados em sede parlamentar por maioria de 2/3, e que oportunamente veremos com maior detalhe; a manutenção de uma multiplicidade de Comissões Parlamentares de Fiscalização da atividade dos Serviços de Informações, por um só Parlamento, em função do âmbito das Informações, como é o caso Romeno, que optou pela não agregação dos Serviços de Informações, separando-os em função da natureza civil ou militar das Informações recolhidas; ou ainda, no caso de sistemas bicamerais, a manutenção de uma única Comissão Parlamentar de Fiscalização, cuja composição integra elementos de ambas as câmaras, ou de uma Comissão Parlamentar de Fiscalização por cada câmara, como adiante

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR veremos, aquando da análise da mecânica anglo-saxónica, com recurso ao caso inglês e americano. O controlo exercido por órgãos independentes é passível de integração nos mecanismos de controlo parlamentar e assume-se como uma delegação da competência fiscalizadora do poder legislativo em matéria de Informações, mas cujo reporte se concentra no Parlamento, e do qual Portugal é um exemplo ilustrativo, através do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFSIRP), cuja composição integra três elementos não-parlamentares, contudo eleitos em sede parlamentar por maioria qualificada de dois terços dos deputados para um mandato de quatro anos (Gouveia, 2008). O CFSIRP assegura o controlo parlamentar da legalidade da atuação do Sistema de Informações da República Portuguesa em matérias que relevam dos Direitos, Liberdades e Garantias. Compete ao Conselho de Fiscalização acompanhar e fiscalizar a atividade do Secretário-Geral e dos Serviços de Informações, velando pelo cumprimento da Constituição e da lei, particularmente do regime de direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, no entanto, não possui poderes de investigação ao contrário do congénere canadiano e norueguês como se depreende do art. 9º, n.º 2, al. g) da Lei-quadro do SIRP (Gouveia, 2008, pp. 185-188). A fiscalização do Sistema de Informações português conta ainda com a Comissão de Fiscalização de Dados do Sistema de Informações da República Portuguesa (CFDSIRP), enquanto órgão de fiscalização especializado, composto por três magistrados do Ministério Público designados pelo período do mandato do ProcuradorGeral da República que exerce as suas competências, de um modo exclusivo, no domínio da proteção de dados pessoais informatizados, conforme disposição no art. 26º, n.º 3, da Lei-quadro do SIRP. Não obstante a independência da CFDSIRP face ao CFSIRP, consagrou-se o dever da CFDSIRP

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR informar através de relatórios, quaisquer violações ocorridas de direitos fundamentais dos cidadãos de acordo com o art. 27º, n.º 3, da Lei-quadro do SIRP (Gouveia, 2008, pp. 189-190). Born e Leigh asseguram que a opção pela modalidade do controlo por órgãos independentes não só garante eficácia, legalidade e profissionalismo à atividade fiscalizadora, como impede riscos de politização (Born & Leigh, 2005, p. 113).

II.2 O controlo Judicial

Exercitado pelo poder Judicial: “Intelligence services are not above the

law and penalties must be provided by the law” (DCAF, 2003, p. 53), tem por missão a garantia da manutenção da legalidade da atividade dos Serviços de Informações: “The law must regulate intelligence activities and establish

procedures to guarantee its proper execution, protection and transparency” (DCAF, 2003, p. 53). A relevância do controlo e fiscalização judicial deriva da sua independência

relativamente

à

eventual

influência

ou

interferência

governamental (DCAF, 2003, p. 54) e revela-se em dois momentos temporalmente distintos: um primeiro momento, ex ante, de concessão de autorização para a realização de operações que impliquem uma intrusão na esfera privada dos cidadãos: “ (…) to ensure that government actions (…) do

not violate the rights of citizens and that the government is held accountable for such actions when they do violate rights” (Caparini, 2007, p. 15); e um segundo momento, que abrange a tramitação de denúncias e reclamações de cidadãos lesados pela atividade dos Serviços de Informações (Born & Leigh, 2005, pp. 107-109). Cumulativamente a eventuais violações de legalidade

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR contra o cidadão, o segundo momento contempla ainda as próprias violações da administração pública. Comparativamente com o largo espectro do controlo parlamentar, o controlo judicial ainda que sustentáculo dos restantes mecanismos encontra a sua ação limitada à aferição da legalidade na atividade de produção de Informações, não sendo possível a sua extensão a outros domínios de atuação, como o domínio politico.

CAPÍTULO

III.

A

SOCIEDADE

CIVIL

COMO

MECANISMO DE CONTROLO A arquitetura de mecanismos de controlo da atividade de produção de Informações não ficaria devidamente ilustrada sem uma referência ao controlo público4, exercido quer pelo cidadão, quer por sectores organizados da Sociedade Civil, que denunciam atuações abusivas perpetuadas pelos Serviços de Informações: “Civil society organizations (…) can perform a useful supervisory

function of intelligence services. Supervision by the public can help to ensure that 4

Cf. com “In the United States, the efforts in opening up of intelligence services to

the public scrutiny are also taking place. Old intelligence records are being declassified and published. Steps are being taken to make support available to professors for teaching intelligence as an academic subject. Because such actions may be met wit suspicion, however, these relationships must remain voluntary, open to public scrutiny, and consistent with academic practice” (Vitkauskas, 1999, p. 51); ou ainda “The other type of vertical accountability is linked to citizens, civil society and the media who perform oversight of security intelligence agencies. Citizen action and mechanisms for holding intelligence agencies and their political masters to account include lobbying, advocacy and educational efforts by individuals, nongovernmental organisations and political parties” (Caparini, 2007, p. 12).

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR the objectives of an intelligence service are beneficial for the society as a whole” (DCAF, 2003, p. 56). Constituem-se como instrumentos ao serviço do controlo público, a pressão, a denúncia e a defesa pública de direitos, liberdades e garantias individuais e coletivas, com um propósito comum de promoção do debate público: “We have found that a good step towards a more effective democracy

is the launching of an informed public debate” (Boraz & Bruneau, 2006, p. 35), e consequente introdução de ações corretivas no comportamento desviante do Estado e organismos integrantes. Não obstante, Marina Caparini alerta quer para o limitado acesso dos atores civis às fontes, decorrente do secretismo inerente à atividade: “Those

actors normally have access only to a very limited amount of information concerning the activities of security and intelligence agencies” (Caparini, 2007, p. 12), quer para a sobrevalorização na desclassificação da Informação: “Secrecy

is vital to the success of many intelligence activities. However overly severe restrictions on information due to security requirements are likely to inhibit public debate and scrutiny of security agencies and activities. Information is vital to enable citizens to be aware of what is going on in their society, to understand what actions have been undertaken by their government in the public interest, and to hold government accountable. As the media fulfils a role as watchdog of government, access to information and measures to declassify confidential information on a regular basis is of vital importance to the process of accountability” (Caparini, 2007, p. 20), obstaculizando a desejável transparência democrática. Um entendimento partilhado por Thomas Bruneau e Steven Boraz: “Elements of civil society that wish to help promote democratic control of

intelligence face several hurdles. The highest is the matter of access. Those outside government must rely on leaks or an informal entrée into the IC that is

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR hard to come by given the adversarial climate which often subsists between intelligence officials and their civilian critics” (Boraz & Bruneau, 2006, p. 34). Um dos atores civis que recorre frequentemente ao instrumento da pressão e da denúncia é a comunicação social. Contudo, e tal como observado por Caparini, o exercício da comunicação social como mecanismo de controlo depende da existência de uma comunicação livre e independente do controlo político: “One of the requirements of a free press, however, is that it operates

independently of political control. Furthermore, in order for the media to function effectively as an informal check on power, its members must be willing to question official versions of events, critique policy and decisions of the government, and be imbued with the spirit of investigative inquiry” (Caparini, 2007, p. 12), e em que a divulgação da informação ocorra quando o poder político se revele incapaz de justificar a necessidade do sigilo, do ponto de vista da Segurança Nacional, ou quando a informação é classificada unicamente com o desígnio da ocultação de más praticas ou violação de normas. Não obstante a contribuição da Comunicação Social enquanto instrumento de controlo público, Bruneau e Boraz alertam para instrumentalização da Informação por parte da Comunicação Social, enquanto órgão privado, unicamente com o propósito de gerar lucros e audiências: “The media, (…)

people who make headlines out of the (Intelligence) failures” (Boraz & Bruneau, 2006, p. 34). A arquitetura dos mecanismos de controlo da atividade de produção de Informações aqui exposta obriga a que dediquemos o capítulo seguinte à análise da sua aplicabilidade real em regimes democráticos. Não sendo possível a extensão da investigação a todas as democracias consolidadas, elegemos o caso americano e britânico, ilustrativos da tendência anglo-saxónica e o caso alemão e português para ilustrar a tendência europeia.

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR CAPÍTULO

IV.

MODELOS

DE

MECÂNICA

DE

CONTROLO

A arquitetura de controlo da atividade de produção de Informações adotada depende do sistema político em que se integra (Pereira & Feiteira, 2015), na medida em que é este que determina a inclusão de um mecanismo de controlo, ou vários, em detrimento de outros possíveis. Assim, fatores políticos como o grau de priorização de matérias securitárias, o grau de envolvimento da Sociedade Civil no debate público sobre a atividade dos Serviços de Informações, o grau de envolvimento entre poder executivo e legislativo em matérias de Segurança, ou ainda o peso político de um Parlamento, ou até mesmo o grau de liberdade da Comunicação Social, determinam a mecânica do controlo democrático. A arquitetura de controlo americana é dominada por mecanismos de controlo predominantemente executivos: a manutenção de um Conselho Nacional de Segurança (National Security Council)5; a criação, ainda em 1961, de um órgão de assessoria executiva em matéria de Informações, o President´s

Foreign Intelligence Advisory Board, com funções de acompanhamento das atividades dos Serviços de Informações, na vertente de análise, operações, definição da política de Informações, e controlo administrativo Legal-formal, em três linhas de atuação, coincidentes com as expostas anteriormente e subscritas por Ugarte; a manutenção, desde 1976, de um segundo órgão de assessoria executiva, o Intelligence Oversight Board6, com funções de controlo da legalidade 5

Á semelhança do Conselho Superior de Informações, na arquitetura de controlo portuguesa. 6 Em caso de deteção de ilegalidades, o órgão reporta primeiramente ao chefe do executivo, o Presidente, que caso entenda, o remete para o Procurador-Geral. A existência de um controlo judicial neste caso é contestável, dada a exposição à supremacia hierárquica e à arbitrariedade do chefe do executivo.

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR da atividade dos Serviços de Informações, particularmente, da aferição da legalidade da interceção de comunicações; e a avaliação da adequabilidade da verba inscrita em orçamento do Estado à prossecução da atividade de produção de Informações é da responsabilidade do Centro de Gestão e Orçamento (Office

of Management and Budget), igualmente na dependência presidencial, o que em regimes presidencialistas, significa um quarto momento de controlo executivo (Esteves, 2003, p. 446). A dominância de mecanismos de controlo exclusivamente executivos, determinou a sua evolução, muito em parte graças ao controlo público, para a introdução de mecanismos de controlo parlamentares. Richelson esclarece que a adoção americana de um mecanismo de controlo parlamentar decorre de sucessivos escândalos internos relativos à partidarização e politização dos Serviços de Informações americanos, decorrentes da posição hegemónica do chefe do Executivo, o Presidente, na condução da política de Segurança Interna, Defesa, e Politica externa. A excessiva exposição dos Serviços de Informações ao controlo governamental e consequente desvio para a partidarização e politização, determinaram a obrigatoriedade do Presidente manter comissões parlamentares devidamente informadas sobre a atividade dos serviços de informações (Richelson, 1995). A mecânica inglesa só foi conhecida do público em 1989, com a publicação do Security Service Act, até então, toda a orgânica dos Serviços de Informações era desconhecida da opinião pública interna e de toda a Europa. O Security

Service Act conferiu pela primeira vez, aos Security Services, vulgarmente apelidados de MI5, existência legal e um regime estatutário. Com a aprovação do Security Service Act, as operações cobertas passam a ser controladas pelo poder executivo, ou delegadas na tutela do Ministério do Interior. Pese embora uma inegável transformação do quadro jurídico britânico, com o reconhecimento legal e estatutário do MI5 e a inclusão de um mecanismo de controlo executivo pela tutela, o Reino Unido permanecia um Estado Secreto em 1994. A introdução

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR do Intelligence Services Act veio conferir bases estatutárias ao Secret Intelligence

Service, ou MI6, e ao Government Communications Headquarters (GCHQ) e estabelecer mecanismos de controlo parlamentar 7 através da instituição do Comité de Informações e Segurança, com a função de avaliação da atividade de produção de Informações nos três principais Serviços de Informações britânicos: o MI5, o MI6 e o GCHQ (Esteves, 2003, p. 447). O modelo britânico, à semelhança do americano, apresenta um desequilíbrio de mecanismos de controlo, com sobre dominância do controlo executivo e uma contestável presença de mecanismos parlamentares, contudo, ao contrário do americano, o modelo britânico encontrou na Joint Intelligence

Organization uma forma subsidiária de controlo administrativo. Contrariamente aos restantes parceiros europeus, a Alemanha adotou uma arquitetura de controlo predominantemente parlamentar. A excecionalidade do caso alemão ditou que a integrássemos na nossa análise. O quadro normativo alemão para efeitos de regulação e fiscalização da atividade dos Serviços de Informações, é estabelecido em 1978 e deposita no parlamento a totalidade do poder de controlo. As sucessivas alterações legislativas não só mantêm uma concentração de poderes de controlo neste órgão, como as alargam, passando o Parlamento alemão a deter competências cumulativamente de controlo e de determinação da agenda dos Serviços de Informações, da dinâmica interna, de avaliação da adequabilidade orçamental e sobretudo de autorização de atividades cobertas. Os poderes parlamentares concentram-se na Comissão de Controlo Parlamentar 8 , responsável pelo controlo dos 3 Serviços de Informações

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A representatividade parlamentar no CIS é passível de contestação, uma vez que a nomeação dos parlamentares decorre de iniciativa ministerial. Alguns autores defendem que a simples presença de parlamentares não constitui um mecanismo de controlo. 8 Que pode incluir peritos independentes desde que aprovados em sede parlamentar, por maioria de 2/3.

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR disponíveis 9 , nomeadamente a legalidade da interceção de comunicações, a cargo da Comissão G1010 (Esteves, 2003). A Europa não acompanha a tendência alemã (Pereira & Feiteira, 2015). Na verdade, a maior parte dos países europeus adotou arquiteturas de controlo mistas, e um moderado controlo parlamentar, em coexistência com mecanismos de controlo interno, predominantemente executivos. Portugal e Itália apresentam modelos muito similares. Em ambas as democracias, o parlamento controla parcialmente a atividade dos Serviços de Informações, não interferindo na avaliação do desempenho operacional, na adequação orçamental, nem na aprovação prévia de operações cobertas. A arquitetura de controlo em Portugal começa a desenhar-se em 1970, com a instituição de um modelo de Serviço único de Informações: o Sistema de Informações da República, cuja chefia inicial é depositada na figura do Provedor de Informações, uma tentativa de credibilização pós revolucionária dos Serviços. O modelo evoluiu no sentido de acompanhar a tendência que se alastrava pela Europa, de responsabilização democrática dos Serviços de Informações, e em 1984, a Lei-quadro do Sistema de Informações da República portuguesa instituía: um órgão de controlo executivo, o Conselho Superior de Informações, tal como analisado anteriormente no capítulo I; um discutível mecanismo de controlo judicial, sediado na Procuradoria-Geral da República, unicamente com funções de aferição da legalidade dos dados obtidos pelos Serviços de Informações; e um mecanismo de controlo parlamentar11, o conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, tal como descrito anteriormente no capítulo 2 (Gouveia, 2008).

Bundesnachrichtendienst, Bundesamt für Verfassungsschutz e Militärischer Abschirmdienst. 9

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Desde 1999, que a Comissão G10 deve obrigatoriamente incluir não parlamentares na sua composição, numa tentativa de combate à sobre dominância parlamentar nos mecanismos de controlo. 11 Diferentemente do caso alemão, o modelo de controlo parlamentar português não prevê competências parlamentares de fiscalização ex ante, nem de acumulação de mecanismos de controlo judicial por delegação.

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR CONCLUSÕES

A arquitetura adotada reflete unicamente o sistema politico em que se insere. Não reflete o grau de eficácia dos Serviços de Informações, nem é garante da sua tradução para a realidade. A existência de arquiteturas complexas com a coexistência de vários mecanismos de controlo interno e externo não são sinonimo da sua operacionalidade, podendo em alguns casos revelar total inoperância. Igualmente, é possível a manutenção de tais arquiteturas inoperantes, com a conivência do sistema politico, apenas com o escopo de traduzir exteriormente uma falsa democraticidade. Reflete sim, o grau de envolvimento da Sociedade Civil na condução participada de toda a atividade do Estado, particularmente dos Serviços de Informações. Igualmente, reflete o grau de envolvimento cívico que o sistema político permite. A inclusão de mecanismos de controlo interno permite conferir transparência aos Serviços. O controlo administrativo permite uma melhoria orgânica e comportamental e a auto regulação ética, uma minoração dos abusos e arbitrariedades. A inclusão de mecanismos de controlo executivos inibe o decisor político da desresponsabilização baseada no alegado desconhecimento da atividade dos Serviços de Informações, ao mesmo tempo que incute nos operacionais das Informações uma perceção de controlo, inibidora de práticas abusivas e sancionatórias. A inclusão de mecanismos exteriores de controlo, nomeadamente o controlo parlamentar e judicial, permitem o alargamento do debate relativo à relevância da manutenção de um Serviço de Informações, permitem a edificação e educação da opinião pública relativamente às opções de investimento em políticas públicas de Segurança e defesa, em detrimento das políticas socias.

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A NOVA GOVERNANÇA SECURITÁRIA DO ESTADO: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MONOPOLISTAS AO ESTADO REGULADOR A consciencialização e mobilização das Instituições Civis é reforçada com o alargamento do debate público relativo à importância da atividade dos Serviços de Informações, na manutenção da Segurança Nacional, na manutenção dos Interesses Nacionais, e na manutenção do que é impactante para o cidadão comum: a sua Segurança individual. Igualmente, desmistifica o caracter obsoleto dos Serviços de Informações, associado ao período da Guerra Fria, e permite a compreensão da sua utilidade em tempos de paz. O alargamento do debate permite ainda a edificação de uma futura classe politica mais informada e sensibilizada para a atividade dos Serviços de Informações, não se perpetuando na classe politica, a tradicional postura demissionista. Pese embora as virtuosidades da arquitetura de controlo introduzidas pela Democracia, nenhuma mecânica de controlo pode assegurar que o secretismo, condição inerente à atividade de produção de Informações, não é comprometido. A desejável transparência democrática pode ser difícil de compatibilizar com a desejável eficácia operacional.

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