O CORPO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE INSTRUMENTOS MUSICAIS: percepção de professores

August 4, 2017 | Autor: P. Pederiva | Categoria: Corporeidade
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PATRÍCIA LIMA MARTINS PEDERIVA

O CORPO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE INSTRUMENTOS MUSICAIS: percepção de professores

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade Católica de Brasília, visando à obtenção do grau de Mestre. Orientador: Dr. Afonso Celso Tanus Galvão

Brasília 2005

TERMO DE APROVAÇÃO

Dissertação de autoria de Patrícia Lima Martins Pederiva, intitulada – O corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais: percepção de professores – requisito parcial para obtenção do grau de Mestre do Programa de Pós-Graduação strictu sensu em Educação. Banca examinadora constituída por:

Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão (Orientador)

Profa. Dra. Eunice Maria Lima Soriano de Alencar (Membro)

Prof. Dr. Norberto Abreu e Silva Neto (Membro)

Dr. José Florêncio Rodrigues Júnior (Suplente)

Brasília UCB

P371o Pederiva, Patrícia Lima Martins. O corpo no processo de ensino e aprendizagem de instrumentos musicais: percepção de professores / Patrícia Lima Martins Pederiva, orientador Afonso Celso Tanus Galvão – 2005. 133f.: il. ; 30 cm. Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2005. 1. Instrumentos musicais – instrução e estudo. 2. Corpo e mente. 3. Ensino e aprendizagem. I. Galvão, Afonso Celso Tanus, orient. II. Título. CDU 37:681.8 Ficha elaborada pela Divisão de Processamento do Acervo do SIBI – UCB.

A meu pai, José Martins da Silva, in memoriam, por me ensinar a amar o conhecimento.

AGRADECIMENTOS A Deus, que, com sua infinita bondade, me permitiu chegar até aqui. Aos amigos invisíveis, que me ampararam nesta caminhada. As minhas amadas filhas, Marta, Alice e Luiza, pela compreensão. A minha mãe Arminda e minha avó Francisca, pelo apoio constante e por toda a estrutura física e emocional que me concederam para que pudesse realizar e concluir este trabalho. A João Henrique Pederiva, meu esposo, pelos momentos de apoio. A Tácita Orlando e família, que muitas vezes me ajudaram com as crianças para que pudesse estudar. A minha irmã Adriana, por me incentivar de longe. A Simone Lacorte Recôva, minha amiga do coração, pela oportunidade de partilhar sua amizade, solidariedade, competência e humanidade. A Psicóloga Kátia Zacarias, registro minha mais profunda gratidão. Ao meu orientador, Dr. Afonso Tanus Galvão, que, com entusiasmo, paciência, profissionalismo, incentivo constante e amizade, me ajudou a encontrar o que aqui vim buscar: aprender os “mistérios de fazer ciência”, por me esinar a “pescar o peixe”. A Carmem Jansem, mais que uma professora, uma incentivadora de todos os momentos, especialmente quando do auxílio para uso do Programa ALCESTE. A Sônia Ray, que participou da banca de qualificação desta pesquisa, e por seu incentivo constante. Aos professores que constituem a Banca de Avaliação final deste trabalho, por suas valiosas sugestões: Eunice Alencar e Norberto Abreu. Aos colegas e professores da pós-graduação em Educação e em Psicologia da UCB. Ao Diretor da Escola de Música de Brasília, Professor Doutor Carlos Galvão, por sua visão de futuro, permitindo a busca pelo espaço para o crescimento intelectual e profissional. Ao GEPEM, grupo de estudos e pesquisas em performance musical, pelos três anos de conhecimentos intercambiados e compartilhados na Escola de Música. A Cristina Porto Costa, pela constante troca de idéias, partilha de materiais e de conhecimentos. A Rita de Cassia Leal Fonseca dos Santos, pela brilhante e inestimável colaboração ao traduzir para o inglês o capítulo que trata da revisão de literatura deste trabalho, aceito como artigo para uma publicação internacional. A todos os colegas da Escola de Música de Brasília, que generosamente participaram desta pesquisa. Aos meus alunos de violoncelo, com os quais compartilho este aprendizado. A Ermelina da Silva Paula, pelo trabalho de revisão de forma e beneficiamento de texto. A todos que, de alguma forma, contribuíram para a construção desta investigação.

“O homem é presença e espaço na história, com o corpo, no corpo, desde o corpo e através do corpo.” (Manuel Sérgio Vieira e Cunha)

RESUMO

Esta pesquisa, de caráter qualitativo exploratório, focalizou a relação músico-corpoinstrumento no contexto ensino-aprendizagem. Teve como objetivos investigar significados de “corpo”, de acordo com o entendimento de professores de instrumentos musicais; a existência de problemas corporais no processo ensino-aprendizagem; as possíveis causas dos problemas corporais, e, ainda, descrever procedimentos pedagógicos voltados para o corpo, utilizados pelos professores. Os instrumentos metodológicos utilizados foram a entrevista individual e de grupo focal. Foram entrevistados em profundidade 10 professores de instrumentos musicais variados que lecionam para diversas faixas etárias, predominantemente adolescentes. Além disso, 3 entrevistas de grupo focal foram também conduzidas. Os resultados obtidos revelam diversas significações referentes ao corpo, incluindo corpoinstrumento, corpo-mente, corpo-base, corpo-organismo, corpo-sujeito, corpo-emoção, corpocultura e corpo-objeto. Revelam também que o corpo influencia no modo de proceder dos professores em sua prática pedagógica. Diversos problemas corporais – de ordem física, emocional e mental – foram apontados pelos professores, indicando que a aprendizagem musical deve abranger todas essas dimensões. Os resultados sugerem que o corpo, no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, está à mercê de uma pedagogia que tem como base a experiência prática do professor. O adoecimento do músico parece acontecer já no período inicial de aprendizagem, o que aponta para a necessidade de mudanças nos procedimentos pedagógicos e revisão das bases do processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais.

Palavras-chave: corpo, aprendizagem, expertise musical.

ABSTRACT

This qualitative, exploratory research focused the relationship ‘musician-body-instrument’ in the teaching-learning process context. It aimed at investigating body meanings according to the perspective of teachers of musical instruments; bodily related problems in the teachinglearning process, their possible causes; and describing pedagogical procedures towards the body. The method comprised semi-structured and group interview. Ten teachers varying musical instruments – who teach students of different ages, mostly adolescents, were interviewed at length. Besides, three group interviews were also undertaken. Results reveal that the body influences teachers’ pedagogical practice procedures. A number of bodily related problems – of physical, mental and emotional order – were pointed out. These suggest that music learning should encompass all these dimensions. According to the results, the body, in the teaching learning process of musical instruments, is limited to a pedagogic structure which is based almost solely on teachers’ practical experience. Musicians’ sickness process seems to start in the very first moments of learning. This points out the need to change pedagogical procedures and to review the fundamentals of the teaching-learning process of musical instruments.

Keywords: Body, learning, musical expertise.

LISTA DE QUADROS Quadro 2.1

Formes Associées au Contexte D (Formas Associadas ao Contexto D)

42

Quadro 2.2

Frase/ ALCESTE EI

43

LISTA DE FIGURAS Figura 4.1

Circularidade dos Temas

101

Figura 4.2

Eixos de Aprendizagem

102

SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 13 1. O CORPO NO CONTEXTO ENSINO-APRENDIZAGEM ............................................... 15 1.1 Corpo, cultura, escola e educação ............................................................................ 15 1.2 Corporeidade ............................................................................................................ 18 1.3 Corpo e aprendizagem.............................................................................................. 19 1.4 A Importância do conhecimento do corpo: esquema e imagem corporal ................ 22 1.5 Corpo e educação musical ........................................................................................ 24 1.6 Corpo e performance musical................................................................................... 27 2. NATUREZA DA PESQUISA E MÉTODO ........................................................................33 2.1 Problema................................................................................................................... 33 2.2 Justificativa............................................................................................................... 33 2.3 Objetivos................................................................................................................... 34 2.3.1 Objetivo geral ............................................................................................... 34 2.3.2 Objetivos específicos.................................................................................... 34 2.3.3 Questões de pesquisa .................................................................................... 35 2.4 Método...................................................................................................................... 35 2.5 Instrumentos de coleta de dados............................................................................... 37 2.6 Participantes e local.................................................................................................. 38 2.7 Procedimentos .......................................................................................................... 39 2.7.1 Entrevista individual..................................................................................... 39 2.7.2 Entrevista de grupo focal.............................................................................. 39 2.8 Estratégias de análise................................................................................................ 40 3. RESULTADOS: A RELAÇÃO MÚSICO-CORPO-INSTRUMENTO NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM................................................................................................... 44 3.1 Significados de corpo ............................................................................................... 44 3.1.1 Corpo-instrumento........................................................................................ 45 3.1.2 Corpo-mente ................................................................................................. 48 3.1.3 Corpo-base.................................................................................................... 52 3.1.4 Corpo-organismo .......................................................................................... 53 3.1.5 Corpo-sujeito ................................................................................................ 54 3.1.6 Corpo: emoção, objeto, cultura..................................................................... 55 3.2 Problemas corporais ................................................................................................. 57 3.2.1 Dores............................................................................................................. 57 3.2.2 Tensão (como conseqüência)........................................................................ 59 3.2.3 Má postura (como conseqüência) ................................................................. 60 3.2.4 Falta de consciência corporal (como conseqüência) .................................... 61 3.2.5 Outros problemas corporais.......................................................................... 62 3.3 Causas dos problemas corporais............................................................................... 63

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3.3.1 3.3.2 3.3.3 3.3.4 3.3.5 3.3.6 3.3.7 3.3.8 3.3.9 3.3.10

Tensão (como causa de problemas).............................................................. 64 Instrumentos (como causa de problemas) .................................................... 64 Fatores emocionais ....................................................................................... 65 Falta de consciência corporal (como causa de problemas)........................... 66 Movimento repetitivo ................................................................................... 67 Má postura (como causa de problemas) .......................................................68 Acessórios..................................................................................................... 68 Constituição física inadequada .....................................................................69 Falta de estudo do aluno ............................................................................... 70 Falta de conhecimento do Professor......................................................... 70

3.4 Procedimentos pedagógicos relacionados ao corpo ................................................. 71 3.4.1 Orientação verbal.......................................................................................... 72 3.4.2 Ausência de orientação................................................................................. 73 3.4.3 Coordenação motora..................................................................................... 73 3.4.4 Observar o aluno........................................................................................... 74 3.4.5 Procedimentos afins...................................................................................... 74 3.4.6 Uso do espelho ............................................................................................. 75 3.4.7 Imitação ........................................................................................................ 76 3.4.8 Uso de acessórios alternativos...................................................................... 77 3.4.9 Respeito à constituição física do aluno.........................................................77 3.4.10 Relação mente-corpo-instrumento............................................................78 3.4.11 Dimensão afetiva e emocional.................................................................. 78 3.4.12 Princípios de yoga, cinesiologia, massagem ............................................ 79 3.4.13 Meta e disciplina....................................................................................... 80 3.5 Soluções para os problemas corporais...................................................................... 81 3.5.1 Formação de professores na área do corpo...................................................81 3.5.2 Técnicas corporais ........................................................................................ 82 3.5.3 Atividade física............................................................................................. 83 3.5.4 Geração de conhecimento sobre a atividade corporal do músico.................83 3.5.5 Uso de acessórios ergonomicamente corretos .............................................. 84 3.5.6 Respeito às diferenças .................................................................................. 85 3.5.7 Uso de bons instrumentos............................................................................. 85 3.5.8 Acompanhamento físico e psicológico.........................................................86 4

3.6 Reflexões .................................................................................................................. 87 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES: CORPO, UMA REDE COMPLEXA DE

INTERAÇÕES ......................................................................................................................... 89 4.1 Retomando as questões de pesquisa ......................................................................... 89 4.2 As Metáforas do corpo: o “corpo-músico”............................................................... 91 4.3 O Corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais.................... 99 4. 3.1 Tensão (física e emocional)........................................................................102 4.3.2 Consciência corporal ..................................................................................104 4.3.3 A aprendizagem e o desenvolvimento motor .............................................108 4.3.4 Constituição física: diferenças individuais ................................................. 110 4.3.5 Movimento repetitivo ................................................................................. 111 4.4 Conclusões.............................................................................................................. 112 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 121

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APÊNDICE

A



QUANTITATIVOS

(NÚMERO

DE

PARTICIPANTES

NAS

EXPRESSÕES/SUBCATEGORIAS) .................................................................................... 127 APÊNDICE B – QUADRO DE RESULTADOS ................................................................ 129 APÊNDICE C – RELAÇÕES (ESTABELECIDAS PELOS PARTICIPANTES DA PESQUISA)............................................................................................................................ 130 APÊNDICE D– TRABALHOS PUBLICADOS, TENDO COMO BASE ESTA PESQUISA 133 }

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INTRODUÇÃO

O corpo é objeto de estudo de diversas ciências, como a medicina, a psicologia, a filosofia, entre outras. Cada uma dessas áreas contribui para a compreensão de diferentes aspectos relativos ao assunto, colaborando para o processo de construção do conhecimento científico. A prática musical requisita bem estar físico e emocional com vistas a uma ação saudável e eficaz. Os caminhos percorridos para chegar aos resultados do intérprete musical são documentados de modo escasso. O fazer do músico precisa de registro escrito e sistematizado. A performance musical necessita ser trazida ao plano de pensamento investigativo para tornar-se fonte de consulta e referência básica. O campo das práticas interpretativas, considerando principalmente a pedagogia específica de um instrumento, ainda é vasto e inexplorado (GERSCHFELD, 1996). Primeiro instrumento de trabalho de um músico, o corpo é solicitado como um todo na atividade musical (COSTA, 2003). É o que apontam diversos autores (ANDRADE; FONSECA, 2000; COSTA, 2003; GALVÃO; KEMP, 1999; SILVA, 2000). Observa-se que durante o aprendizado de instrumentos musicais a formação do intérprete é delineada em função da técnica musical. Esquece-se que o músico é um ser humano possuidor de um corpo que abrange o físico, o mental e o emocional. Trata-se o intérprete como se fosse uma “máquina de fazer música”. O corpo, como conseqüência dessa percepção, é fragmentado em função dos objetivos a serem alcançados: a decodificação do símbolo e o domínio técnico do instrumento. O desequilíbrio existente na relação que envolve o músico, seu corpo e seu instrumento em sua prática tem sido evidenciado por diversas investigações. Pesquisa realizada por Costa (2003), por exemplo, constatou que a organização do trabalho dos músicos, as relações hierárquicas, a pressão temporal, os picos de demanda, o número insuficiente de violistas na orquestra, a inexistência de folgas e de revezamento que possibilitem maior descanso dos músicos poderiam estar contribuindo significativamente para a presença de dor relacionada ao tocar instrumentos. Em artigo em que trata do risco da profissão do músico, Costa (2002) afirma também que, no Brasil, as ações preventivas ainda não contemplam os músicos em formação, o que já ocorre em outros países que já utilizam vários tipos de orientação como, por exemplo, a Eutonia ou a Técnica Alexander.

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Já em pesquisa realizada com harpistas, Silva (2000) alerta para a necessidade de estudos sobre o corpo, pois harpistas apresentariam diversos problemas corporais, variando entre uma baixa resistência para o estudo, até dores e desvios ósseos. Ray (2001), por sua vez, ressalta a importância do aspecto corporal relacionado à performance musical, utilizando como base teórica os fundamentos das artes marciais. Propõe, a partir daí, a identificação e o domínio dos elementos que interagem em uma performance artística. Andrade e Fonseca (2000) desenvolvem reflexão sobre a utilização do corpo na performance dos instrumentos de cordas, sugerindo que a formação do músico deveria ser pensada como a formação de um atleta, tendo em vista que tocar um instrumento demanda alto preparo físico e psicológico para a execução da tarefa. Galvão e Kemp (1999) afirmam que pesquisas referentes a um sentido corporal de espaço e movimento são ainda campos pouco explorados, podendo ter, entretanto, grandes implicações para o ensinoaprendizagem de instrumentistas. As questões relativas à aprendizagem motora também foram contempladas em pesquisa realizada por Lage et al. (2002). Para os autores, o estudo da aprendizagem motora seria de particular interesse, tanto para o intérprete, quanto para o professor de música, pois, por meio da compreensão e da aplicação de conhecimentos que regem o movimento, poder-se-ia buscar diminuição significativa dos erros de performance, bem como maior controle da variabilidade dos movimentos corporais. Os autores asseveram que restam ainda muitas carências nas interfaces da performance musical com áreas como Medicina, Psicologia, Física, Ciências do Esporte e Educação. Esta pesquisa, por sua vez, se propõe a investigar o tipo de orientação corporal recebida de formação do músico, de modo a melhor entender o estado do corpo nesse contexto. O trabalho está dividido em quatro partes, que correspondem, respectivamente, à revisão de literatura – que oferece uma visão global de como o corpo é pensado a partir de diversas perspectivas, em uma abordagem um tanto multireferencial –; natureza da pesquisa e método – abordando o problema de pesquisa, justificativa, objetivos da investigação, participantes, local, metodologia e instrumentos utilizados –; resultados – oferecendo exemplos extraídos das falas dos entrevistados; discussões e conclusões – relacionando os resultados obtidos com a literatura pertinente, apresentando as conclusões de pesquisa e sugerindo possíveis caminhos para novas pesquisas.

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1. O CORPO NO CONTEXTO ENSINO-APRENDIZAGEM

1.1

Corpo, cultura, escola e educação

Pensar o corpo pode ter diversos sentidos. Cada ciência, cada cultura, cada pessoa pode percebê-lo e vivenciá-lo de diferentes maneiras. O corpo é lugar de inscrição de cada cultura. Cada gesto aprendido e internalizado pelo corpo revela trechos da história da sociedade a que esse corpo pertence. Códigos, práticas, instrumentos são materializados, concentrados e expostos nos corpos. Ele é um quadro vivo, de certa forma, refreado por normas que o transformam, revelando regras e costumes engendrados por uma ordem social. Um meticuloso processo de educação submete o corpo a determinados códigos e normas, dos quais se extraem ou se acrescentam gestos e atos (SOARES, 2001). A educação do corpo pode ser realizada pela realidade que o circunda, pelas coisas com as quais convive, pelas relações estabelecidas em espaços definidos, delimitados por atos de conhecimento. O corpo seria o primeiro lugar onde a mão do adulto marca a criança, primeiro espaço onde seriam impostos os limites sociais e psicológicos de determinadas condutas e, ainda, o emblema onde a cultura poderia inscrever seus signos e brasões. A relação entre corpo e cultura em tal perspectiva, pode ser exemplificada no contexto do trabalho de Crespo (1990). Esse autor relata como se realizou o tratamento corporal em Portugal nos séculos XVIII e XIX. A inexistência de controle social eficaz revelava os desregramentos dos corpos. Buscou-se, então, uma estratégia de controle sobre esses, com o fim de regulação de hábitos, dando margem aos educadores para a propagação das virtudes correspondentes aos novos modos de vida. Visando ao estabelecimento e ao reforço de um único código de comportamento, os educadores, apoiados no saber e na experiência do contato com as grandezas e as misérias do ser humano, formavam base indispensável à eficácia do emergente processo de civilização. O corpo, dessa maneira, estava a serviço dos novos valores da sociedade, isto é, atenuar os excessos e eliminar as condutas do prazer, sob os limites da expressão gestual. Assim, a idéia de saúde do corpo era inseparável da idéia de uma sólida formação moral. O objetivo da educação era colocado na seguinte ordem: saúde, instrução, temperamento, comportamento e costumes. Em sua perspectiva utilitária, a educação deveria orientar as crianças e os jovens para as tarefas da vida futura. O corpo assumia caráter urbano,

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e era “medido” pela capacidade da maioria das pessoas repetirem os “gestos comuns”. Assim, o corpo poderia tornar-se público. O processo civilizatório do corpo era então uma ação constante, uma prática em movimento sugerindo trabalho, superação e pedindo algum sofrimento, solicitando a busca penosa e esforçada do melhor, com o intuito de contribuir para o “bem da coletividade”. Traduzia-se em um conjunto de preceitos e técnicas, de gestos e maneiras de viver, abrindo caminho para a consciência que havia sobre as potencialidades da educação, em especial sobre os corpos, sendo esses suscetíveis de se transformarem e se aperfeiçoarem pelo exercício da vontade. A imitação, no tocante às crianças, era a técnica aconselhada para a formação de hábitos, visando a demonstrar a falta de moderação em certas atitudes. A idéia de um todo exemplar formava a base das regras sociais, requerendo controle intenso. A idéia de repressão era vivida nos gestos proibidos, e o corpo era valorizado na medida em que se tornasse silencioso e discreto, procurando evitar a evidência de uma presença com o fim de não incomodar, excluindo também as emoções responsáveis pela “incorreta” organização dos movimentos dos corpos. Cultuava-se o recolhimento dos gestos a fim de não inquietar os outros, renunciando a uma gesticulação excessiva, pois, a temperança facilitava a repressão do desejo, anulando a força das paixões. Os alunos eram submetidos a uma ordem e uniformidade assumida por cada interveniente no processo educativo, e não apenas pelo professor. Reconhecia-se aí um processo sutil de domínio dos corpos, que, ao longo do tempo, viria a aprofundar-se por diversas formas. Para Focault (2002), o conjunto de regulamentos escolares é resultante da descoberta do corpo como objeto e alvo de poder, que teve início durante a época clássica. Funcionando primeiramente nos colégios, e depois nas escolas primárias, o ser humano do humanismo moderno nasce no contexto da minúcia dos regulamentos, do olhar esmiuçador das inspeções, do controle das mínimas parcelas da vida e do corpo. A noção de docilidade que une o corpo analisável ao corpo manipulável constrói a pessoa-máquina. O corpo que pode ser submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado. É o corpo desejado, o corpo dócil. A “mecânica do poder” define como se pode efetuar controle sobre os corpos alheios, que possam ser operados com as técnicas segundo rapidez e eficácia determinada. A coerção disciplinar passa a estabelecer no corpo a ligação coercitiva entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada.

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Observando-se a escola de hoje, as formas atuais de controle do corpo estão presentes nos regulamentos da escola, no conteúdo das disciplinas, nos livros didáticos e nos discursos e hábitos metodológicos do professor. Ao permitir realizar somente ações voluntárias com objetivos racionais definidos, regidos pelas normas sociais, os regulamentos da escola teriam como objetivo eliminar do corpo movimentos involuntários e uma participação espontânea por parte dos alunos (GONÇALVES, 2002). Percebe-se esse controle na distribuição espacial dos alunos na sala de aula, na distribuição do tempo escolar, na postura corporal dos alunos e professores, cujos movimentos refletiriam a repressão de sentimentos espontâneos, procurando não revelar nada de pessoal e de subjetivo. O discurso do professor, por sua vez, seria, em geral, impessoal, livre de qualquer tonalidade emocional, com o objetivo de estabelecer limite entre a racionalidade oficial, de um lado, e a experiência pessoal carregada de sentimentos, idéias e lembranças, de outro. A aprendizagem de conteúdos seria uma aprendizagem “sem corpo”, não somente pela exigência de o aluno ficar sem movimentar-se, mas, sobretudo, pelas características dos conteúdos e dos métodos de ensino, que o colocariam em um mundo diferente daquele no qual ele vive e pensa com seu corpo. O conhecimento do mundo seria feito de forma fragmentada e abstrata. As disciplinas limitadas a um horário pré-fixado e rígido, sendo distribuídas diferentemente. A avaliação privilegiaria, sobretudo, as “operações cognitivas”, e os alunos tornar-se-iam objeto de mensurações quantitativas. A aprendizagem na escola, originada de uma cinética reprimida e frustrada, não seria considerada, na maior parte das vezes, como elaboração das experiências sensoriais, mas sim como acumuladora de conhecimentos abstratos, tendo pouca participação do corpo como um todo. Para Gonçalves (2002), isto pode ser um fator gerador de violência e agressividade nos alunos. Pesquisa realizada por Almeida (1997), a respeito do tratamento corporal em sala de aula, evidenciou que as dimensões corporais, mental, emocional e física são tratadas na sala de aula – sob o aspecto didático e pedagógico – de modo fragmentado. Nesse contexto, uma possibilidade de articulação entre esses aspectos não aparece como prática pedagógica entre as docentes ouvidas nesta pesquisa. As diversas “reações posturais” dos alunos foram consideradas pelas professoras como fator dificultador de aprendizagem. Para as docentes pesquisadas, o aspecto motor seria um fator que “impede” o desenvolvimento mental. Assim sendo, as professoras teriam dificuldade em lidar com o corpo em sala de aula. A pesquisa

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conclui que há grande desconhecimento de como o movimento colabora para o desenvolvimento psicológico de crianças. De acordo com Almeida (1997), um dos atributos do movimento seria, por exemplo, a sua capacidade de representar as emoções. É também um aspecto considerado importante no desenvolvimento psicológico da criança. A autora alerta para o fato de que a escola não pode apenas prover o desenvolvimento de “funções intelectuais” aos alunos. O aspecto motor e o emocional também deveriam ser observados, para que possa haver benefícios na aprendizagem de alunos. A escola, portanto, deveria procurar compreender e abarcar esses aspectos da dimensão humana no processo ensino-aprendizagem de uma forma mais holística.

1.2

Corporeidade

Introduzir este conceito implica conceber outros valores presentes na construção do conhecimento sobre o corpo. No contexto da corporeidade, contempla-se o sensível, o inteligível e o motor. Trata-se também de um corpo que busca qualidade de vida. Valores como conservação, cooperação, qualidade e parceria substituem os valores de competição, quantidade e dominação. É uma mudança de valores, mais do que uma mudança de estratégias. Os valores que sustentam o corpo como objeto mecânico, objeto de rendimento, corpo alienado e objeto especializado não suportam o conceito da corporeidade (MOREIRA, 2003). Segundo Freitas (1999), inserido nas relações histórico-culturais de seu meio, o ser humano é um indivíduo único e capaz de testemunhar sua própria experiência, construindo sua vivência singular na complexa rede de inter-relações. Como corporeidade, o corpo humano não termina nos limites que a anatomia e a fisiologia lhe impõem, sendo construído nas relações sócio-históricas e trazendo em si a marca da individualidade. O corpo estende-se pelos instrumentos criados pelo ser humano por meio das roupas e da cultura, entre outros. Ao conferir aos instrumentos um significado e utilização, as pessoas passam por um processo de aprendizagem construtor de hábitos. Expressivo e significativo, o corpo não é uma simples coleção de órgãos, nem uma representação na consciência, tampouco ainda um objeto exterior que se possa explorar. É uma permanência que se vivencia. O corpo humano é, acima de tudo, um ser intencional que se move em direção a um objeto. Por meio de sua motricidade, surgida como emergência da corporeidade, denuncia quem está no mundo com objetivos, para “alguma coisa” intencionalmente (SÉRGIO, 1995).

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Essência e existência estariam mescladas na corporeidade. Descobre-se nesses referenciais a existência de um corpo-sujeito, revelando um ser como indivíduo, marcando a subjetividade singular. Trata-se também de partilhar da intercorporalidade, quer dizer: estar em um mundo com outros corpos. A corporalidade, dessa forma, faz com que o universo humano seja ampliado para um mundo fenomenológico, onde a relação do ser e do mundo, ou ainda, do ser no mundo implica a riqueza de vivências significativas. O corpo não é o começo, e nem o fim da condição humana. Corpo vivenciado é o meio no qual e pelo qual o processo da vida se perpetua (FREITAS, 1999). Afirmar o ser humano como unidade existencial requer sua compreensão como uma subjetividade encarnada, como ser espiritual e corpóreo, que está aberto ao mundo e sem o qual ele não existe. Formando assim uma síntese dialética, não se pode negar nem um, nem outro, não se pode separá-los. Nesse contexto, o mundo é o horizonte e a perspectiva onde a realidade objetiva obtém significação pela subjetividade. Para Freitas (1999), a orientação das ações humanas não existe em função de uma realidade objetiva, mas em função de sua percepção da situação, dos significados subjetivos e intersubjetivos atribuídos às coisas no decorrer de cada história pessoal e social. Supera-se na práxis o dualismo subjetividade-objetividade. O passado e o futuro se integram em um momento presente, trazendo em si o peso das experiências anteriores, bem como uma antecipação do futuro. A realidade concreta torna-se mediada pelo ser humano. Trata-se do ser que permanentemente constrói a si mesmo e também transforma a realidade.

1.3

Corpo e aprendizagem

A aprendizagem humana envolve amplas dimensões do ser humano. Falar de corpo e aprendizagem significa falar de um corpo que interage no mundo e com as pessoas, utilizando-se de suas dimensões. Significa contextualizar esse corpo em ação. Um corpo que é ao mesmo tempo a expressão do ser humano, possuidor de uma história de vida e de uma intencionalidade em relação a ela. Merleau-Ponty (1999) define o corpo como veículo do “Ser” no mundo. Possuir um corpo significa juntar-se a um meio definido, confundir-se com projetos, empenhando-se nesses continuamente. Os determinantes psíquicos e as condições fisiológicas engrenam-se uns às outras por meio de um todo orgânico. O corpo, retirado do mundo objetivo, arrasta os

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fios intencionais que o vinculam ao seu ambiente, revelando o sujeito que percebe e o mundo percebido. Os motivos psicológicos e as ocasiões corporais entrelaçam-se porque não há movimentos em um corpo vivo que sejam uma eventualidade absoluta em relação às intenções psíquicas, como também não existem atos psíquicos que não tenham origem, ou pelo menos seu germe ou seu esboço geral nas disposições fisiológicas. A união entre alma e corpo se realiza a cada instante no movimento da existência. Para Wallon (1995), o movimento é um dos meios que o ser vivo dispõe para atuar sobre seu ambiente. O ato insere-se no instante presente por meio do movimento. Do momento imediato, transforma-se em simbólico, referindo-se ao plano da representação. A adaptação entre o mundo exterior e as estruturas motoras está intimamente ligada ao exercício de centros nervosos que asseguram a regulação fisiológica do movimento. O autor considera que a atividade postural e a atividade sensório-motora são o ponto de partida da atividade intelectual no desenvolvimento da criança. O movimento é a expressão e o primeiro instrumento do psiquismo. A ação recíproca entre funções mentais e funções motoras são o que o autor se esforçou para demonstrar ao longo de sua obra. A percepção adquire lugar mediante a ação, cuja organização e co-função atingem as mais complexas formas de atividade psíquica superior (FONSECA, 1995). O ato mental projeta-se em atos motores e a palavra é precedida pelo gesto. O movimento se integra à inteligência na medida em que a atividade cognitiva progride. O ato motor e a inteligência ao integrar-se são internalizados. A aprendizagem humana põe em desenvolvimento planos motores que reclamam conexões sensoriais simples, para mais tarde constituírem planos motores mais complexos. Em uma nova aprendizagem ou uma nova praxia a criança necessita programar a sua atividade, requerendo, para o efeito, uma seqüencialização ordenada de sub-rotinas e hábitos modulares que a constituem. Para Fonseca (1995), o cérebro, como “órgão de aprendizagem”, está baseado em uma hierarquia, em que novas aquisições (psíquicas) se juntam às antigas (motoras), alcançando nova alteração e nova propriedade. As novas aprendizagens estão baseadas em aquisições e informações já integradas no cérebro, onde a noção do corpo ocupa um lugar extremamente significativo. Muito do processamento da informação que substancia a aprendizagem tem a ver com a conscientização interna do corpo, certa forma de integração psicomotora sobreposta a uma

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integração sensorial, que lhe serve de suporte. A evolução da aprendizagem é algo muito estruturado. Uma combinação de estruturas neurológicas vai se organizando de forma cada vez mais complexa. Essas condições de estruturação ocorrem igualmente nas áreas sensoriais e motoras. Gardner (1994) afirma existir uma inteligência corporal nos seres humanos, a qual abrange o controle dos movimentos do corpo e a capacidade de manusear objetos com habilidade. Em propósitos funcionais ou expressivos, a habilidade de uso do corpo existe integrada a habilidade de manipulação de objetos. A dissociação entre mental (reflexivo) e físico (ativo) não foi desse modo estabelecida em diversas outras culturas, não sendo um imperativo universal. A atividade mental também pode ser encarada como um meio, em que o fim é a ação a ser executada. A ação do cérebro deve ser igualmente conceituada como um meio para o refinamento adicional do comportamento motor, um direcionamento maior para futuras ações. Movimentos motores passam continuamente por um processo de refinamento e regulação, de feedback altamente articulado, comparando a meta pretendida e a posição real dos membros ou partes do corpo em determinados momentos. Para Gardner (1994), o corpo também é recipiente do senso de Eu do indivíduo. Mais do que meramente uma máquina, carrega sentimentos, aspirações e a entidade humana. Esse corpo especial – que se modifica perpetuamente – influencia pensamentos, comportamentos e relações humanas. Fonseca (1995), citando Ajuriaguerra, explica que a evolução de criança é constituída pela conscientização e pelo conhecimento cada vez mais profundo de seu corpo; a criança é o seu corpo, pois, por meio dele, elabora todas as suas experiências vitais, organizando assim a sua personalidade. A noção de corpo é uma integração superior, em que se encontram dados intra

e

interneurosensoriais,

mobilizando

memórias

neuronais

indispensáveis

ao

desenvolvimento das aquisições de aprendizagem psicomotora e simbólica. A noção de corpo pode ser comparada ao alfabeto, um “atlas”do corpo; mapa semântico, com equivalentes visuais, táteis, quinestésicos e auditivos e lingüísticos; uma composição de memórias de todas as partes do corpo e de todas as suas experiências. Em outros termos, tratase de uma síntese perceptiva. Como “mapa do corpo”, torna-se indispensável para “navegar” no espaço; como alfabeto, indispensável para comunicar e aprender. Ponto de referência espacial; instrumento de realização e criação; alicerce da estrutura do Eu, entre outros, o corpo denota uma construção biopsicossocial, um produto final das experiências agradáveis e desagradáveis da vida. Através de múltiplas perturbações da noção de corpo, se reconhece a importância desse fator em termos de desenvolvimento psicomotor e

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em termos de potencial de aprendizagem. A função primordial da noção de corpo pode ser concebida como a análise e o armazenamento de informação (FONSECA, 1995). Trata-se de uma construção polifatorial que engloba a relação inevitável com o outro e a dimensão da linguagem. Uma noção primeiramente intuitiva, da qual decorre uma auto-imagem sensorial interior, passando posteriormente a uma noção especializada lingüisticamente. A noção ou imagem do corpo é estruturada a partir de estímulos periféricos e das preferências do movimento corporal, resultando em processos de transdução e de análise, desde as informações táteis e quinestésicas, cujo produto final resulta na síntese e no armazenamento de posturas corporais, de padrões de movimento de direcionalização dependentes da experiência cultural e de aprendizagem. A noção de corpo, por meio da experiência cultural, integra o emocional, o afetivo, o mágico, o objetivo e o subjetivo. Assim, o corpo transforma-se em um instrumento do pensamento e da comunicação. Reconhece-se o que se é nele e com ele. Desde as comunicações básicas, primitivas e vitais, que subentendem o inesgotável diálogo tônico mãe-filho, até os confortos táteis, que retratam a vinculação essencial do ser humano a outros seres humanos, passando pela imitação e pela comunicação não verbal universal, o corpo, sede da consciência, é o habitáculo emocional e racional da inteligência. Estruturalmente, é o centro da linguagem emocional e interior que antecede a apropriação da própria linguagem falada. A noção de corpo sintetiza, dialeticamente, a totalidade do potencial de aprendizagem, não só por envolver um processo perceptivo polisensorial complexo, como também por integrar e reter a síntese das atitudes afetivas vividas e experimentadas significativamente. Encarada nessa perspectiva, a noção de corpo possui a capacidade de tornar-se um dispositivo essencial ao desenvolvimento da aprendizagem, e, conseqüentemente, da personalidade, na medida em que pode ser objeto de estudo de inesgotáveis recursos para compreender as relações corpo-personalidade (FONSECA, 1995).

1.4

A Importância do conhecimento do corpo: esquema e imagem corporal

O conhecimento do corpo passa, por exemplo, pelo conhecimento de processos diversos que constituem esse corpo. Entre esses processos, encontram-se o esquema e a imagem corporal.

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Merleau-Ponty (1999) define esquema corporal como uma maneira de exprimir um corpo inserido no mundo. A expressão “esquema corporal” foi utilizada pela primeira vez por Bonnier, em 1905, que o concebeu como a soma de todas as sensações vindas de dentro e fora do corpo. Esse termo foi adotado pelos neurologistas a partir da escola britânica de neurologia, que distinguia os termos “esquema” e “imagem” (FREITAS, 1999). A imagem corporal traz consigo o mundo humano das significações. Na imagem estão presentes os afetos, os valores e a história pessoal marcada por gestos, no olhar, no corpo que se move que repousa e que simboliza. O esquema corporal é uma estrutura geneticamente necessária à qual viria somar-se a imagem do corpo. A imagem corporal é uma reconstrução constante do que o indivíduo percebe de si e das determinações inconscientes que ele carrega de seu diálogo com o mundo. Freitas (1994) explica que Schilder utiliza o termo esquema quando se refere aos processos neurológicos e à imagem, ao se referir a processos psicológicos e sociológicos. Todas as ações para as quais um conhecimento particular é necessário são imperfeitas quando o conhecimento do próprio corpo é também incompleto e imperfeito. Existe estreita relação entre o lado perceptivo da vida psíquica e as atividades motoras. Problemas perceptivos provocam uma alteração na ação. Como uma noção mais ou menos consciente de nosso corpo, a noção de corpo compreende uma dinâmica postural, posicional e espacial, que põe cada indivíduo em contato com o mundo exterior. O conhecimento de alguém sobre seu próprio corpo é uma necessidade absoluta. Sempre deve haver o conhecimento de que se está agindo com o próprio corpo, que se tem de começar o movimento com o corpo, que se tem de usar determinada parte do corpo. Esse plano também deve incluir o objetivo de cada ação, pois há sempre um objeto em direção à qual a ação é dirigida. Tal objetivo pode ser o próprio corpo ou um objeto do mundo externo. Para efetuar uma ação, deve-se saber alguma coisa sobre a qualidade do objeto com o qual se intenciona agir. Apesar de não muito clara, essa ação pressupõe a imagem do membro ou do corpo com a qual se realiza o movimento. O conhecimento meramente intelectual é insuficiente para um processo de aprendizagem efetivo. Seres humanos utilizam-se de representações visuais e acústico-motoras de acordo com as circunstâncias. Para Schilder (1999), os sentidos isolados não existem, já que trabalham em constante interação. Freqüentemente, intencionam-se objetos que se apresentam por meio de suas qualidades, sejam visuais, táteis ou acústicas.

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Por meio de constantes alterações de posição constrói-se um modelo postural pessoal, constantemente modificado. Nesse esquema plástico, cada postura ou movimento é registrado, criando relação com cada novo grupo de sensações evocadas pela postura alterada. O ato de projetar o reconhecimento de postura até a extremidade de um instrumento segurado pela mão, do movimento e da localização além dos limites do próprio corpo, se deve à existência dos esquemas corporais. Tudo aquilo que participa do movimento consciente de cada corpo é acrescentado ao modelo da própria pessoa tornando-se parte desses esquemas. Para autores da Psicologia da Gestalt, como, por exemplo, Wertheimer, Koffka e Köhler, o todo seria mais do que a soma das partes individuais. Daí o postulado que permitiria a participação de funções orgânicas correlacionadas a funções psíquicas superiores nas qualidades funcionais características da experiência psíquica, englobando, assim, os processos orgânicos nas Gestalten. Para Schilder (1999), o estudo da imagem corporal se refere à vida psíquica. Segundo o autor, impressões não existem sem uma expressão, tampouco não existe percepção sem ação. Devem-se abordar, no estudo da imagem corporal, o problema psicológico central da relação entre as impressões dos sentidos, os movimentos e a motilidade em geral. Experimentando uma percepção existe sempre uma personalidade, pois o ser humano é emocional. Como personalidade, é ainda um sistema de ações e de tendências para a ação. A topografia do modelo postural do corpo serve como base para as atitudes emocionais para com o corpo. O modelo postural do corpo está em constante autoconstrução e destruição interna. Do mesmo modo que emoções e ações são inseparáveis da imagem corporal, os modelos posturais de cada corpo se encontram também intimamente ligados ao modelo postural de outros corpos, pois existem conexões entre modelos posturais de seres humanos semelhantes (SCHILDER, 1999).

1.5

Corpo e educação musical

A expressão sonora é o domínio do ruído. Para dominar um ruído é preciso dominar um gesto. Além de ser um aprendizado motor é uma aprendizagem psicológica. Para conseguir exprimir-se em uma evolução progressiva até os meios de expressão mais abstratos, é preciso reconhecer as pulsões da vida em seu nível mais primitivo: o nível corporal (LAPIERRE; AUCOUTURIER, 1988).

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A educação musical visa a propiciar o conhecimento teórico e prático, a vivência de diversos aspectos da linguagem musical. O aprendiz deve ser capaz de, pouco a pouco, representar mentalmente, ler, escrever, analisar, recompor estruturas e compor novas combinações musicais. A decodificação de um texto musical, em todos os seus níveis, e o preparo técnico para a execução compreendem a tomada de uma série de decisões, sendo resultado de profunda elaboração intelectual. Desse modo, escolher dedilhados, definir o tipo ideal de sonoridade, melhorar a projeção do som na sala de concerto, aperfeiçoar a compreensão da estrutura da obra e idéias do compositor, priorizar a questão de estilos, evoluir na análise técnica de execução e experimentar novos timbres ou efeitos dinâmicos, entre outras variáveis, nada mais seriam do que exemplos dessa atividade (GERSCHFELD, 1996). Nas escolas de música e conservatórios, a educação musical de elementos teóricos acontece, muitas vezes, antes da escolha de um instrumento musical, tendo como um de seus objetivos a preparação do aluno para o ingresso no instrumento. As metodologias empregadas são diversas, desde as mais tradicionais, em que apenas se “repassam conteúdos”, até aquelas que buscam considerar o aluno como co-construtor de seu conhecimento. Algumas dessas metodologias – Dalcroze, Gainza; Alexander, Orff – consideram o corpo como base do aprendizado em música no processo de musicalização. A euritimia, criada em 1903, em Genebra, por Jean Jaques Dalcroze, por exemplo, surge em resposta à observação desse educador musical sobre a forma mecânica e artificial com que seus alunos realizavam música. A experimentação se tornou a base do método, em oposição a técnicas virtuosísticas de leitura e escrita, desprovidas de criatividade. Segundo Paz (2000), a rítmica de Dalcroze entroniza o corpo como catalisador do ritmo e do fenômeno musical como um todo. O sentir ocupa seu lugar ao lado do saber. É a partir de Dalcroze que a educação musical dá lugar a um ensino de música ativo e intuitivo. A euritimia considera que é necessário fazer música fisicamente para poder expressá-la. O objetivo do método é a realização expressiva do ritmo, bem como a sua vivência por meio do movimento corporal. A representação de movimentos corporais expressa o fenômeno musical de caráter rítmico, melódico, harmônico, frases, estruturas e formas musicais. A rítmica de Dalcroze também objetiva expressar e equilibrar o movimento corporal de modo consciente, desenvolvendo a coordenação dos movimentos e a capacidade de concentração, bem como a capacidade de dissociar o movimento; libertar, expandir e comunicar. O método possibilita a coordenação física da musculatura que, segundo Dalcroze

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(PAZ, 2000), pode ser transferida para atividades relacionadas. Os movimentos musculares amplos seriam mais significativos com uma corporificação de esquemas musicais, ao invés de movimentos estreitos e conceitos intelectuais. O corpo possibilitaria a liberação de tensões emocionais durante a realização de atividades que possibilitem a vivência do corpo, incentivando, assim, a integração da personalidade e, se realizadas em grupo, poderiam promover a sociabilidade. O curso de Euritimia contempla exercícios de adaptação e flexibilidade dos movimentos, técnicas de movimento, exercícios de reação, de relaxamento, jogos e improvisação. Paz (2000) comenta que o registro por intermédio do corpo possibilitaria fixar a aprendizagem mais profunda e racionalmente. A educação rítmica corporal deveria ser contemplada em qualquer método. Compagnon e Thomet (1966) consideram que o método de Dalcroze beneficia uma cultura corporal, sem pretender substituir uma educação física. A cultura corporal visa à educação simultânea do ouvido musical, bem como fazer do corpo um instrumento dócil do ritmo e emoção musical, opondo-se à imitação passiva. Dalcroze, entretanto, tem sofrido críticas por priorizar o elemento rítmico e por necessitar do suporte de outros métodos para propiciar uma formação mais global em música. Também é criticado por “extrapolar" a música em prol de um “adestramento corporal”. É bastante difundido e aplicado nas escolas e faculdades de educação física, pois foi o precursor da ginástica rítmica (PAZ, 2000). Para Gainza (1986), por meio do movimento corporal é possível a aproximação e a compreensão da linguagem musical, mediando a aprendizagem dos signos e da notação rítmica, que em outras épocas se realizou de modo puramente teórico e abstrato. Já a filosofia Orff, criada na Alemanha (GAINZA, 1984), considera o corpo como um instrumento de percussão que pode produzir variadas combinações de timbre, utilizando várias partes do corpo (pés, mãos, dedos) e realizando uma diversidade de timbres e ritmos. Para Orff (citado por PAZ, 2000), o aluno aprende no momento da aula, não devendo ter lições para casa. Preconiza a vivência musical, não prescindindo de documentos grafados. O controle do corpo é realizado por meio de noções de espaço e coordenação. A expressão artística pode ser encontrada no equilíbrio entre o físico, o emocional e o mental. A descoberta de um instrumento para o músico pode ser comparada à descoberta do corpo pela criança. O contato físico com o instrumento pode delimitar a relação do músico com a música. Gainza (1988) assegura que a maioria dos instrumentistas, no entanto, ignoram as leis naturais de funcionamento e movimento do corpo. Na medida em que for capaz de atuar sem tensões,

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em acordo com as leis do movimento, o músico poderá prolongar sua vida profissional ativa. Para a autora, a falta de consciência corporal entre músicos existe até mesmo entre grandes executantes. É necessário, com base nas ciências que estudam o corpo humano em atividade, realizar processo de consciência corporal entre músicos. A autora recomenda a prática de expressão corporal, ginástica consciente e a prática da Eutonia. A Eutonia, criada por Alexander (citado por GAINZA, 1997), é um método que busca o conhecimento e o estudo do tônus ótimo. Alexander relata que músicos acumulam tensão na base da pelve, tendo influência direta sobre o coração e a pressão sanguínea. Tensões também são notadas nas articulações, especialmente dedos de mãos e pés. Instrumentistas costumam desconhecer o seu próprio corpo. Têm como base da sua atividade a imitação do professor, uma atitude equivocada em relação ao instrumento, já que isso limita a capacidade de expressão, provocando grandes dificuldades. O corpo não mente, por isso é preciso reconhecê-lo em ato, ampliando a consciência da ação.

1.6

Corpo e performance musical

A performance musical está intimamente ligada com a figura do intérprete. Em uma perspectiva histórica, Borém (2000), citando Boethius, afirma que os intérpretes, instrumentistas e cantores eram reconhecidos pela ignorância e pelo pouco alcance intelectual na baixa idade-média. Na primeira metade do século XVII, com a abertura dos teatros públicos e a formação do público pagante, e com a popularização da ópera e do concerto sinfônico, o intérprete assume importância na comunicação entre compositor e público. No século XIX, com o virtuosismo crescente, a figura do intérprete como solista é evidenciada. Assim, a figura do intérprete melhora sua posição na história da música. Entretanto, permanece o grave problema no ensino da performance musical, em que professores de instrumento não costumam documentar suas reflexões e experiências no tocante ao ensino. Gerling e Souza (2000) mencionam que na pesquisa em performance musical os trabalhos pioneiros foram realizados entre 1920 e 1930, na Europa e na América do Norte, principalmente com Carl Seashore, e que entre as investigações existentes no campo da performance musical o estudo sobre habilidades motoras e cognitivas é um campo crescente. As autoras definem a performance musical como parte de um sistema, no qual o compositor codifica idéias musicais, que são decodificadas pelo intérprete, que as transforma em sinal

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acústico, até chegar ao ouvinte, e que, a partir da decodificação desses sinais, transforma-as em idéias, sentimentos e conceitos. Performance e interpretação seriam conceitos inseparáveis. Interpretar seria o ato de modelar uma peça musical a partir de idéias próprias e intenções musicais, o que acarretaria a riqueza e variedade na execução musical. As citadas autoras defendem que o modelo que retrata a performance como um fluir de informações recebidas por meio de regras abstratas e cerebrais em um corpo passivo está hoje ultrapassado. O corpo está intimamente ligado com o todo da resposta musical, perceptiva, motora e afetiva, não sendo somente um organismo que recebe a informação sensorial, nem apenas um mecanismo executor da ação. O corpo deve ser reconhecido como possuidor de um papel central na performance musical. As autoras consideram que a performance musical é um campo complexo, onde vários aspectos estão em jogo. A compreensão da relação músicoinstrumento é um campo resultante do viés psicológico/psicanalítico. A performance musical exige alta demanda de trabalho corporal. No tocante à atividade humana, é uma das atividades que exigem maiores habilidades motoras finas. As demandas corporais pertinentes à atividade musical costumam ocasionar freqüentes problemas em músicos, tais como síndrome do superuso, distonias focais e stress psicológico. Sobre isso, Gabrielsson (1999) apresenta extensivos dados. A incidência da síndrome do superuso, por exemplo, entre os músicos de orquestra, se encontra na faixa de 50%, enquanto nas escolas de música, entre 10 e 20%. Segundo Gabrielsson (1999), a síndrome do superuso, isto é, do uso excessivo da musculatura, é causada por fatores genéticos, de técnica musical e intensidade e tempo de prática. Suas características principais são dores persistentes nos ligamentos e nas juntas durante o seu uso excessivo. A localização física do problema, em cada músico, depende da demanda exigida por cada instrumento como, por exemplo, a mão direita para os pianistas, a mão esquerda para os guitarristas, e problemas ligados ao aparelho respiratório, no caso dos instrumentistas de sopro. O autor recomenda que para cada 25 minutos de prática, haja cinco minutos de descanso. Questionário respondido por 2.212 músicos americanos, de 47 orquestras, evidenciou que 82% dos músicos de orquestra têm problemas de ordem física resultantes da prática instrumental. O pescoço, os ombros e problemas de natureza músculo-esquelética são os mais destacados. Dedos, mãos e braços seguem-se a essa ordem. Entre os instrumentistas de cordas friccionadas (violino, viola, violoncelo e contrabaixo), as mulheres aparecem como as mais lesionadas. Estudo realizado na Alemanha demonstrou que, entre 1.400 instrumentistas de

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cordas friccionadas, em 42 orquestras, e entre músicos na idade entre 30-60 anos, 86% acusaram problemas de ordem motora. Já em uma escola de música renomada, entre 660 alunos na faixa de 25 anos, mais da metade acusou problemas músculo-esqueléticos (GABRIELSSON, 1999). Sintomas como nervosismo, tremores, taquicardia, palpitações, hipertensão arterial, falta de ar, sudorese na palma das mãos, boca seca, náusea, micção imperiosa, são manifestações somáticas encontradas na atividade musical. Em 1887, a “pane dos pianistas” começa a ser estudada por Poor (COSTA, 2003). Em 1932, surge a primeira publicação sobre distúrbios no aparelho músculo-esquelético dos músicos, da autoria de K. Singer. Gabrielsson (1999) define a performance musical como um tema que pode ser tratado de diferentes maneiras. A performance musical pode discutir questões de interpretação e técnica sob vários aspectos e diversas abordagens. Bayle (1999) afirma que processos motores também fazem parte do estudo da performance musical. Embora a questão sobre o processo motor seja um assunto central em performance musical, é ainda um tema que requer maior aprofundamento. Wilson e Roehmann (1992), citados por Gabrielsson (1999), reforçam a complexidade do comportamento motor em música, não crendo que se possam solucionar os problemas dessa área em futuro próximo. Costa (2003), por outro lado, destaca a criação de centros de pesquisa e atendimento no Brasil, destinados à saúde do músico. A literatura sinaliza dados alarmantes, evidenciando o adoecimento expressivo de músicos, o que estaria contribuindo para abreviar suas carreiras. Haveria também entre músicos uma cultura silenciosa da dor, como se essa fizesse parte da profissão. A autora alerta ainda para a necessidade de gerenciar as exigências da tarefa e dos limites psicofisiológicos existente em cada músico. O Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, unidade da Fundação Oswaldo Cruz no Recife, PE, criou, em 2001, um serviço especializado que atende a músicos e atores que apresentem problemas nos ossos e músculos. Além de desenvolverem técnicas de reabilitação dirigidas a esses profissionais, os responsáveis pelo serviço fazem campanhas preventivas. Estudos realizados em diversos países indicam que 75% dos instrumentistas são portadores de algum dos chamados distúrbios osteomusculares relacionados com o trabalho, o que faz com que muitos deles diminuam ou percam a capacidade de tocar (PEREIRA, 2002). A medicina das artes performáticas tem crescido no mundo, desde 1980. A partir dessa década é que se voltou a atenção para a necessidade de uma medicina da música, quando renomados pianistas resolveram falar publicamente sobre os problemas corporais que afetavam suas habilidades na performance. Certo medo por parte dos músicos em falar de

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seus problemas e o receio em prejudicar a carreira ou ainda experiências de colegas que haviam recebido tratamentos inadequados contribuiu para que a pesquisa nesse campo fosse instituída (COSTA, 2003). De acordo com esse autor, existe um alto estresse ocupacional na profissão de músico. Do período de formação ao ingresso no mercado de trabalho evidencia-se o medo de palco e os incidentes musculares ocasionados pelo uso excessivo da musculatura. O tensionamento em instrumentistas pode ser causado pela alta carga de estresse, predispondo à ansiedade. A atividade requer bom condicionamento físico, alongamentos específicos e pausas sistemáticas. Músicos e educadores deveriam apresentar maiores questionamentos a respeito desses aspectos da saúde do músico, de forma a serem buscadas soluções sobre o que pode ser feito (BRANDFONBRENER; KJELLAND, 2002). É imprescindível estabelecer meios para avaliar as necessidades físicas e psicológicas do músico, procurando reaprender hábitos e habilidades motoras. Costa (2003) chama a atenção dos responsáveis pelo ensino de instrumentos para a questão da dor no período de formação de músicos, afirmando que o ensino ocupa posição chave quanto a esclarecimentos sobre esse assunto. As cobranças de desempenho por parte de professores resultam em períodos intensos de estudos e demanda psicológica por parte dos alunos, contribuindo para o surgimento de dores e desconfortos. O período de formação denuncia a falta de orientação de professores sobre tensões, uso excessivo de força e incorreções posturais. O fazer musical envolve o desenvolvimento total do corpo, conclamando o sentido aural, tátil e da consciência kinestésica. Trabalhar em uma perspectiva integralizada causará mudanças altamente positivas na performance musical (LIEBERMAN, 1995). Ao buscar os meios para alicerçar compromissos satisfatórios, integrando as circunstâncias físicas, químicas e biológicas do organismo, bem como sua realidade afetiva e relacional imersa da realidade social, estar-se-á edificando o processo básico de saúde (DEJOURS, 1982, citado por COSTA, 2003). A prática musical envolve o desenvolvimento e a manutenção de aspectos técnicos, aprendizado de novas músicas, memorização, interpretação e preparação para performances (BARRY; HALLAM, 2002). A prática capacita o músico para habilidades físicas e cognitivas. Brandfonbrener e Kjelland (2002) afirmam que a interação física e psicológica do músico com o repertório musical, a performance técnica e as questões específicas de cada instrumento poderiam ser fatores geradores de problemas em músicos. Alertam que a

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prevenção deve fazer parte da rotina, antes que se necessite de tratamentos, mas, que ainda serão necessárias muitas pesquisas que visem a esclarecer a prática musical, tal como a identificação de fatores de risco em sua atividade. Esses autores apontam também para a necessidade de colaboração entre a medicina e a educação musical, e asseguram que a melhor maneira de prevenir problemas deveria ser trabalhar preventivamente nos primeiros anos de educação musical no instrumento. Tal processo se daria com o desenvolvimento de bons hábitos de postura nos alunos, estilo saudável de vida, atitudes positivas, técnica eficiente, evitando excessivas repetições, cuidando da fadiga e tensão e mantendo exercícios de rotina desde as primeiras lições no instrumento. A excessiva tensão muscular e emocional, freqüentemente inseparáveis, a que os músicos se expõem e são expostos são importantes fatores de risco à sua saúde. Rotinas básicas de aquecimento do corpo como, por exemplo, alongamentos, podem, a princípio, ajudar, mas não parecem ser ainda suficientes para resolver o problema, já que as causas que originam esses fatores ainda estão por serem esclarecidas. Costa (2003) descreve que o estudo da práxis interpretativo e da fisiologia da execução musical é um dos aspectos fundamentais, o qual faz parte da pedagogia de instrumentos musicais. A formação de um intérprete envolve intensamente o desenvolvimento sensóriomotor. Controle corporal, destreza motora e habilidades de execução são somados a essa atividade. Professores necessitam estar alertas quanto a sinais que alterem a prática, pois a educação deve ser considerada como um fator de cautela, tendo em vista que as bases motoras e posturais são adquiridas no período de formação do aluno. Brandfonbrener e Kjelland (2002) declaram que é necessário chamar a atenção de educadores para esse tema, o qual faz parte do processo de educação musical no instrumento. Professores e pais devem desenvolver uma consciência de todas as variáveis que afetam a prática musical, ampliando métodos de desenvolvimento físico e psicológico para a saúde de jovens músicos. Com relação a problemas de ordem corporal, Lieberman (1995) traça o contorno de um trabalho preventivo no ensino de instrumentos musicais. A autora assegura que professores de instrumentos costumam demonstrar uma postura “ideal” para tocar, a qual o aluno, em pé ou sentado, dependendo do instrumento, deve permanecer estático. Isso impede a oxigenação perfeita do organismo, restringindo a consciência e o feedback dos músculos. O objetivo deve ser aprender a utilizar a gravidade, distribuindo continuamente o peso do corpo, quase que imperceptivelmente, buscando a consciência dos músculos que estão sendo utilizados na tarefa.

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Entre as causas mais comuns de dor pode-se citar: utilização de novo instrumento ou nova técnica, atividade muscular excessiva, repetição demasiada, utilização de força inadequada, estresse psicológico (no caso de medo em competições, apresentações, frustração), tocar cansado ou lesionado. Quando os sinais do corpo são ignorados, os problemas aparecem. É necessário monitorar constantemente as tensões presentes no corpo. O controle respiratório pode ser um grande aliado para esse fim, já que oxigenando as células pode-se reverter o processo da dor, iniciado pela descarga de ácido lático no organismo. Boa respiração contribui para a inibição dessa substância, dificultando assim a presença da dor. O aquecimento muscular também é outro aliado à prevenção de desconfortos físicos (LIEBERMAN, 1995).

À vista do exposto neste capítulo – em que se encontra a revisão de literatura –, compreende-se e enfatiza-se a necessidade de interação com as devidas áreas do conhecimento que podem ajudar a elucidar o fenômeno em questão (Psicologia, Educação, Ciências da Motricidade, entre outras), bem como o imperativo de voltar o olhar para os processos de ensino-aprendizagem no campo da prática instrumental, de forma a sistematizar o conhecimento, abrindo caminhos para a sistematização e elaboração de procedimentos pedagógicos eficientes.

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2. NATUREZA DA PESQUISA E MÉTODO

2.1

Problema

A partir da segunda metade do século XX começaram a surgir pesquisas sobre a performance musical, especialmente nas áreas de Psicologia da Música e da Educação Musical. Porém, somente alguns estudiosos do assunto se dedicaram à relação músico-corpoinstrumento. Poucas profissões demandam tanto do corpo quanto a atividade musical. No entanto, estranha e incompreensivelmente, o corpo tem sido preterido. Mesmo tendo se alertado para o adoecimento corporal, como mencionado no capítulo anterior, pouco tem sido enfocado no que diz respeito ao papel do corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais. Essa é uma lacuna que esta pesquisa busca preencher. Assim sendo, esta pesquisa teve por objetivo contribuir para a compreensão de como professores de instrumentos musicais percebem a relação músico-corpo-instrumento, bem como as práticas estabelecidas a partir das concepções existentes a respeito. Procurou-se lançar o olhar sobre o ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, a fim de compreender conceitos, procedimentos e implicações estabelecidas nesse percurso, como também averiguar a possibilidade de alcançar modos de reflexão e ação sobre o tema. Desse modo, percebeu-se a necessidade de conhecer como professores trabalham o corpo de seus alunos na prática pedagógica, que tipo de orientação apregoam, como lidam com os problemas corporais de cada aluno individualmente, que pressupostos teóricos lhes orientam e quais seriam as possíveis conseqüências, bem como soluções e perspectivas. Espera-se que, conhecendo esse processo de modo mais sistemático, se possa discutir, avaliar e ampliar possibilidades de ação em bases mais saudáveis.

2.2

Justificativa

Esta investigação se faz necessária, primeiramente, porque visa a responder à crescente demanda de pesquisas que solicitam seja lançado um olhar sobre esse ângulo: para o corpo que faz música durante o processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais (COSTA, 2003; CRUZEIRO, 2005). Para que isso ocorra, esta pesquisa lança as seguintes questões: Qual o

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significado do corpo no contexto da relação músico-corpo-instrumento? Quais os maiores problemas, desconfortos ou dificuldades corporais de alunos (tensões, dores, falta de coordenação motora, ansiedade, medos) no processo de aprendizagem do instrumento? Quais seriam as causas de tais problemas? Que tipos de procedimentos professores utilizam ao lidar com o corpo do aluno no processo ensino-aprendizagem? Quais soluções são desejadas e sugeridas pelos professores para melhorar a relação do músico com seu corpo e seu instrumento? É importante investigar esse contexto mais especificamente, considerando que as pesquisas realizadas sobre o corpo, em sua maioria, abordam o músico profissional assinalando somente o produto final – o músico que adoece –, deixando de lado o processo de ensino-aprendizagem. Justifica-se também pela necessidade de rever paradigmas do fazer musical, tendo em vista o progresso realizado em outras áreas do saber no tocante à perspectiva humana (psicologia da música, educação física, entre outras). Para a área de Educação e demais áreas afins, esta pesquisa pode contribuir no sentido de ampliar a reflexão e a prática de processos de ensino-aprendizagem. Finalmente, espera-se poder contribuir para o avanço da compreensão teórica e prática do tema a ser investigado e, com isso, possibilitar um processo ensino-aprendizagem mais humano da prática musical.

2.3

Objetivos

2.3.1 Objetivo geral

Investigar a relação músico-corpo-instrumento tal como constituída na prática pedagógica de professores de instrumentos musicais.

2.3.2 Objetivos específicos

1. Investigar significados de corpo existentes entre professores de instrumentos musicais, no contexto da relação músico-corpo-instrumento. 2. Investigar, na perspectiva dos professores, a existência problemas corporais no processo ensino-aprendizagem.

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3. Identificar possíveis causas dos problemas corporais, na perspectiva dos professores. 4. Descrever procedimentos pedagógicos voltados para o corpo, utilizados pelos professores. 5. Apresentar, na perspectiva dos professores, possíveis soluções para os problemas levantados.

2.3.3 Questões de pesquisa

1. Qual o significado do corpo no contexto da relação músico-corpo-instrumento? 2. Quais os maiores problemas, desconfortos, ou dificuldades corporais de alunos (tensões, dores, falta de coordenação motora, ansiedade, medos) no processo de aprendizagem do instrumento? 3. Quais seriam as causas de tais problemas? 4. Que tipos de procedimentos professores utilizam ao lidar com o corpo do aluno no processo ensino-aprendizagem? 5. Quais soluções são desejadas e sugeridas pelos professores para melhorar a relação do músico com seu corpo e seu instrumento?

2.4

Método

Esta pesquisa teve um caráter qualitativo e exploratório. Buscou-se investigar significações relacionadas à questão corpo-músico-instrumento, esperando-se conseguir maior grau de profundidade por meio da metodologia qualitativa. Até onde vai o conhecimento desta autora, há escassez de pesquisas qualitativas sobre a discussão do papel do corpo no contexto do ensino de instrumentos musicais, que é um fator fundamental na educação musical. Para investigações nessa área têm utilizado, predominantemente, questionários. Pesquisa realizada por Andrade e Fonseca (2000), por exemplo, faz considerações sobre a performance dos instrumentistas de cordas profissionais – violino, viola, violoncelo e contrabaixo –, quanto à utilização do corpo, bem como sobre o stress físico decorrente da atividade instrumental. Para tal, utiliza o questionário. Aborda também, citando a opinião de especialistas sobre o assunto, possíveis causas do excesso de tensão durante a performance musical.

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Outro estudo realizado com pianistas profissionais (LAGE et al., 2000), englobando um contingente de 1.780 instrumentistas de orquestras alemãs na faixa etária de 20 a 60 anos, constatou que 75% deles possuíam algum tipo de problema relacionado à má postura ou à DORT. Já pesquisa realizada por Fry (citado por LAGE et al., 2000), em uma mostra de 379 músicos, sendo 181 instrumentistas de cordas, e utilizando exames físicos, demonstrou que a sobrecarga muscular afeta principalmente violinistas e violistas. Em investigação sobre a presença do estresse físico entre os instrumentistas de cordas no Brasil (LAGE et al., 2000), fez-se uso de questionário. Obteve-se resultado que demonstrou a presença de desconforto físico relacionado com a atividade instrumental na maioria dos instrumentistas, detectando-se a dor como sintoma predominante, seguido pelo cansaço, dormência contração involuntária e outros. Outra metodologia que tem sido utilizada na investigação da situação corporal de músico é a análise cinesiológica. Richerme (citado por LAGE et al., 2000) pesquisou os aspectos cinesiológicos dos membros superiores, sem trabalhar diretamente com o stress físico causado pela atividade musical. Um terceiro tipo de abordagem metodológica utilizada na investigação da questão corporal seria a pesquisa de caráter qualitativo. Silva (2000), em pesquisa intitulada “Uma nova abordagem sobre a postura corporal do harpista” faz uma análise dos movimentos do harpista profissional, sob o ponto de vista de dois profissionais da área de cinesiologia. Utilizaram-se recursos de vídeo em cinco ângulos filmados. Analisou-se a execução do harpista no instrumento e os movimentos por esse realizados. Nessa análise, utilizou-se a entrevista como instrumento. Após isso, foram feitos cruzamentos de dados, chegando-se às conclusões e às sugestões pedagógicas, com vistas a prevenir e minimizar os danos posturais aos instrumentistas de harpa. Costa (2003) aborda a questão corporal utilizando a análise ergonômica do trabalho em suas dimensões cognitiva, física e psíquica, procurando apreender como diferentes dimensões do trabalho do violista de orquestra se articulam. Para isso, foram utilizados questionários não estruturados, observação e entrevistas. Como se observa, a pesquisa sobre o corpo na literatura musical aborda basicamente o produto final, o músico profissional já lesionado. Essas investigações têm utilizado métodos quantitativos, principalmente o survey, revelando que grande número de músicos está sofrendo dos males decorrentes da falta de cuidados com o corpo na prática musical,

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principalmente no contexto de orquestra sinfônica. Tais pesquisas são fruto de investigação das últimas duas décadas no Brasil. Crê-se que o grande número de pesquisas realizadas com utilização de questionários deveu-se à necessidade inicial de reconhecer e mapear o terreno de forma mais rápida e simples, que um meio que permite essa agilidade. Desse modo, reafirma-se a necessidade de aprofundar a questão qualitativamente, por meio da entrevista individual e da entrevista de grupo focal e no contexto pedagógico, opção escolhida por esta pesquisadora.

2.5

Instrumentos de coleta de dados

Os instrumentos utilizados, como já dito, foram a entrevista individual e a entrevista de grupo focal. Para Bauer e Gaskel (2003), a entrevista qualitativa fornece os dados básicos que possibilitam o desenvolvimento e a compreensão detalhada das crenças, atitudes, valores e motivações que estariam relacionados aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos. Segundo Galvão (2003), a pesquisa qualitativa deve ser considerada como parte de um debate, e não como uma verdade fixa. Deve-se ter como objetivo capturar o sentido imanente de um fenômeno que estrutura o que se diz e o que se faz. Dessa forma, existe um processo de exploração, elaboração, bem como de sistematização das significações. Uma representação que ilumina um fenômeno identificado e delimitado. A vantagem de utilizar a entrevista é que esse instrumento pode ajudar a acessar significados subjetivos e de tópicos por demais complexos para serem investigados por instrumentos padronizados, quer dizer, conteúdos tais como: opiniões sobre fatos, sentimentos, planos de ação, condutas atuais ou do passado e motivos conscientes para opiniões e sentimentos; atitudes, valores e opiniões que só são acessados com a contribuição dos atores sociais envolvidos, sujeitos interativos, motivados e intencionais. Trata-se de uma situação de interação humana, em que há o entrelaçamento das emoções existentes em todas as atividades humanas. Aí estão em jogo as percepções do outro e de si, expectativas, preconceitos e interpretações. A entrevista também é um momento de organização de idéias, bem como de construção de um discurso para o interlocutor, caracterizando o caráter de recorte da experiência, e reafirmando a situação de interação como sendo a geradora de um discurso particularizado (SZYMANSKY et al., 2002).

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Já no grupo focal (BAUER; GASKELL, 2003), objetivou-se estimular os participantes para que falassem e reagissem àquilo que outras pessoas no grupo diziam. Trata-se de interação social mais autêntica do que a entrevista em profundidade, complementando-a e exemplificando uma unidade social mínima em operação, em que os sentidos ou representações que emergem são mais influenciados pela natureza social da interação do grupo, ao invés da perspectiva individual. O grupo se torna uma identidade em si mesmo. Seus participantes tendem a acolher novas idéias e a explorar suas implicações. A partilha e o contraste de experiências estabelecem um quadro de interesses e preocupações comuns, experienciadas pelo grupo, as quais dificilmente seriam articuladas por um único indivíduo.

2.6

Participantes e local

Os participantes desta pesquisa são professores de instrumento musical do Centro de Ensino Profissional-Escola de Música de Brasília. A escolha desses profissionais deve-se ao fato de que as pesquisas citadas anteriormente indicam que os problemas físicos em músicos têm surgido em instrumentistas profissionais de formação erudita, talvez porque os músicos de formação popular sejam menos estudados. Aponta-se, desse modo, para a necessidade de investigar o tratamento corporal no processo ensino-aprendizagem dos músicos de formação erudita. O critério para escolha dessa Escola refere-se à sua estrutura interna, ao seu projeto pedagógico e qualificação de seus docentes. A escola tem sido também referência pedagógica e administrativa para outras instituições da mesma categoria. Em Brasília, trata-se de um dos poucos centros de formação na área de música. Os professores que ministram aula na instituição têm sua formação acadêmica em instituições superiores de ensino, sendo agregados à escola por meio de concurso público. Os alunos que integram a escola principiam seus estudos musicais a partir de sete anos e meio de idade, quando são iniciados no instrumento e na musicalização infantil, curso básico, até os 12 anos. A partir daí, dão continuidade ao curso básico integrando a musicalização de jovens e adultos. Aos 15 anos de idade, os alunos ingressam no curso técnico ou profissionalizante, o qual se estende paralelamente ao ensino médio. Adultos de todas as idades também têm a oportunidade de se matricular em ambos os cursos, básico e profissionalizante, nos três turnos

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oferecidos na escola (matutino, vespertino e noturno). Nesta pesquisa, porém, a faixa etária dos alunos dos professores entrevistados é a do adolescente.

2.7

Procedimentos

2.7.1 Entrevista individual

Foram aplicadas entrevistas individuais com representante de cada naipe de instrumentos, perfazendo o total de dez entrevistas individuais, a saber: ¾ Cordas friccionadas: violino, violoncelo (duas entrevistas individuais); ¾ Sopros madeira: oboé, e flauta transversal e clarineta (três entrevistas individuais); ¾ Sopro metal: trompa (uma entrevista); ¾ Percussão: tímpano (uma entrevista); ¾ Piano (uma entrevista); ¾ Harpa (uma entrevista); ¾ Violão (uma entrevista).

Foi agendado horário individual com cada professor a ser entrevistado, em seu próprio ambiente de trabalho, com duração de aproximadamente 50 minutos, para o que foi utilizado o gravador para registro. O roteiro utilizado na entrevista foi constituído das questões de pesquisa desta investigação, com o objetivo de aprofundá-las, quer dizer, ampliar o entendimento de como o professor concebe a relação corpo-músico-instrumento, e quais são as principais dificuldades corporais dos alunos, e como os professores lidam com elas em sua prática pedagógica.

2.7.2 Entrevista de grupo focal

As sessões grupais duraram de 45 a 90 minutos. A pesquisadora teve a função de moderadora, buscando facilitar o progresso de cada grupo em relação às suas discussões, tal como sugerido na literatura sobre grupo focal (BAUER; GASKELL, 2003). Vale esclarecer que nessa condição a pesquisadora buscou encorajar ativamente todos os participantes a

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falar e a responder os comentários e observações dos demais membros do grupo, como também liderou as discussões de forma a avançar o assunto e a envolver todos os participantes nas manifestações. A sessão teve início com a solicitação de que os professores falassem sobre o adoecimento de músicos. O tema foi bastante explorado pela pesquisadora, de forma a conhecer o que pensam os professores a respeito do problema, com o objetivo de estabelecer um paralelo com sua prática pedagógica em sala de aula. Foram realizadas três entrevistas de grupo focal. Pressupondo-se que os problemas de cada grupo de instrumentistas poderiam ser diferentes – os instrumentistas de cordas, por exemplo, não utilizam a respiração do mesmo modo como os de sopro fazem, quer dizer, expirando o ar diretamente no instrumento –, os 25 professores envolvidos na pesquisa foram agrupados de acordo com a sua especificidade instrumental.. Assim, o grupo foi dividido do seguinte modo:

Grupo 1: professores de instrumento de cordas friccionadas (12 participantes, professores de violino, violoncelo, viola e contrabaixo). Grupo 2: professores de sopros (sete participantes, professores de flauta transversal, oboé e clarineta). Grupo 3: professores de piano (seis participantes)

2.8

Estratégias de análise

Em uma primeira fase de análise, foram seguidas as estratégias comuns à análise do discurso, como delineadas por Bauer e Gaskell (2003). Primeiramente, as falas dos entrevistados foram transcritas pela pesquisadora, que teve a oportunidade de reviver a cena da entrevista, possibilitando que aspectos da interação pesquisador-entrevistado fossem relembrados, dando à investigadora nova oportunidade de refletir sobre a fala. A partir daí, na relação com o texto, emergiram novas articulações conceituais. A busca de sentidos e de compreensão é o sentido amplo da análise. Os dados foram constituídos por meio do que é realmente falado. Temas com conteúdos comuns e suas funções foram procurados. Foram feitas leituras e releituras do texto completo das entrevistas, incluindo anotações paralelas, que permitiram, ao longo do tempo, a elaboração de sínteses provisórias, de

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pequenos insights, bem como a visualização de falas dos participantes, referindo-se aos mesmos assuntos. Esses constituíram subcategorias, nomeadas pelos aspectos do fenômeno a que se referem. A categorização dos dados e a forma particular de agrupamento concretizaram a imersão da pesquisadora nos dados. Essa construção depende da experiência pessoal do investigador, das teorias as quais acessa, de suas crenças e valores. Após a realização da análise de cada entrevista, de cada fala em relação ao todo, e após o confronto dos significados atribuídos aos assuntos as subcategorias foram agrupadas em grandes temas. Em síntese, elaboraram-se subcategorias a partir da explicitação dos significados, sendo essas agrupadas aos temas referidos para que se pudessem discutir os temas e retornar em um processo circular até que certo nível de exaustão conceitual fosse atingido (SZYMANSKI et al., 2002). Assim, essa primeira fase de análise consistiu, após a gravação e transcrição das falas dos entrevistados, na categorização, subcategorização, hierarquização e análise do discurso dos participantes, o que foi realizado pela pesquisadora sem auxílio de software. As grandes categorias foram formuladas a partir dos objetivos específicos norteadores deste trabalho (significados de corpo, problemas, causas, procedimentos e soluções). As subcategorias (relativas às categorias) foram agrupadas de acordo com o contexto a que se referiam (corpo como instrumento, corpo como sujeito, dor, técnicas corporais) As subcategorias foram geradas a partir das falas dos participantes, de acordo com o núcleo temático, e foram hierarquizadas consoante a quantidade de vezes em que as expressões aparecem no discurso. O mesmo procedimento de análise foi realizado nas entrevistas de grupo focal, já que as questões utilizadas como roteiro para esse tipo de entrevista também emergiram dos objetivos específicos (categorização, subcategorização, hierarquização). Em um segundo momento da análise, as falas já transcritas em formato Word foram ajustadas ao formato de texto, com quebra de linha, para que pudessem ser aplicadas ao programa de análise de dados – o software Análise Lexical por Conjunto de Segmentos de um Texto (ALCESTE) –, que gera dados qualitativos e quantitativos. Igualmente como na primeira fase (sem utilização do ALCESTE), também houve categorização (com base nas questões de pesquisa), subcategorização (a partir das falas dos entrevistados) e hierarquização das falas grupais (número de vezes em que as expressões apareceram no discurso) geradas pelo ALCESTE com base nas entrevistas individuais e de grupo focal.

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O software ALCESTE fornece os resultados brutos obtidos sobre os textos a partir das entrevistas. O programa pode ser aplicado aos conteúdos ou corpus de diversos tipos de textos, tais como entrevistas, respostas a perguntas abertas ou ainda a conjuntos de artigos ou relatórios. Esse procedimento tem como objetivo metodológico desvelar a informação essencial contida em um texto. Desse modo, o ALCESTE é um software de análise de dados textuais (CARDÉNAS, 2000). A análise de diálogo, de questões abertas de pesquisas sociais, auto-relatos, entrevistas, romances, entre outros, é realizada de forma automática pelo programa. Trata-se de um método de análise de conteúdo de textos a partir de entrevistas orais abertas, semi-estruturadas, auto-relatos e reportagens. O ALCESTE realiza classificação hierárquica descendente, com o objetivo de extrair os diferentes temas de um texto, bem como as frases que caracterizam cada tema, contextualizando, assim, a fala dos participantes de uma pesquisa em análise. São considerados as unidades de contexto e os contextos representativos. Esses são classificados pelo software. As unidades de contexto fazem referência ao contexto de uma palavra em um segmento do texto, e o contexto representativo a certa regularidade das unidades de contexto. O ALCESTE gerou grande quantidade de informações, as quais não foram utilizadas totalmente, já que isso implicaria ampliar consideravelmente a análise, não havendo espaço para isso nesta investigação. Assim, os dados gerados pelo ALCESTE não foram aproveitados em todo o seu potencial, tendo sido arquivados para posteriores análises e publicações. As Figuras 2.1 e 2.2 oferecem um exemplo de como os períodos são formados a partir das palavras mais faladas e formas associadas ao contexto, segundo o tratamento do ALCESTE.

D9 dedo+ : dedo (35), dedos (19) D8 pulso+ : pulso (24), pulsos (1) D7 braço+ : braço (37), braços (3) D7 cima: cima (21) D7 dor: dor (35) Quadro 2.1 – Formes associéees au contexte D (Formas associadas ao contexto D)

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639 24 A #TENDÊNCIA E QUERER #FAZER AS #DUAS IGUAL. #ENTÃO, SE #VOCÊ #PEDE #PARA #FAZER #COM O #ARCO MAIS #FORTE, #ELES TENDEM A #APERTAR A #MÃO #DIREITA E #APERTAR A #MÃO #ESQUERDA TAMBÉM #NO #VIOLINO,

#PORQUE #ESTA #APERTANDO UMA, #ENTÃO #ELES NÃO

#CONSEGUEM #SEPARAR.

Quadro 2.2 – Frase/ ALCESTE – EI

Em uma terceira fase, foi realizada a soma dos resultados totais obtidos (freqüências) nas entrevistas individuais, nas entrevistas de grupo focal, e no ALCESTE (entrevistas individuais e de grupo focal), da qual se obteve freqüência e hierarquização final, como demonstrado no APÊNDICE A. Desse modo, para hierarquizar as subcategorias, foram consideradas tanto as falas obtidas na primeira fase quanto na “fase ALCESTE”. A partir da obtenção da freqüência final das subcategorias, quer dizer da hierarquização final dessas, procurou-se aprofundar a análise do discurso dos participantes. Assim, buscou-se trazer à tona, os significados e significantes contidos no discurso dos professores, considerando o contexto onde o discurso foi produzido. De acordo com Brandão (2002), é necessário considerar algumas dimensões, em se tratando de análise do discurso. Primeiramente, deve-se considerar o quadro das instituições, em que é produzido o discurso, que seriam fatores delimitadores da enunciação. Em segundo lugar, as questões históricas e sociais cristalizadas nos discursos, como também o espaço criado em cada discurso, que faz parte de um interdiscurso. Assim, a prática discursiva também poderia ser explicada por uma competência ideológica, em que estariam implícitas a possibilidade de ações e novas significações.

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3. RESULTADOS: a relação músico-corpo-instrumento no processo de ensino-aprendizagem

Neste capítulo são analisadas as falas de professores de instrumentos musicais referentes, primeiramente, aos significados existentes sobre o corpo. Em seguida, são descritos os problemas, desconfortos e dificuldades relacionadas ao corpo no processo de aprendizagem. Depois, relacionam-se as possíveis causas desses problemas, os procedimentos utilizados em sala de aula, bem como prováveis soluções apontadas pelos entrevistados, como se observa nos APENDÊNCIES B e C. As categorias aqui apresentadas foram estabelecidas a partir dos objetivos específicos – (i) investigar significados existentes sobre o corpo; (ii) investigar problemas (iii); investigar possíveis causas de problemas; (iv) descrever procedimentos utilizados; (v) apresentar prováveis soluções – as subcategorias surgiram das falas dos entrevistados, já que se buscam compreender os significados e significantes sobre corpo nesse contexto. As subcategorias foram hierarquizadas a partir de sua freqüência no contexto do discurso. “Corpo-instrumento” a primeira subcategoria, por exemplo, aparece em primeiro lugar no decorrer do texto, por ter sido a metáfora utilizada com maior freqüência pelos participantes. Deve ser lembrado também que o processo de análise dos dados contou, em parte, com o auxílio do software ALCESTE. Detalhamento mais rigoroso do procedimento de análise pode ser conferido no capítulo que trata da metodologia. A fim de proteger a identidade dos participantes, foi-lhes atribuído o nome do instrumento que tocam. No ambiente musical, e particularmente no local onde os dados foram coletados, existe o hábito de “se chamar” alguém pelo nome do músico seguido pelo instrumento que executa como, por exemplo, “X” do violino ou “Y” do trompete ou ainda “Z” da flauta, criando-se uma espécie de pseudônimo espontâneo para a pessoa, a partir do seu instrumento.

3.1

Significados de corpo

A primeira parte deste capítulo explora a compreensão dos significados de corpo na perspectiva dos professores, que também é o primeiro objetivo específico desta pesquisa. Os participantes utilizaram diversos termos, expressões e metáforas para dar conta da idéia de corpo. Assim, falou-se de corpo-instrumento, corpo-sujeito, corpo-organismo, entre outros.

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Os diversos significados de corpo, no contexto da relação músico-corpo-instrumento, referem-se à percepção sobre o corpo na formação do intérprete musical revelado pelo grupo entrevistado na pesquisa de campo. Deve ser lembrado que as significações são construídas, vivenciadas e compartilhadas entre professores que coexistem em um mesmo cenário pedagógico. Assim, a ordem das subcategorias é: (i) “corpo-instrumento”; (ii) “corpo-mente”; (iii) “corpo-base”; (iv) “corpo-organismo”; (v) “corpo-sujeito”. Outros subitens foram agrupados conjuntamente por representarem apenas uma fala, cada qual. Trata-se de “corpo-emoção”, “corpo-cultura” e “corpo-objeto”. Desse modo, busca-se compreender o que os discursos expressam e apontam sobre o “espaço do corpo” na aprendizagem de instrumentos musicais. Alguns professores compreendem “corpo” de modo multifacetado, em mais de uma dessas subcategorias, enquanto outros mantêm o discurso em somente uma delas. Violão, por exemplo, compreende corpo tanto como instrumento – comparando o corpo a um instrumento – quanto também como mente – onde o corpo é compreendido como um “servo” dos processos mentais. Outros professores entendem o corpo de modo holístico, como “corpo-organismo” ou como “corpo-sujeito”, revelando a existência de outras dimensões corporais, além da dimensão física. Isso indica os diversos modos de significação de corpo no contexto da aprendizagem de músicos em um mesmo espaço de convivência pedagógica.

3.1.1 Corpo-instrumento

As falas relativas ao “corpo-instrumento” sugerem que o corpo é um objeto mecânico que deve ter o máximo de eficiência e rendimento, no menor tempo possível. O corpo existe em função do instrumento e deve responder adequadamente às necessidades específicas da técnica do instrumento. Aí parece existir uma mentalidade mecanicista que se organiza em função da produtividade musical. O termo “corpo-instrumento” apareceu 26 vezes no contexto do discurso dos participantes, indicando a compreensão do corpo como extensão do instrumento musical. Deve-se notar, no exemplo a seguir, que o participante começa falando de um corpo estético, do tipo daqueles que se constroem em academias, “malhando”. Somente depois de algum tempo é que começa a acontecer uma relação entre corpo e instrumento. Isso porque tal relação não é algo imediato. Os professores não questionam possíveis conseqüências de uma utilização inadequada e de prováveis desgastes do corpo. Também parecem não interrogar

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sobre quais individualidades habitam esses corpos, suas necessidades específicas, seus anseios, angústias, medos, expectativas, seus contextos de vida, suas histórias, por exemplo. O corpo, como instrumento, torna-se um objeto, é único para todos. As falas indicam a existência de um modelo de corpo que deve ser adotado como padrão, o corpo ideal a ser alcançado por “todos” e para satisfazer a um “mercado”, como indica a fala do entrevistado “Violão”, a seguir:

Os tempos de hoje não favorecem em nada, porque a obsessão estética obriga todo mundo a ter o físico de academia, né? Isso é uma pressão estúpida que só causa infelicidade, quem não nasce com esse padrão, que é uma coisa absolutamente mutável ao longo do tempo, sofre pra burro, porque a pressão dos meios de comunicação na nossa época, nunca houve... sempre houve padrões de beleza em toda a história da humanidade ... padrões de saúde também... fantasia de que todo mundo vai ter aquele corpo maravilhoso. Os culpados somos nós de não malharmos o suficiente para ter aquele corpo... a música é um campo fértil para mitos, aquela coisa do corpo absoluto.

Segundo os docentes, os músculos envolvidos na atividade musical têm de ser trabalhados para que a aprendizagem aconteça de modo eficiente. O corpo é, nesse caso, o instrumento gerador de som. O instrumento musical seria uma ferramenta de expansão para que a expressão musical possa acontecer. Os professores indicam conceber um processo de aprendizagem, em que o corpo participa

como

um

“instrumento

auxiliar”.

Isso

transparece

principalmente

nos

instrumentistas de sopro, que utilizam a respiração e os órgãos envolvidos nessa função para conseguir gerar o som e amplificá-lo na caixa craniana, conforme se manifestam, respectivamente, o “Oboé” e “Trompa”:

O corpo é um instrumento também (...) O corpo, ele já é um instrumento, porque no instrumento de sopro, o corpo, ele é... a gente gera o som ... a nossa coluna de ar gera o som, e esse som é amplificado através da palheta, em primeiro lugar, e em segundo através do instrumento. O corpo, além gerar, ele também ressoa como um instrumento. Mas tudo partiu desse instrumento que é o nosso corpo.

“Flauta”, por sua vez, compara o corpo a um gabarito, como um utensílio utilizado em construções para confirmar medidas, quer dizer, um molde. Nesse sentido, “Flauta” sugere que corpo e instrumento musical devem se encaixar adequadamente para poder funcionar. O processo de aprendizagem seria efetuado em função das necessidades da técnica específica de cada instrumento. O corpo estaria a serviço desse processo, cabendo ao professor saber como

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trabalhá-lo, possuir uma pedagogia do corpo, para que essas engrenagens venham a funcionar da melhor maneira possível. Esse entrevistado declara:

Eu adoro usar essa palavra, gabarito, porque eu acho que é isso mesmo, você tem uma forma e que você tem que encaixar naquela figura, então, seja o papel mais difícil do professor... ensinar como usar o corpo para tocar flauta.

Os participantes admitem o corpo como uma via que necessita ser desenvolvida para que o instrumento musical possa responder adequadamente. As falas indicam que o corpo deve ser trabalhado como um instrumento, mas sempre em função da técnica. Apesar de conceber o corpo como um instrumento, também aparecem em alguns participantes outros significados de corpo, como a idéia de corpo-mente do entrevistado “Violão”. Trata-se da idéia do controle da mente sobre o corpo, um corpo subalterno, diferentemente de corpoinstrumento, onde o corpo emerge uma via, um instrumento que pode ser trabalhado para que o instrumento musical possa responder adequadamente. Observe-se o sentido de corpo para os entrevistados “Violão”, “Trompa” e “Oboé”, respectivamente:

O corpo é a via, o corpo é o instrumento pelo qual você faz o instrumento responder o instrumento musical... O corpo é que é o instrumento... o instrumento somos nós... Eu uso o meu corpo. O meu corpo não é só uma carcaça que vai segurar o instrumento. O meu corpo é um templo de som... ele também gera som.

Nas entrevistas de grupo focal, a opinião dos pianistas reforçou a temática do corpo como um instrumento. Segundo eles, para que a execução musical aconteça deve haver uma continuidade entre o instrumento e o corpo. Um seria a extensão do outro, embora no pensar desses instrumentistas tocar um instrumento é uma situação um tanto antinatural. Também os instrumentistas de cordas consideram corpo como um instrumento, quer dizer, ambos (corpo humano e instrumento musical) teriam igual importância no processo de aprendizagem, como sugerem os posicionamentos a seguir: A gente tenta fazer com que o corpo da gente se adapte ao instrumento, por exemplo. É uma pergunta complicada. Eu acho que o corpo ou vice-versa é a extensão do instrumento, e o que acontece com relação ao nosso corpo, por não ser natural a gente tocar um instrumento, a gente tem que amenizar e estar sempre atento para que problemas maiores não ocorram. (ALCESTE/ grupo focal) É um instrumento tão importante quanto o próprio instrumento. (Grupo focal/ cordas)

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Então, você tem que antes de saber sobre o seu instrumento musical, você tem que saber sobre o seu instrumento, seu corpo, o que é bom funcionamento e o que e mau funcionamento, quais são os sintomas. (ALCESTE/ entrevistas individuais)

Os participantes afirmam que a extensão entre corpo e instrumento pode apresentar rupturas e que é necessário trabalhar melhor essa ligação quando isso acontece. O corpo também é uma parte “torturada” nesse processo, já que, segundo os entrevistados, esse é “modelado” a “qualquer custo”, em função do instrumento. Outro fator interessante que emerge das falas é que o corpo também é considerado como o instrumento detentor da musicalidade humana, devendo ser pedagogicamente trabalhado para que essa manifestação seja efetivada, “colocar para fora a música que está dentro”. Mas, aqui, o modo de desenvolver essa musicalidade via corpo não é explorado pelos professores. O “corpo-instrumento” aparece como ferramenta que contém engrenagens, os músculos, que executam mecanicamente o instrumento musical. O corpo surge nas entrevistas de grupo focal (sopros, cordas e piano) como a parte mais complicada da aprendizagem do instrumento, algo difícil do professor lidar, pois seria necessária adaptação entre corpo e instrumento, o que os professores não se sentem confortáveis em realizar. Os professores relatam não saber como ajudar a estabelecer essa sintonia, pois a aprendizagem do instrumento não seria algo “natural”. Afirmam também que o corpo, como instrumento, não pode ser um canal “bloqueado” ou com “vazamentos”, porque dessa forma pode gerar diversos problemas, citando como exemplos dor, lesões, falta de coordenação motora, que serão tratados com mais detalhes mais adiante, ainda neste capítulo. Desse modo, o corpo como um instrumento leva a uma visão desse como um “objeto” que existe em função da técnica. Os participantes indicam considerar o processo de aprendizagem como algo mecânico, que não leva em conta seres humanos com suas peculiaridades, individualidades e subjetividades, a partir de uma perspectiva mais ampla de educação. O significado de corpo-instrumento – visto apenas por esse ângulo – sugere falta de informação sobre o pensamento contemporâneo de educação, em que o processo educativo deve contemplar corpos que englobem emoções, processos mentais, processos físicos, contextos de vida pessoais, entre outros.

3.1.2 Corpo-mente

Aqui, emerge a idéia da velha dicotomia “mente-corpo”, que aparece 24 vezes no contexto do discurso dos participantes. A compreensão do mundo e das coisas advém da

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razão. O órgão da razão, o cérebro, que parece, pelas falas dos professores, existir fora de um corpo, controlaria o corpo, intermediário no contato com o mundo. O corpo “não tem importância”, já que os sentidos, nessa concepção, seriam enganosos. Mesmo no contexto da aprendizagem musical, em que vários dos sentidos – visão, audição e tato – são extremamente importantes no processo de aprendizagem, esses não são sequer mencionados. O corpo tornase algo “pequeno” diante da magnitude da “razão cerebral” que tudo pode controlar. A possibilidade de se considerar o corpo como um sistema, que englobe processos físicos, mentais ou psicológicos, por exemplo, não é mencionada. Os entrevistados parecem identificar aprendizagem musical como uma elaboração prioritariamente mental, com pouca ou nenhuma participação do corpo. Houve muita ênfase em um “entendimento cerebral”, deixando de lado o aspecto motor ou emocional. Entendimento cerebral indica aprendizagem: o aluno teria de compreender mentalmente as etapas de um processo para ser capaz de realizá-lo, inclusive tarefas motoras como, por exemplo, tocar um instrumento. As expressões apontam para a existência de um corpo que responderia prontamente a qualquer comando da mente. Aqui parece não ser sentida a necessidade de uma aprendizagem motora. Os participantes tendem a utilizar mente e cérebro como sinônimos, não diferenciando cérebro de processos mentais. A possibilidade de uma aprendizagem musical que considere desenvolvimento motor ou aprendizagem emocional não é citada pelos entrevistados, sendo encarada como um processo estritamente mental ou cerebral, “sem corpo”. Os relatos a seguir exemplificam a argumentação acima:

Colocava a mão no instrumento, porque é uma questão mental. Não é uma questão de habilidade com a mão direita ou esquerda... é mental... o cérebro tem que mandar um comando... eu sempre pergunto para os meus alunos quando eles digitam errado, eu digo: foi erro de dedo ou foi erro de cérebro? O cérebro mandou o comando errado, e o corpo sempre respondeu... (“Trompa”) O corpo... vai ser a partir da movimentação e do uso do corpo... claro que parte da mente em primeiro lugar... a mente controla o corpo... (“Violão”)

As falas citadas também apontam para o lugar privilegiado que a mente, segundo os entrevistados, possui na hierarquia de tarefas relacionadas ao uso do corpo. Não emerge de tais falas a possibilidade de desenvolvimento sistematizado de habilidades a partir da educação do corpo físico ou mesmo uma educação das emoções. As falas sugerem que o corpo ocupa um grau inferiorizado nesse conjunto. Trata-se de um corpo fragmentado: a razão

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é a “dona da casa”. O corpo, aqui fragmentado, aparece como um “servo” controlado pela “mente-cérebro”, que comanda todas as atividades. Em se tratando da resolução de tarefas motoras, os professores falam também sobre suas dúvidas a respeito de como se efetua a aprendizagem. O “cérebro-mente” ainda é o foco desse processo, mas os professores relatam não compreender como solucionar os problemas corporais existentes a partir de tal base conceitual. Afirmam que o cérebro costuma “se perder” quando as ações motoras finas se tornam combinações mais elaboradas. Colocam ainda a questão do posicionamento do corpo no espaço em relação a objetos como sendo algo que o cérebro tem de “decorar”. Contraditoriamente, afirmam que os alunos têm de “sentir” espacialmente o movimento. Os professores deixam transparecer certa dificuldade em explicar a maneira pela qual se dá esse “sentir”, falando da existência de uma “confiança cerebral”. Também manifestam suas dúvidas sobre o modo como se efetua o trabalho de independência das mãos, mas continuam deixando de lado a possibilidade de qualquer participação do corpo sob uma outra organização, que não seja a do comando do “cérebro-mente” sobre o corpo. Os entrevistados asseguram ainda que aprender a tocar é uma questão do cérebro se “acostumar” com determinada digitação dos dedos das mãos, negligenciando a participação do corpo em sua dimensão física como parte do processo. Concebem as dificuldades em determinada região do instrumento como uma dificuldade mais mental do que física, reforçando o conceito de um corpo a serviço da mente. Nesses casos, o corpo não existiria como um conjunto, pois qualquer outra dimensão que não seja a dos processos mentais não aparece. É um corpo que se reduz a um “cérebro-mente”. A aprendizagem é estritamente mental nesses casos. A mente é utilizada para definir o corpo em todas as suas possíveis dimensões, atribuições e ações, como sugerem as falas a seguir:

Agora, quando começam as combinações motoras, aí dificulta... quando eu tenho, ao invés de levantar um dedo, eu tenho que levantar dois, na direita e baixar um na mão esquerda, aí complica... aí o cérebro... (“Oboé”) Então o cérebro... às vezes eu penso que ele tem que decorar essa distância para ele ir, e o aluno não deve olhar para ele, tentar com o movimento do braço... ele espacialmente sentir esse movimento... é cerebral, porque ele tem que confiar.

(“Percussão”) Eu sei que estão em espelho as mãos, mas o cérebro se acostumou a dar o comando da direita... colocava no colo, levava essa mão e a outra também, até que o meu cérebro se acostumou que era a mão esquerda que ia digitar. (“Trompa”)

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Os participantes falam também de um corpo-mente, em que a mente é promotora de ações, mesmo inconscientes. O corpo, nesse contexto, é um receptor dessas ações que têm sua origem no campo cerebral. Assim, o corpo reage aos atos iniciados na mente, podendo ser alvo de distúrbios e sintomas diversos. Os professores consideram que o controle de tensões no corpo é efetuado pela mente, não revelando qualquer papel de uma possível participação corporal em alguma outra dimensão nesse processo. Travamentos e tensões são “jogados” em um corpo passivo que, em princípio, só reagiria sob o comando da mente. Os entrevistados se remetem a um processo de aprendizagem iniciado no cérebro, onde corpo é um receptáculo final, apesar de admitir, de certo modo, a existência de um “lado emocional” dos alunos no processo de aprendizagem. Afirmam também que o corpo conduz algum tipo de processo, mas uma condução dirigida pela mente, como expresso nas próximas falas.

Sentia o cotovelo travado, é como se o meu corpo... a minha mente jogasse... transferisse a tensão, ao invés da mão pro cotovelo ... (“Violão”) O instrumento é um pedaço de pau que não se meche sozinho. É o corpo que vai conduzir isso, mas é a mente que vai conduzir o corpo... (“Violoncelo”)

Parece existir a idéia de que toda a aprendizagem musical no instrumento seria comandada pela mente, que daria as ordens para um “corpo distante”, que só executa porque a mente “sabe o que fazer” em relação à ação, observe-se as opiniões a seguir:

O que está na mente é o que vai comandar... quem dá as ordens para o corpo é a mente, é o cérebro. (Grupo focal/ “Piano”) O corpo é o instrumento da mente... o corpo realiza o que a mente sabe fazer.

(Grupo focal/ “Cordas”) A concepção da tarefa seria processada na mente, e isso faria com que o corpo também compreendesse automaticamente o processo para execução, sem a necessidade de trabalho pedagógico voltado para a aprendizagem motora de ações específicas. Por exemplo:

O corpo é o elo entre a mente e o instrumento... é um meio que passa da mente para o instrumento. (ALCESTE/ entrevistas individuais) Os músicos tocam como pensam... na minha mente eu tenho a concepção... o que está na mente é o que vai comandar. (ALCESTE/ entrevistas individuais)

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“Corpo-mente” indica como os processos mentais possuiriam lugar prioritário na aprendizagem musical. Mesmo sendo cobrado de um músico que se entregue de “corpo e alma” à sua atividade, onde estão esse corpo e essa alma? Qual o seu lugar nesse processo? O modo com que o músico concebe seu corpo nesse tipo de conceitualização indica a inexistência de um espaço para a expressão de emoções, de aprendizagem motora, entre outros.

3.1.3 Corpo-base

Os professores entendem o corpo, em sua dimensão física, como a base para que a aprendizagem se torne sólida e duradoura. Os entrevistados comparam o aprendizado musical no instrumento com a construção de um prédio, em que o corpo físico seria a base. Também expõem que o corpo, em sua dimensão física, seria o foco principal na aprendizagem do instrumento, já que sem esse nada aconteceria. Parecem crer que sem corpo não há música, quer dizer, produção e expressão musical. Assim, o corpo, em sua dimensão física, seria o elemento chave na aprendizagem da execução musical. “Corpo-base”, termo que aparece sete vezes na entrevista, traz a concepção de um corpo que é considerado parte importante no processo de aprendizagem. Significa o reconhecimento de um corpo que tem “algo a fazer”, tanto que é tido como alicerce do trabalho pedagógico. Processos mentais não são mencionados pelos entrevistados, indicando ainda a fragmentação do corpo. Essa significação também é reforçada pelas entrevistas de grupo focal. A busca pela integração do corpo com o instrumento é uma constante, mas não em função da técnica somente, como em “corpo-instrumento”, mas em função da aprendizagem, que permite a expressão da idéia musical por meio do instrumento e com um corpo físico saudável, pois, se esse corpo adoecer não haverá mais como esse músico se expressar dessa forma.

O corpo é tudo. Meu foco é o corpo. Ele é fundamental, sem corpo não há música, não há instrumento, não há nada. (“Harpa”) O corpo é a base, ele vai ser a base para permitir você fazer música. (”Flauta”) O papel do corpo? Eu acho que é básico, é o principal. (“Clarineta”) O corpo é a base, é muito importante, como quando se vai construir um prédio, a base é o que mais demora, para o prédio não cair. (“Clarineta”)

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O reconhecimento da importância do corpo, mesmo que somente em seu aspecto físico, um corpo saudável para sustentar o processo de aprendizagem, já é um passo para uma comunidade que adoece a cada dia mais e mais. Esse modo de conceber o corpo dá a ele, pelo menos, o respeito merecido, possibilitando-lhe ações favoráveis, já que, em princípio, é um corpo que se “enxerga”.

3.1.4 Corpo-organismo

O conceito de corpo-organismo abrange significado de um corpo holístico, que inclui diversos aspectos, seja físico, emocional ou mental. Essa noção é expressa seis vezes pelos professores, que revelam o corpo como um organismo complexo, que engloba desejos, emoções, necessidades biológicas, em que todos os dispositivos que participam da aprendizagem encontram-se interligados.

Todos os movimentos são comandados por um ou vários dispositivos. Cerebral, emocional é tudo ligado... eu sinto falta de entender um pouco mais sobre a relação mente-corpo. Não é o corpo, o corpo é resultado de como a pessoa conduz tudo aqui dentro... esse equilíbrio mente-corpo que dá força no ponto certo. (“Violoncelo”) Até hoje eu não consegui entender essa música cerebral. Tem gente que gosta... essa música cerebral, eu vou acabar ofendendo algumas pessoas, não estou pensando em ninguém... a música cerebral é aquela que você ouve e que você precisa fazer uma tradução lógica na sua cabeça... você não está ouvindo com a mente e com o seu sentimento... o processo, o processamento dela é um processamento que começa pela cabeça... você precisa... pra muitas pessoas, nossa! funciona muito bem... muitas pessoas têm necessidade desse tipo de música, de uma elaboração mental... pra mim, para a música ser verdadeira, ela seja ela não tenha desvios, você sinta, para que ela seja realmente cinestésica... (“Flauta”)

O conceito de corpo como um organismo aponta para o ser humano como um ser complexo. Tal significado indica um conjunto que se combina para atuar de forma sistêmica. Os professores manifestam, por meio desse conceito, a idéia de uma atuação pedagógica junto a um corpo que contempla o fisiológico, o anatômico, o emocional, o psíquico, e assim por diante, pois, dessa forma, se pode tocar melhor o instrumento. “O corpo é a extensão daquilo que a gente toca, reflete tudo o que a gente tem aqui dentro”. (Grupo focal/ “Cordas”) O conceito de “corpo-organismo” reflete, diferentemente dos conceitos de “corpoinstrumento” ou de “corpo-mente”, significado mais abrangente em relação aos processos de aprendizagem em música. Concebe a aprendizagem a partir do ser humano e em função desse,

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já que admite a existência de processos múltiplos que participam constante e integradamente nas atividades humanas.

3.1.5 Corpo-sujeito

A noção corpo-sujeito, mencionada cinco vezes nos discursos dos entrevistados, enfatiza a idéia de um corpo que contempla a existência de uma individualidade que o habita. Esses professores falam da existência de um “Eu” corporal, uma identidade que é revelada a partir do conhecimento do próprio corpo e de si mesmo, e que foge à regra do entendimento de um corpo alienado e moldado como, por exemplo, o corpo fabricado no espírito das academias. Os professores admitem a existência de uma relação, que pode ser explicada pela psicologia, entre o cuidado com o corpo e o cuidado de si mesmo, algo que se reflete na saúde, na auto-estima e na produção individual. Os participantes reforçam ainda a idéia da relação corpo-sujeito, em que cada corpo seria o habitáculo de individualidades únicas, exclusivas, por mais que características semelhantes possam também existir. “Oboé”, por exemplo, contribui para a afirmação dessa subcategoria descrevendo que estabelece uma relação de afeto com seus alunos, já que esses, mais do que alunos seriam pessoas singulares.

O corpo é muita coisa, nossa! Bom, eu tenho uma referência no corpo, a psicanálise fala que o eu é corporal. O ego é corporal. Freud falava que o ego é fundamentalmente corporal (...) Seu corpo, não vai ser igual ao de mais ninguém, vai ser parecido.

(“Violão”) Se o corpo para mim fosse uma coisa essencial, eu não teria o corpo que eu tenho, não no sentido de... sinceramente, se a gente for olhar na psicologia, tem tudo a ver. Eu não dou muita importância para o corpo, mas isso se reflete na minha saúde, isso reflete na minha resistência, eu estou com pouca resistência. Se eu desse a devida importância para o corpo, eu não estou brincando, eu não teria o corpo que eu tenho mesmo, né? Teria mais cuidado... (“Violoncelo”)

O conceito “corpo-sujeito” aponta para uma face humana na aprendizagem, a face do psicológico, da individualidade. Revela personalidades únicas. As falas que expressam esse conceito emergem de professores que têm conhecimento com base na psicologia ou, ainda, que reconhecem nessa ciência a sua importância para o processo de ensino-aprendizagem.

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3.1.6 Corpo: emoção, objeto, cultura

Essas significações sobre o corpo emergem com uma expressão cada qual no contexto do discurso dos participantes. Em “corpo-emoção” reconhece-se a dimensão emocional do ser humano. Um ser que possui medos, que sente alegrias e tristezas, que tem prazer, que sofre. Tais sentimentos teriam grande participação nesse processo. Ainda mais por envolver uma atividade de palco, onde o artista deveria desenvolver controle no âmbito das emoções, tal como um ator, por exemplo. “Trompa”, dessa maneira, tomando como base sua própria experiência, fala sobre a questão emocional que envolve a atividade do músico em sua performance e em seu aprendizado, afirmando ser essa a questão mais difícil de lidar nesse contexto. Para “Trompa”, o corpo deve ser considerado também por sua dimensão emocional.

E a última coisa é sobre os nervos, porque você falou de corpo, o nervo está aí dentro do corpo. Eu acho que é o calcanhar de Aquiles de todos os músicos, incluindo eu que estou aqui falando. Eu falo baseado em mim. Você sabe o medo, o receio, o temor, vem da quantidade de adrenalina que está dentro de você.

Na próxima fala, “Violão” relata a experiência com o corpo em seu processo de aprendizagem no instrumento, desenvolvida a partir da constatação de problemas físicos – mais especificamente dores e lesões – decorrentes do estudo incorreto no instrumento. A partir de então, “Violão” considera seu corpo como um objeto, tendo realizado uma pesquisa individual com o corpo em relação ao instrumento, em busca de soluções para seus desconfortos e dificuldades, experimentando novas posturas. Assim, esse entrevistado experimentou posturas diversas, considerando a relação entre o corpo, instrumentos e acessórios. “Corpo-objeto” seria, então, um corpo “experimentável”, com eixos, medidas, passível de ser medido, pesado, dimensionado, conforme expressa a seguir:

Eu descobri essa questão que quando eu relaxava, o corpo caía para trás. Aí eu sentia que era o abdômen e as costas, e aí eu comecei a perceber, baseado em coisas da física e tal, nem tanto da anatomia, de todo o meu conhecimento de física da universidade, equilíbrio, aquela questão de ponto de equilíbrio, aí eu comecei a tentar reproduzir isso no meu corpo, eu comecei a fazer assim, eu sentei e percebi que a perna esquerda tinha a função de ser o apoio principal do violão. A coxa esquerda no caso, e a coxa direita era o segundo apoio. Mas, a parte inferior da perna, da direita, não tinha função propriamente no violão e aí, pensando alguma coisa, eu fiz uma hipótese que funcionou. Que a gente bota a perna esquerda assim, bota o banquinho para lá e tal, senta na ponta da cadeira, bota a coluna reta, aí botei assim a perna esquerda e comecei a perceber que eu botava os dois pés no mesmo nível na frente, na mesma linha e quando eu relaxava o corpo caía para trás, que essa

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perna estava elevada, né? Então, tinha um desequilíbrio no meu corpo Eu estava aplicando no meu corpo, mas considerando o corpo como se fosse um objeto.

A seguir, “Violoncelo” descreve a performance de um violinista brasileiro, que, segundo a professora, não apresenta rigidez corporal. “Violoncelo” questiona o fato de os músicos de formação erudita, ao contrário dos músicos que atuam na área popular, apresentarem “estaticidade” para tocar. Tais músicos teriam medo de se entregar ao prazer propiciado pela atividade, e por uma cultura no âmbito erudito. Já a cultura do músico popular, segundo “Violoncelo”, seria a cultura do prazer, da entrega, em que o músico não teria tais problemas. O “corpo-cultura” seria, desse modo, um corpo que realiza sua vivência a partir de modelos sócio-culturais predeteminados, o que será discutido mais amplamente no próximo capítulo.

Uma vez eu vi um violinista fazendo uma master class, e ele toca se mexendo todo, ele toca lindamente, afinado, som maravilhoso, e ele falou assim, gente, para os alunos, porque o músico de rock pode jogar os cabelos, pode pular, e a gente tem de ficar duro, parado, dança! Dança a música que você está tocando, joga o corpo para o lado que você acha que tem que jogar! Ele é muito estático, muito duro, ele tem medo de se entregar para o prazer que dá o que ele está fazendo, está muito preocupado em fazer certinho algumas coisas, dedo aqui, ali, assado, não sei que... é por causa da platéia, medo de errar, satisfação à platéia. (“Violoncelo”)

O significado de corpo para os professores de instrumentos musicais, desse modo, assume a forma de amplo espectro multifacetado. Um quadro teórico emerge então a partir do reconhecimento dos diversos corpos – instrumento, mente, base, organismo, sujeito, emoção, objeto e cultura –, abrindo possibilidades maiores de compreensão do corpo nesse contexto. Os significados de corpo que emergiram das falas dos professores trouxeram à tona seus modos de pensar o corpo no contexto da aprendizagem musical. Esses significados por sua vez, mobilizam comportamentos, ações oriundas das maneiras de entender o corpo. O levantamento da existência desses diversos “corpos” viabiliza o entendimento da relação que se estabelece a partir daí, nas diversas práticas pedagógicas referentes ao contexto da relação músico-corpo-instrumento. Tais procedimentos serão expostos no penúltimo subtítulo deste capítulo. Os subtítulos dois e três, que serão apresentados a seguir, referem-se aos problemas e dificuldades corporais de alunos, bem como às suas possíveis causas, apontadas pelos professores.

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3.2

Problemas corporais

Este tópico do presente trabalho apresenta os resultados dos problemas de pesquisa relativos às dificuldades relacionadas ao trabalho pedagógico com o corpo durante o processo de aprendizagem de instrumentistas musicais, que emergiram da fala dos professores entrevistados. Quatro problemas se destacaram, por terem sido mencionados por grande parcela dos entrevistados: dor, tensão, postura e consciência corporal. Esses fatores indicam a existência de aspectos corporais vivenciados por músicos em seu processo de aprendizagem, habitualmente de modo não-transparente, como denunciaram os participantes. Revela-se, assim, aprendizado em que o ator principal parece estar à mercê de sua própria corporalidade, sem compreendê-la de modo efetivo, bem como de uma pedagogia que parece não contemplar uma didática efetiva no sentido de um trabalho sistematizado em relação a processos corporais da aprendizagem no instrumento. As falas têm como base a vivência dos participantes como ex-alunos, bem como sua experiência como docentes. Assim, revela-se outra face do processo ensino-aprendizagem do músico, cujos elementos não estão presentes em livros voltados para a formação do professor de música ou nos currículos das escolas especializadas nessa área, para que possam ser compreendidos contextualizadamente. Os tópicos demonstram o amplo espectro de problemas, dificuldades e desconfortos que envolvem o aprendizado do músico no tocante ao corpo, para além dos problemas técnicos – musicais, especificamente.

3.2.1 Dores

Os entrevistados indicam compreender a dor como um processo físico sintomático. Declararam ter sofrido com dores em diversas regiões do corpo durante o seu período de aprendizagem no instrumento. Também relataram as reclamações de alunos das mais diversas idades quanto a dores, em distintas regiões do corpo. Os discursos, com 38 expressões, revelaram a maneira como a dor se tornou parte de um processo, quase como se fosse algo “natural”, apesar de alunos e professores terem afirmado que se sentem incomodados com o problema. A dor parece ser reverenciada no aprendizado do músico, já que alguns professores falam para os alunos que “tem que estudar até doer” ou que a marca escura tem de ficar no pescoço, no caso dos violinistas, ou, ainda, que os alunos têm de estudar “até rachar os lábios”, no caso dos instrumentistas de sopro.

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Estabelece-se desse modo uma cultura da dor ainda no período de aprendizagem, que parece não considerar a questão da qualidade de vida na relação músico-corpo-instrumento. O aprendizado parece se tornar, então, processo de sofrimento “não declarado”, no qual o maior “orgulho” de um instrumentista seria o de “sofrer pela e para a música”, por meio de seu instrumento. Então, por mais que a dor incomode, e que seja uma dificuldade no aprendizado, ela parece ser cultuada por seus “adeptos” músicos. E, como a tarefa principal, “tocar a qualquer custo”, desconsidera individualidades, a pessoa que sofre o problema costuma ser rejeitada por sua comunidade, tendo vergonha de falar sobre o assunto, já que a cultura da dor seria um dos lemas desse grupo.

Já tive dor, quando você está tocando muito. Com o tempo vai começando a ter dor.

(“Violino”) Sempre tem que ter um lugar que dói? Eu ficava furioso com esse negócio. Quando eu esticava o braço, eu sentia dor no cotovelo... eu sentia o cotovelo travado... incomodava, eu acabava de tocar... eu ia fazer alguma coisa, pegar uma água, eu esticava o braço e sentia dolorido o braço, com se tivesse colocado o braço em uma tala, gesso, e passasse um mês. Costumava dar dor nas costas... começar a sentir dor nas costas, dor no ombro, essas coisas, eu tive uma série de problema desses. (“Violão”) Até hoje eu tenho dores musculares no trapézio direito. (“Flauta”) E aí eu senti a dor nas costas, nas pernas por causa dos pedais, a dor no pescoço.

(“Harpa”) Professores de diversos instrumentos indicam que alunos das mais variadas faixas etárias reclamam de diferentes tipos de dor, em diferentes partes do corpo, tais como, trapézio, braço, queixo, lábios e dentes, desde o início do aprendizado no instrumento. As falas sugerem um discurso em que os professores não parecem estar “assustados” com o fato de crianças manifestarem a dor já no início do aprendizado, indicando, desse modo, certa “negligência” em relação ao fato, e de suas possíveis conseqüências. Professora, este exercício está doendo o meu braço... professora, está doendo... está doendo o polegar. (“Violoncelo”) De eles reclamarem do queixo, que ainda está formando o calo... eles reclamam às vezes do queixo... o calo no queixo, porque fica o atrito da queixeira. (“Violino”) Então, dependendo da arcada dentária dos alunos, é a parte que mais tenho queixas... essa dor, é que corta o lábio, os dentes. (“Clarineta”) Eu tenho uma aluna que levanta muito os ombros e ela já reclamou de dor nas costas também. Na parte superior das costas, fala que está doendo. (Grupo focal/

“Piano”)

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Alguns professores relatam que a dor seria um fato “normal” na aprendizagem do instrumento, algo com que o aluno deverá se acostumar com o tempo. Já para outros, a dor não é um fato consumado, mas o músico aprende a conviver com ela. Os entrevistados afirmam também que a postura do instrumento seria algo antinatural, então a dor, levando-se em conta a postura, seria algo inerente ao estudo do instrumento.

O violino, aqui no queixo é normal... no começo ele, enquanto está formando, fica dolorido, um pouco, mas, aí, com o tempo, vai acostumando e por você ficar horas e horas com o instrumento no queixo. (“Violino”) Pra flauta a gente tem algumas dores que são dores comuns... o que eu quero deixar claro é que não é obrigatório ter dor. Eu conheço algumas pessoas que desconhecem isso, o que é sentir dor tocando o instrumento, mas, no meu caso específico, após algumas horas... algumas dores...a gente aprende a conviver, mas a gente aprende a lidar com ela. (“Flauta”) Dói da ponta do dedo até o pulso. A única coisa que eu consigo explicar até onde eu sei, é que é algo antinatural, então vai doer mesmo... é normal, e dói em qualquer época da sua vida. E se você exagerar, por exemplo, um trinado de doze tempos, dedo dois e dedos dois e três alternando, quando chegar lá no final, o músico está estendendo o braço de dor. É como no violoncelo, alternar primeiro e quarto, vai doer. (“Trompa”)

Assim, notam-se, desde o início do aprendizado, manifestações de diversos tipos de dores, nos mais diferentes instrumentos, em alunos de diferentes faixas etárias, segundo as falas dos professores. Observa-se certa despreocupação por parte dos participantes, em relação a essas manifestações, o que denota uma possibilidade de “culto velado” à dor. Os discursos também sugerem certo desconhecimento em relação às possíveis conseqüências dessas dores.

3.2.2 Tensão (como conseqüência)

A tensão dos alunos é relatada na fala dos pesquisados como uma das dificuldades com as quais o professor se depara em sala de aula durante o processo ensino-aprendizagem. Os professores descrevem sua dificuldade em compreender e lidar com o problema e dizem que os alunos costumam não perceber que estão tensos. A tensão também é exibida como um “detalhe técnico musical” no aprendizado do músico. As 23 manifestações referentes a tensões sugerem que os entrevistados não possuem ampla visão dos prejuízos que o fator tensão pode causar a cada pessoa, nem tampouco refletem sobre o quanto essa pode interferir no processo de aprendizagem. Referindo-se aos alunos, os professores expõem que:

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Eles pressionam demais a baqueta... em alguns casos as veias sobressaltam, ou senão os dedos ficam brancos porque ele está usando muita força. (ALCESTE/

Entrevistas Individuais) Está tencionando, onde eles estão jogando a tensão. Estava tensa, do pescoço que estava tenso, do braço tenso, do ombro... ela muda de posição para as posições superiores e o ombro sobe. (“Violoncelo”) E eu tenho um aluno que fica meio tenso nos ombros... é uma coisa que vai acontecendo e ele nem percebe. (“Violino”) Por exemplo, tensão no mindinho, muitos alunos sentem. Como os apoios não estão muitos bem sedimentados ainda, a tendência deles é apoiar muito com o mindinho da mão direita, então você cria uma tensão danada no mindinho. (“Flauta”)

Quanto ao seu próprio aprendizado, em relação à tensão muscular, os professores admitem que também vivenciaram essa dificuldade, e que isso gerava grande incômodo em sua relação com o instrumento. Como ex-alunos, os aprendizes dos mais diversos instrumentos relatam terem percebido a tensão em diversas regiões do corpo:

Comecei a perceber que eu tinha um reflexo de lançar a tensão muscular para o cotovelo. O que me sustentava com essa posição era a musculatura intercostal aqui toda tensa, para segurar a coluna, ou seja, eu percebi que era instável e a musculatura tencionava pra segurar. (“Violão”) Começa a gerar tensão no ombro. Você fica muito mais tenso, para tocar o oboé, porque você tem que segurar ele. (“Oboé”)

3.2.3 Má postura (como conseqüência)

Cada parte do corpo sofre ajustamento constante, em função da técnica musical específica de cada instrumento, buscando-se, por isso, posturas adequadas à mesma. São posturas de braços, antebraços, coluna, pescoço, cabeça, pernas, pés, dedos, boca, lábios, olhos, enfim, toda utilização postural do corpo. Uma busca pelo gesto que possibilite a expressão musical. Os participantes, com oito expressões, relatam a dificuldade em lidar com a postura dos alunos. Essas indicam que os professores, tanto no próprio período de aprendizagem, quanto em relação à aprendizagem dos alunos, reconhecem a questão postural como um dos fatores que necessitam de trabalho educativo sistematizado. Mas, os entrevistados dizem não ter uma diretriz clara para trabalhar pedagogicamente com a questão. Afirmam que os alunos costumam ter má postura no instrumento, posicionando o pescoço para baixo. Relatam também ter tido problemas em relação à postura, enquanto aprendizes no seu instrumento. Descrevem ainda que determinados posicionamentos

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poderiam ocasionar problemas posturais. Os docentes se referem às suas condições de aprendizagem e expõem problemas posturais ligados à sua prática. “Percussão”, por exemplo, diz que a correção da postura do pulso é um fator de grande dificuldade no aprendizado de seus alunos, e que, se não corrigido pelo professor, pode gerar problemas.

Eu senti que demorei muito para pegar a posição correta no instrumento... eu sentia que estava aproveitando mal... desajeitado... o corpo não esta treinado para isto... você não está acostumado... era difícil ficar na posição confortavelmente. (Grupo

focal/ “Cordas”) Os alunos às vezes se posicionam mal. Põem o pescoço para baixo. (“Percussão”) Se a gente fecha com o queixo para baixo, aí dá má postura (...) São problemas ligados ao instrumento, postura da mão esquerda. Deve ser por causa de uma má postura do pulso. (“Clarineta”) Eu tive problemas em relação à postura. (“Violão”)

3.2.4 Falta de consciência corporal (como conseqüência)

Como consciência corporal, os entrevistados entendem a capacidade que o ser humano tem de perceber as partes de seu corpo em movimento. Os docentes relatam que a “falta” de consciência corporal é um dos problemas que aconteceu com eles na fase de aprendizado do instrumento, e que também acontece com seus alunos. Os professores relatam, sete vezes, a dificuldade que os alunos têm em perceber o próprio corpo. A deficiência de tal componente emerge como algo que dificulta tal processo, um impedimento para o reconhecimento da região física do instrumento, já que, tecnicamente, não se pode tocar olhando para o instrumento. Outro fator é o da tonicidade, também relacionado à consciência corporal, quer dizer, ao grau de controle do tônus muscular a ser utilizado para tocar, que os professores apresentam como sendo algo que lhes foi cobrado durante sua aprendizagem, porém não trabalhado didaticamente. Tocar sem a consciência da região eu estou tocando... eu não sabia como ficar, relaxar... a consciência do relaxamento te confunde. (“Violoncelo”) É o cotovelo sempre alto... eles não trabalham com o antebraço...falta de consciência corporal. (Grupo focal/ “Cordas”) Isso aconteceu comigo e acontece com os alunos, a falta de conscientização do próprio corpo. (“Percussão”) Fisicamente eu não entendia, não entendia nada. (ALCESTE/ grupo focal)

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3.2.5 Outros problemas corporais

Há alguns outros desconfortos e dificuldades vivenciadas durante a aprendizagem dos instrumentos, que apesar de não terem sido muito citados nas entrevistas referem-se a aspectos que dificultam a aprendizagem (uma a três ocorrências no discurso dos participantes, cada qual) A falta de capacidade de concentração, por exemplo, é aqui colocada por “Percussão” como algo inerente à fase de educação motora, o que dificultaria a aprendizagem. “Percussão” crê que tal problema deve ser trabalhado pelo professor. “Violoncelo” manifesta em sua fala que, na condição de aluna, sofreu com a falta de concentração no estudo no instrumento.

Com um aluno que está saindo da fase de educação motora... não responde, você tem que trabalhar ... a questão principal é a seguinte, é que o aluno com essa fase, a capacidade de concentração é muito pequena. (“Percussão”) Eu tinha quatorze anos... eu viajava muito mentalmente quando eu estava estudando, eu não me concentrava, eu não tinha boa concentração para estudar o instrumento.

(“Violoncelo”) A pessoa que tem dificuldade de concentração, ela não ouve. (ALCESTE/

entrevistas individuais) As contrações sofridas por “Violão” são, segundo ele, mais uma das dificuldades de um instrumentista no período de aprendizagem, conforme seu relato a seguir. “Violoncelo”, por sua vez, descreve contratura nas costas causada, segundo ela, por movimentação rápida nos dedos e nos braços, efetuada no seu instrumento.

Eu tive problema de contrações involuntárias, na perna eu senti no braço... eu senti... eu estava contraindo a musculatura do cotovelo e não estava percebendo enquanto tocava...eu tive contrações em vários lugares do corpo, vários lugares. (“Violão”) Um dia tocando um movimento muito rápido, contraindo as costas, deu um creu e fiquei sem tocar ou dirigir durante dois meses. (“Violoncelo”)

“Harpa” apresenta na fala a seguir os diversos problemas que sofreu, e que atribui ao estudo do instrumento. Em seguida, apresenta-se outra fala, que se refere ao medo de palco, que surge da análise das entrevistas de grupo focal, realizada com a ajuda do programa ALCESTE. Aparece como um problema que, segundo o professor, impede a aluna de demonstrar todo o seu potencial quando na presença de outras pessoas.

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Eu tive tendinite no pulso esquerdo, epicondinite, inflamação no cotovelo direito... com a movimentação dos dedos, você movimenta aqui com os dedos comprimidos, aí dá tendinite... a tendinite voltando, a epicondinite voltando. (“Harpa”) Atualmente, estou tentando resolver o problema de palco de uma aluna, ela não consegue reproduzir um pouco da sala de aula o que ela faz... prova de banca.

(ALCESTE/ grupo focal) Os professores relatam ainda que a dificuldade de coordenação motora e a fraqueza muscular são problemas manifestados pelos alunos na aprendizagem de instrumentos musicais.

A tendência é querer fazer as duas iguais. Apertar a mão direita e apertar a mão esquerda também no violino... então eles não conseguem separar. (ALCESTE/

entrevistas individuais) Quando

começam

as

combinações

motoras,



dificulta.

(ALCESTE/

entrevistas individuais) Os iniciantes reclamam que cansa o braço... de levantar...o braço esquerdo, de ficar segurando o instrumento. Eles reclamam às vezes do queixo. (ALCESTE/

entrevistas individuais) Os problemas que emergiram das falas dos professores – dor, tensão, postura e consciência corporal – indicam que as maiores dificuldades corporais são “localizadas ” pelos entrevistados, de modo mais imediato, em uma dimensão física do corpo. Mesmo a tensão, que poderia ser concebida como tensão emocional, por exemplo, é contextualizada sob o ponto de vista do corpo físico. A seguir, nas causas dos problemas corporais, os entrevistados efetuam reflexão a partir de sua vivência como alunos de música que foram e como professores que são, sobre como os problemas detectados podem se originar.

3.3

Causas dos problemas corporais

Na seção deste trabalho que trata das causas de problemas, dificuldades e desconfortos durante o processo de aprendizagem nos instrumentos, buscou-se desvelar nas falas dos professores os motivos que atribuem aos problemas corporais. Alguns fatores apresentados neste tópico como causas de problemas corporais, aparecem na seção 3.2 como conseqüência. A tensão, por exemplo, que aparece na seção 3.2.2 como um

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problema, é aqui tratada como causa de dor. Portanto, há “tensão-conseqüência” e “tensãocausa”. Outros fatores são apontados pelos participantes como causa de mais de um problema, como é o caso do movimento repetitivo, que seria o causador de dores, cansaços e lesões. Os tópicos que seguem, portanto, se referem às causas atribuídas pelos professores para as questões relativas à dor, tensão, má postura, dificuldades e desconfortos durante o período de aprendizagem dos alunos em seus instrumentos musicais.

3.3.1 Tensão (como causa de problemas)

Os

participantes

descrevem

tensão

como

“enrijecimento

muscular”,

uma

“concentração” muito grande de “energia” em determinada parte do corpo, que, segundo eles, provocaria diversos problemas e dificuldades no processo de aprendizagem de instrumentos. Tais “contrações” seriam o oposto do relaxamento, que, segundo os entrevistados, poderia ser observado fisicamente. O fator tensão é apontado 21 vezes como causa de contrações, estaticidade, articulação dura, dificuldade técnico-musicais, como apertar e puxar a corda, entre outros. É o fator mais indicado como causador dos problemas e dificuldades enfrentados no processo ensino-aprendizagem do músico, provocando dores, estrangulamento de nervos, desconforto geral, fadiga, tensão, dificuldade de coordenação motora, bolhas nos dedos e tendinite, conforme se depreende das falas a seguir:

Então, se o aluno, se a gente vê que ele está trabalhando tenso, fatalmente ele vai ter dor daqui a pouco, né? (“Percussão”) A questão da dor é uma contração que não relaxa, que você, sem perceber, segura vinte, trinta minutos com o músculo travado, não há posição, tem ácido lático, o músculo vai doer e outras coisas; você vai começar a contrair músculos, para ajudar aquele que não agüenta mais; você vai contrair outros músculos menores e aí vai ferrar tudo, vai ser uma avalanche, um efeito em cascata. (Violão) Só não pode tocar apertando que dá tendinite. O pulso é porque quando você toca harpa, às vezes você encosta ele na caixa e apóia... com a movimentação dos dedos, você movimenta aqui com os dedos comprimidos, aí dá tendinite. (Harpa)

3.3.2 Instrumentos (como causa de problemas)

Cada instrumento musical tem suas particularidades. Possui uma história que envolve determinada época, diferentes materiais para construção, tecnologias específicas, artesãos, fábricas, distribuidores, etc. Instrumentos variam em altura, largura peso e tamanho. Muitos

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instrumentos não passaram por modificações ergonômicas no decorrer do tempo, conservando seu formato original. Tal fato poderia passar despercebido se os corpos de outrora fossem ainda os corpos que se movem, pensam e sentem na contemporaneidade. Mas, como apontam os próprios entrevistados, as crianças de hoje, por exemplo, não são mais aquelas que sobem em árvores, nem tampouco, aquelas que correm, brincam pelas ruas em seu dia-a-dia. Hoje, as crianças parecem vivenciar corpos virtuais, em frente a computadores, vídeos e televisores, experimentando outras formas de corporeidade. Assim, o instrumento é apontado (18 vezes) como causa para problemas corporais, tais como tensão e lesões. Os professores consideram que os instrumentos não seriam ergonomicamente adequados, levando em conta o peso, tamanho, altura, embocadura, porquanto, segundo eles, causariam desconforto físico, dores musculares, lesões, dificuldade de coordenação, sensação de incômodo, dificuldades cognitivas.

Os instrumentos barrafones, eles são desconfortáveis... são instrumentos maravilhosos, mas, ergonomicamente, fisicamente falando... (“Percussão”) Se força, tenciona os braços, pescoço... tem haver com a própria construção do instrumento... um instrumento de sopro que não veda as sapatilhas, o aluno precisa colocar mais pressão nos dedos. Você ter um instrumento ruim... é melhor desistir.

(Grupo focal/ “Sopros”) Os menores violões são grandes para uma criança de dez, onze anos, então, nós temos esse problema sério da indústria... reflete terrivelmente uma má qualidade dessas, é um desconforto danado, provoca o esforço excedente que a pessoa tem que fazer, pode levar à tendinite, lesão, síndrome do túnel do carpo, essas coisas, porque dificulta muito todo o trabalho muscular que você tem. (“Violão”) Existe a posição do queixo, tem que ser puxado para baixo, porque ele pressiona para cima, o lábio inferior ele pressiona contra os dentes, aí dá mais dor. A embocadura da clarineta é uma embocadura muito difícil, muito complicada né?

(“Clarineta”) A trompa, por ser um instrumento com aquele monte de voltas, e ter um bocal estilo funil, e a base do bocal da trompa é aquela coisinha, não tem base, então eu sofri essa dificuldade. (“Trompa”)

3.3.3 Fatores emocionais

Os entrevistados descrevem esses fatores como travas, bloqueios, pressões cotidianas, aluno “agitado”, ansiedade, distúrbios neuróticos, entre outros, que podem, em geral, serem vistos como emocionais. Esses fatores aparecem 11 vezes no discurso dos participantes, e são apontados como causadores de tensões, contrações e processos somáticos na aprendizagem de

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músicos instrumentistas, além de dificultarem a aprendizagem. Segundo os professores, os alunos parecem não perceber esses bloqueios, descritos pelos docentes como ansiedade, medo de tocar, mesmo em sala de aula. Para os participantes, esse seria o “jeito de ser” de alguns alunos, uma característica pessoal. Porque tem problemas do lado emocional, e aí começa a travar. (“Violoncelo”) É o jeito do aluno, ele é agitado, ele é muito agitado, meio nervoso. Então ele está começando, no violino, a ficar relaxado, mas ele fica tenso às vezes... É uma coisa que vai acontecendo e ele nem percebe. (“Violino”) Ele não conseguiu fazer. Eu acho que aí já é a história da pessoa, são os bloqueios, traumas físicos, a gente fica muito traumatizado... vai atravessar uma rua, passa um carro que te ameaça, e você se assusta, você prende a respiração e não solta mais. Você vai adquirindo várias tensões, bloqueios. Você fica com raiva de alguém, quer matar a pessoa, mas não pode, não fala, prende a respiração. Quer dar uma resposta, mas não dá, pro chefe, sei lá quem, aí você se repreende. Então, isso vai gerando muita tensão física. Se a pessoa não compensa... (“Oboé”) Não sei, talvez ansiedade, vontade de aprender... trava, em alguns casos trava mesmo então eu tenho uma aluna que ela foi fazer prova e na banca, quando a gente foi chamar ela, ela estava chorando, alguns alunos trazem um estado de tensão muito grande. (“Percussão”)

3.3.4 Falta de consciência corporal (como causa de problemas)

A falta de consciência corporal, na perspectiva dos entrevistados, pode ser compreendida como a falta do sentido do corpo em movimento. Os participantes consideram que esse é um sentido necessário à aprendizagem do instrumento. As oito vezes em que essa noção aparece no discurso indicam que os professores vêem o sentido proprioceptivo como um produto acabado, e não como um processo. Assim, na perspectiva dos entrevistados, os alunos “têm ou não têm” tal sentido (sentido do corpo em movimento). Desse modo, o discurso aponta para o fato de que os professores não se sentem responsáveis pela participação na construção deste processo. A falta de consciência corporal provocaria, segundo as falas dos professores, dificuldade na compreensão do movimento nos membros superiores, falta de coordenação motora, tensão, falta de tônus muscular, hipotonia, insegurança, e até mesmo depressão.

É da falta de conscientização do próprio corpo, às vezes a gente fala: olha gente, vamos concentrar o movimento no pulso, e não no antebraço, aí o aluno não sabe o que é pulso, ou sabe o que é pulso e não sabe o que é antebraço, ele acha que o antebraço é no ombro, para cima. (“Percussão”)

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A propriocepcão, pelo que eu entendi, a concepção da gente no instrumento, do nosso corpo no instrumento. Eu não tinha essa concepção. E minha concepção no instrumento, peso da mão, eu não sabia de nada, até esse professor ... ponto de contato do dedo, peso, relaxamento. Desorientada, não ir para frente, não progredir. Tudo era mais difícil... Falavam pra mim: fica relaxado! Mas eu não sabia como ficar, relaxar. A consciência do relaxamento te confunde. (“Violoncelo”) Hoje em dia, vejo nos alunos que estão começando separar mão esquerda da mão direita, porque cada uma faz uma coisa no instrumento, e noto que é a maior dificuldade deles no início, dos pequenos principalmente, nove, dez anos. Eu não sei se isso é conhecimento corporal, mas para eles é difícil separar as duas mãos, uma fazer uma coisa e a outra fazer outra. (“Violino”)

3.3.5 Movimento repetitivo

Para os professores, o movimento repetitivo é mais uma das causas para cansaço, dores e lesões. A repetição, para os entrevistados, seria inerente ao trabalho do músico. Mesmo assim, haveria, além disso, excesso de movimentação repetitiva, sem qualquer tipo de compensação muscular. Com sete citações, os participantes denunciam certa preocupação sobre a sua tarefa possuir esse caráter de movimentação repetitiva, pois ouvem falar de outras profissões que possuem a mesma característica e que os profissionais também estariam adoecendo. Os participantes citam, por exemplo, os bancários, que vivenciam o movimento repetitivo, sofrem com isso e manifestam problemas com a saúde. Esses, no entanto, teriam conseguido utilizar estratégias preventivas em sua rotina. O músico não teria a mesma preocupação, a visão das possíveis conseqüências do problema, como exemplificam as próximas falas:

E aí é que a gente se preocupa, com esse excesso de repetição, não torne um problema, são quatro, seis horas... não é possível, não é possível, o corpo não agüenta, pode até estudar dois, três, quatro dias, depois de uma semana ele não vai agüentar se não fizer paradas em intervalos ou mesmo outras atividades, começa a ficar cansativo (...) Está sentindo dor? É pela repetição... Eu acho que é um campo novo, até porque só foi, em minha opinião, só foram pensar nisso a partir da LER. É, acho que nem tanto do músico, do pessoal que trabalha em banco, que houve um “bum”, porque se fosse só músico, ia ficar... movimento repetitivo, justamente, é, você tem que estar repetindo, no caso de percussão, você está sempre repetindo, na manulação direita e esquerda, o pulso, é mais ou menos o trabalho de um caixa, que está lá sempre fazendo com o dedo ... é uma coisa mecânica... só houve um “bum” nessa história, por causa dos profissionais da área de banco, na parte de digitação, eu acho que de repente, se tivesse ficado só na música, não teria, de repente...

(“Percussão”) Eu quase morria de dor, porque a musculatura estava travada, porque não se alongava. O exercício não era adequado, era muito forte para você começar... é esforço repetitivo, o músculo, o músico não faz outra coisa a não ser esforço repetitivo, é aquele negócio, um determinado pedaço difícil, com aberturas,

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concentrações e distensões da mão e repete, repete, repete, aperfeiçoa, aperfeiçoa, aperfeiçoa né? É muito de repetição né? (“Violão”) O outro problema foi dos dedos, que o camarada fez um exercício forçado, repetitivo, muito tempo, e a pessoa, eu quero ficar boa, ficar boa, aí deu um problema de tendinite. Qualquer exercício repetitivo causa... os caras que mexem com computador o dia todo estão aí aposentando, cheio de problemas, usando talas.

(“Trompa”) Algum estudo de velocidade, eu tinha que ficar repetindo e ficava cansada.

(“Piano”) 3.3.6 Má postura (como causa de problemas)

A má postura, que surge cinco vezes na fala dos participantes, é apontada como fator gerador de dores nas costas, dificuldades técnicas e lesões. As falas indicam que os professores tendem a responsabilizar os alunos, que são apontados como responsáveis pelas dores que sentem a partir de sua postura errada. A má postura é também associada a uma espécie de “preguiça” dos alunos, como afirmam os professores, que, por não conseguirem ficar na postura que seria a correta pra tocar o instrumento, vão se posicionando “de qualquer jeito”, para compensar. “Harpa” atribui os problemas físicos que vivenciou – tendinite no pulso esquerdo, epicondinite, inflamação no cotovelo direito – à sua má postura, enquanto estudante. Em relação ao fato, parece existir certa negligência entre os entrevistados quanto à responsabilidade como docentes, como indicam as próximas falas:

Os alunos, às vezes, se posicionam mal, põem o pescoço para baixo... começam a reclamar de dor nas costas. (“Percussão”) Às vezes, acontece que a postura das pessoas é muito relaxada, uma eterna preguiça, não consegue levantar o ombro, não mantém. Conseguem de primeira, depois vai ficando com preguiça e o ombro vai baixando, até o cotovelo encostar na cintura, de tanta preguiça. Aí seguram o oboé só com o cotovelo, e o cotovelo não segura o peso e nem o dedo. (“Oboé”) Eu tive tendinite no pulso esquerdo, epicondinite, inflamação no cotovelo direito, de tocar... postura errada, postura errada. (“Harpa”)

3.3.7 Acessórios

Os materiais de apoio do estudo no instrumento, entre eles, cadeiras bancos e queixeiras, aqui chamados de acessórios, aparecem cinco vezes no discurso dos participantes. São apontados como uma das causas de problemas na postura, dor na coluna, calo no queixo.

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Os alunos, além de terem de lidar com o aprendizado do instrumento, têm de se ajustar também a bancos, queixeiras, talabartes, que igualmente, por serem não-anatômicos, seriam fatores que dificultam a aprendizagem. O tipo de banco, mais alto ou mais baixo, por exemplo, modificaria toda a relação entre corpo e instrumento, interferindo na postura, como exemplificam as falas a seguir:

Na viola é a spalera, o tamanho dos instrumentos... a falta de acessórios adequados para os aluno. (grupo focal/ “Cordas”) Um ponto de partida pra você achar a sua postura, porque cada anatomia é uma coisa. A proporção do tamanho do teu braço, o tamanho do teu tronco, o tamanho da tua perna, é deferente pra cada pessoa. A cadeira tem uma altura padrão, pra cada um de nós, essa cadeira vai ser alta ou baixa, conforme o teu tamanho, o próprio banquinho... Tudo isso interfere na tua postura. (“Violão”) Dependendo da cadeira em que está sentada. Você está tocando sentada, dependendo da cadeira, com o tempo vai começando a ter dor, cadeira não muito anatômica, enquanto profissional. Tem horas em que a coluna começa a doer um pouco, mas eu sei que é pela cadeira, e não pela minha posição (...) O calo no queixo, porque fica o atrito da queixeira, o violino, aqui no queixo é normal. No começo ele, enquanto está formando, fica dolorido um pouco, mas, aí, com o tempo, vai acostumando e pára e você fica horas e horas com o instrumento no queixo.

(“Violino”) O aluno tem que memorizar qual é a distância ideal do instrumento, porque dependendo da distância você força a coluna, ou muito perto é inadequada, a altura do banco. Na escola francesa, o banco tem que içar elevado para que o cotovelo fique reto. Pareço papagaio, aprendi assim. A razão disso, é que se você está acima do nível, você vai jogar o peso do braço. Sempre tem alguma coisa para observar e se cuidar também. (“Piano”)

3.3.8 Constituição física inadequada

Para os participantes, a constituição física de cada aluno seria um dos fatores geradores de má postura, dificuldades na amplitude do movimento, ferimentos nos lábios. Aparecendo cinco vezes no discurso dos participantes, é apontado como empecilho para o aprendizado de certos instrumentos. O estudo de alguns deles só poderia ser iniciado depois de determinada idade. Desse modo, o tamanho da mão, do braço, a altura da pessoa, o tipo de arcada dentária, a espessura dos dedos, entre outros itens, seriam considerados como fatores predeterminantes para que o aprendizado tenha menos obstáculos. Assim, parece existir um processo de discriminação e desigualdade nesse contexto, cuja idéia será desenvolvida no capítulo de discussão dos resultados. As próximas falas ilustram a situação:

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Você não pode exigir muito de uma criança de dez anos, uma sonoridade de um jovem de trinta anos, a criança não tem a musculatura ainda trabalhada.

(ALCESTE/ grupo focal) Se o aluno tem o antebraço curto, então para ele poder alcançar a caixa ele não vai poder fazer um ângulo de quarenta e cinco, ele vai ter que fazer um ângulo maior ou menor... pode ter prejuízo, é físico mesmo, por exemplo, a gente trabalha com tendões e articulação basicamente, nosso trabalho é feito, no caso da caixa e no caso do instrumento de teclado, uma articulação maior que já envolve ombro, etc.

(“Percussão”) Atrapalha, sobretudo na arcada dentária. A gente deveria fazer uma pré-aptidão física. A arcada dentária tem que ficar os dentes de cima por cima dos debaixo, e isso é uma coisa muito importante, senão a pessoa não pode estudar clarineta, como todas as pessoas não podem ser médicas. Acho que o mais importante é agente escolher aquele aluno que realmente tem condições físicas... (“Clarineta”) Eu acho que a tensão tem haver... características físicas de cada um. (ALCESTE/

grupo focal) 3.3.9 Falta de estudo do aluno

A falta de estudo, bem como a indisciplina ao estudar é apontada (duas vezes) como causa de dores e de tensão. Os professores sugerem que os alunos é que seriam responsáveis por seus próprios problemas, ocasionados por pouco ou nenhum estudo. A falta de prática seria responsável pela geração de tensões, pois o corpo não teria o tempo necessário para se acostumar ao instrumento. As falas indicam uma culpabilização do aluno pelos professores, que não comentam sobre sua participação na formação de uma possível educação formadora de hábitos para o estudo, como exemplificam as próximas falas:

Se ele for um aluno que não tem uma disciplina de estudar diariamente, nem que seja um período de intervalo pequeno, daqui a pouquinho ele vai reclamar: professor: estou sentindo dor. (“Percussão”) No começo é um pouco mais difícil, mas com o estudo, o normal, acontece o relaxamento, porque se não ele fica duro, não fica dom o dedo acostumado a cair naquele buraquinho, mas depois, com a prática... (“Clarineta”)

3.3.10 Falta de conhecimento do Professor

Neste tópico, os professores apontam para a deficiência na formação de docentes. Os entrevistados revelam que não existem disciplinas no curso de Licenciatura em Música que habilitem o professor a lidar com questões acerca do corpo. Com duas expressões, os participantes se responsabilizam pelos problemas corporais dos alunos, especificamente, as

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dificuldades de movimentos no instrumento, já que esses não seriam explicados adequadamente. Desse modo, dores e tensões, por exemplo, poderiam ser evitadas. Também a falta de cursos de atualização que propicie esse tipo de conhecimento acentuaria a inabilidade do professor quanto ao emprego de procedimentos que visem ao trabalho com o corpo, que em outras áreas sofre constante modernização. As falas a seguir ilustram esse aspecto:

Porque o universo do músico é ainda: ah, ele é músico, músico é assim mesmo, tudo faz parte, o músico não se conhece ainda, ele, agora que a gente está tendo, mas ele ainda não se conhece ele, até às vezes, você tem um profissional muito bom que vai te dar aula e: mas como você tem essa dificuldade? É fácil! Não vê, ele pega o movimento e faz! Mas eu não consigo! Mas é fácil! Olha só! Né? E ele não consegue enxergar o outro profissional. Porque nós temos professores que há muito tempo já saíram de, das academias, que não tem essa noção. (“Percussão”) Você tem que saber sobre o seu instrumento, seu corpo, o que é bom funcionamento e o que é mau funcionamento, quais são os sintomas. Tem gente aí, tem violonistas que tem, dá uma dor e o cara não tem a menor idéia onde vai bater aquilo, pessoas que se... sei lá, talvez por desinformação, eu acho que fundamentalmente por desinformação. (“Violão”)

As causas atribuídas aos problemas no ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, pelos professores, têm por base a experiência desses como docentes, leituras ocasionais e trocas de idéias com colegas e profissionais de outras áreas. As falas indicam certa “fragilidade” quanto às bases teóricas, quanto à relação problemas-causas, indicando tratar-se de opiniões que foram sendo construídas ao longo do tempo e que não possuem respaldo de pesquisas específicas na área. Assim, esse levantamento inicial solicita investigações interdisciplinar posterior.

3.4

Procedimentos pedagógicos relacionados ao corpo

Apresentam-se neste tópico, a partir de investigação realizada pela pesquisadora, os procedimentos relacionados ao corpo, tanto no período do professor como ex-aluno, com seus ex-professores, quanto na experiência atual desses docentes com seus alunos, buscando-se, dessa forma, estabelecer relações entre a vivência passada e a experiência presente. As falas dos professores denunciam procedimentos pedagógicos diversos e individualizados em relação ao corpo na relação músico-instrumento. Os professores indicam que esses são procedimentos apreendidos, não na formação docente desses professores, mas, internalizados a partir da própria vivência pessoal como alunos, passados de geração em

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geração. Surge da história particular de cada um em seu período de aprendizagem, em que tendem a repetir os procedimentos da mesma maneira como lhes foi ensinado, de “pai para filho”, criando uma “pedagogia artesanal”.

3.4.1 Orientação verbal

Os entrevistados relatam que “falar” com e sobre o problema com seus alunos é o procedimento mais utilizado. Houve 41 referências associadas à orientação verbal nas falas dos entrevistados. Os professores costumam, no caso da postura ou da tensão, emitir comandos verbais contrários. Quando um aluno apresenta tensão no ombro, por exemplo, o professor lhe pede para baixá-lo, quer dizer, executar um comando inverso. Relatam também que comentam com alunos sobre relaxamento, alongamentos, entre outras orientações, pedindo que procurem realizar essas práticas fora de sala de aula. Solicitam também aos alunos que avisem se sentirem alguma dor. A orientação verbal, nesses casos, não significa que o professor as execute em sala de aula, e sim, que manifesta o desejo de que o aluno busque essa prática por ele mesmo, já que os professores indicam certa insegurança para adotar esse procedimento como prática em aula. As próximas falas exemplificam o tipo de orientação.

Coluna, a gente sempre fala para o aluno ficar com a coluna reta, chega cada aluno assim aqui ‘corcunda de notre dame’, todo mundo torto, então a gente começa por aí, porque a gente sabe, que, futuramente, se eles continuarem assim, a gente vai ter um prejuízo físico\...\ Aí a gente vem para a parte de execução na caixa, então a gente fala que os ombros têm que estar relaxados. (“Percussão”) Eu falo o tempo todo, relaxa! Eu uso comandos contrários ao que a pessoa está fazendo. (“Violoncelo”) Eu falo pros meus alunos (...) a gente fica em uma posição de gancho, (...) tem dois grandes pontos de apoio, que é o indicador e depois o polegar da mão esquerda.

(“Flauta”) Sempre falo para eles que para tocar um instrumento você não tem que se entortar, a posição do corpo... (“Violino”)

O professor de trompa explica, em relação à dor, que essa seria um fato “natural”, é assim que costuma falar para seus alunos. Exemplifica-se aqui a cultura da dor sendo instaurada ainda no período de aprendizagem. O professor parece desconhecer o contexto do adoecimento de músicos apontado por diversas pesquisas, indicadas no capítulo de revisão de literatura, e que apontam para a relação entre dores e lesões.

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É algo antinatural mesmo, vai doer, é normal, dói em qualquer época de sua vida.

(“Trompa”) 3.4.2 Ausência de orientação

Aqui, os entrevistados revelam não terem passado por nenhum tipo de orientação específica, no que diz respeito ao corpo. Sugerem que transmitem do mesmo modo como lhes foi ensinado, indicando a existência da “pedagogia artesanal”, em que ensinam o que foi aprendido a partir de vivências e experiências, tanto como ex-aluno, quanto como professor, e não por meio de conhecimentos adquiridos de modo sistematizado e com bases em pesquisas. Os professores expõem que não houve, em seu período de formação, nenhuma orientação sobre como resolver ou lidar com desconfortos ou dificuldades corporais, desconhecendo estudos específicos voltados para o corpo na aprendizagem musical. Revelam que, como alunos, eram tratados com se já estivessem prontos, no que ser refere à dimensão física do corpo, para a aprendizagem no instrumento. Também colocam que seus professores lhes cobravam uma postura relaxada, mas não lhes era ensinada a maneira de relaxar. A ausência de procedimentos aparece 25 vezes no discurso dos participantes.

Você pode melhorar ou sentir menos desconforto se você trabalhar assim, ou trabalhar assado, não, nunca ninguém me falou, até porque eu acho que não tem muitos estudos, sobre, pelo menos eu não conheço. (“Percussão”) Meus professores, nenhum falava, falavam como se o corpo estivesse pronto para fazer isso, não precisava tomar cuidado, e a minha experiência de vida não foi essa. Na universidade também nenhum professor mencionou, nenhum falou do corpo (...) o que eu já vi foi pessoas tentando falar do corpo e dizendo bobagem. (“Violão”)

3.4.3 Coordenação motora

Alguns dos entrevistados afirmam efetuar exercícios de coordenação motora, tais como executar mão direita e mão esquerda em momentos diferentes, explicando o tipo de movimento a ser feito. Utilizam-se também de trabalhos de desenvolvimento de coordenação motora por meio de outros utensílios, tais como segurar uma caneta para acertar a curvatura da mão. Também relatam que, quando os alunos não conseguem compreender o movimento, pedem para que esses o realizem devagar, prestando atenção em suas etapas. Tais professores revelam (11 vezes) terem passado por algum tipo de conhecimento corporal em seu período de aprendizagem no instrumento. Indicam ainda terem realizado a

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prática de esportes como a natação, oportunidade em que teriam vivido experiências relacionadas à coordenação motora, como exemplificam as falas a seguir:

Eu falo muito, relaxa, agora não, toca só com a mão esquerda, só a direita, forte, agora a esquerda fraquinha (...) quando eu vejo que o aluno tem um pouco mais de dificuldade eu faço isso para separar as duas mãos. (“Violino”) Você quiser colocar, acertar a curvatura da mão, você pode pedir para o aluno trabalhar isso com uma caneta em sala de aula (...) começar a formatar essa mão.

(“Flauta”) 3.4.4 Observar o aluno

Alguns professores relatam possuir o hábito de comentar com os alunos sobre postura, alongamento, execução do movimento, entre outras coisas. Esse seria um procedimento apenas verbal, não havendo nenhuma prática específica em sala de aula. As oito expressões sugerem que esses professores gostariam de efetuar procedimentos práticos em relação ao corpo, porém, não se sentem seguros para isso, porque não possuem conhecimento teórico a respeito e porque não efetuaram anteriormente nenhuma prática similar. Desse modo, apesar de conhecerem o movimento, como ele deve ser executado, os professores afirmam não dominarem como repassar didaticamente tais movimentos por meio de um processo de ensino-aprendizagem.

A posição é assim, o pé tem que ficar na direção do joelho, e um pouco aberto por causa do equilíbrio do corpo. Então eu fico o tempo todo olhando, não deixo descansar em uma perna só... eu sou repressora no bom sentido. (“Oboé”) Ah, geralmente, ah, você fica de frente pro aluno, no caso de não, de estar sem espelho eu fico de frente eu, fica ridículo, às vezes eu fico abaixando a cabeça, assim, né? Pra ver o aluno de cima ou de baixo para cima, para ver como está funcionando, se ele não está apertando os três dedos, o anelar, o médio e o mindinho, se ele não tá apertando muito a baqueta, então, você tem que olhar de baixo para cima até ele mecanizar depois que ele mecanizou aí o resto é tranqüilo. (“Percussão”) Eu estou todo tempo atento à postura deles, eu olho o tempo todo. (“Violão”) Se ele for apoiar, eu como professora, não deixo apertar. Eu estou o tempo inteiro observando o corpo do aluno. (“Harpa”)

3.4.5 Procedimentos afins

Com relação ao trabalho com o corpo em sala de aula, alguns procedimentos foram citados por professores. Entre eles, relaxamento, (oito vezes), alongamento (cinco vezes),

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sensibilização de partes do corpo (cinco vezes) e exercícios posturais (cinco vezes). São procedimentos afins porque os professores os utilizam com o objetivo de diminuir, eliminar ou prevenir tensões musculares. Tais procedimentos, como indicam as falas, não são realizados sistematizadamente. Os professores justificam que isso se dá porque a aula tem de ser ministrada em 45 minutos. Assim, haveria pouco tempo para efetuar práticas “extramusicais” (que não se referem ao aprendizado estrito do código musical). Alguns professores se referem ao tempo utilizado com as práticas corporais como sendo um “tempo perdido”, apesar de admitirem, contraditoriamente, que consideram importante a execução de tais práticas. Há professores que crêem que a utilização desses procedimentos funciona como prevenção para problemas corporais. Para outros, o problema deve primeiro aparecer para que utilizem alguns dos procedimentos acima, pois, na manifestação da dificuldade é que seria o momento do esclarecimento. Para outros docentes, o professor seria um “facilitador” para que o aluno tome consciência do seu corpo, saber como utilizá-lo, saber de suas diferenciações. Busca-se, então, que o aluno veja seu corpo como um aliado para aprendizagem no instrumento. Esses professores revelam que gostam de interferir com o corpo do aluno. As falas seguintes exemplificam os procedimentos.

A gente pára, faz um relaxamento, e se não funcionar a gente vai embora, esse dia acabou no nosso caso. (“Percussão”) Eu tenho um aluno no básico três, que desde o início eu noto tensão nele, dedo torto, falta de tônus muscular, na primeira aula perco uns dois dias para fazer relaxamento.

(“Violino”) Uso alongamento para evitar problemas. (“Violoncelo”) Ele começa a apertar o instrumento porque acha que é assim (...) começam as reações físicas para compensar (...) aí começam os alongamentos e os esclarecimentos (...) nossa atividade é atlética. (“Oboé”)

3.4.6 Uso do espelho

O uso do espelho teve quatro citações. Os participantes relatam que utilizam o espelho em sala de aula para que os alunos se vejam tocando. Também recomendam que os alunos estudem em frente ao espelho em suas casas. Os entrevistados consideram que o espelho é o “professor extraclasse”. Os docentes esperam que dessa maneira os alunos observem e corrijam seus próprios erros, já que o professor explica em sala de aula como o estudo deve

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ser realizado. Os entrevistados indicam que esse procedimento funciona porque, enquanto alunos, também lhes foi solicitado por seus professores que utilizassem o espelho para estudar, e que, em princípio, isso teria contribuído para seu aprendizado. A principal função da utilização do espelho seria o cuidado com a postura, supondo-se que esse cuidado seja algo apenas visual. O espelho também seria utilizado pelo professor como um ponto de referência para observar o aluno “por trás”, observando suas tensões. Para “Oboé”, o espelho seria um aliado no aprendizado dos alunos, servindo para que esses pesquisem e descubram expressões ângulos favoráveis ao estudo do instrumento em seu próprio corpo.

E prestar atenção, e eu falo: de preferência, quando for fazer em casa, faça na frente do espelho. (“Percussão”) O aluno tem que entender, ele tem que ir no espelho. O espelho é o professor em casa. (“Clarineta”) Então, tem que ficar fazendo exercícios no espelho, caretas (...) descobrir novos ângulos do corpo. (“Oboé”)

3.4.7 Imitação

Por imitação, os participantes entendem o processo em que o professor toca para demonstrar algo para o aluno e esse busca imitá-lo. Desse modo, os alunos teriam o professor como modelo. Para os entrevistados, a imitação, que aparece três vezes no discurso dos participantes, é necessária, principalmente com alunos iniciantes, que necessitam de uma referência física externa inicial Segundo as falas, os entrevistados crêem que a aprendizagem visual, em que aconteceria a imitação, seria a melhor forma de aprender o instrumento, e é por isso que utilizam esse procedimento com os alunos em sala de aula. O processo de imitação é considerado pelos professores como básico e essencial no aprendizado do instrumento, como exemplificam as falas a seguir:

É falado e ele imita... imitação na música é muito importante, principalmente no início. Um bom exemplo é a melhor coisa que tem. (“Clarineta”) Acho que ele deve imitar a posição do professor se ela é correta. (“Clarineta”) Eu faço para eles verem. Acho que a melhor forma é a visual por imitação. (“Violino”)

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3.4.8 Uso de acessórios alternativos

Os professores relatam (três vezes) que utilizam alguns acessórios em sala de aula, tal como o talabarte, que é colocado no pescoço e encaixado no instrumento, ajudando, assim, a segurar o peso do instrumento, ou ainda o uso do protetor de dente, para que o instrumento não vibre diretamente nos dentes, o que causa desconforto. Os professores revelam que, enquanto alunos, pesquisaram, individualmente, construir ou adaptar acessórios, visando ao conforto na execução. A professora de harpa afirma que permite que seus alunos regulem a altura do banco segundo a necessidade de cada um. De acordo com a docente, o fato de descobrir a altura ideal, a melhor relação entre o corpo, o banco e o instrumento seria uma experiência prazerosa para os alunos. As falas a seguir ilustram o procedimento:

Muitos usam protetor de dentes... e talabarte. (“Clarineta”) Eu cheguei a preparar um bocal para mim, construí um bocal de trompa com base, eu fui fazendo um processo de adaptação nos sulcos. (“Trompa”) O aluno é que escolhe a altura do banco (...) esse é o ponto. Eles adoram brincar de regular ao banco. (“Harpa”)

3.4.9 Respeito à constituição física do aluno

Os entrevistados relatam que costumam respeitar a constituição física do aluno no aprendizado do instrumento, não impondo uma maneira X ou Y de tocar, mas tentando fazer com que o aluno descubra suas possibilidades físicas a partir de sua constituição. O aprendizado seria realizado em função da disponibilidade física dos alunos. Assim, com três expressões, seria considerada a estatura do aluno, seu peso, tamanho de braços, mãos pernas, entre outros. O professor buscaria, em respeito ao biotipo do aluno, utilizar instrumentos e acessórios adequados ao tipo físico desses. Também foi mencionada a importância de vislumbrar procedimentos ao longo do tempo, pensando nas conseqüências em cada modo de utilização, como se observa nas próximas falas: Para certos alunos eu não gosto de usar este piano porque ele é alto. (“Piano”) Não é porque eu toco assim que o meu aluno tem que tocar como eu toco, mas ele tem que chegar a um meio termo, em que aquela postura não vá ser prejudicial para ele em longo prazo. (“Flauta”)

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3.4.10 Relação mente-corpo-instrumento

Os professores relatam, por meio de duas citações, que utilizam procedimentos que visam a favorecer a interação entre leitura e execução musical e o trabalho físico na aprendizagem, propiciando atividades em que o aluno alterne a atenção entre a leitura, o corpo físico e as diversas sensações presentes na ação. Assim, é pedido ao aluno que alterne sua atenção entre partitura e corpo, para que ele não concentre toda a sua atenção na leitura musical. Dessa forma, o professor solicita ao aluno que imagine a ação que irá executar, objetivando que o aluno se concentre e se prepare mentalmente. Também faz parte desse procedimento o “mapeamento”, por parte do professor, da peça a ser executada pelo aluno, e, nesse momento o professor faz marcações na partitura sobre os momentos em que o aluno irá respirar, de forma que esse compreenda melhor a peça e não toque de maneira mecânica.

Peço para se desligar da partitura e se ligar no que o aluno está fazendo (...) Trabalho muito com visualização, imaginar o que vai fazer. (“Violoncelo”) Eu mapeio toda a peça, aqui tem um compasso de pausa, aqui você vai respirar pelo nariz. (“Oboé”)

3.4.11 Dimensão afetiva e emocional

Neste tópico, os participantes falam sobre a importância do cuidado com a dimensão afetiva e emocional do trabalho corporal na aprendizagem. Segundo os entrevistados, os professores devem olhar o aluno como “pessoa” e desenvolver uma relação baseada na ética e no respeito mútuo. O afeto seria o elemento chave no aprendizado do instrumento, mais até do que outras dimensões corporais. Dependeria do desenvolvimento afetivo e emocional uma boa relação músico-corpo-instrumento, bem como a aprendizagem de um modo geral. Nesse sentido, segundo as falas dos participantes, o docente deveria atuar como facilitador, permitindo que o aluno possa expressar-se livremente, sem medo da figura do professor. O objetivo principal, segundo as duas citações, seria fazer do aprendizado um processo prazeroso, no qual o aluno sinta felicidade na relação com o instrumento. O contato físico respeitoso faria parte da relação, em que o professor poderia “tocar” o corpo do aluno e vice-versa. Caberia nesse tipo de procedimento o acolhimento do aluno por parte do professor, e a sala de aula seria um local para conversar com os alunos sobre seus sentimentos, como exemplificam as próximas falas:

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(...) O afeto é a coisa mais importante para os seres humanos, a comunicação básica (...) um jeito de aceitar o outro (...) Eu sou a mãe e o aluno é o filho, o oboé é o terceiro elemento... quando ele confia em mim, aqui o oboé vai entrar. (...) relação psicológica com o aluno (...) Preparar a pessoa para ser feliz (...) o professor é um segundo pai (...) como é uma atividade física, não uma atividade mental, eu tenho que ter todo o afeto por ele. Eles têm liberdade porque eu dou liberdade (...) eu falo muito na aula, a gente conversa muito, eu sei tudo o que ele pensa,... nome do pai, mãe, parentes... Eu desenvolvo o contato físico do afeto também (...) faço carinho, me deixo ser pegada (...) nenhuma parte perigosa, é sempre uma coisa técnica. Eu não cobro, só estude se você tiver vontade. Eu respeito. Basta estar aqui, afetuosa, disponível, acessível como uma mãe. Não é aula de ginástica de academia. (...) Tratá-lo como pessoa. (“Oboé”) A relação afetiva (...) O professor tem que cuidar do aluno. (“Piano”)

3.4.12 Princípios de yoga, cinesiologia, massagem

Com apenas uma expressão, citando cada procedimento (yoga-1, cinesiologia-1 e massagem-1), os professores relatam utilizar princípios de yoga, cinesiologia e massagem em suas aulas. A yoga estaria a serviço do alongamento e relaxamento do corpo. A cinesiologia seria utilizada pela professora como reforço muscular de áreas corporais enfraquecidas, como os braços, por exemplo. A massagem, por sua vez, para aliviar tensões e dores em determinadas regiões do corpo. Tais procedimentos, segundo os professores, são utilizados de acordo com a necessidade, quando o professor acha que deve utilizar. Têm por base vivências anteriores com seu próprio corpo, quando os professores buscaram ajuda profissional em outras áreas para solucionar seus problemas individuais, enquanto estudantes. Os participantes revelam que não há uma sistematicidade nem periodicidade em seus procedimentos, e que, de um modo geral, o tempo para ministrar a aula seria muito curto, e o currículo muito extenso, não permitindo que se faça uso de tais princípios de forma regular. As falas a seguir exemplificam os procedimentos indicados:

Eu dou massagem nas costas. (“Oboé”) Cinesiologia, (...) eu só trabalho assim (...) aprendi o mecanismo de andar e da postura. Alongamento eu faço toda aula, cinesiologia só quando o aluno está com dificuldade (...) Eu faço exercício de cinesiologia para fortalecer...tem sido raro.

(“Harpa”) Sei algumas coisas de yoga, faço uns malabarismos, é muito lúdico. (“Oboé”)

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3.4.13 Meta e disciplina

O professor de trompa, em suas falas, conforme a seguir, revela o procedimento empregado com alunos, segundo o qual teria aprendido em sua experiência como militar. O professor acredita que a aprendizagem no instrumento tem de envolver processo disciplinador e ser baseado em metas que o aluno aprenda a cumprir e respeitar, sujeito, de outra forma, a punições. Assim, são criadas formas de aprendizagem em que o aluno tenha metas a alcançar, ficando sujeito, se não o fizer, a restrições que seriam combinadas previamente entre professor e aluno. Nesse caso, procedimentos pedagógicos tidos como eficazes, mesmo com comprovação científica, seriam desconsiderados, pois fazer o aluno tocar, independentemente do modo de ação, seria o objetivo principal.

Falei para ele, cada vez que você tocar certo você tem direito a dar um passo para frente. Tocou errado volta o passo que deu. Minha meta é chegar naquele portão.

(“Trompa”) Não estamos aqui para desprezar a pedagogia, mas a meta é tocar. (“Trompa”)

Os procedimentos utilizados pelos professores, citados em suas falas, indicam práticas ocasionais e não sistematizadas. Essas são estabelecidas, em grande parte, com base na vivência do professor enquanto ex-aluno. Os participantes costumam fazer uso de procedimentos, que, segundo as falas, os ajudaram a resolver os próprios problemas enquanto estudantes. São também procedimentos estabelecidos a partir da troca de idéias com outros professores da escola e outros profissionais, em “conversas de corredor”, como indicam algumas falas. É interessante notar que os professores afirmam utilizar procedimentos que abarcam as dimensões física, mental e emocional do corpo. Porém, nota-se que o que os professores denominam de “procedimentos pedagógicos” parecem ser conversas ou ações eventuais que os professores utilizam quando e “se” algum aluno manifestar algum problema, sem um compromisso efetivo de estabelecer um padrão regular de procedimentos. Assim, os docentes indicam, a seguir os conhecimento e ações os quais gostariam de se aprofundar para compreender o corpo neste contexto.

81

3.5

Soluções para os problemas corporais

Buscou-se, junto aos professores, apreender os seus desejos em relação a possíveis caminhos pedagógicos a serem trilhados, a partir da constatação dos problemas desvelados, suas causas, e da verificação dos procedimentos empregados no processo ensino-aprendizagem. Os participantes falaram sobre os conhecimentos que gostariam de obter para melhor ensinar, e para compreender a relação músico-corpo-instrumento em uma perspectiva mais ampla e sistematizada, com a finalidade de incorporar tais informações à sua prática pedagógica como professores de instrumento musical, bem como para repensar e reestruturar seus estudos enquanto profissionais.

3.5.1 Formação de professores na área do corpo

Os participantes sugerem que os caminhos para solucionar os problemas no ensinoaprendizagem de instrumentos musicais passariam pela construção de pedagogia dos diversos instrumentos, pelos estudos sobre aprendizagem motora e desenvolvimento motor, por estudos da literatura sobre corpo e por estudos de anatomia. As falas apontam, 21 vezes, para a necessidade dos cursos de formação de professores de instrumento incluírem em seus currículos disciplinas que orientem o docente para o trabalho com o corpo, bem como de cursos de reciclagem que o mantenha informado e preparado tecnicamente para lidar com o corpo. Os entrevistados revelam agir com base na experiência, indicando temer situações desconhecidas pelas quais nunca tenham passado, como revelam as falas a seguir:

Sei, pela minha experiência, como é uma posição bonita, uma posição em pé sobre as duas pernas, um conhecimento básico. Talvez se acontecesse uma dor desconhecida, sei lá, de repente, ai meu Deus, nunca aconteceu. (“Oboé”) Pareço papagaio, aprendi assim... (“Piano”) Acho que a gente está precisando buscar mais... o músico só busca o aperfeiçoamento técnico... ele só pensa em repetição e afinação... esquece de outros trabalhos que podem ajudar a desenvolver... concentração, conhecer o seu próprio corpo, como estudar sem ter problemas físicos ... seu aluno vai desenvolver melhor.

(“Percussão”) Se eu estivesse começando agora, gostaria de fazer um trajeto completamente diferente... ser alertado para estudar sobre ergonomia ... educação física, anatomia, fisiologia. O curso de música tinha que incluir muita noção de anatomia, fisiologia, ergonomia, tinha que incluir tudo isso, educação motora, postura. (“Violão”)

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Pedagogia do instrumento (...) eu acho que o professor tem que começar a ler e a se interessar (...) falar mesmo o que acontece, que músculo está mexendo, essas coisas, eu não sei fazer isso... sua coluna fica assim porque acontece isso.(...) tem que ler mais sobre isso. (“Violino”) Se tiver no curso uma matéria onde a gente vá saber que isso é importante.. .porque o atleta tem uma pessoa acompanhando todos os movimentos dele e nós não temos?

(Grupo focal/ “Piano”) O professor tem que ter um bom repertório no caso de alongamentos e técnicas respiratórias. O professor também é travado, mas se ele tiver um bom preparo e um repertório bacana de exercícios ... ter em mente que nós somos atletas, nossa atividade é física, tem que ter um preparo físico, e lógico o afeto. (“Oboé”)

3.5.2 Técnicas corporais

As diversas técnicas corporais citadas pelos participantes, tais como a Técnica Alexander, técnicas respiratórias, postura, yoga, massagem, fisioterapia, pilates, ente outras, foram sugeridas pelos professores, nove vezes no discurso, como possibilidades de solução dos problemas corporais, principalmente relacionados à postura. Segundo os entrevistados, em outras cidades e países já haveria alguma tradição nesse sentido, onde já se estaria resolvendo alguns dos problemas de instrumentistas. Um dos participantes relatou que, mesmo no Brasil, algumas orquestras estão utilizando a Técnica Alexander como prevenção para problemas posturais, obtendo, segundo seu depoimento, bons resultados. As diversas técnicas, segundo os professores, além de contribuírem para a prevenção, se utilizadas na aprendizagem de instrumentos musicais, poderiam tornar mais fácil a interação entre corpo e instrumento. Os docentes revelam ainda o desejo de compreender melhor o corpo do aluno, de ter um “olho clínico” para problemas de ordem física, o que, segundo eles, poderiam obter se tivessem experiência similar aos massagistas, que seriam capazes de reconhecer e localizar tensões “a olho nu”. Professores também lamentam que, em seu período de aprendizagem não tenham ouvido falar de técnicas que os teriam ajudado a aliviar dores e tensões, tais como Pilates. As falas a seguir servem de exemplo:

Eu acho que muita coisa pode ser adaptada (...), por exemplo, a Técnica Alexander. Eles têm trabalhos maravilhosos que nos auxiliam muito. (“Piano”) Buscaria massagem, massagem para facilitar essa intimidade que eu busco entre corpo e instrumento. Quem é massagista, além de te conhecimento do corpo muscular (...) eu acredito que tenha um olho clínico (...) daquele músculo que está tenso. Sinto falta disso. (“Harpa”)

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Pilates... eu lamentei nunca ter ouvido isso antes..aprendi a maneira correta da postura. Senti um grande alívio ao aplicar... por necessidade, por estar sentindo dor.

(Grupo Focal/ “Piano”) 3.5.3 Atividade física

Para os participantes, a natação, a hidroginástica, a musculação, bem como a própria ginástica, seriam tipos de atividade física que contribuiriam para o trabalho de reforço muscular necessário ao trabalho do músico, melhorando a sua resistência física, sua coordenação motora, bem como o seu bem estar geral. Essa menção aparece nove vezes no discurso dos participantes. A aprendizagem nos instrumentos demanda preparo físico específico, necessitando de fortalecimento de determinadas regiões, tais como costas, ombros, braços e mãos. O despreparo físico seria um empecilho para aprender o instrumento, o que poderia ser sanado, segundo os entrevistados, com atividades fora de sala de aula, que preparem a musculatura dos alunos para exercer a atividade. Para os professores, os alunos, se querem aprender um instrumento, não podem passar sem atividade física paralela ao aprendizado, pois consideram o trabalho muscular importante, como se depreende das falas a seguir:

Eu acho que pode ajudar a fortalecer as regiões... Natação, vai ter um dos ombros, da região intercostal... o aluno não pode ficar sem fazer nada. (“Percussão”) Teria que ser com exercício e com alongamento, teria que ser fora do instrumento, com tudo, alongamento e hidroginástica. (“Violoncelo”) Soluções... uma delas no caso, seria ter a musculatura das costas mais fortalecidas por meio de musculação, seria um caminho mais fácil talvez, ginástica, alongamento (...) a gente tem um trabalho muscular que é importante. (“Flauta”)

3.5.4 Geração de conhecimento sobre a atividade corporal do músico

A necessidade de geração de conhecimentos sobre o corpo na atividade musical é citada pelos professores entrevistados como sendo uma das soluções para a resolução dos problemas presentes em suas práticas. Os docentes sugerem (cinco vezes) que sejam realizadas análises do movimento corporal do músico em aprendizagem, pois é necessário reconhecer as possibilidades corporais de cada um, principalmente das crianças em fase de desenvolvimento motor. Indicam também que sejam criados métodos considerando a pedagogia específica de cada instrumento, já que os diversos instrumentos demandam diferentes modos de interação com o corpo. Apontam, ainda, para a necessidade de tradução da literatura sobre o tema, que

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se encontra em grande parte em língua inglesa, apesar de que também a literatura internacional ainda apresenta carência de investigações que compreendam a relação músicocorpo-instrumento no processo ensino-aprendizagem. As próximas falas exemplificam as sugestões dos participantes:

Faltam trabalhos específicos. A gente podia fazer um livro sobre isso.

(ALCESTE/ grupo focal) Você até encontra muitas coisas em inglês. A gente sente falta de literatura... acho que conhecimento sempre ajuda. (Grupo focal/ “Sopros”) Métodos que identificam e resolvem os problemas... eu nunca vi nenhum...problema desse jeito você resolve assim...faltam trabalhos específicos...a gente podia fazer um livro disso aí. (Grupo focal/ “Sopros”) O movimento de qualquer instrumento exige um treino para isso... a criança começa a ter aula hoje, não vai conseguir ficar dois minutos segurando o instrumento...já vai sentir dor no braço...a criança não é capaz de ficar aquele tempo todo com o instrumento segurando. Vai sentir dor? Talvez porque ela ainda não esteja preparada para aquilo. É toda uma análise que falta fazer. (Grupo focal/ “Cordas”) A gente tem que ter consciência do físico da criança, do físico de quem a gente trabalha... a gente deveria fazer uma análise do que a gente pode exigir, do que a gente pode cobrar, de acordo com a faixa etária. (Grupo focal/ “Cordas”)

3.5.5 Uso de acessórios ergonomicamente corretos

Os entrevistados apontam quatro vezes que uma das soluções para os problemas referentes aos materiais de apoio não-anatômicos utilizados pelos alunos de instrumento estaria na melhora desses materiais, caso forem pensados a partir de modelos ergonômicos. Citam, inclusive, que o uso de aparelhos, tais como um bocal especial que ajudar a controlar a pressão, deveria ser mais divulgado entre professores e utilizado por alunos. Os acessórios, como sugerem em suas falas, deveriam ser mais anatômicos e confortáveis, a favor da aprendizagem musical. Trata-se, por exemplo, do uso de queixeira de melhor adaptabilidade (para o caso do violino), talabartes mais confortáveis (correia no pescoço que ajuda a suportar o peso de instrumentos), cadeiras reguláveis, como se observa nas falas a seguir:

O que eu observo é a falta de acessórios adequados para os alunos, para que eles fiquem bem com os instrumentos. (ALCESTE/ grupo focal) Se tivéssemos mais acessórios, tipo queixeira ou spalera, diversos modelos para adequar, para a pessoa poder experimentar, coloca e fica confortável, ter a sensação de conforto, acho que teria resultado mais rápido. (Grupo focal/ “Cordas”)

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Essa coisa do bocal tem um aparelho que você coloca na boca e é um tipo de mola, e se você bota um pouquinho de força o negócio já não sai som. Então, você pode controlar a pressão, isso ajuda a não forçar e é uma coisa moderna. (Grupo focal/

“Sopros”) 3.5.6 Respeito às diferenças

Fazendo referência ao biotipo, e também à individualidade de cada aluno, os entrevistados sugerem (três vezes) que o respeito às diferenças é básico e essencial para que a aprendizagem no instrumento aconteça de forma natural e saudável. Os participantes recomendam que professores deveriam estar em alerta sobre as questões individuais, para além de uma “técnica única”, que procura igualar e acaba excluindo. Alunos possuem corpos físicos diferentes, manifestam diferentes emoções e têm ritmos de aprendizado e histórias de desenvolvimento diversas. Desse modo, não se pode impor padrões únicos de aprendizagem, o que os docentes traduzem como falta de ética e desrespeito ao aluno. Segundo as falas, professores deveriam estar sempre procurando o que é melhor para cada aluno. No que ser refere ao ensino de instrumentos, não se torna uma “missão” tão difícil, já que as aulas costumam ser individuais. Assim sendo, o professor seria uma espécie de personal trainer para o aluno.

O ideal é aquilo que é bom para você. (Grupo Focal/ “Pianos”) O segredo é você tentar descobrir o que é melhor para o aluno. (“Piano”) Uma relação baseada na ética, no respeito e na intimidade também. (“Oboé”)

3.5.7 Uso de bons instrumentos

Tais como os acessórios, os professores crêem que os instrumentos também deveriam ser

repensados

a

partir

de

uma

perspectiva

mais

moderna,

serem

adequados

ergonomicamente, o que evitaria esforços excessivos em relação à sonoridade, por exemplo. Os entrevistados revelam (duas vezes) que, no Brasil, os instrumentos não são de boa qualidade e que os importados são muito caros para serem adquiridos. Para os participantes, bons instrumentos evitariam esforços excessivos e dariam ao aluno maior prazer de tocar, devido à boa sonoridade. As duas falas, a seguir, registram tal sugestão:

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O saxofone, por ser um instrumento novo, tem menos problemas... um instrumento moderno, um instrumento pensado. (“Sopro” / grupo focal) Eu acho que tendo um instrumento de qualidade... (“Sopro” / grupo focal)

3.5.8 Acompanhamento físico e psicológico

Sobre o tema acima, somente uma expressão partiu dos professores. A fala a seguir, revela o desejo que os músicos em formação venham a possuir acompanhamento físico e psicológico, tal como os atletas, já que o músico, segundo os entrevistados, também é um profissional do movimento, mas que não possui tal “regalia”, como manifestou a professora na fala a seguir. A docente diz se sentir como uma “treinadora” que, apesar de não estar preparada em completo para trabalhar com o corpo do aluno, se esforça para tal.

Tem que ter um acompanhamento físico e psicológico. (“Oboé”)

Os diversos tipos de soluções indicadas pelos professores sugerem reflexão sobre a sua formação acadêmica. Os participantes se manifestaram sobre o quanto a universidade não os preparou para atuar com os corpos de seus alunos em sala de aula. Assim, falar sobre soluções de problemas corporais também é falar de reformulações na estrutura curricular que faz parte da formação de professores de instrumentos musicais. É também iniciar discussões sobre o que seja necessário para esse processo, para além do código musical em si. A indicação de soluções nas falas dos professores parece ser permeada pelo desejo de “abertura” e crescimento nesse campo, de forma que aos alunos e aos professores sejam oferecidas soluções para os problemas corporais. Os professores, hoje, repassam a seu alunado a mesma experiência porque passaram na sua época de aluno. Assim, as soluções sugeridas também partem do reconhecimento dos próprios professores sobre o modo altamente empírico de suas ações, e do desejo de que esse setor venha a possuir o caráter de “ciência da performance musical”.

87

3.6

Reflexões

Como se pôde constatar no conteúdo deste capítulo, os professores dos diversos instrumentos musicais entendem corpo como instrumento, mente, base, organismo, sujeito, emoção, cultura e objeto. Nota-se quão amplas são as opiniões sobre o significado de corpo nesse contexto, abrangendo as dimensões física, mental, emocional, psicológica e cultural do corpo. Os problemas levantados pelos professores – dor, tensão, má postura, falta de consciência corporal, falta de concentração, contrações, lesões, medo de palco, falta de coordenação motora, fraqueza muscular – traçam um “diagnóstico” das dificuldades sentidas pelos docentes na prática pedagógica, indicando que os denominados problemas técnicomusicais não são apenas “musicais” e abrangem várias dimensões do humano. As causas sugeridas para os problemas levantados – tensão, instrumentos, fatores emocionais, falta de consciência corporal, movimento repetitivo, má postura, acessórios, constituição física, falta de estudo por parte do aluno, falta de conhecimento do professor – indicam relações que, embora necessitando de futuras investigações, que possibilitem maior delineamento e compreensão desse aspecto, abrem campo para um olhar diferenciado quanto às causas de problemas no ensino-aprendizagem de instrumentos musicais que, até agora, eram fortemente ligados à “falta de talento”. O levantamento dos procedimentos utilizados pelos professores – orientação verbal, coordenação motora, observação, relaxamento, postura, consciência do corpo, alongamento, espelho, imitação, acessórios, respeito ao biotipo, relação mente-corpo, desenvolvimento da relação afetiva e emocional, princípios da yoga, cinesiologia, massagem, meta e disciplina – abrem campo para reflexão sobre o fazer pedagógico nesse contexto. Questiona-se, a partir destes resultados, os fundamentos dessas ações, já que não houve, nem há, formação específica para lidar com “o corpo-músico”. Os resultados obtidos indicam que os procedimentos utilizados têm por base a experiência empírica do professor e suas vivências anteriores, principalmente como ex-alunos de instrumento. Funcionando ou não, tais procedimentos solicitam investigações futuras, principalmente no que se refere às relações problemas–procedimentos. Em síntese, as soluções recomendadas pelos participantes – formação dos professores na área do corpo, utilização de técnicas corporais, atividade física, geração de conhecimentos sobre a atividade corporal do músico, acessórios ergonomicamente corretos, respeito às diferenças, instrumentos e acompanhamento físico e psicológico – revelam o quão necessário

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se faz o diálogo com outras áreas do saber, já que os resultados não se restringem ao campo de conhecimento musical. Portanto, a Música, enquanto ciência, não conseguiria responder sozinha a tais questões. Uma interface possibilitaria a aquisição do suporte necessário, em termos de reflexão e prática, ajudando a solucionar os problemas existentes. O diálogo com outras áreas do conhecimento vem ao encontro da “reintegração do ser humano”, que aprende a partir de seu corpo e seu fazer. Assim, os resultados possuem a função de um “mapa” inicial desse “território”, onde novos caminhos poderão surgir, para que os habitantes desse “lugar” possam expressar-se livremente, de maneira plena e saudável.

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4

4.1

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES: corpo, uma rede complexa de interações

Retomando as questões de pesquisa

Como já dito anteriormente, esta pesquisa teve por objetivo investigar, na percepção de professores de instrumentos musicais, os significados de corpo no contexto da relação músico-corpo-instrumento; identificar a existência de problemas quanto ao corpo, no processo ensino-aprendizagem; questionar possíveis causas de problemas corporais; descrever procedimentos pedagógicos voltados para o corpo, utilizados pelos professores, e apresentar possíveis soluções para os problemas levantados. Para se expressarem sobre o que entendem por corpo, os professores utilizaram uma série de metáforas. Assim, os discursos fizeram emergir uma quantidade de tipos de corpos: corpo-instrumento, corpo-mente, corpo-base, corpo-organismo, corpo-sujeito, corpo-emoção, corpo-cultura e corpo-objeto. Quanto aos problemas corporais, os mais citados foram dores, tensão, má postura, falta de consciência corporal, falta de concentração, contrações, lesões, medo de palco, falta de coordenação motora, fraqueza muscular, indicando que o ensino-aprendizagem de instrumentos musicais inclui em seu processo, além de dificuldades de ordem puramente “mental”, problemas corporais que envolvem também as dimensões física e emocional. As causas atribuídas a tais problemas foram: tensão, instrumentos ruins, fatores emocionais, falta de consciência corporal, movimento repetitivo, má postura, acessórios inadequados, constituição física, falta de estudo por parte do aluno e falta de conhecimento do professor para lidar com os problemas. Os professores atribuem tais causas levando em conta sua experiência prática como docentes, vivências enquanto ex-alunos, conversas com outros profissionais e professores de música e leituras ocasionais. Os procedimentos citados como mais utilizados pelos professores incluíram orientação verbal, coordenação motora, observação, relaxamento, postura, consciência do corpo, alongamento, uso do espelho, imitação, uso de acessórios, respeito ao biotipo, desenvolvimento da relação mente-corpo, desenvolvimento da relação afetiva e emocional, utilização de princípios da yoga, cinesiologia, massagem, meta e disciplina. Deve ser lembrado, no entanto, que muitos professores dizem não adotar procedimento algum. Os

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procedimentos adotados também têm como base a experiência prática, vivências enquanto exalunos, conversas com outros profissionais e professores de música e leituras ocasionais. Por fim, os professores sugeriram como solução, por exemplo – não só para eles, como também para os alunos, o oferecimento de cursos pedagógicos e preventivos que preparem tanto o professor quanto o aluno para aprenderem a conhecer e a lidar com o corpo. Esses cursos contemplariam a utilização de técnicas corporais, prática de atividade física, geração de conhecimentos sobre a atividade corporal do músico, uso de acessórios ergonomicamente corretos, respeito às diferenças, utilização de instrumentos de melhor qualidade e adaptabilidade e oferecimento de acompanhamento físico e psicológico ao aluno. O corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais revelou-se permeado por questões “extramusicais”, quer dizer, que não são diretamente ligadas ao código musical e que dizem respeito a dimensões variadas (física, emocional, mental, cultural, psicológica), tendo em vista os problemas levantados pelos professores, e que, segundo esses docentes, interferem no desenvolvimento musical do aluno enquanto ser humano e na sua formação como intérprete. As “questões corporais”, presentes no discurso dos participantes, representam o estado do corpo que vivencia o processo de aprendizagem em música. Trata-se de um processo em que os professores, embora pareçam reconhecer determinadas dimensões corporais (física, emocional, mental), indicam negligenciar os corpos que participam desse aprendizado, já que os procedimentos utilizados pelos docentes não são realizados de forma sistematizada, e sim esporadicamente, possuindo como base a experiência prática. As causas apontadas pelos professores como geradoras de problemas de aprendizagem reforçam o abandono do corpo-músico na sala de aula, desde o primeiro contato com o instrumento, até o final da formação do músico, sugerindo que já nesse período há um campo propício para a instauração do adoecimento físico e emocional na aprendizagem. As soluções sugeridas pelos docentes indicam que a formação do professor de instrumento está muito aquém da demanda de conhecimento teórico e prático necessário para a construção de um “corpo-músico” saudável. Mesmo vislumbrando algumas possibilidades para a solução de problemas corporais, os professores relatam que se sentem inseguros para realizar os procedimentos sugeridos. Todavia, o desejo de renovação de conhecimento por parte dos professores indica ser esse um “terreno fértil” a ser cultivado.

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4.2

As Metáforas do corpo: o “corpo-músico”

Como visto no capítulo Resultados, no que tange ao significado de corpo, os participantes utilizaram-se de algumas metáforas para defini-lo. Assim, tivemos corpoinstrumento, corpo-mente, corpo-base, corpo-organismo, corpo-sujeito, corpo-emoção, corpocultura e corpo-objeto. A metáfora é muito mais do que uma característica da linguagem. Greiner (2005) afirma que o sistema conceitual dos seres humanos é naturalmente metafórico, quer dizer, uma maneira de estruturar, em parte, uma experiência em termos de outra. O processo de conceituação envolve transporte de informações, sendo esse de natureza metafórica. Desse modo, conceitos não são somente matérias do intelecto, “governando” até mesmo nossas funções cotidianas. Segundo ainda esse autor, os conceitos também estruturariam as nossas percepções, a relação com o mundo e com as demais pessoas. Nosso modo de pensar e agir, experimentar e fazer as coisas no cotidiano são metáforas. Devido à natureza de operar como “transportador”, o processo de comunicação cria novas metáforas entre ação e palavra. Greiner (2005) explica, a partir da teoria das metáforas corporificadas (embodied metaphors), que haveria diferentes modalidades de metáforas. Primeiramente, as metáforas estruturais, na quais um conceito seria metaforicamente estruturado em termos de outro, realizando assim um “transporte” de pensamentos. Também existiriam as metáforas orientacionais, responsáveis pela organização do sistema de conceitos. Essas, diriam respeito à orientação e relação espacial como, por exemplo, a expressão “estou me sentindo para cima hoje”. A autora afirma que diversas dessas metáforas se relacionam igualmente com a experiência cultural. Assim, os conceitos básicos seriam organizados como uma ou mais metáforas de espacialização. Haveria sistematicidade interna para cada tipo de metáfora que passa a servir como entendimento de conceitos, se estiver amparada por uma experiência prática, na qual a experiência é fruto do corpo. Não é somente com o cérebro e o sistema nervoso que se pensa e se aprende, e sim com o corpo todo. O conceito metafórico pode ser então compreendido como um modo de estruturar parcialmente uma ação em termos de outra (GREINER, 2005). Assim, compreendidas como “metáforas do pensamento”, o estudo das metáforas também serve como suporte para o entendimento do corpo e de suas relações com o ambiente, os sujeitos, a consciência, a linguagem e o conhecimento, que, segundo a autora, estão sendo

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rediscutidos e redimensionados na contemporaneidade, assim como o sentido da vida, a noção de evolução e de estar no mundo. Reconhece-se nesse contexto não somente o sistema nervoso central, mas também o sistema motor como “sistema cognitivo”, em que há a idéia de um corpo que pensa, e que o pensamento organiza-se por meio de ações. As metáforas do corpo são metáforas do mundo. Na medida em que são construídas, abrem possibilidades de novas maneiras de dispor do ambiente ao redor, refletindo modos de organização dos pensamentos que estabelecem as ações corpóreas do mundo. Para Greiner (2005), o corpo não seria um produto, e sim um processo, possuindo implicações sociais, psicológicas e metafísicas. O debate sobre o corpo não é restrito à natureza de especulação teórica, pois se origina de uma experiência prática, vivida continuamente na mente-corpo, no sujeito e em suas trocas com o ambiente. A teoria se organiza durante a ação, precisando ser, necessariamente, reflexão da experiência vivida. Trata-se de mapeamento de possíveis anatomias corporais, suas funções e ações no mundo, entendidas inseparavelmente, e tendo como base seus modos de organização. Desse modo, as metáforas do corpo que emergiram nos resultados desta pesquisa – corpo-instrumento, corpo-mente, corpo-base, corpo-organismo, corpo-sujeito, corpo-emoção, corpo-cultura e corpo-objeto, revelam, cada qual, modos de pensar e viver o corpo no mundo, bem como referenciais conceituais aos quais estão ligados. Representam diversos “estados do corpo” no contexto ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, quer dizer, a corporeidade da aprendizagem de instrumentos musicais. Assim, corpo-instrumento é a metáfora referente ao resultado e ao produto. É o tipo de corpo que, como instrumento, necessita ser utilizado para alcançar determinados objetivos, em função de alguma coisa. É o caso do corpo do atleta, do dançarino e do músico, pensado e vivenciado nessa perspectiva, por exemplo. Nesses casos, busca-se otimizar a dimensão física do corpo, para obter o máximo rendimento no menor tempo possível. O “corpo-instrumento” é o corpo da sociedade de produção e consumo. Gonçalves (2002) sustenta que o “corpo-instrumento” é alienado pelo processo de produção, que o torna também produto de consumo. Ao longo do tempo, a manipulação do corpo foi assumindo graves proporções, principalmente com o desenvolvimento da tecnologia e a expansão do sistema capitalista. Os movimentos corporais tornaram-se instrumentalizados, como na indústria, que dissocia os movimentos corporais em partes isoladas para aumentar a produção. Por intermédio da ciência e da técnica, as relações do ser humano com a sua corporalidade foram progressivamente transformadas, a partir da expansão e solidificação do

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sistema capitalista. As relações com a corporalidade refletem o sentimento de inadequação, de perplexidade e de despersonalização do ser humano contemporâneo. Relações essas que estariam enraizadas nas condições sociais, políticas e econômicas da sociedade industrial capitalista moderna. Com a manipulação e o aperfeiçoamento do corpo, bem como com a quantificação das capacidades corporais, surge um processo de descorporalização do ser humano, no qual acontece o controle dos afetos e a perda da percepção sensorial. A livre expressão de sentimentos transforma-se em gestos formalizados. Assim, o ser humano moderno padece com o stress, com as doenças psicossomáticas e com as doenças causadas pela “falta de movimentos”. Esse parece ser também o contexto do corpo-instrumento em música. Há um processo de internalização de gestos, em função da técnica musical. O corpo deve ser adestrado para conseguir eficácia. Músicos devem obter máximo rendimento, alta produção, mas parecem não levar em conta o desgaste corporal, e até mesmo seus limites, já que apresentam problemas, como indicado nos resultados, que revelam esse modo de vivenciar o corpo. Da mesma forma que os músicos, atletas também têm no uso do corpo um aspecto fundamental do seu desempenho. Porém, no que diz respeito a atletas, a pesquisa parece ser bem mais avançada, já que estudos sobre o corpo nessa área são bem mais expressivos, tanto qualitativa, quanto quantitativamente (ANDRADE; FONSECA, 2000). Corpo-mente é a metáfora do corpo cartesiano, quer dizer, do corpo cujas ações são comandadas pela mente. Para Descartes (DAMÁSIO, 1998) há separação entre o corpo e a mente, entre a substância corporal e a mental. O juízo moral, a dor física ou as emoções existiriam de modo independente do corpo. Haveria separação das operações mentais e da estrutura e funcionamento do organismo biológico por outro. Damásio (1998) observa que essa também pode ser a base do modo de pensar de alguns neurocientistas, que hoje explicam a mente pelos fenômenos cerebrais, ignorando o resto do organismo e dos fenômenos sociais. Esse dualismo também estaria relacionado com a metáfora da mente como software. Ao que tudo indica, esse modo de pensar encontra-se presente em outros campos do saber, como a aprendizagem musical, na qual o corpo é ignorado. O autor explica que o corpo e o cérebro, no tocante à sua estrutura e função, costumam ser concebidos separadamente. Menospreza-se freqüentemente a idéia de que o organismo é “inteiro”, e não apenas o corpo ou o cérebro que interagem com o meio ambiente. Ao ouvir, tocar, saborear, cheirar essa interação acontece integralmente com o corpo e o cérebro. Sinais diversos transitam do cérebro para o corpo e vice-versa. Para obter a melhor interface

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possível, o organismo altera-se ativamente. O corpo não é passivo, ele contribui para o funcionamento da mente normal, e o organismo ancora-se nesse corpo. À medida que é perturbado pelos estímulos do meio ambiente físico e sócio-cultural, e à medida que atua sobre o meio, os circuitos neurais representam continuamente o organismo. As representações que o cérebro cria para descrever uma situação formulando movimentos para responder a essa situação dependem da interação mútua entre cérebro e corpo. Os acontecimentos mentais são o resultado da atividade dos neurônios do cérebro, que têm de contar com o esquema e funcionamento do corpo. Constituído pela parceria cérebro-corpo, o organismo interage com o ambiente como um conjunto. Essa interação não acontece só com corpo ou só com cérebro. Cérebro e corpo estão integrados por circuitos bioquímicos e neurais recíprocos que se dirigem um para o outro, indissociavelmente. Essa interconexão pode acontecer pela via em que usualmente se pensa primeiro, sendo constituída por nervos motores e sensoriais periféricos, cujo trabalho é transportar sinais de todas as partes do corpo para o cérebro e do cérebro para todas as partes do corpo ou pela corrente sanguínea, que transporta sinais químicos. O cérebro tem a função de estar bem informado sobre o que se passa no resto do corpo e em si próprio, bem como sobre o meio que circunda o organismo. Porém, sem corpo, não haveria surgido o cérebro. Não pode haver um organismo com mente e sem ações (DÁMASIO, 2001). Por meio de movimentos resultantes de todo o corpo e com a ajuda de vários núcleos motores subcorticais, o organismo atua no ambiente. Sinais vindos do corpo ou dos órgãos sensoriais do corpo chegam aos setores cerebrais. Cérebro e corpo formam um organismo que interage com o ambiente, cujas relações são mediadas pelos movimentos sensoriais e pelo movimento do organismo. Assim, o conceito de cognição e de aprendizagem, bem como a relação corpo-mente ou, ainda, a questão mente-cérebro, apesar de ser uma questão histórica e contemporânea ainda em grande discussão, tem passado por mudanças que o conhecimento musical parece não acompanhar. O significado de corpo como um servo da mente, como entidades separadas, em que a dimensão emocional e física não seria contemplada, não encontra respaldo aqui. Desse modo, seria necessário um diálogo com as recentes pesquisas sobre o assunto. Corpo-base é o corpo da aprendizagem, já que é um corpo reconhecidamente pelos professores, pelo menos teoricamente, como “parte” importante no processo ensinoaprendizagem. A dimensão mental e física parece estar em destaque, sugerindo um estado corporal, no qual emoções não estão em evidência. Para Assman (1998), a aprendizagem

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possui uma inscrição corporal. Essa teria o corpo como referência fundante. O conhecimento se instaura como um aprender, mediado por movimentos internos e externos da corporeidade. Sérgio (1995) contribui para essa reflexão com o conceito de motricidade. Esse seria um modo de ser da corporeidade, em que a percepção não se limita. É um processo adaptativo, evolutivo, ativo e criativo. Para além de ser, é preciso experimentar. A motricidade seria o veículo da transcendência. A educação motora decifra a motricidade como conteúdo cultural e existencial. A motricidade seria a dimensão fundamental do operar humano na unidade do “Eu” e do mundo da cultura. A construção do conhecimento deveria ser alicerçada sobre o mundo vivido, e esse seria o papel do corpo-base. A aprendizagem da performance musical, levando em conta o corpo como base, assumiria um compromisso com a corporeidade, e, dessa forma, com a motricidade, integrando o ter e o ser do desenvolvimento. A metáfora do corpo-organismo, segundo Greiner (2005), é uma metáfora chave para compreender muitos fenômenos do mundo, tais como organismo social, organismo político. O organismo seria um princípio de conhecimento, um fundamento original que permite discutir fenômenos particulares manifestos nos comportamentos. Desse modo, funciona como um instrumento metodológico e teórico, que possibilita entender como certo fenômeno torna-se um fato identificável. Ele explica o vivo, ajuda a organizar, distinguir e distribuir os diversos segmentos do saber, e os direciona para uma ação ou objetivo. No caso específico da aprendizagem de instrumentos musicais, a metáfora do organismo aciona as possibilidades de conexões “intracorporais”, quer dizer, do organismo corpo como um todo e de suas parte que são acionadas na vivência da experiência musical. O “corpo-organismo”, todavia, ainda é um corpo fragmentado, um corpo “com órgãos” que se conectam em função da experiência, e não um corpo “sem órgãos”, uma unidade que funciona complexamente como uma rede interacional. Essa significação de corpo não questiona, em princípio, a experiência cultural, as relações estabelecidas no contexto, entre outros. Concebe, entretanto, a possibilidade de uma aprendizagem mais humana, já que considera processos mentais, emoções, desenvolvimento e aprendizagem motora. A metáfora corpo-organismo seria o primeiro passo para a compreensão de um corpo “maior”, em que se busca compreender as inter-relações nesse organismo complexo, o corpo humano. O segundo passo seria dado no estabelecimento de conexões extracorporais, seja da cultura, da sociedade ou das relações com outros corpos. Assim, estar-se-ia ampliando os

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limites de entendimento do corpo para uma rede de conexões complexas, de comunicação interna e externa. Corpo-sujeito é a metáfora do corpo reconhecido como individualidade, em que a subjetividade é parte integrante do processo de aprendizagem (LIMA, 1995). Para Santaella (2004), o pensamento ocidental, durante vários séculos, foi dominado pelo “penso, logo existo”, o cogito cartesiano. Objeto e sujeito habitariam lados opostos. A modernidade filosófica foi fundada por esse sujeito racional – senhor de seu pensamento e ação –, que permanece presente até os dias atuais nas principais teorias ocidentais. Apesar disso, em Freud (LIMA, 1995), temos um modelo de mente que reconhece sua origem corporal levando em consideração mediações e relações entre o psíquico e o somático, indicando um caminho para vislumbrar o ser humano em totalidade. Segundo Santaella (2004), tem-se buscado uma teoria da subjetivação por meio da corporeidade humana, pois é sobre o corpo que a cultura trabalha a constituição da subjetividade, já que esse é o resultado de uma história cultural, científica e técnica. Tanto quanto o sujeito, o corpo é uma variável em modificação aberta e contínua. Presença constante nos discursos atuais, o corpo retorna como um problema, uma interrogação que busca respostas. Questiona-se, com suporte no corpo, o que o diferencia da máquina e das próteses eletrônicas atuais. A pergunta é instaurada sobre o que caracteriza o humano, a matéria da qual o ser humano é feito. Esse é o lugar onde surge o estímulo para repensar a subjetividade humana e o resgate do corpo como corporeidade (SANTAELLA, 2004). Assim, a reflexão sobre o sujeito que aprende, expressa e realiza a performance musical ou a busca por esse sujeito, por esse corpo-sujeito, também é permeada pela discussão acerca da crise do sujeito e suas relações. O encontro com o sujeito e a subjetividade, nesse contexto, passa pelo encontro com o corpo, com a corporeidade vivenciada em cada situação de aprendizagem, com respeito e conhecimento em relação a processos psicológicos, com lugar para diferenças. Corpo-emoção é o lugar onde se reconhece que emoções participam do aprendizado da performance. Um corpo que comporta nervos, que possui substâncias que “despertam”, dependendo de estados emocionais, e que afetam todo o estado corporal. Para Damásio (2001), as emoções acontecem por meio de reações químicas e neurais e formam um padrão. Seu papel é conservar a vida, regulando e representando estados corporais. Fazem parte dos mecanismos biorreguladores com os quais os seres humanos nascem e visam à sobrevivência. Os sentimentos de tensão ou relaxamento, fadiga ou energia,

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bem-estar ou mal-estar, ansiedade ou depressão são reações causadas pela emoção. Para o autor, o corpo é o “teatro das emoções”, considerando o meio interno, sistemas visceral e vestibular e músculo esquelético. O modo de operação de vários circuitos cerebrais também é afetado pelas emoções. Essas mudanças são o substrato para os padrões neurais que se tornam sentimento de emoção. A emoção influencia a razão. Ela auxilia o raciocínio, especialmente em ocasiões sociais que envolvem risco e conflito e quando se trata de questões pessoais. As emoções integram processos de decisão e raciocínio, constituindo sistema de apoio para que a razão possa operar a contento. Comportamento e mente são permeados por ciclos sucessivos de emoções seguidas por sentimentos, que se transformam em novas emoções. Para Damásio (2001), há grande possibilidade de que os sentimentos estejam situados no limiar que separa o ser do conhecer, tendo uma ligação privilegiada com a consciência. Apesar do ajuste biológico das emoções como mecanismo, a cultura e o desenvolvimento também são fatores que as influenciam, moldando indutores adequados de cada emoção, aspectos de expressão das emoções e moldando também a cognição e o comportamento que decorrem da mobilização de uma emoção. Desse modo, o aprendizado está intimamente ligado e é, conseqüentemente, afetado pelas emoções. Negligenciar tais processos constitui excluir possibilidades de qualidade em aprendizagem. No caso da aprendizagem de instrumentos musicais, que envolve expressão do código musical, performance, palco, exposição ao público, pode-se vislumbrar o quanto essas situações são capazes de provocar diversas emoções nos alunos, podendo gerar bloqueios e afetar a aprendizagem, já que envolvem certo risco para o aluno, por se tratar de exposição de sua figura publicamente. Assim, a metáfora do corpo-emoção, no contexto musical, constitui o estado do corpo do artista, aquele que busca a expressão por meio de seu corpo e que interage com outros corpos. Corpo-cultura é o corpo cujo comportamento é determinado a partir das normas vigentes nas diversas culturas ou contextos sociais. É a metáfora do corpo que se move ou que contém movimentos a partir de regras cultuadas em uma cultura. É a metáfora do corpo construído pelo processo civilizatório e disciplinador, como em Focault (2002) e Crespo (1990). É o corpo da contenção, da retenção de emoções. Nesse caso, o prazer também é contido em função das regras de conduta. O corpo é definido por seu significado, por ser produto da cultura, por ser construído de modos diferentes em cada sociedade, e não somente por suas semelhanças biológicas universais

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(DAOLIO, 2003). Os conteúdos conotativos dos corpos contêm princípios que estruturam a visão de mundo, da sociedade e atitudes dos seres humanos quanto aos seus corpos. Assim, a aprendizagem dos instrumentos, apesar da busca pela expressão, pode ser dificultada pelo corpo reprimido, contido em movimentos e emoções. O corpo do músico “erudito”, em questão, possui longa história. Existem palcos diversos para realizar as performances, públicos diferenciados, regras de comportamento, “normas” de atuação contida. Corpo-objeto é a metáfora do corpo que busca a cientificidade. É o corpo que, para ser “reconhecido”, precisa estar de acordo com padrões de medida, tendo as ciências “duras” como base. É aquele que pode ser tocado, medido e experimentado. De outra forma, não se torna “generalizável.” É o corpo da anatomia, da física, entre outros. O corpo de “X” e “Y”, de vetores e trajetórias. Para Moreira (1994), o corpo-objeto é o corpo-pensado. É o corpo abstrato, “coisificado”, estudado pela ciência pelo paradigma cartesiano. Possui a obrigatoriedade de apresentar reações previsíveis, analisado pela lógica formal, em uma permanente relação de causa e efeito. Por meio dessa perspectiva, tem-se e conhece-se muito a respeito do corpo, mas não se “é” e nem se vive nesse e com esse corpo. Esse corpo possui coerentes discursos epistemológicos, mas lhe falta vida. É o corpo regido somente pelo pensar lógico-racional, em que não se podem cometer erros. É o corpo manipulável – que passa pela vida, mas não a experimenta. Assim, esse corpo manipulável, apesar de, a seu modo, trazer contribuições para a “cientificidade” da aprendizagem musical – quanto à relação músico-corpo-instrumento –, exclui diversos processos que participam igualmente desse aprendizado. O corpo que aprende não poderia partir de tal pressuposto como base única e fundamental. Deveria, sim, experimentar, errar, vivenciar, ter prazer. Os significados de corpo revelados pelos professores reforçam a idéia de que os procedimentos aplicados pelos docentes em sua prática pedagógica estão intimamente relacionados com seu modo de conceituar ou significar o corpo. Assim, tudo indica que se não houver renovação de idéias que propiciem um repensar de conceitos e significados, parece não haver lugar para renovação da prática. Dessa maneira, sendo o corpo um objeto de estudo interdisciplinar, a disciplina musical necessita de novas interfaces.

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4.3

O Corpo no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais

No discurso dos participantes, há um aspecto circular que deve ser enfatizado. Alguns fatores que aparecem como um problema em determinado momento, voltam no discurso como causa de tais problemas. Depois, esses fatores retornam como procedimentos, com os quais o professor tenta trabalhar de forma a diminuir os problemas e as causas, voltando a serem citados pelos participantes da pesquisa ao se referirem às soluções, especialmente ao manifestarem o desejo de criar estratégias para lidar com tais fatores, já que não estão satisfeitos com a maneira como efetuam o trabalho pedagógico. Assim, os resultados revelam um discurso, o qual, em um primeiro momento, aparecem vários temas (má postura, boa postura, exercícios posturais, etc.). Porém, trata-se de temas que vão e voltam no discurso, em momentos diferentes (problemas, causas, procedimentos, soluções), e circulam em torno de um mesmo fator como, por exemplo, a questão postural. A Figura 5.1 exemplifica a circularidade de alguns dos temas. Tensão, consciência corporal e postura, por exemplo, são citadas várias vezes no discurso dos participantes, dando a impressão de se constituírem de temas diferentes a serem abordados. Entretanto, trata-se de unidades de temas, como tensão, consciência corporal e postura, por exemplo.

Soluções

Procedimentos

Problemas

Causas

Figura 4.1 – Circularidade dos temas

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Em um segundo momento de observação de resultados, notou-se na relação entre os temas uma interdependência entre os itens surgidos nas categorias (problemas, causas, procedimentos e soluções). Assim, a falta de consciência corporal, de um lado, geraria problemas, como tensão, por exemplo, que poderia ocasionar dores e acarretar lesões. Os fatores emocionais também estariam relacionados com o nível de consciência corporal vivenciado pelos alunos, podendo gerar segurança ou insegurança física e psicológica. Desse modo, o aprendizado no instrumento não seria restrito ao desenvolvimento da “compreensão mental” do código musical, e sim de todos esses fatores inter-relacionados. Levando em conta que dimensões importantes no processo de aprendizagem não estariam sendo levadas em conta adequadamente, a efetivação de processo de consciência corporal e um trabalho adequado em aprendizagem motora – em que também fosse considerado o biotipo e as diferenças individuais do alunado – proporcionaria melhor desenvolvimento do aluno, haja vista que a aprendizagem motora no instrumento, se mal direcionada, pode causar tensões, dores, lesões, insegurança física e psicológica. Para Sloboda (1988), o desenvolvimento musical acontece nos planos físico, emocional e “cognitivo”. O desenvolvimento da consciência corporal representaria a busca pela unidade psicofísica no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais. Nesse sentido, dimensões emocional, mental e física participariam integradamente de seu desenvolvimento. Para tanto, o uso de técnicas, como a Técnica Alexander ou a Eutonia, por exemplo, teriam contribuições efetivas a dar. Na aprendizagem e desenvolvimento motor, considerar o respeito às diferenças, bem como o trabalho preventivo junto ao corpo, também seria essencial. O desenvolvimento ou negligência das dimensões física, mental e emocional como um todo representaria, para o aluno, segurança ou insegurança física e psicológica. Assim, os dois eixos principais no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais seriam a consciência corporal, a aprendizagem e desenvolvimento motor. O trabalho pedagógico corporal também seria influenciado por outros fatores, tais como instrumentos, acessórios, estudo do aluno (prática), formação do professor e geração de conhecimentos a respeito do trabalho corporal na prática musical. A Figura 5.2 representa as possíveis relações entre os resultados apontados pelos professores. Por um lado, em um eixo, estaria à consciência corporal e suas conseqüências, dependendo do seu bom ou mau desenvolvimento. De outro lado, estariam a aprendizagem e o desenvolvimento motor, considerando o respeito às diferenças. Em um eixo transversal,

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estariam outros fatores que influenciariam nesse processo, tais como instrumentos, acessórios, estudo do aluno, formação do professor e geração de conhecimentos. Saúde e qualidade de vida seriam os objetivos maiores a serem alcançados nesse processo.

Consciência Corporal: unidade psicofísica

Fatores transversais: instrumentos, acessórios, estudo do aluno, formação do professor e geração de conhecimentos.

Aprendizagem (+) Saúde e qualidade de vida Segurança física, mental e emocional Boa postura Bom tônus muscular Boa consciência corporal Boa coordenação motora Prevenção quanto ao uso de movimentos

Aprendizagem (-) Processo de adoecimento Falta de consciência corporal Falta de coordenação motora Fraqueza muscular Má postura Medo de palco Tensão física e emocional Dores Lesões Problemas com movimento repetitivo

Figura 4.2 – Eixos de aprendizagem

Aprendizagem e Desenvolvimento Motor: diferenças individuais

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Assim, a consciência corporal, a aprendizagem e o desenvolvimento motor são os eixos principais, nos quais a aprendizagem musical deve estar fundamentada. O eixo transversal – composto por bons instrumentos, acessórios, estudo do aluno, formação do professor e geração de conhecimentos – também deve ser igualmente considerado para que a aprendizagem possa assumir aspecto positivo.

4. 3.1 Tensão (física e emocional)

A tensão é o segundo maior problema indicado pelos professores, perdendo somente para a dor. Mas, como a dor é sempre conseqüência de algo e a tensão aparece como causadora da dor e de outros problemas, a tensão torna-se um tema básico e central na aprendizagem de instrumentos musicais. A tensão é apontada pelos docentes como causa de dores, contrações, lesões e falta de coordenação motora. Dois tipos de tensão aparecem nas falas dos professores: emocional e física. Os professores consideram que a tensão física pode causar contrações, dores e lesões. A tensão emocional geraria bloqueios que poderiam percorrer o mesmo trajeto até chegar a lesões ou bloquear o aluno para a atividade, gerando também medo de palco. A tensão física é apontada como problema ou causa de problemas por professores que concebem o corpo como instrumento, base, sujeito, cultura, objeto, sujeito e organismo, sendo que corpo como organismo e sujeito, e também admitem a tensão emocional, indicando que esse tipo de significação comporta idéias mais abrangentes em relação ao corpo. Na dimensão emocional, os professores afirmam que as emoções interferem na aprendizagem de instrumentos. O corpo apresentar-se-ia tenso, contraído, bloqueando as possibilidades de expressão do movimento, e até mesmo chegando ao extremo do adoecimento físico, originado por meio de processos psicossomáticos. O medo de tocar ou a ansiedade “descontrolada” seriam emoções que estariam presentes no aprendizado do “corpo-músico”. Reich (citado por GONÇALVES, 1984) argumenta que movimentos de um indivíduo são altamente expressivos. Desse modo, haveria grupos musculares dinamicamente responsáveis pela expressão de determinado conjunto de emoções. A repressão de emoções corresponderia à imobilização de alguns “anéis musculares”, que seriam segmentos ou grupos musculares em número de sete em disposição transversal, formando uma couraça muscular. Os professores que utilizam orientação verbal como procedimento relacionado à tensão afirmam que os alunos, crianças e adolescentes possuem a capacidade de auto-

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regulação em relação às suas tensões, sejam elas físicas ou emocionais, desconsiderando faixa etária e desenvolvimento motor da criança e adolescente. Outros, não sabem ao certo o motivo de tais tensões e procuram ignorar suas manifestações ou, às vezes, se limitam a apontar sua existência, quando conseguem detectá-las. Mas, se não há intervenções diretas junto ao corpo do aluno, como solucionar os problemas? Como diminuir e prevenir dores, contrações, lesões e falta de coordenação motora se não houver estudos e trabalhos pedagógico voltados às possibilidades físicas e emocionais das diferentes faixas etárias? Os professores crêem que a solução da tensão como problema ou, ainda, como causa de problemas ou mesmo a adoção de procedimentos para diminuir tensões passaria pela formação de professores, na geração de conhecimentos sobre o tema e na adoção de técnicas corporais, como a Técnica Alexander, Eutonia, Pilates, entre outras, além do uso de massagens, cinesiologia, yoga, alongamento e relaxamento. É interessante notar que as técnicas corporais indicadas teriam como objetivo a diminuição de dores e tensões, mas isso seria um objetivo periférico. O objetivo central seria obter consciência corporal para evitar tais problemas, bem como a busca da unidade psicofísica para o equilíbrio e integração das dimensões corporais. Assim, a falta de consciência corporal seria central na geração de problemas dessa espécie e as técnicas corporais que se propõem a desenvolvê-la seriam um encaminhamento satisfatório em relação a soluções dos problemas corporais e suas causas. Os docentes que categorizam tensão como um problema de ordem emocional, procuram criar condições para que o aluno se sinta à vontade em sala de aula e na presença do professor, esperando, assim, a “diminuição” da tensão. São professores que concebem o corpo como “corpo-sujeito” ou como “corpo-organismo”, admitindo a interferência da dimensão emocional na aprendizagem. Para os professores, a emoção que eles percebem como um estado nervoso característico do aluno que treme, tem palpitações e até chora quando tem que tocar em público, é um fato interveniente na aprendizagem e performance instrumental. Deve ser salientado que tal definição de emoção está bastante de acordo com a idéia de ansiedade, que é um tipo de estado nervoso emocional. Os professores consideram isso não só natural, como também inerente ao aprendizado.

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4.3.2 Consciência corporal

Os professores participantes nesse estudo consideram a consciência corporal como um aspecto muito importante da aprendizagem musical. No entanto, enfatizam que falta aos alunos consciência corporal, uma das causas das tensões, problemas de coordenação motora, fraqueza muscular, medo de palco, entre outros. Para lidar com esse problema, sugerem certa quantidade de procedimentos que acreditam possibilitar o desenvolvimento dessa consciência. Para esses docentes, ter consciência corporal é “sentir o que está fazendo”. Trata-se de “consciência de alguma coisa”. Isso remete a Husserl (1994), cuja idéia de consciência será apresentada a seguir. Para Husserl (1994), todo ato é consciente e consciência de qualquer coisa. Vivências são percepcionadas no sentido de uma consciência interna, podendo não ser visadas no sentido de “estar-voltado-para-visando”. Assim, o percepcionar do ato pode não ser uma consciência interna. Vivências tocadas pelo “olhar” dar-se-iam como algo duradouro, alterados de alguma maneira. O autor denomina essas vivências de unidade de consciência interna, que seriam também uma consciência perceptiva. Por percepcionar, o autor denomina a consciência constituinte do tempo. A vivência seria o ato de “olhar” para o ato, unidades de consciência do tempo que sofrem modificações. Quem percepciona, sofre uma presentificação. Assim, sensações seriam a consciência interna do conteúdo da sensação. Seria o voltar-se atento para a vivência e para a sua captação, tornase distinto e relevado, transformando-se em um novo modo de ser. Esse diferenciar é também ser captado, tornar-se objeto de, voltar-se para onde acontece uma tomada de conhecimento dos objetos. Tais reflexões são efetuadas na unidade de consciência do tempo, em que mudanças de atenção significariam certa continuidade de intenções que residem em uma unidade que se pode captar, já constituída, e que são trazidas à luz em diferentes momentos ou partes, que seriam momentos judicativos ou momentos de juízo. Desse modo, em Husserl (1994), com base na compreensão fenomenológica, encontrase a possibilidade de alcançar o “porquê” da vivência e o desenvolvimento da consciência corporal serem uma das bases para a formação de um “juízo clarificador” do estado do corpo na experiência de aprendizagem de instrumentos musicais. Tal vivência pode representar “tomada de posse” dos sentidos envolvidos na experiência, abrangendo as dimensões corporais que dela fazem parte, propiciando, assim, o sentido da unidade psicofísica que

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apontam algumas das técnicas corporais, como a Técnica Alexander e a Eutonia, por exemplo. A “não-vivência” dessas experiências releva os sentidos, que são a sua razão de ser, o segundo ou terceiro plano, tornando o ensino-aprendizagem um processo “falsificado” pela razão, onde, aparentemente, ao compreender mentalmente os modos de agir, estar-se-ia dominando o processo. A negação dos sentidos que, com base nos resultados, parece acontecer na prática pedagógica no contexto ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, indica proporcionar uma negação dos sentidos, que agiria concretamente como fator dificultador, em que a aprendizagem não poderia fluir livremente, levando ao adoecimento. Assim, direta ou indiretamente, esse tema – a consciência corporal – atravessa o pólo positivo e negativo da experiência no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais, podendo transformar-se em processo de adoecimento ou em qualidade de vida e de saúde. A vivência da consciência corporal é, assim, uma vivência básica e estruturalizadora nesse processo. Segundo Merleau-Ponty (1999), para formar a noção de consciência é necessário transportar-se para a consciência que se é. Não se devem definir os sentidos primeiramente, porém, deve-se retomar o contato com a sensorialidade que se vive no interior. Para poder ser pensado, esse “mundo” não deve ser ignorado, devendo passar a existir para si, ser dado em experiência. O “Eu” irrefletido é diferente do “Eu” refletido. Tematizada pela reflexão, a consciência é a existência para si. O intelectualismo ignora os sentidos, pois que, para ele, sensações e sentidos só existem quando do retorno ao ato concreto de seu conhecimento em análise. Para poder compreender a si mesma enquanto começo, a reflexão deve iluminar o irrefletido ao qual ela sucede e mostrar sua possibilidade. A unidade e a diversidade dos sentidos existem como verdades de um mesmo estatuto. A entrega a si próprio, a sensação e a experiência são superfícies de contato com o ser, estruturas da consciência. A partir daí, têmse uma maneira particular de ser e de fazer-se, de organizar-se no espaço. Esse é o começo do conhecimento, ser no mundo. Os sentidos nada são sem o uso que deles se faça. Cada órgão é agente de certo tipo de síntese e interroga os objetos à sua maneira. A experiência fragmentada dos sentidos ocorre em atitude particular, não servindo para análise da consciência direta. São produtos particulares de uma atitude de curiosidade ou observação. Quando se deixa de viver um sentido para interrogá-lo sobre o que acontece, a unidade natural do sujeito perceptivo é rompida nesse momento, e o mundo é pulverizado em qualidades

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sensíveis. Assim, faz-se necessário encontrar a unidade natural no interior de cada sentido, a camada originária, anterior à sua divisão, deixar abandonar-se inteiro aos acontecimentos. O saber científico desloca a experiência, em que se desaprende a ver, ouvir e sentir em geral, para deduzir da organização corporal, bem como do mundo tal como concebe o físico, aquilo que se deve ouvir, ver e sentir. A percepção sinestésica é assim a regra, e não a exceção. Os dados dos diferentes sentidos se comunicam por meio de um núcleo significativo. Os sentidos comunicam-se entre si, abrindo-se às estruturas das coisas. O corpo não é um sistema de órgãos justapostos, e sim, um sistema sinérgico, no qual todas as funções são retomadas e ligadas no movimento total do ser no mundo. Os sentidos se comunicam no corpo sem necessitar de interpretação, sem precisar passar pela idéia. O corpo é um sistema de transposições intersensoriais. Também é o instrumento geral da compreensão, é a atualidade do fenômeno de expressão. Ele dá o sentido ao objeto natural e aos objetos culturais. Para que um objeto exista diante de um sujeito, é necessário que esse saiba que o apreende e olha, que esse se conheça apreendendo e olhando, que o ato seja por completo dado a si mesmo, que esse sujeito seja tudo aquilo que ele tem consciência de ser. Do contrário, trata-se de uma “falta consciência”. A consciência do ligado pressupõe a consciência do ligante e do ato de ligação. A consciência do objeto e de si são sinônimos. A consciência de alguma coisa tem por base as sensações, que são a matéria do conhecimento. Essas não são apenas momentos da consciência, mas habitam o constituído. O ato de percepção deve ocupar a pessoa que percebe. É a partir do ligado que se tem, de modo secundário, a consciência da atividade de ligação. A decomposição da percepção em qualidades e sensações é um ato de síntese. Considerado em sua ingenuidade, o ato de percepção não efetua, ele próprio, uma síntese, mas se beneficia de um trabalho já realizado. Trata-se do saber habitual do mundo. Desse modo, parece ser necessário possibilitar vivências aos alunos no mundo pré-objetivo, onde esses possam ter acesso às suas sensações e percepções na própria experiência de aprendizagem dos instrumentos musicais, em vez de se impor códigos e modos de expressão pré-estabelecidos, “robotizados”. Talvez assim haja a possibilidade de professores e alunos encontrarem, intersubjetivamente, um caminho de ensino-aprendizagem mais verdadeiro e natural, onde o corpo possa ser vivido em plenitude. Se por um lado há autores que se preocupam com a consciência sob a perspectiva filosófica, como Husserl e Merleau-Ponty, de outro lado existem autores que

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compreendem consciência sob uma perspectiva prática, como é o caso de Gerda Alexander e Mathias Alexander. A Técnica Alexander e a Eutonia são as técnicas mais apontadas pelos professores como solução para o desenvolvimento da consciência corporal. Criador da Técnica Alexander, Mathias Alexander tinha problema de rouquidão quando declamava. Sua voz falhava em pleno espetáculo. Seus médicos, então, aconselharam-no a descansar e a usar a voz o mínimo possível (GELB, 1993). Para ele, estava claro que a rouquidão surgia em decorrência de algo que fazia enquanto usava a voz, e isso originava o problema enquanto declamava, pois, no dia-a-dia, o problema não se apresentava. Passou, então, a observar o seu “modo de fazer”, percebendo, assim, que, ao declamar, enrijecia o pescoço e empurrava sua cabeça para trás. Notou que o procedimento era acentuado nos trechos mais difíceis de suas declamações, e que o padrão acontecia mais levemente na fala comum. Verificou também que deveria haver uso inadequado do corpo, e resolveu modificar sua postura. Compreendeu que o funcionamento do seu mecanismo vocal era influenciado pela cabeça, pescoço e pela tensão ao longo de seu corpo. Evitou a redução de sua estatura, tentando fazer melhor uso da cabeça e do pescoço. Quando a estatura era alongada, sua voz funcionava melhor, o que passou a chamar de “controle primordial”, uma relação dinâmica entre cabeça, pescoço e torso, que constitui o fator fundamental da organização do movimento humano. Com isso, passou a ter segurança para combinar o que era necessário e saber o que evitar fazer quando declamava. Alexander concluiu que a postura afetava seu desempenho e que isso tinha implicações em sua qualidade de vida. Formulou, a partir dessa constatação, a idéia de unidade psicofísica, que é o fundamento de sua obra. Assim, a criação de condições ao desempenho natural é um dos objetivos da Técnica Alexander. Nela, não se ensina um aluno a consertar um ombro enrijecido, mas a integrar as partes em uma unidade funcional. Sua maior preocupação é ensinar o “uso” de nós mesmos, de forma que resulte em melhores posições. Também Gerda Alexander, criadora da Eutonia, contribui para essa discussão. Eutonia quer dizer tensão harmônica, busca pelo equilíbrio das diversas tensões existentes no corpo. O método busca também a unidade psicofísica, reduzindo os gastos corporais e permitindo maior consciência proprioceptiva (ALEXANDER, 1983). Para a autora, o desenvolvimento da imagem corporal como uma sensibilidade, o todo de nossa constituição corporal, forma-se desde os primeiros anos de vida por meio das relações com as pessoas e as coisas. Essa também constituiria base essencial para

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autoconfiança e segurança da criança. Se houver algum tipo de travamento nesse processo, por diversos motivos, como, por exemplo, a prática mecânica de movimentos, o desenvolvimento desse sentido na criança vai aos poucos sendo travado. Desse modo, o reflexo postural torna-se prejudicado por tensões musculares inadequadas. De acordo com a perspectiva da Eutonia (ALEXANDER, 1983), sentir e observar seriam caminhos diferentes, sendo necessário que sejam relacionados em um processo dialético. É necessário que as pessoas vivenciem conscientemente o seu corpo no movimento e no contato com o ambiente, para que obtenha contato real consigo, com o próximo e com o seu ambiente. A preocupação excessiva com especulações intelectuais, contrariamente a vivências reais, afastaria as pessoas de suas realidades. Trabalhar em Eutonia é estar psíquica e somaticamente presente, em constante correlação entre personalidade e ambiente. Na Eutonia, corpo e alma são uma só unidade, elementos que provem de uma mesma raiz, e onde se vivificam mutuamente. Qualquer forma de modelo ou de ritualização de gestos e conveniências não cabe nesse contexto. O desenvolvimento da consciência corporal requer, por parte do aluno, trabalho de reconhecimento das partes de seu próprio corpo, o que significa a realização de trabalho pedagógico voltado para a aprendizagem motora, das partes e funções de seu corpo, em relação com o conhecimento musical e o instrumento, o que também teria conseqüências em outras atividades da vida cotidiana. Para o professor, significa a necessidade do estudo da aprendizagem e desenvolvimento motor, anatomia, fisiologia, psicofisiologia, psicossomática, entre outras, com vistas a alcançar o equilíbrio do aluno em seu aprendizado e em relação a seu corpo e suas atividades. Assim, a falta de coordenação motora, apontada pelos professores como um problema, a fraqueza muscular dos alunos, bem como a má postura, estão intimamente relacionados à falta ou ao desenvolvimento de consciência corporal nos alunos e a aquisição desses conhecimentos por parte do professor.

4.3.3 A aprendizagem e o desenvolvimento motor

Tal como a consciência corporal, a aprendizagem e o desenvolvimento motor também são temas circulares e estruturais no processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais. Aparece primeiramente como um problema “disfarçado” sob a falta de coordenação motora, fraqueza muscular, tensão, movimento repetitivo e “preguiça” por parte dos alunos. O tema

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retorna também, direta ou indiretamente, nos procedimentos e soluções, indicando assim que esse é um tema central na aprendizagem de instrumentos musicais. Aqui, novamente, os professores dizem não se sentirem aptos a lidar com a questão, seja para reconhecer problemas, apontar causas, utilizar procedimentos e vislumbrar soluções. Alguns autores ajudam a elucidar a temática. Seres humanos são diferentes entre si. Cada pessoa é única em sua constituição física. Assim, é importante adequar sistemas de ensino a demandas específicas individuais que têm como base um corpo que é único (SCHMIDT; WRISBERG 2001). Segundo Le Boulch (1987), para fazer uso das possibilidades corporais é necessário um trabalho psicomotor geral, em que se busca desenvolver a percepção do corpo. À medida que se fortalece a conscientização interna dos diferentes segmentos corporais, a disponibilidade geral também melhora. A base de consciência de educação da atitude estaria na tomada de consciência das sensações das diversas partes do corpo em ação. Segundo Schmidt e Wrisberg (2001), para os profissionais que ensinam movimento, como é o caso do ensino em música, algumas vezes é difícil determinar exatamente quando os estudantes progridem de um estágio de aprendizagem para o seguinte. Esses profissionais deveriam ser capazes de decidir quais formas de auxílio na instrução seriam mais adequadas para indivíduos em diferentes estágios de aprendizagem, avaliando o nível de aprendizagem do indivíduo e observando os vários aspectos de sua performance. Para os autores, confrontar eventos, definir problemas, “quebrar a cabeça” com eles, experimentar, tentar, pesquisar soluções eficientes é a maneira eficiente de resolver problemas, o que denominam de “abordagem baseada no problema”. Trata-se de uma abordagem que pressupõe que a melhor maneira de entender seria a capacidade de formular as perguntas certas. Assim, as perguntas chaves que fazem parte dessa abordagem são: Quem? O que? Onde? “Quem”, diria respeito à pessoa, o componente mais importante. “O que”, refere-se à natureza da tarefa a ser realizada, que os profissionais do movimento necessitam considerar. “Onde”, diz respeito ao contexto alvo, quer dizer, o contexto no qual o movimento é realizado, o local onde o aprendiz irá executar a tarefa, entre outros. Enfim, é preciso planejar uma estratégia de trabalho de forma a oferecer auxílio à instrução. Para isso, é necessário compreender os princípios que são importantes para a performance e para a aprendizagem motora, compreensão do modelo conceitual de performance humana, e utilização de

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abordagem com base no problema, com o objetivo de auxiliar os alunos a atingirem suas metas em movimento. Schmidt e Wrisberg (2001) alertam também que os profissionais do movimento devem aprender a lidar com diferenças nos padrões de capacidade das pessoas, e, desse modo, tentar determinas as bases desses padrões antes de oferecer auxílio à instrução. Ao avaliar os padrões de capacidade de um indivíduo, poder-se-ia selecionar as atividades mais adequadas às capacidades de cada pessoa, ajustando-as às necessidades de cada um. Assim, sugere-se que problemas no aprendizado da performance musical, como a falta de coordenação motora, por exemplo, possam ser vistos também sob a perspectiva da resolução de problemas. Um dos maiores desafios para os professores seria encontrar formas criativas de encorajar os alunos a trabalharem suas deficiências motoras.

4.3.4 Constituição física: diferenças individuais

Os professores apontam, ainda, a constituição física como fato que pode facilitar ou dificultar a aprendizagem de instrumentos musicais. São professores que concebem o corpo como um instrumento – o aluno estaria “pronto” ou “não” fisicamente para aprender –, o que indica, de certa forma, posicionamento discriminatório com base na constituição física, bem como aponta para as dificuldades de professores em trabalhar com diferenças individuais. Nesse sentido, Schmidt e Wrisberg (2001) afirmam que a configuração do corpo é um fator que influencia na performance das pessoas. Quando se trata do desempenho de uma variedade de habilidades físicas, crianças maiores e mais fortes, bem como as que amadurecem mais cedo, teriam mais vantagens. As características pessoais poderiam também contribuir para a performance de cada um, diferindo em motivação para o sucesso, coragem e vigor, o que pode ser considerado importante para o sucesso da atividade motora. Entretanto, proficientes executantes podem não saber como e o que fazem, principalmente porque muitos dos processos na performance habilidosa seriam automáticos. Entretanto, os padrões de capacidade necessários para a performance bem sucedida mudam com a prática, quer dizer, as diferenças individuais tendem a desaparecer ao longo do tempo. Então, aqueles alunos que sobressaem em suas performances no início podem não ser os mesmos que “se darão bem” mais tarde. Assim sendo, os professores deveriam tomar cuidado em relação a processos discriminatórios com base nas características físicas em

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determinada fase do aprendizado, o que pode desestimular ou propiciar processo de exclusão com base no “biotipo ideal”, já que a prática e o tempo podem mudar essa situação. A utilização de instrumentos e acessórios adequados, no que se refere ao peso, altura, tamanho em todas as suas dimensões, poderiam evitar sobrecarga na relação corpoinstrumento-acessórios, passando esses elementos a serem aliados do aluno em aprendizagem. Caberia ao professor a administração desses recursos, dentro das possibilidades em contexto, o que não impede a investigação sobre acessórios e instrumentos mais ergonômicos.

4.3.5 Movimento repetitivo

A indicação dos professores de que o movimento repetitivo causa cansaço, dores e lesões pode ser respaldada na literatura a respeito do tema. Apontado como problema, também tem a ver com o conhecimento das possibilidades físicas dos alunos, de como compensar movimentos que se repetem constantemente, para que não se transformem em processo de adoecimento. Segundo Settimi e Silvestre (1995), o mau uso, a utilização repetitiva e forçada de grupos musculares e a manutenção de postura inadequada podem causar debilitação corporal, que pode ser medida por meio de indicadores físicos, como, por exemplo, a eletromiografia. Os sinais clínicos de debilitação seriam a dor, tumores, crepitação e redução da função. A utilização biomecanicamente incorreta dos membros também pode causar dores, formigamento e queda de performance. O acometimento dos tendões, sinovias, músculos, nervos, degeneração de tecidos – principalmente nos membros superiores, região escapular e pescoço – também seriam possíveis conseqüências de debilitação corporal. Os autores relatam ainda que os distúrbios relacionados ao movimento repetitivo possuem quadro clínico variado, atingindo, principalmente, os membros superiores. Podem gerar também combinações desses quadros clínicos. Entre descrições dos sintomas desses distúrbios estariam: sensação de enrijecimento muscular, dores, fraqueza, fadiga, queimação, dormência, ardor, pontada agulhada, sensação de frio, inchaço, câimbras, distúrbios do sono e acometimento psicológico. Também ocorreriam incapacidades, tais como: diminuição da agilidade dos dedos, dificuldade para pegar e manusear pequenos objetos, incapacidade de sentar por muito tempo por causa de dor no pescoço e região cérvica-dorsal, dificuldade para manter ou mesmo mover os membros superiores e sensação de peso.

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Cinco estágios fazem parte do processo de adoecimento. 1. sintomas subjetivos, parcialmente limitados ao pescoço, ombro ou braços; 2. enrijecimento muscular e dor nos membros superiores; 3. aumento da intensidade ou extensão do enrijecimento ou dor muscular, presença de sinais neurológicos, distúrbios de sensibilidade, diminuição da força muscular, dores mais expandidas e acentuadas, tremor nos dedos, distúrbios motores, diminuição de funções, queixas maiores; 4. piora de todos os sintomas anteriores, incluindo distúrbios orgânicos (lesões), distúrbios de equilíbrio, entre outros, e sintomas mentais (instabilidade emocional, dificuldade de concentração, sono perturbado, distúrbios de pensamento, estado depressivo e histérico). 5. todos esses sintomas passam a ser sentidos não só na atividade geradora do problema, mas na vida diária. Nota-se, a partir dessa reflexão, quão sério pode ser o acometimento do músico, se o corpo for negligenciado, sem trabalhos preventivos e procedimentos sistematizados.

4.4

Conclusões

O ato de tocar um instrumento musical envolve múltiplas interações. O contexto do processo ensino-aprendizagem de instrumentos musicais é um campo rico, mas que ainda solicita o desenvolvimento de muitas pesquisas que investiguem seus diversos aspectos. Os resultados desta pesquisa revelaram que o processo de adoecimento do músico profissional é iniciado no contexto ensino-aprendizagem. Isso serve para sustentar empiricamente argumentos de caráter especulativo, existentes em outras pesquisas de autores citados no capítulo de revisão de literatura, como Costa (2003), Andrade e Fonseca (2000), entre outros, que focalizaram o adoecimento do músico profissional e apontaram para a necessidade de investigar o processo ensino-aprendizagem. Trata-se de preocupante constatação que solicita, urgentemente, o emprego de procedimentos pedagógicos e preventivos que interfiram nesse contexto, de forma a possibilitar a promoção de saúde e qualidade de vida aos alunos e aos professores, haja vista que ambos sofrem com problemas corporais. Espera-se que esta pesquisa já seja um passo nesse sentido. Os resultados deste estudo abrem caminho para novas reflexões a respeito do processo de aprendizagem em música. Partindo do princípio de que a cognição, como revelam algumas vertentes do pensamento contemporâneo (neurociência cognitiva, entre outras), é um grande

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sistema de redes em interação. Há de se rever os princípios teóricos que norteiam a reflexão e a ação nesse contexto. Segundo Varella et al. (2003), a cognição depende da capacidade de ter um corpo com diversas capacidades sensório-motoras e essas capacidades fazerem parte de um contexto biológico, psicológico e cultural. Esse é o conceito de ação incorporada. Os autores, com base na abordagem atuacionista, enfatizam que os processos sensoriais e motores – a percepção e a ação – evoluíram juntos nos indivíduos, e seriam inseparáveis da cognição vivida. Assim, a percepção é uma ação perceptivamente orientada, e as estruturas cognitivas surgem dos padrões sensório-motores, que viabilizam que a ação seja perceptivamente orientada. Desse modo, diferentemente da abordagem representacionista, em que a compreensão da percepção está centrada no problema do processamento de informações e em recuperar as propriedades pré-determinadas do mundo, a abordagem atuacionista estuda como um observador orienta suas ações em situações locais. Essas situações estariam em constantes mudanças e seriam resultantes da atividade do observador. Assim sendo, o ponto de referência de compreensão da percepção seria a estrutura sensório-motora. Essa abordagem tem como objetivo determinar os princípios comuns e ligações regradas entre o sistema sensorial e motor que possibilitariam como a ação pode ser perceptivamente orientada. Maturana e Varela (2004) compreendem a aprendizagem como expressão do acoplamento estrutural que funciona mantendo interações entre o organismo e o meio. O universo de condutas possíveis em um organismo, e que especifica os domínios possíveis de interações, é determinado por sua estrutura. Embora as mudanças não sejam completamente visíveis, toda experiência, especialmente em relação a nós mesmos, é modificadora. Isso porque toda interação interfere no funcionamento do sistema nervoso, causada pelas mudanças que nele desencadeia. Há uma plasticidade no sistema nervoso, cuja participação é fundamental na constituição do organismo. Os neurônios não se conectam como fios em tomadas. Seus pontos de interação entre células constituem equilíbrios dinâmicos, em que vários outros elementos colaboram, desencadeando mudanças estruturais locais. Essas mudanças seriam o resultado da atividade do sistema de células nervosas que se relacionam em uma atividade elétrica constante. Seus produtos viajam pela corrente sanguínea banhando os neurônios. Seu modo de operar é circular. Todo estado de atividade desencadeia outro estado de atividade nele mesmo. O caráter autônomo do ser vivo é enriquecido dessa maneira. Os processos de conhecer teriam

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como base o organismo como unidade no fechamento operacional do sistema nervoso. Assim sendo, conhecer é fazer a partir de correlações sensório-efetoras no universo de acoplamento estrutural existente nesse sistema. A aprendizagem ocorre a partir de uma história particular de interações Assim, o sistema nervoso participa de duas maneiras complementares nos fenômenos cognitivos. Primeiramente, pela ampliação de estados possíveis do organismo, surgidos do universo de configurações sensório-motoras permitidas por ele mesmo. Em segundo lugar, pela possibilidade do organismo se associar à grande possibilidade de estados internos e suas interações. Esse modo de conceber o processo cognitivo abre novos caminhos em direção às ações nos diferentes contextos de aprendizagem, do qual também faz parte o contexto ensinoaprendizagem de instrumentos musicais. A partir dos resultados, obteve-se um quadro teórico que pode servir como base para pensar um novo currículo, tanto para alunos quanto para a formação de professores, e que considere a didática do ensino de instrumentos com base na plena vivência e experiência do corpo em todas as suas dimensões. Passemos, então, à análise da situação atual de formação de professores de instrumentos, já que a falta de conhecimento dos docentes também é apontada como causa de problemas, haja vista que esses profissionais não saberiam lidar com as diversas situações corporais. Apesar da possibilidade de existirem profissionais de outra áreas, especialistas, que possam “tomar a frente” do processo, ajudando a esclarecer e orientar, quando em sala de aula, professores ainda não se sentem seguros em como lidar com o corpo do aluno, solicitando conhecimentos que poderiam servir como norteadores em sua prática pedagógica. Assim, como está sendo realizada a formação dos professores de música, “bacharéislicenciados”, que estão atuando na escola de música profissionalizante? Encontra-se, nesse contexto, a figura do bacharel, preparado para ser, a princípio, um instrumentista, e que, por razões de mercado, que dizer, ao concluir o curso, percebe que o mercado não contempla oferta para esse profissional, acaba se engajando no ensino em tempo parcial ou total. Ao fazer essa constatação, o recém–formado, para se engajar em alguma “fatia” do mercado de trabalho, procura cursar disciplinas que o “capacitem” legalmente para uma atuação, pelo menos como professor de instrumento musical. Um grande problema nesse tipo de “solução”, defrontado pelo bacharel, agora licenciado, é que a didática em foco, nos cursos de licenciatura em música, não vislumbra uma didática do instrumento musical. Então, o

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professor de instrumento licenciado por meio dessa rápida complementação em educação musical, inicia sua carreira pedagógica. De modo geral, em se tratando de escolas públicas e particulares de ensino fundamental e médio, os professores de música que atuam são aqueles que detêm o grau de Licenciado em Educação Musical e que operam em atividades de canto coral, bandinhas rítmicas, apreciação musical, história da música ou ainda como “recreadores” da escola, dependendo do olhar que a escola tenha sobre a função da música e do músico no ensino. Nas escolas de música e conservatórios, as funções acima descritas se repetem, com o adicional que alguns professores exercem a função de ensinar a tocar um instrumento musical. Mas, a formação de instrumentistas musicais, de um modo geral, é realizada nos cursos de bacharelado sem disciplinas de cunho pedagógico ou psicológico, que, nos diversos cursos de licenciatura, seriam as que preparariam o professor para atuar em sala de aula. Então, com que competência esse profissional está atuando? Em pesquisa realizada com músicos – professores –, Requião (2002) relata que o perfil desse profissional é o que considera sua atividade artística musical como seu primeiro objetivo profissional, pois tem nessa função a fonte de renda mais estável e segura no escopo de sua atividade profissional, considerando sua formação universitária apenas como uma complementação de sua atividade como músico. Hentschke (2000) afirma que os alunos que ingressam no curso superior de música são submetidos a um ensino tradicional, sem desenvolvimento de uma capacidade crítica e reflexiva sobre seu objeto de estudo. O aluno apresenta perfil de consumidor passivo do conhecimento. Os cursos de licenciatura se apresentam defasados, centrados no repasse de conteúdos musicais ou pedagógicos, sem estabelecimento de inter-relações entre esses. Espera-se que os próprios alunos façam as devidas conexões. O Ministério da Educação (MEC) já apresenta preocupação no sentido de que os cursos de bacharelado e de licenciatura compartilhem disciplinas. Pluger et al. (1998) afirmam que, atualmente, os cursos superiores em música discutem o direcionamento da profissão de músico, mediante as possibilidades do mercado de trabalho. Discute-se a formação necessária para o professor de instrumento musical, um perfil que desafia a divisão tradicional entre bacharelado e licenciatura. A realidade tem exigido um profissional equilibrado com competências pedagógicas e músico-instumentais. O perfil do professor de instrumento desafia a tradicional divisão entre bacharelado e licenciatura. Segundo Louro (1998), na estruturação curricular dos diversos cursos de música

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está a dicotomia entre bacharelado e licenciatura, que se destaca como uma entre muitas diferenças de estruturação curricular. A busca de um equilíbrio entre competências pedagógicas e músico-instrumentais seria pré-requisito para a formação desse profissional. A cisão entre teoria e prática estaria espelhada na divisão entre bacharelado e licenciatura. As competências pedagógicas seriam encontradas na licenciatura e a competência músico-instrumental no bacharelado. De análise curricular realizada em diversas universidades brasileiras, Louro (1998) constatou preocupação dos cursos de bacharelado em modificar esse quadro na formação do professor de instrumento, verificando a presença de disciplinas pedagógicas (didática, pedagogia e metodologia do instrumento) no curso de bacharelado. Entre 14 instituições pesquisadas, cinco não demonstraram preocupação em formar um profissional músico educador. Duas instituições apresentaram curso de licenciatura em instrumento. Nove instituições demonstraram preocupação na formação do professor de instrumento. Duas afirmaram formar o professor de instrumento na licenciatura e três não apresentaram disciplinas desse cunho. Nos cursos de bacharelado, destaca-se ainda a ausência de disciplinas pedagógicas, que poderiam ser obrigatória ou opcional. Para poder ensinar, não basta saber tocar um instrumento musical. O sucesso no ensino não provém automaticamente do sucesso na execução musical. Louro (1988) relata que, nos Estados Unidos, essa realidade já seria deferente, pois os cursos de bacharelado em instrumento já contemplariam disciplinas pedagógicas. A citada autora alerta para o perigo de professores de instrumento sem a devida formação pedagógica atuar sobre suas próprias idéias, sem a base da pedagogia musical alicerçada em pesquisas e práticas anteriores, podendo cometer erros grotescos com os alunos nesse tipo de prática não fundamentada. Disso também depende a valorização e o respeito do profissional de música no contexto escolar. Segundo Oliveira (1999), os cursos podem oferecer, a partir da área de conhecimento em música, habilitações específicas. O bacharelado e a licenciatura são considerados como modalidades de diplomação e como habilitações para o exercício profissional. Os cursos deverão garantir formação musical com identidade de princípios e ampla abrangência de conhecimentos da área, possibilitando inserção no mercado de trabalho com aprofundada atuação. O campo de conhecimento oferece a possibilidade de que o músico seja instrumentalizado para o exercício da prática docente, independentemente da sua subárea de atuação. Ainda de acordo com Oliveira (1999), não é compreensível que em um conjunto de

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campos de conhecimentos específicos não façam parte itens que contemplem o conhecimento pedagógico e que venham a preparar bacharelandos para o seu exercício profissional. Quanto às competências e habilidades, o curso de graduação em Música deverá possibilitar formação profissional que revele competências e habilidades para intervir na sociedade de acordo com suas manifestações culturais, de modo a demonstrar sensibilidade, criação artística e excelência prática, proporcionar pesquisa científica e tecnológica em música, contribuindo para criação, compreensão, difusão da cultura e seu desenvolvimento, atuar, de maneira significativa, nas manifestações musicais, instituídas ou emergentes, operar, em articulação com as diversas instituições, nos diferenciados espaços culturais e, especialmente, em instituições de ensino específico de música, e, por último, instigar criações musicais e sua divulgação como manifestação do potencial artístico. Quanto aos conteúdos curriculares, o curso de graduação em Música tem o dever de assegurar o perfil do profissional desejado, com base em tópicos de estudos ou de conteúdos interligados (OLIVEIRA, 1999). Os primeiros conteúdos básicos são os estudos relacionados com a cultura e as artes e que também envolvem as ciências humanas e sociais, com ênfase em Antropologia e Psicopedagogia. Os segundos conteúdos específicos são os estudos que delimitam e fornecem consistência à área de Música, abrangendo, dessa forma, os relacionados com o conhecimento em instrumento, em composição e em regência musical. Os conteúdos teórico-práticos são estudos que possibilitam a integração teoria/prática relacionada com o exercício da arte musical e do desempenho profissional, incluindo também Estágio Curricular Supervisionado, Prática de Ensino, Iniciação Científica e utilização de novas tecnologias. Hentschke (2001) afirma que o perfil do profissional previsto pela legislação atenderia plenamente às necessidades prementes, se levadas à ação. O conhecimento da legislação e de suas atribuições já seria um passo para discussões que possibilitem mudanças com vistas a novas perspectivas. A autora propõe que a perspectiva psicológica, sociológica, antropológica, etnomusicológica, política e cultural deveriam fazer parte do ensinoaprendizagem em Música, possibilitando a capacitação de profissionais que possam lidar com a complexidade dos fenômenos educativos-musicais, bem como com suas especificidades conforme os diferentes espaços de atuação. Para Oliveira (1999), os cursos de Música necessitam atentar para os padrões de qualidade dos cursos a que se referem os documentos oficiais, visando, dessa forma, ao desenvolvimento de políticas e programas que dêem sustentação aos cursos e às instituições.

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Os colegiados, por sua vez, deveriam discutir e avaliar os currículos, bem como programas e condições efetivas de funcionamento, com o fim de atender as expectativas da sociedade como um todo. O Governo, por outro lado, deve também proporcionar melhores condições de trabalho nas diversas instituições de educação, para que essas possam estar mais motivadas na busca de padrões de excelência educacional. O perfil que se exige para a atuação técnica tem sofrido grande mutação, exigindo superação do paradigma das qualificações limitadas às exigências dos postos de trabalho e determinando a emergência de um modelo de educação concebido com ampla flexibilidade. Finalmente, crê-se que a formação do músico em sala de aula passa por uma formação que integre teoria e prática, mas que considere também a legislação vigente, pois essa vislumbra tanto o potencial de mercado, quanto o perfil ideal de um profissional competente e atuante. No caso de formação que contemple a atuação competente no tocante ao corpo, respaldada em bases teóricas e práticas que ajudem a esclarecer as respostas obtidas nesta pesquisa, nota-se que as possibilidades de transformação nesse sentido são imensas, não havendo empecilhos legais para tal, já que a lei viabiliza a busca pela qualidade de ensino.

Considerações finais Esta pesquisa teve seus limites, como era de se esperar. Esses limites fazem parte da opção de recorte desta investigação. O primeiro deles foi a não-observação dos procedimentos que os professores relataram empregar. A pesquisa também se limitou a investigar apenas um contexto escolar de determinada região, cidade e país. Os resultados poderiam ser comparados a pesquisas semelhantes em outros contextos. Optou-se também por não analisar o currículo da escola, no qual haveria a possibilidade de averiguar os pressupostos básicos de ação dos professores. Também se optou por não realizar entrevistas com alunos, embora façam parte desse processo. Assim, espera-se que esses resultados possam trazer contribuições teóricas e práticas àqueles que buscam qualidade na educação do músico, bem como que possam servir como caminho para novas investigações. De início, percebe-se, a partir desta pesquisa, a necessidade de registro e investigações sobre casos de adoecimento, físico e psicológico, do músico em aprendizagem, em diversas

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faixas etárias. Poder-se-ia tentar estabelecer também relações com o adoecimento posterior do músico profissional. Da mesma forma, pode-se sugerir a realização de pesquisas que investiguem os currículos dos mais variados instrumentos e as demandas corporais em cada período curricular, vinculando essas necessidades ao aprendizado e desenvolvimento motor de crianças e de adolescentes. Também seriam bem-vindas investigações que registrassem a aplicação de técnicas corporais que visem à unidade psicofísica e suas contribuições à qualidade do aprendizado do instrumentista. O estudo de procedimentos preventivos ao adoecimento, com base em movimentos compensatórios aos movimentos realizados na aprendizagem de cada instrumento musical, também é uma das necessidades nesse campo. Investigações sobre fortalecimento muscular seriam, igualmente, uma grande aquisição na pesquisa sobre aprendizagem da performance musical. Reflexões teóricas que concebam o corpo como um sistema complexo, uma rede em constante e diferentes interações, também seriam interessantes, já que essas concepções vêm mudando no decorrer da história do corpo, e já que os resultados parecem indicar que o corpo gerador de maiores possibilidades seria o “corpo-organismo”. Porém, sente-se a necessidade de ampliar esse corpo para um corpo que atue dinamicamente em suas relações internas e externas ao organismo. O conceito de aprendizagem em música ou, ainda, o conceito de cognição em música, necessita ser revisto, tendo como base os estudos em neurociência cognitiva. Sob uma perspectiva da Sociologia ou da Psicologia Social, poder-se-ia também pesquisar o comportamento corporal existente entre músicos que atuam na área erudita e popular, investigando a origem desses comportamentos e suas conseqüências práticas. A criação de uma pedagogia específica para cada instrumento, como sugerida pelos professores, bem como a geração de conhecimentos sobre o corpo nesse contexto, passa pelas investigações sugeridas neste estudo. Caberia ainda investigar contextos diferentes sobre a relação músico-corpo instrumentos. Aí estariam outras escolas de música, em diferentes lugares, bem como os significados de corpo, problemas, causas, procedimentos e soluções para músicos de formação popular ou, ainda, autodidatas. Em síntese, espera-se poder dar continuidade a esta pesquisa, investigando processos de desenvolvimento da consciência corporal. Nesse sentido, deseja-se prosseguir na busca de um

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caminho mais humano e saudável para o aprender, que tem conseqüências não apenas para o domínio musical, mas para processos de aprendizagem como um todo.

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APÊNDICE A – QUANTITATIVOS EXPRESSÕES/SUBCATEGORIAS)

(NÚMERO

DE

PARTICIPANTES

NAS

1. SIGNIFICADOS DE CORPO 1.1 CORPO-INSTRUMENTO –26/ oboé 3, trompa 2, violão 2, flauta1/ GF 10 / AEI 1 /AGF 7 1.2 CORPO-MENTE 24 –/oboé 3, violoncelo 3, percussão 3, trompa 2, violão 1/ GF 3/AEI 3/ AGF 5 1.3 CORPO-ORGANISMO 8/ violoncelo 3, flauta 2, piano 1/ GF 2 1.4 CORPO-BASE 7/ clarineta 2, flauta 1, harpa 1/ GF 3 1.5 CORPO-SUJEITO 5 /violão 3, oboé 1, violoncelo 1 1.6 CORPO-OBJETO 1/violão 1 1.7 CORPO-EMOÇÃO 1/trompa 1 1.8 CORPO-CULTURA 1/ violoncelo 1 2. PROBLEMAS DORES 38 / percussão 7, violão 4, violoncelo 3, clarineta 3, trompa 2, violino 4, flauta 3, oboé 2, harpa 2./6 GF /2 AGF TENSAÕ 23/Percussão 2, violão 4, clarineta 1, violoncelo 4, violino 1, flauta 1, oboé 2, harpa 1./GF 3 / AEI 3 /AGF 1 MÁ POSTURA 8/ percussão 1, violão 1, clarineta 3, harpa 1, oboé 1 / AEI 1 FALTA DE CONSCIENCIA CORPORAL 7/ violoncelo 2, percussão 1 GF 3/ AGF 1 COORDENAÇÃO MOTORA 3/ AEI 3 CONCENTRAÇÃO 2/ percussão 1, violoncelo 1, AEI 1 CONTRAÇÃO 2/ violoncelo 1, violão 1 MEDO DE PALCO AGF 1 FRAQUEZA MUSCULAR 1 AEI 1 LESÕES 1 harpa 3. CAUSA DE PROBLEMAS TENSÃO 21/ percussão 2, violão 1, clarineta 2, trompa 2, piano 1, flauta 3, oboé 2/ Grupo Focal 3/ALCESTE EI 3/ ALCESTE GF 2. INSTRUMENTO RUIM 18/ percussão 2, violão 1, clarineta 2, trompa 2, piano 1, flauta 3, oboé 2/GF 2 / ALCESTE EI 2 / ALCESTE GF 1 FATORES EMOCIONAIS 11/ violão 2, violoncelo 2, violino 1, oboé 2, percussão 1. GF 2 / ALCESTE EI 1 FALTA DE CONSCIÊNCIA CORPORAL 8/ percussão 3, violoncelo 1, violino 1, piano1, oboé 1/ALCESTE GF 1 MOVIMENTO REPETITIVO 7/ percussão 3, violão 1, trompa 1, piano 1, oboé 1. MÁ POSTURA 5/ percussão1, oboé 2, harpa 2. ACESSÓRIOS 5 /violão 1, violino 2, piano1/GF 1. CONSTITUIÇÃO FÍSICA 5/ percussão1, clarineta 1, violão 1/ AGF 2. FALTA DE ESTUDO DO ALUNO 2/ percussão1, clarineta, 1. FORMAÇÃO DO PROFESSOR 2/percussão1, violão 1. Continua

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Continuação 4. PROCEDIMENTOS ORIENTAÇÃO VERBAL 41/ percussão 4, clarineta 1, violoncelo 1, piano 2, flauta 1, oboé 1, harpa 1 GF 17/ AEI 4/ AGF 9/ AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTOS 25/ percussão 3, violão 2, clarineta 1, violoncelo 2, violino 4, piano 2, oboé 2 GF 6/ AGF 3 COORDENAÇÃO MOTORA 11/ violino2, flauta1, percussão 5 /GF 2/ AEI 1. OBSERVAR O ALUNO 8/ oboé 1, violão 1, percussão 1, harpa, 1/ GF 3/ AEI 1. RELAXAMENTO 8/ percussão 1, violoncelo 1, violino 3, piano 2, oboé 1. POSTURA 5/ oboé 1, violino 1, flauta 2, piano 1 CONSCIÊNCIA DO CORPO 5/ harpa 1, oboé 2, percussão 2 ALONGAMENTO 5/ violoncelo 1, oboé 2, trompa 1, violão 1. USO DO ESPELHO 4/ percussão 1, violão 1, clarineta 1, oboé 1. IMITAÇÃO 3/ GF 2/ AGF 1 ACESSÓRIOS 3/ clarineta 1, trompa 1, harpa 1. RESPEITAR BIÓTIPO 3/ flauta 1, piano 2. RELAÇÃO MENTE-CORPO 2/ violoncelo 1, oboé 1 RELAÇÃO AFETIVA E EMOCIONAL 2/ oboé 1 piano 1 YOGA 1/ oboé 1 CINESIOLOGIA 1/ harpa 1 MASSAGEM 1/ oboé 1 META E DISCIPLINA1/ trompa 1 5. SOLUÇÕES FORMAÇÃO DE PROFESSORES 21 /percussão 1, oboé 2, piano 1, percussão 1, violão 1, violino 1/ GF 6/ AEI 8 TÉCNICAS CORPORAIS 9/ piano 1, harpa 1, GF 5 AGF 2 ATIVIDADE FÍSICA/ percussão 1, violoncelo 1, flauta 1, GF 5/ AGF 1 GERAÇÃO DE CONHECIMENTOS 5 / percussão 1 , violão 1, clarineta1, violoncelo 1,oboé 1 ACESSÓRIOS 4/ GF 3 /AGF 1 RESPEITO ÁS DIFERENÇAS 3 / piano 1, oboé 1, GF 1 INSTRUMENTOS/ GF2 ACOMPANHAMENTO FÍSICO E PSICOLÓGICO, oboé 1

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APÊNDICE B – QUADRO DE RESULTADOS A – Significados B – Problemas A1 – corpoB1 – dor instrumento

C – Causas C1 – tensão

D – Procedimentos D1 – orientação verbal

C2 – instrumentos ruins B3 – má postura C3 – fatores emocionais B4 – falta de C4 – falta de consciência consciência corporal corporal

D2 – ausência procedimentos corporais D3 – exercícios de coordenação motora D4 – observação

A 5 – corposujeito

B5 – falta de concentração

D5 – realização de relaxamento

A6 – corpoemoção A-7 – corpocultura A-8 – corpoobjeto

B6 – contrações

C5 – movimento repetitivo C6 – má postura C7 – acessórios inadequados C8 – constituição física C9 – falta de estudo do aluno

D9 – uso do espelho

C10 – falta de conhecimento do professor

D10 – imitação

A 2 – corpomente A 3 – corpobase A-4 – corpoorganismo

B2 – tensão

B7 – lesões B8 – medo de palco

B9 – falta de coordenação motora B10 – fraqueza muscular

D6 – cuidados com a postura D7 – consciência corporal D8 – realização de alongamento

D11 – uso de acessórios D12 – respeito ao biótipo do aluno D13 – desenvolvimento da relação mentecorpo D14 – desenvolvimento do afetivo e emocional D15 – utilização de princípios de yoga, cinesiologia e massagem.

E – Soluções E1 – formação de professores na área do corpo E2 – uso de técnicas corporais E3 – realização de atividade física E4 – geração de conhecimentos sobra a atividade corporal do músico E5 – uso de acessórios ergonômicos E6 – respeito às diferenças E7 – melhores instrumentos E8 – acompanhamento físico e psicológico do aluno

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APÊNDICE C – RELAÇÕES (estabelecidas pelos participantes da pesquisa) Problemas Dor

Causas Tensão; Instrumentos; Movimento repetitivo; Má postura; Acessórios ruins; Falta de estudo;

Procedimentos Orientação verbal (pedem para o aluno avisar se sentir dor); Uso de acessórios (eg. protetor de dentes); Massagem; Repetição.

Tensão

Tensão; Instrumentos; Fatores emocionais; Falta de consciência corporal; Falta de estudo. Acessórios nãoergonômicos; Constituição física.

Orientação verbal (emite comando contrário; abaixa o ombro!); Desenvolve a relação afetiva e emocional; Repetição. Observa o aluno; Orientação verbal (pede para que o aluno fique na postura correta); Alongamento; Exercícios posturais; Uso do espelho; Imitação; Uso de acessórios (eg. Talabarte, bancos com regulagem de altura); Respeito ao biotipo do aluno; Cinesiologia; Repetição.

Má postura

Soluções Formação de professores para prevenir e lidar com a dor; Geração de conhecimentos sobre prevenção da dor em músicos em aprendizagem; Prática de alongamentos como prevenção; Massagem; Criação e uso de acessórios ergonômicos; Acompanhamento físico. Formação de professores para detectar formas de tensão e desenvolver o relaxamento; Geração de conhecimentos sobre tensão em músicos em aprendizagem (fatores físicos e psicológicos); Massagem; Acompanhamento físico e psicológico. Formação de professores para trabalhar com a postura do aluno; Geração de conhecimentos sobre prevenção e problemas posturais em músicos em aprendizagem; Alongamento; Técnicas corporais (Alexander, Eutonia, yoga, etc.); Criação e uso de acessórios ergonomicamente corretos; Respeito ao biotipo e às diferenças individuais; Acompanhamento físico.

Continua

131

Continuação Problemas Causas Procedimentos Soluções Falta de O aluno “NÃO TEM” Sensibilização das partes do Formação de professores para desenvolver a consciência consciência consciência corporal; corpo. corporal do aluno; corporal O aluno não trabalhou Geração de conhecimentos sobre consciência corporal nos consciência corporal. músicos em aprendizagem; Uso de técnicas de consciência corporal (Eutonia, Alexander, etc.) Falta de Idade (adolescência Exercícios de atenção (prestar – concentração atenção ora no corpo, ora na música). Contrações Tensão; Exercícios posturais. Geração de conhecimentos sobre prevenção de contrações e Fatores emocionais. sobre contrações em músicos em aprendizagem; Criação e uso de acessórios ergonomicamente corretos. Lesões Tensão; Alongamentos; Formação de professores para tratar com prevenção de lesões; Instrumentos; Uso de acessórios (eg. Geração de conhecimentos sobre prevenção de lesões e sobre Movimento repetitivo; Queixeiras). lesões em músicos em aprendizagem; Má postura; Acompanhamento físico. Acessórios nãoergonômicos; Constituição física. Medo de palco Falta de consciência Relaxamento; Formação de professores para tratar com ansiedade, medo de corporal. Desenvolve a relação afetiva e palco; emocional; Geração de conhecimentos sobre medo de palco e ansiedade em Yoga; músicos em aprendizagem; Alongamento. Uso de relaxamento e alongamentos; Acompanhamento físico e psicológico. Continua

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Continuação Problemas Causas Falta de Tensão, instrumentos; coordenação Falta de consciência motora. corporal; Idade; Constituição física; Falta de conhecimento do professor. Fraqueza Falta de consciência muscular. corporal; Movimento repetitivo; Preguiça por parte do aluno.

Procedimentos Observa o aluno; Explica o tipo de movimento a ser realizado; Realização de exercícios: alternar o uso das mãos; Sensibilização das partes do corpo Alongamento; Cinesiologia; Exercícios de respiração; Exercícios de flexibilidade; Repetição.

Soluções Formação de professores para tratar com aprendizagem motora; Geração de conhecimentos sobre coordenação motora, desenvolvimento motor e aprendizagem motora em músicos em aprendizagem; Prática de natação. Acompanhamento físico. Formação de professores para tratar com fortalecimento muscular; Geração de conhecimentos sobre fortalecimento muscular em músicos na aprendizagem; Prática de atividade física (natação, hidroginástica, musculação) Acompanhamento físico.

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APÊNDICE D– TRABALHOS PUBLICADOS, TENDO COMO BASE ESTA PESQUISA

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