O corpo sob a ótica de Foucault e sua influência na dança de salão

May 23, 2017 | Autor: Bruno Blois | Categoria: Dance Studies, Michel Foucault, Ballroom Dancing
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II SEMINÁRIO INTERNACIONAL MICHEL FOUCAULT – CINQUENTENÁRIO DE AS PALAVRAS E AS COISAS

O CORPO SOB A ÓTICA DE FOUCAULT E SUA INFLUÊNCIA NA DANÇA DE SALÃO BRUNO BLOIS NUNES 105 MÁRCIA FROEHLICH106

Resumo: O corpo e seus movimentos são repletos de significados. Através da linguagem corporal, o homem, ao pôr em destaque sua sensibilidade, intervém na sensibilidade de outra pessoa. O corpo é utilizado para compartilhar emoções, ordens, sendo considerado uma forma de linguagem. Para tanto, este trabalho faz parte de uma pesquisa que envolve o estudo dos conceitos de disciplina, controle e vigilância desenvolvidos por Michel Foucault em trabalhos como As Malhas do Poder (1982), Microfísica do Poder (1998) e Vigiar e Punir (1999). Busca-se abordar os conceitos do corpo desde a Grécia Antiga até os dias atuais; além disso, investiga-se a vigilância obtida através do modelo panóptico e a mudança de controle do corpo passando da punição corporal ao sistema de vigia. A partir desses conceitos, procura-se analisar as influências que essas noções de comportamento corpóreo exercem em alunos de dança de salão. Considerase que a dança de salão pode servir como um instrumento de auxílio para a tentativa de harmonizar dois corpos. Dois corpos de experiências e objetivos diferentes, silenciados pelas normas sociais, mas que podem buscar novas formas de relacionamento através da dança. Palavras-Chave: Foucault, controle, vigilância, corpo, dança de salão.

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IFSul – Campus Pelotas - Mestre em História (UFPel). [email protected] IFSul – Campus Pelotas - Mestre em Letras (UFSM) - [email protected]

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1. INTRODUÇÃO Como fazer com que dois corpos que possuem suas experiências e objetivos distintos e que lutam constantemente e, silenciosamente com as normas sociais entrem em sintonia um com o outro? A dança de salão seria um instrumento de auxílio para essa questão? As danças, expressões da corporeidade viva, ainda seguem ditames das épocas em que surgiram. Contudo, essa corporeidade se expressa, ou não, dependendo do contexto em que está inserida. Tanto na era primitiva como no período contemporâneo, a dança tem um potencial muito revelador do “desenvolvimento e afirmação da identidade dos povos” (GRANGEIRO, 2014, p. 43). Através da comunicação corporal, o homem, ao pôr em destaque sua sensibilidade, intervém na sensibilidade de outra pessoa. O corpo é utilizado para “compartilhar emoções, transmitir ordens, partilhar ideias” (RECTOR; TRINTA apud VIANA; NÓBREGA, 2004, p. 3). Assim, o corpo e seus movimentos são repletos de significados. Entretanto, muitos deles podem parecer incompreensíveis num primeiro momento. “A capacidade de entrar em contato com os outros indivíduos valoriza as diferenças e a originalidade de cada ser através de uma profunda compreensão dada ao corpo” (CASSIMIRO; GALDINO; SÁ, 2012, p. 77). No entanto, o corpo tem uma longa trajetória de menosprezo. Tanto os componentes clássicos como os judaico-cristãos de nossa herança cultural ajudaram na formação de uma visão fundamentalmente dualista do homem que elevava, por caminhos e razões diferentes, a mente ou a alma e depreciava o corpo (PORTER, 1992, p. 292).

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Michel Foucault mostra, através de trabalhos como As Malhas do Poder (1982), Microfísica do Poder (1998) e Vigiar e Punir (1999), um corpo que antes era punido e, a partir do século XIX, passa a ser vigiado e controlado. A vigilância e o controle do corpo são fatores de extrema influência nas atitudes cotidianas das pessoas e, consequentemente, também podem ser identificados nas formas de comportamento dos alunos em aulas de dança de salão107. Este trabalho contempla, primeiramente, uma análise do corpo através da história. Em seguida, serão abordados alguns conceitos importantes acerca do panoptismo e do controle do corpo. Por fim, veremos a influência de algumas questões relevantes desses conceitos na prática da dança de salão. 2. O CORPO ATRAVÉS DA HISTÓRIA É interessante percebermos que as transformações do corpo, desde a Grécia Antiga até os dias atuais, ocorreram por determinações políticas, econômicas e religiosas das classes de maior influência em cada período (CASSIMIRO; GALDINO; SÁ, 2012, p. 64). A ciência, a religião, a educação, a moral, os costumes e outros serviram de motivação para manipular a “política de compreensão do corpo” (CASSIMIRO; GALDINO; SÁ, 2012, p. 67). Do ponto de vista ocidental, habituamo-nos a considerar o corpo como o oposto da mente, considerada superior. Essa “é uma herança que estamos carregando desde Platão” (PINTO; JESUS, 2000, p. 89). Para o filósofo grego, “a alma racional pertencente ao mundo das ideias, 107

Esse trabalho apresenta reflexões que constituem a fase preliminar de uma pesquisa que pretende analisar a influência de tais fatores de vigilância e controle corporais sobre o comportamento de alunos de dança de salão. As considerações aqui expostas baseiam-se nas observações advindas do exercício da atividade de professor de dança de salão, pois a etapa de observação sistemática da pesquisa ainda não foi concluída.

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é a parte mais nobre do homem. O corpo pertence ao mundo físico e é ruim, pior. O mundo das ideias é o bem supremo” (PINTO; JESUS, 2000, p. 90). Esse pensamento platônico atravessa a Idade Média e a Igreja Católica produz a associação do corpo com o pecado e estabelece uma estreita relação desse corpo com a sexualidade. Dessa maneira, o corpo somente obtinha valorização pelo fato de servir de morada para o espírito (PINTO; JESUS, 2000, p. 90). O homem subjugava a carne através de “obrigações religiosas e sociais” e descobria a purificação do corpo através de “torturas, flagelos, autopunição e castração de desejos” (PINTO; JESUS, 2000, p. 90). Vítimas de uma “ideologia anticorporal”, a dança e o esporte desaparecem na Idade Média (LE GOFF; TRUONG 2012, p. 147). Ao chegarmos à modernidade, em Descartes, atingimos o auge da exaltação do intelecto frente ao corpo. O corpo é considerado uma simples matéria incapaz de compreender o mundo, que só pode ser compreendido pelo intelecto (PINTO; JESUS, 2000, p. 90). A influência do modo de pensar cartesiano é visível até hoje no modo de pensar ocidental. Embora muito se tenha feito para superar a visão dualista do nosso mundo, essa “postura utilitarista e reducionista” ainda se faz presente na ciência atual (PINTO; JESUS, 2000, p. 91). Embora as relações entre corpo e mente não sejam inatas e a distribuição de suas funções e responsabilidade distingue-se entre os tempos, os contextos, as sociedades e as culturas, “a mente é canonicamente superior à matéria” (PORTER, 1992, p. 303, 307 e 308). Ou seja, a “mente, o desejo, a consciência ou o ego tem sido indicado

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como os guardiães e governantes do corpo, e o corpo deve ser seu criado” (PORTER, 1992, p. 303). Contudo, têm-se observado, atualmente, esforços para derrubar essas “velhas hierarquias culturais” que privilegiam a mente sobre o corpo (PORTER, 1992, p. 293). A grande questão que fica é se tais esforços buscam simplesmente elevar o valor do corpo sobre o da mente, mas mantendo a relação dualista; ou tratá-los irmãmente, mudando a relação de mente ou corpo para corpo e mente juntos em um “corpo” só. 3. O PANÓPTICO NOS DIAS ATUAIS No final do século XVIII, Jeremy Bentham idealizou um modelo de construção que fosse ideal para as prisões inglesas (ZIMMER, 2009, p. 26). Entretanto, esse modelo, o Panóptico, também é uma forma de planejamento para instituições educacionais, assistenciais e de trabalho (PERROT, 2008, p. 127). O Panóptico tinha como característica mais importante provocar na pessoa um efeito de vigilância permanente mesmo que o encarregado não o estivesse vigiando de maneira efetiva (FOUCAULT, 1999). O olhar exige muito menos despesa sem a necessidade de “armas, violências físicas e coações materiais” (FOUCAULT, 1998, p. 218). Apenas um olhar vigilante e cada indivíduo sentindo essa observação contínua acaba por interiorizar esse ato, levando o indivíduo a exercer o papel de vigia sobre si mesmo (FOUCAULT, 1998, p. 218). Uma sujeição real nasce mecanicamente de uma relação fictícia. De modo que não é necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento, o louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar à

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aplicação, o doente à observância das receitas. Bentham se maravilha de que as instituições panópticas pudessem ser tão leves: fim das grades, fim das correntes, fim das fechaduras pesadas (FOUCAULT, 1999).

O Panóptico de Jeremy Bentham, tão estudado por Foucault, foi remodelado para um formato mais atual e eletrônico. As câmeras de segurança e os seus avisos “Sorria, você está sendo filmado” encontramse em locais dos mais variados: shoppings, supermercados, bancos, aeroportos; além de elas poderem ser vistas pelas ruas monitorando o tráfego e as pessoas. As câmeras invadiram a privacidade das pessoas e podem ser encontradas tanto em edifícios para zelar pela segurança como em formatos menores espalhadas por todos os cantos da casa, vigiando o comportamento de babás e o movimento de curiosos que a frequentam. De uma realidade “fabricada” como um reality show para TV (por exemplo em O Show de Truman: O Show da Vida, 1998), ao controle e rastreamento ilimitado de indivíduos através da inteligência artificial os transformando em fantoches humanos dominados pela tecnologia (como em Controle Absoluto, 2008), os filmes também retratam esses novos modelos panópticos desenvolvidos na atualidade. Entre as possíveis consequências dos modernos panópticos, está o desenvolvimento de uma paranoia diante do estilo de vida a que se está sujeitado. Paranoia semelhante a que sofreu Winston no clássico 1984 de George Orwell ao desafiar a ditadura totalizante do Grande Irmão. Esse mesmo “Grande Irmão” pode ser visto representado na figura do professor de dança de salão. Ele seria o “grande vigia”, aquele que observa se o aluno está executando os passos de forma correta e se os faz elegantemente, de acordo com a música, com uma boa postura e com respiração adequada. 393

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Para isso, muitas vezes, o professor de dança conta com o auxílio de um espelho. O espelho funcionaria como um dispositivo de expansão auxiliar da capacidade de vigilância do professor que ajudaria na observação dos alunos e remete à disposição espacial do panóptico. O espelho, além de colaborar na autopercepção do aluno durante a execução dos passos de dança, impelindo-o à autorregulação de seus movimentos, funciona como um segundo par de olhos do professor nas aulas de dança. 4. O CONTROLE DO CORPO Durante toda a nossa vida, somos controlados das mais diversas maneiras. Esse controle pode ser visível ou invisível: censo, controles de natalidade e mortandade, câmeras de segurança, escuta telefônica, filas nos mais diversos estabelecimentos e horários fixos de trabalho são alguns exemplos que mascaram o nosso livre direito de ir e vir previsto no Art. 5 da Constituição Brasileira (BRASIL, 1988). Esse controle corporal está intimamente relacionado às concepções de corpo, as quais sofreram mudanças em diversos períodos históricos. Passando pela prática do esporte na Antiguidade, a “ideologia anticorporal” da Idade Média (LE GOFF; TRUONG 2012, p. 10), as reduções do contato corporal e o controle do gesto excessivo no período Renascentista (ARIÈS, 2009, p. 14), foi um longo caminho até chegar aos dias atuais. As análises foucaultianas dos anos 1970 investigavam como o corpo passou de “superfície de inscrição de suplícios e de penas” para um método que buscava “formar, corrigir e reformar o corpo” (REVEL, 2005, p. 31). Passou-se do controle social do corpo dado pela pena e detenção até o final do século XVIII, para a vigilância desse corpo a partir do início do século XIX (REVEL, 2005, p. 31). 394

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A partir de então, toda penalidade transforma-se em controle. Não estamos falando aqui apenas das ações que estão ou não de acordo com a lei, mas também “sobre aquilo que eles podem fazer, que eles são capazes de fazer, daquilo que eles estão sujeitos a fazer, daquilo que eles estão na iminência de fazer” (FOUCAULT apud REVEL, 2005, p. 29), pois a noção de corporeidade liga-se à realidade bio-políticahistórica, representando as marcas da sintomatologia social que assujeitam e subjugam o corpo às vicissitudes da época e do local. Essencial em Foucault é a percepção que ele desenvolve do corpo, como elemento de poder e saber, o que confere ao estatuto do corpo um papel estratégico exponencial como lugar de resistência do sujeito na sociedade (FERREIRA, 2013, p. 80).

Segundo Foucault, é a partir do século XVIII que a vida e o corpo tornam-se “objetos de poder” (1982, p. 38), isto é, “o controle da sociedade sobre os indivíduos começa pelo corpo” (CASSIMIRO; GALDINO; SÁ, 2012, p. 73). As tecnologias de política mostram uma importante invenção dos séculos XVII e XVIII: a disciplina (FOUCAULT, 1982, p. 36). Ela não nasce nesse período, mas sim, torna-se “fórmulas gerais de dominação” a partir de então (REVEL, 2005, p. 35). Para o pensador francês: Disciplina é, no fundo, o mecanismo de poder pelo qual chegamos a controlar no corpo social até os elementos mais tênues pelos quais chegamos a atingir os próprios átomos sociais, isto é, os indivíduos. Técnicos de individualização do poder. Como vigiar alguém, como controlar sua conduta, seu comportamento, suas aptidões, como intensificar seu rendimento, como multiplicar suas capacidades, como colocá-lo no ponto em que ele será

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mais útil, isto é o que é, a meu ver, a disciplina” (FOUCAULT, 1982, p. 36).

Essa tecnologia disciplinar é muito aplicada na educação onde “os indivíduos são individualizados dentro da multiplicidade” (FOUCAULT, 1982, p. 36). Colocados em filas, o professor tem a possibilidade de observá-los um a um e ver se estão presentes, o que estão fazendo, se demonstram desinteresse pela aula (FOUCAULT, 1982, p. 37). No ensino da dança de salão, muito dessa disposição comentada acima é utilizada. O professor demonstra um passo na frente do espelho (quando há um) e os alunos atrás se posicionam para “imitá-lo”. Não é necessário nem pedir para se organizarem, pois, a disciplina recebida no Instituto Educacional parece já estar incorporada, de maneira inconsciente, e a disposição dos seus lugares assemelha-se com a da sala de aula, os alunos formam fileiras de maneira que todos consigam enxergar o professor, mesmo sabendo que todos eles estão sendo observados. O professor de dança de salão mantém o mesmo modelo de observação dos tempos da escola com um acréscimo: o deslocamento constante para analisar a execução dos passos dos alunos e fazer possíveis correções. E é a partir dessa vigia que o aluno busca um controle maior do movimento, perdendo sua espontaneidade provocada pela vigilância e fazendo com que sua mensagem corporal não seja disposta em sua totalidade. Por isso, é importante para o professor a observação não somente do gesto executado, mas também de sua interrupção. Talvez isso seja o que tem de mais importante: a dança é o que, além da mostração dos movimentos ou da

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prontidão em seus desenhos exteriores, revela a força de sua retenção. Certamente, só se mostrará essa força no próprio movimento, mas o que conta é a legibilidade poderosa da retenção (BADIOU, 2002, p. 80).

Isso significa que a dança vai produzir significado não somente com os gestos executados, mas também através dos gestos não realizados, bloqueados, imobilizados. A dança irá dialogar tanto no movimento quanto na sua própria retenção. O corpo na dança é um corpo atraente, sedutor e elegante. Muitas vezes, é essa provocação corporal que faz com que outros corpos não se ofereçam à prática da melhor maneira possível e, dessa forma, os corpos são controlados, evitando a expressão possível através da dança. Da mesma forma que podemos perceber o exercício de poder do professor perante o aluno, é possível também observar as relações de poder entre os alunos. A tentativa de controle do corpo do parceiro através de uma condução de força excessiva feita de maneira dissimulada, a força utilizada na execução de um movimento por parte dos homens como forma de mostrar virilidade são algumas das técnicas de controle observadas nas aulas de dança. 5. A DANÇA DE SALÃO NOS DIAS DE HOJE E ALÉM A dança chega aos dias atuais em um contexto de exploração capitalista. A revolta do corpo, sobretudo sexual, enfrenta uma nova forma de repressão: ao invés do “controle-repressão”, nos deparamos com o “controle-estimulação”. Estimula-se a ficar nu, ser magro, bonito e bronzeado (FOUCAULT, 1998, p. 147). Padrões são impostos à sociedade, sendo reforçados pelos meios de comunicação.

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Os avanços da Internet deslocam as relações entre os corpos em outro patamar. Muito embora Pierre Levy acredite que a comunicação por meio de computadores substitua os encontros físicos (LEVY, 1999, p. 128), a influência dessas novas práticas é notória. Alguns autores, como David Le Breton, vão mais além e já preveem uma sociedade incorpórea. Em sua obra Adeus ao Corpo, o autor traz uma nova forma de se pensar o corpo em uma sociedade tecnologicamente avançada mostrando até certa repulsa à carne. Esse desprezo ao corpo não é novidade, visto sua aplicabilidade desde as ideias platônicas, mas o que impressiona é a repugnância que o corpo parece causar. Em meio à liberdade tanto corpórea como das convenções sociais proporcionada pelo ciberespaço, a dança poderia perder seu espaço no futuro. Não haveria mais a preocupação com a vigilância e controle dos alunos, mas sim, com a “presença corpórea” deles. Não se trataria mais de o professor tentar controlar o comportamento de um corpo em sua aula, mas sim, de fazer com que o aluno esteja presente em sua aula de corpo e alma, além de manter pleno interesse na valorização de trocas de experiência entre seres humanos por meio da dança de salão. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Vimos que, pela ótica Ocidental, costumamos pensar a relação corpo/mente através de uma perspectiva dualista que remonta aos tempos de Platão. Esse pensamento atravessou a Idade Média e, ao chegar no século XVII, com René Descartes, alcançou o seu apogeu, sendo influente até os dias atuais. Tal visão levou ao desenvolvimento de técnicas de controle e vigilância dos corpos, tidos como inferiores à mente.

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A idealização de um modelo de construção voltado à vigilância (panóptico) foi deveras influente na sociedade ocidental e pode ser visto, atualmente, devido aos avanços tecnológicos, nas mais diversas formas: das câmeras de segurança a canetas espiãs. A sujeição provocada pelo modelo de vigilância se desfez do uso da força física para criar uma vigilância de maior efeito nas pessoas, produzindo corpos disciplinados. A dança de salão encontra, nesse contexto capitalista e de evolução tecnológica, uma dificuldade das práticas de controle e vigilância exercidas nas salas de aula frente às permissões concedidas no ciberespaço. As facilidades das mudanças identitárias, as relações afetivas virtuais e, consequentemente, um menor convívio presencial entre indivíduos parecem afetar consideravelmente as propostas de ensino da dança de salão. Acredita-se que a dança de salão possui um papel de extrema relevância nas práticas das relações sociais “de corpo presente” e pode ser usado como um instrumento de auxílio para a tentativa de harmonização de dois corpos. Corpos esses de experiências e objetivos diferentes, silenciados vigiados e controlados pelas normas sociais, mas que podem buscar novas formas de relacionamento através da dança. 7. REFERÊNCIAS ARIÈS, Philippe. Por uma história da vida privada. In: ARIÈS, Philippe; CHARTIER, Roger. (Orgs.). História da vida privada 3: Da Renascença ao Século das Luzes. Tradução: Hildegard Feist. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009. p. 9-25. BADIOU, Alain. A dança como metáfora do pensamento. In: ______. Pequeno manual de inestética. Tradução: Marina Appenzeller. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. p. 79-96.

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