O crowdfunding no jornalismo brasileiro: um panorama sobre o uso de uma nova fonte de financiamento

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SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo 14º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo Palhoça – Unisul – Novembro de 2016

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O crowdfunding no jornalismo brasileiro: um panorama sobre o uso de uma nova fonte de financiamento Fernando Soares1 Universitat Autònoma de Barcelona Resumo: Este artigo aborda o uso do crowdfunding como instrumento de financiamento em projetos jornalísticos no Brasil e procura traçar um perfil sobre como essa nova atividade transcorre no mercado brasileiro. Para isso, analisa as iniciativas publicadas entre 2011 e 2015 nas páginas Catarse e Kickante, duas das principais plataformas do país dedicadas à realização de campanhas de financiamento coletivo. Dentro desse contexto, a pesquisa procura examinar diferentes aspectos, como o volume de propostas realizadas no período, os valores arrecadados, os investidores, os autores dos projetos e os tipos de produtos que obtêm recursos para ser desenvolvidos. Palavras-chave: Crowdfunding; Financiamento; Jornalismo; Economia dos meios; Modelos de negócio.

1. O público como investidor A palavra crowdfunding é cada vez mais reconhecida ao redor do mundo. O financiamento coletivo ou microfinanciamento, maneiras como o termo pode ser traduzido do inglês, é um fenômeno que cresce de tamanho com rapidez. A modalidade funciona de uma maneira simples e envolve basicamente dois atores: o empreendedor e o investidor. Alguém que quer criar um produto ou oferecer um serviço ao público necessita dinheiro para viabilizar sua ideia. Para isso, estabelece uma meta de arrecadação e

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Graduado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e Mestre em Comunicação e Jornalismo pela Universitat Autònoma de Barcelona (UAB), Espanha.

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busca na internet pessoas que estejam dispostas a investir na causa, oferecendo uma contrapartida àqueles que resolvem apostar nela. Do outro lado, estão pessoas que simpatizam com o tema em questão e que podem ajudar a torná-lo algo real. O conjunto das contribuições de diferentes indivíduos possibilita que a ação atinja o valor necessário e, assim, seja desenvolvida. Como ressalta Scott (2015), o financiamento coletivo pode influenciar diretamente a cultura popular e os rumos de certas industrias tradicionais. Nesse sentido, uma das principais características dessa ferramenta é fazer com que vozes antes desconhecidas ganhem terreno. Um levantamento da consultoria norte-americana Massolution, especializada no setor, estimava que essa modalidade teria um faturamento global de US$ 34,4 bilhões durante o ano de 2015. Ou seja, a atividade já pode ser encarada como uma indústria de grande porte, que move montantes semelhantes aos de multinacionais de renome. A mesma empresa ainda destaca que no mundo existem mais de 1,2 mil páginas de crowdfunding ativas, nas quais o público pode submeter propostas ou investir nelas. O crowdfunding pode ser encarado como um fruto da chamada economia criativa, conceito descrito por Howkins (2007) no início dos anos 2000. Para o autor, “a criatividade em si mesma não tem valor econômico. É necessário moldá-la para que seja incorporada em um produto negociável, caso exista valor agregado comercial.” (Howkins, 2007, p.17). Dentro desse contexto, a rede é um elemento chave para a circulação das ideias criativas. E o crowdfunding tem uma dinâmica que remete às características definidas por Howkins, já que as ideias que buscam capital financeiro para ser realizadas necessitam atrair a atenção do público em meio a diferentes opções e, para isso, precisam ter algum diferencial que faça com que um indivíduo se identifique e apoie com seu dinheiro aquela iniciativa específica. Ainda que o financiamento coletivo por meio da internet tenha começado por volta de 2003, como recordam Freedman e Nutting (2015), foi no final desta década que essa modalidade alcançou um novo patamar. Algumas das principais páginas no mundo nesse setor, como Kickstarter e Indiegogo, foram criadas entre 2008 e 2009. E desde então existem várias outras opções disponíveis online, indo desde páginas dedicadas a

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temas específicos como música ou causas sociais até plataformas de caráter generalista, nas quais é possível pleitear verba para projetos de dezenas de segmentos. O jornalismo é uma das tantas áreas contempladas em muitas das plataformas de arrecadação espalhadas pelo mundo. Além do mais, ao longo da última década, surgiram algumas páginas voltadas especificamente para esse campo de atuação. Atualmente, o site norte-americano Beacon, criado em 2013, é uma das principais referências entre as plataformas dedicadas exclusivamente ao jornalismo. Como recorda o Nieman Lab, projeto da Universidade de Harvard sobre jornalismo, até mesmo meios tradicionais dos Estados Unidos, como San Francisco Chronicle, Texas Tribune e Los Angeles Times chegaram a recorrer ao Beacon para financiar reportagens. Por outro lado, também há uma série de iniciativas de crowdfunding dentro do jornalismo que tiveram vida curta ou que então não chegaram a sair do papel, como ocorreu com CrowdNews, Newspryng e Uncoverage, por exemplo. Já a plataforma britânica Contributoria, que pertencia ao Guardian Media Group, permaneceu ativa entre janeiro de 2014 e setembro de 2015, arrecadando mais de £ 268,5 para 787 matérias. Até mesmo o norte-americano Spot.us, um dos pioneiros na área, fechou suas portas em fevereiro de 2015 após sete anos de atuação. Aitamurto (2011) destaca que o crowdfunding possibilita o empoderamento do leitor, que acaba se tornando decisivo dentro do processo de produção e distribuição da notícia, já que é ele quem decide o que vai ou não ser financiado. E para seduzir esse investidor, o jornalista tem de desenvolver novas caraterísticas, entre elas a de convencer o público sobre a importância de seu projeto. Neste contexto é que se dá a movimentação dos jornalistas no sentido de apostar no financiamento coletivo como uma possível fonte de receitas. O tamanho exato que o jornalismo tem dentro da indústria do crowdfunding global ainda é difícil de se calcular. No entanto, Mitchell e Vogt (2016), pesquisadoras do Pew Research Center, mapearam todos os projetos publicados nessa categoria no Kickstarter entre 2009 e setembro de 2015, algo que permite ter uma ideia de como o financiamento coletivo vem sendo utilizado pelos jornalistas. Nesse período, passaram pela página quase 3 mil propostas, sendo que 658 conseguiram atingir a meta estabelecida e, como consequência, foram concretizadas. No total, os projetos bem-sucedidos 3

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angariaram US$ 6,2 milhões. Apesar de receber um número crescente de projetos e gerar cifras maiores a cada ano, a categoria jornalismo, segundo as autoras, representa apenas 0,3% de todo o faturamento do Kickstarter. Em suma, os números ainda são pequenos se comparados com outros segmentos, mas se vê um crescimento no número de jornalistas utilizando o crowdfunding a cada ano e a perspectiva é de que esse caminho continue sendo explorado pelos profissionais do segmento.

2. Crowdfunding no jornalismo brasileiro A ascensão do uso do crowdfunding pelos jornalistas coincide com um período de muitas incertezas para o setor, em especial para os grandes meios que por muito tempo foram hegemônicos nesse mercado. O Brasil não é um caso isolado no mundo e, dessa maneira, o jornalismo brasileiro igualmente vive um cenário pouco alentador. Os grandes meios de comunicação passam por um momento de turbulência, marcado pelo encerramento de publicações, diminuição de investimentos e demissões coletivas em muitas redações. Essas características se fazem presentes com mais intensidade nas publicações impressas. Dados da Associação Nacional de Jornais (ANJ) mostram que a circulação de jornais foi de 7,5 milhões de exemplares diários em 2014, abaixo dos 7,8 milhões de exemplares impressos por dia no ano 2000. Já as receitas com publicidade obtidas por jornais e revistas também apresentam queda. Elas passaram de R$ 25,3 bilhões a R$ 22,1 bilhões, entre 2013 e 2015, de acordo com o Kantar Ibope Media. Questões inerentes às receitas com assinantes e publicidade em baixa também são frutos, até certo ponto, da conjuntura econômica pouco favorável que o país vem enfrentando recentemente. Como destaca Picard (2011), um ciclo econômico negativo traz impactos negativos a diferentes tipos de negócios em variáveis como produtividade e nível de emprego. Entretanto, na visão do autor, os meios de comunicação apresentam uma maior sensibilidade em comparação com outros ramos. “Primeiro, a venda de produtos e serviços de comunicação é afetada pelas condições gerais da economia. Segundo, a venda de publicidade é fortemente afetada por essas mudanças.” (Picard, 2011, p.102-103). Um cenário de recessão gera uma espiral de consequências para a indústria dos meios de comunicação, lembra Albarran (2010). Como há mais pessoas desempre4

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gadas ou impactadas de alguma maneira pela crise econômica, elas se veem obrigadas a reduzir custos nos seus orçamentos domésticos e, com isso, as despesas com o consumo de notícias ou de produtos de entretenimento costumam estar entre os principais cortes. Em paralelo à crise de modelo de negócio das empresas, ainda há uma crise de confiança de parte da população em relação à postura editorial da chamada grande mídia. No caso brasileiro, uma pesquisa do Instituto MDA em parceria com a Confederação Nacional do Transporte (CNT), de outubro de 2015, mostra que 58,1% dos cidadãos “confia pouco” ou “não confia” na imprensa local, enquanto que 40,4% “confia sempre” ou “confia muito”. De todo modo, em meio aos problemas das grandes companhias jornalísticas, percebe-se que a mídia alternativa do país vem ganhando mais expoentes e está procurando oferecer um conteúdo diferente daquele existente nos canais tradicionais. E são as pequenas publicações e projetos voltados ao jornalismo que estão liderando a busca por novas fontes de recursos que permitam a sustentabilidade financeira de suas ideias. No Brasil, as raízes do crowdfunding como uma via confiável de financiamento remetem ao ano de 2011, quando surgiu a primeira página do gênero no país, o Catarse. Antes disso, até existiam canais para juntar recursos por meio da internet, mas sem a mesma configuração das plataformas de financiamento coletivo conhecidas hoje em dia. Com o passar do tempo, mais companhias entraram nesse segmento. Hoje, o país possui uma série de plataformas, algumas delas especializadas em temas como música, causas animais, ações sociais ou dedicadas a impulsionar microempreendedores. No final de 2013, apareceu o Kickante, outra plataforma de caráter generalista, como o Catarse, e que atualmente figura no rol das principais páginas brasileiras desse tipo. Por esse motivo e também pelo fato de as duas empresas possuírem uma categoria chamada “Jornalismo” elas foram selecionadas para esse estudo. Para traçar o perfil das iniciativas postadas nessas páginas brasileiras, analisamos todas as propostas sob prisma semelhante ao utilizado por Mitchell e Vogt (2016), investigadoras do Pew Reserch Center, que levaram em consideração diferentes aspectos (ver Tabela 1) para extrair os dados.

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Tabela 1 – Critérios utilizados para compilar os projetos Indicador Ano do projeto

Definição Em que ano a campanha de arrecadação foi publicada.

Valor arrecadado

Valor obtido pelo projeto em Reais (R$).

Investidores

Quantidade total de pessoas que apoiaram o projeto.

Tipo de autor

Grupo de indivíduos Indivíduo Instituição Meio de comunicação Outro

Formato do produto

Documentário Fotojornalismo Internet Jornal Livro Múltiplo formato Rádio/Podcast Revista Outro

Resultado final

A proposta atingiu ou não a meta de arrecadação estabelecida.

Fonte: Elaborado pelo autor, baseando-se em Mitchell e Vogt (2016)

Analisando todos os projetos jornalísticos inseridos nas duas plataformas, é possível constatar que, entre 2011 e 2015, foram criadas 141 propostas jornalísticas. O Catarse é responsável pela maior parte delas, 117 no total. O Kickante, que começou a receber propostas de jornalismo em 2014, abrigou 24 campanhas. No desempenho ano a 6

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ano, a quantidade de projetos apresenta uma trajetória positiva de evolução (ver Figura 1). Em 2011 foram realizadas 16 campanhas. No ano seguinte, o número baixou a 15, mas ainda mantendo certa estabilidade. Desde então, os índices não param de crescer. Em 2013, 22 projetos tiveram espaço, subindo a 29 em 2014 e a 59 em 2015, recorde absoluto até o momento. Figura 1 – Volume de projetos de crowdfunding no Brasil

Fonte: Elaborado pelo autor com dados de Catarse e Kickante

Nem todas as propostas conseguiram ter sucesso em seu objetivo, o que é natural dentro do universo do financiamento coletivo. Entretanto, o número total de projetos que superaram a meta de arrecadação vem em uma ascendente, algo que demonstra que cada vez mais jornalistas estão apostando nessa ferramenta. Foram 8 campanhas de sucesso em 2011, passando a 11 no ano seguinte e a 14 tanto em 2013 quanto em 2014. Já em 2015, aconteceram 18 projetos exitosos, proporção mais alta até agora. No total, 67 projetos de jornalismo alcançaram a meta de arrecadação definida, o que permitiu a realização das iniciativas. Nesse grupo, encontram-se 65 proposições publicadas no Catarse e outras 2 no Kickante. Em geral, o índice de sucesso de todas as 7

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campanhas jornalísticas é de 47%. Ou seja, quase metade das ações submetidas ao crivo do público no período entre 2011 e 2015 acabaram tendo êxito. Esse índice é maior que a taxa da categoria Jornalismo no Kickstater entre 2009 e 2015, que foi de 22%, conforme Mitchell e Vogt (2016). Porém, há de se analisar esse dado com cautela, já que a amostragem da plataforma americana é de quase 3 mil campanhas, enquanto que no caso brasileiro está em pouco mais de uma centena.

3. Investimento em ascensão Com um número cada vez maior de propostas colocadas na rede é natural que os valores movimentados pelo crowdfunding no jornalismo brasileiro também apresentem uma variação positiva ano após ano. Somando o período que compreende os anos de 2011 e 2015 os jornalistas arrecadaram R$ 1.448.832,00 nas 141 propostas levadas às plataformas Catarse e Kickante. Obedecendo à lógica, a maior parte desse valor foi obtida pelas 67 propostas que atingiram suas metas de arrecadação. Esse grupo, mais precisamente, faturou R$ 1.309.359,00, quase 90% do montante geral. Na comparação com as receitas de grandes empresas de comunicação, os números são pequenos, mas claramente o crowdfunding vem possibilitando a realização de muitas iniciativas de pequeno porte e, dessa forma, surge como um novo elemento de manutenção financeira dentro dessa atividade. Nos três primeiros anos, houve crescimento constante nas cifras envolvendo os projetos jornalísticos (ver Figura 2). Em 2011, os jornalistas brasileiros conseguiram captar R$ 92,3 mil, sendo que R$ 86,2 mil foram correspondentes apenas aos projetos que conseguiram superar a meta financeira imposta. Na temporada seguinte, o número mais que dobrou, chegando aos R$ 209,4 mil no total, sendo R$ 197,2 mil somente entre as campanhas de sucesso. A trajetória seguiu em alta em 2013, movimentando R$ 279,4 mil ao todo, sendo R$ 262,4 mil entre as propostas exitosas. Já em 2014, pela primeira vez o desempenho apresentou queda em relação aos valores investidos no ano anterior. Naquele período foram angariados R$ 264 mil, sendo que R$ 242,8 mil do montante é creditado às iniciativas bem-sucedidas. Essa retração foi mais do que compensada nos resultados de 2015, ano que mais movimentou 8

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recursos até o momento. Ao todo, o faturamento alcançou R$ 603,7 mil, sendo R$ 515,5 mil só entre as campanhas que passaram a barreira de valores preestabelecida. Figura 2 – Valores arrecadados a cada ano (em milhares de R$)

Fonte: Elaborado pelo autor com dados de Catarse e Kickante

A quantidade de recursos investidos é fruto direto do engajamento das pessoas em torno das propostas publicadas nas plataformas de financiamento coletivo. Sendo assim, é possível constatar que a participação do público repete o desempenho referente aos valores arrecadados entre 2011 e 2015. No quadro geral, constata-se que 16.974 pessoas contribuíram em algum dos 141 projetos disponibilizados no período. Levandose em consideração apenas as 67 propostas bem-sucedidas, o público investidor chega aos 14.906 indivíduos. Dessa maneira, 47% dos projetos contaram com o auxílio de 87% do público total envolvido com contribuições às proposições ligadas ao jornalismo. Quanto mais gente participa, maior é a quantidade de dinheiro circulante dentro do crowdfunding, algo lógico. Assim, é possível averiguar que nos três primeiros anos em que houve aumento de arrecadação também aconteceu uma elevação na participação das pessoas (ver Figura 3). 9

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Figura 3 – Número total de investidores a cada ano

Fonte: Elaborado pelo autor com dados de Catarse e Kickante

Em 2011, 1137 cidadãos colocaram dinheiro em algum projeto de jornalismo nas páginas Catarse e Kickante. No ano seguinte, a participação aumentou a 1954 indivíduos e em 2013 chegou aos 3383. Então, em 2014, aconteceu uma pequena redução no número de doadores, totalizando 3047. Contudo, em 2015, a trajetória voltou a ser positiva, chegando aos 7453 colaboradores, mais que o dobro em relação à temporada anterior e maior número obtido até o momento. Dividindo todos os doadores pela quantidade total de propostas criadas ao largo desses cinco anos, o número médio de investidores é de 120 em cada projeto. Se analisarmos somente as 67 propostas de êxito, esse índice é de 222 pessoas por cada iniciativa.

4. Os produtos financiados e seus autores Pela ótica dos formatos escolhidos pelos autores dos projetos de crowdfunding dentro do jornalismo brasileiro, nota-se uma predileção por iniciativas baseadas na in10

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ternet. Os projetos de produtos produzidos online foram 57 no total (ver Tabela 2). Em seguida, aparecem Revista, com 24 propostas e Livro, com 21. Essas três categorias centralizam a maior parte do volume de iniciativas, representando 72% das 141 campanhas já realizadas. Em segundo plano surgem as categorias Múltiplo (11 propostas), Jornal (9), Documentário (8), Outro (6), Rádio/Podcast (3) e Fotojornalismo (2). A categoria Internet também tem ampla liderança no ranking de propostas que acabaram atingindo a meta de arrecadação estabelecida, algo que ocorreu 31 vezes entre 2011 e 2015. Assim, quase metade de todas ações realizadas, precisamente 46% delas, envolveram conteúdos publicados online. Na sequência figuram Livro (12 projetos bem-sucedidos), Revista (8), Múltiplo formato (5), Jornal (4), Outro (4) e Documentário (3). As únicas categorias que não conseguiram emplacar nenhuma proposição foram Rádio/Podcast e Fotojornalismo. Ainda que os projetos em rede sejam os que vêm se mostrando mais eficazes em números totais, a categoria Outro é a que tem o melhor índice de aproveitamento. Ao todo, 66% das propostas encaixadas nessa vertente conseguiram o dinheiro pleiteado junto ao público. Esse grupo é constituído por projetos que envolvem ações de ensino do jornalismo, participação de jornalistas em eventos e compra de equipamentos, basicamente. A categoria Livro tem uma taxa de êxito de 57% e é seguida por Internet (54%), Mútiplo formato (45%), Jornal (44%), Documentário (37%) e Revista (33%). Tabela 2 – Tipos de produtos Número de projetos

Número de projetos

Porcentagem de projetos

por categoria

financiados por categoria

financiados por categoria

Internet

57 Internet

31

Outro

66%

Revista

24 Livro

12

Livro

57%

Livro

21 Revista

8

Internet

54%

Múltiplo

11 Múltiplo

5

Múltiplo

45%

Jornal

9

Jornal

4

Jornal

44%

Documentário

8

Outro

4

Documentário

37%

Outro

6

Documentário

3

Revista

33%

Rádio/Podcast

3

Rádio/Podcast

0

Rádio/Podcast

0%

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Fotojornalismo

2

Fotojornalismo

0

Fotojornalismo

0%

Fonte: Elaborado pelo autor com dados de Catarse e Kickante

Esses projetos de produtos jornalísticos vêm sendo realizados por diferentes tipos de autores. Mitchell e Vogt (2016) destacam que há basicamente quatro tipos de atores que buscam financiamento coletivo dentro do jornalismo: os indivíduos, os grupos de indivíduos, os meios de comunicação e as instituições. No Brasil, utilizando esse parâmetro, constata-se um certo equilíbrio ao redor de três categorias: Grupos de indivíduos, responsáveis por 48 projetos, Meio de comunicação, com 43 ocorrências, e Indivíduo, com 38 iniciativas criadas (ver Tabela 3). Completam a lista, Instituições, autoras de 11 ações, e Outro, com uma proposta. Tabela 3 – Tipos de autores Número de projetos

Número de projetos

Porcentagem de projetos

por autor

financiados por autor

financiados por autor

Grupo de indivíduos

48 Meio de comunicação

26

Instituição

63%

Meio de comunicação

43 Grupo de indivíduos

21

Meio de comunicação

60%

Indivíduo

38 Indivíduo

13

Grupo de indivíduos

43%

Instituição

11 Instituição

7

Indivíduo

34%

Outro

1

0

Outro

0%

Outro

Fonte: Elaborado pelo autor com dados de Catarse e Kickante

Esses dados mostram que os jornalistas que recorrem ao crowdfunding não possuem vínculos com a grande imprensa brasileira. Ou seja, são atores novos que começam a buscar seu espaço e se organizam de maneira individual ou coletivamente. Mesmo os autores que se enquadram na categoria Meio de comunicação possuem um perfil distinto frente aos grandes meios, já que se tratam principalmente de pequenos negócios de jornalismo no Brasil, muitos deles criados há pouco tempo. Aliás, essa é a categoria que mais conseguiu financiamento, emplacando 26 produtos. Depois aparecem Grupo de indivíduos, com 21 projetos bem-sucedidos, Indivíduo, com 13 ocorrências, e Instituição, com sete. De todo modo, as instituições são as que têm uma melhor taxa de aproveitamento, já que obtiveram êxito em 63% de suas proposições. Nesse quesito, 12

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Meios de comunicação superaram a meta de arrecadação em 60% das vezes, Grupo de indivíduos em 43% e Indivíduo em 34%.

5. Conclusões O cenário desenhado até o momento permite visualizar que cada vez mais jornalistas vão recorrer ao financiamento coletivo. Os números já obtidos são positivos e demonstram que existe espaço para o crescimento dessa modalidade. Fatores como a popularização desse mecanismo entre a população e a crise dos meios tradicionais, em relação ao modelo de negócio e à perda de credibilidade, contribuem para que novas publicações alternativas surjam e fazem com que o público demonstre um apetite maior por um outro tipo de conteúdo. Assim, as plataformas de crowdfunding representam um ponto de encontro entre essas duas pontas, entre jornalista e leitor. Por outro lado, ainda que esteja em constante evolução, o número de projetos até o momento ainda é pequeno, algo que demonstra que há um longo caminho até a consolidação do crowdfunding como uma fonte estável de manutenção financeira dentro do jornalismo. Nenhum indivíduo, grupo de indivíduos, meio de comunicação ou instituição se mantém exclusivamente da verba do crowdfunding. Na realidade, esse mecanismo tem se mostrado eficaz para financiar projetos específicos, como reportagens sobre temas que recebem pouco ou nenhum espaço nos meios tradicionais. O fator inovação é fundamental para que as propostas submetidas às plataformas de arrecadação de recursos sejam exitosas, já que as pessoas que investem estão à procura de algo diferente da informação obtida por meio dos canais tradicionais. Não que exista uma competição entre os pequenos meios e grupos com os grandes veículos brasileiros por um mesmo espaço, pelo contrário. O crowdfunding acaba estimulando uma maior pluralidade no jornalismo local, já que possibilita que vozes distintas das que eram hegemônicas até pouco tempo atrás ganhem espaço. Entre os diferentes pontos positivos e os desafios que se impõem é possível fazer uma simples analogia sobre a utilização dessa ferramenta dentro do jornalismo brasileiro. O crowdfunding nesse momento se encontra em uma etapa inicial do seu ciclo de vida e começa a dar seus primeiros passos. Pouco a pouco, vai ganhando força e sua capacida-

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de de crescimento será aprimorada. Até que consiga um grau de maturidade, nem tudo sairá como o esperado. Os jornalistas brasileiros estão experimentando essa nova alternativa e só a prática é o que levará à consolidação da mesma. Ou seja, cada vez mais profissionais e coletivos estão recorrendo a este instrumento e deixando sua criatividade fluir, justo em um momento turbulento para o mercado como um todo. Com o passar o tempo, estará mais claro quais são as fórmulas e propostas que melhor funcionam junto ao público. Como resultado, mais ações dentro do jornalismo conseguirão ser financiadas coletivamente no Brasil, acompanhando uma tendência global.

Referências ALBARRAN, Alan. The media economy. Nova Iorque: Routledge, 2010. AITAMURTO, Tanja. The impact of crowdfunding on journalism. Journalism Practice, V.5, n.4, p.429-445. 2011. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JORNAIS (ANJ). Circulação média diária dos jornais pagos. Disponível em: Acesso em: 27 de julho de 2016. CATARSE. Jornalismo. Disponível em: < https://www.catarse.me/pt/explore#by_category_id/15> Acesso em: 28 de julho de 2016. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO TRANSPORTE (CNT). Relatório síntese rodada 129, 20 a 24 de outubro de 2015. Disponível em: < http://cms.cnt.org.br/Imagens%20CNT/PDFs%20CNT/Pesquisa%202015/Relatorio% 20SINTESE%20-%20CNTMDA%20129.pdf> Acesso em: 27 de julho de 2016. CROWDSOURCING.ORG. Global crowdfunding market to reach $34,4B in 2005, predicts Massolution 's 2015 CF industry report. Disponível em Acesso em: 25 de julho de 2016. FREEDMAN, David e NUTTING, Matthew. A brief history of crowdfunding. Disponível em: Acesso em: 25 de julho de 2016. HOWKINS, John. The creative economy, how people make money from ideas. Londres: Penguim, 2007.

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KANTAR IBOPE MEDIA. Investimento publicitário em meios de comunicação. Disponível em: Acesso em: 27 de julho de 2016. KICKANTE. Jornalismo. Disponível em: < http://www.kickante.com.br/jornalismo> Acesso em: 28 de julho de 2016. MITCHELL, Amy e VOGT, Nancy. Crowdfunded journalism: A small but growing addition to publicly driven journalism. Disponível em: Acesso em: 26 de julho de 2016. NIEMAN LAB. Beacon finds partnerships and matching donations work better than subscriptions and paywalls. Disponível em: Acesso em: 28 de julho de 2016. PICARD, Robert. The economics and financing of media companies. Nova Iorque: Fordham University Press, 2011. SCOTT, Suzanne. The moral economy of crowdfunding and the transformative capacity of fanancing. New Media & Society, V.17, n.2, p.167-182. 2015.

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