O CUIDADO ECOLÓGICO COMO RESPONSABILIDADE DA MISSÃO DA IGREJA

May 27, 2017 | Autor: Edu Fettermann | Categoria: Teologia, Missão Integral, Espiritualidade Cristã, Teologia Da Missão Integral
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O CUIDADO ECOLÓGICO COMO RESPONSABILIDADE DA
MISSÃO DA IGREJA

Eduardo Fettermann Rodrigues de Oliveira


INTRODUÇÃO

A Missio Dei, missão de Deus no mundo, inclui a reconciliação das relações do homem com Deus, com o próximo e com a criação. Via de regra, o processo evangelístico tradicional das igrejas protestantes visa apenas a duas destas relações – com Deus e, em menor escala, com o próximo. O cuidado com a criação é negligenciado nos púlpitos com frequência, a ponto de causar certo estranhamento quando se inclui a questão ecológica como parte da missão da igreja.
Diante da crise ambiental que se apresenta no mundo – falta de recursos hídricos, derretimento das calotas polares, previsão de esgotamento das reservas de petróleo em 40 anos (LOBÃO, 2010) e níveis alarmantes de poluição e produção de lixo –, se faz necessária uma reflexão aprofundada sobre o tema, especialmente em áreas em que o assunto não é debatido extensamente, como a teologia. Faz-se urgente uma nova hermenêutica que contemple a criação como parte fundamental da visão missiológica da igreja de Jesus.

1 HOMEM: MORDOMO DA CRIAÇÃO

O relato da criação apresentado em Gênesis mostra a ação de Deus ao trazer à existência todas as coisas. Todas as formas de vida surgem a partir dele, sendo o homem o toque final do processo. A narrativa bíblica apresenta um Deus envolvido com o que cria, de modo que ele passeia pelo jardim (Gn. 3.8) e fica satisfeito com tudo o que fez (Gn. 1.31). Para o teólogo Leonardo Boff, Deus se vê feliz com a criação porque "cada coisa, desde as estrelas, as plantas, os animais e os seres humanos, vem carregada de excelência e de sentido, porque guarda em si a marca registrada de Deus" (BOFF, 1995, p. 64).
Tendo o homem dentro de si esta fagulha de Deus por ter sido criado à imagem e semelhança da trindade, chega-se à conclusão que seu papel na criação não é o de dominador/conquistador, mas de cuidador/mordomo. O Altíssimo convoca o homem para agir como seu representante no mundo, o que exige do ser humano a mesma mentalidade e a mesma afeição do criador com relação à natureza criada. O Deus que cria todas as coisas e zela por elas delega ao homem a responsabilidade de dar seguimento ao cuidado e à administração do mundo.
A queda do homem apresenta, inegavelmente, fatores ecológicos importantes. Homem e mulher recebem de Deus permissão para consumir quaisquer frutos e alimentos que pudessem obter do Éden. Há apenas uma restrição: que não se coma do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn. 2.17). Brota no coração do primeiro casal, então, um desejo egoísta de ter o que não lhes era permitido nem necessário. Ao desobedecer à ordem do criador, o homem gera então um desequilíbrio permanente na criação. A terra torna-se maldita (Gn. 3.17) e só se consegue sobreviver dela com sofrimento.
A partir desta leitura bíblica que foca na criação, e não apenas no homem, pode-se analisar com maior profundidade a relação do ser humano com a natureza através da história. Faz-se importante entender a movimentação histórica, o momento em que de fato acontece a ruptura com a ideia bíblica de mordomia e cuidado com a criação para a mentalidade predominante até os dias de hoje, da exploração e da dominação dos recursos naturais para a expansão do lucro e o avanço da ciência e da indústria.

2 A CRISE AMBIENTAL E A IGREJA

Na mentalidade padrão evangélica, a preocupação ecológica não consta da lista de prioridades teológicas. De acordo com o teólogo alemão Jürgen Moltmann, esta omissão da igreja em abordar questões ambientais sob o ponto de vista bíblico foi um fator determinante para o agravamento da crise que afeta o planeta.

A crise do mundo moderno não surgiu apenas através das tecnologias que possibilitaram a exploração da natureza ou em decorrência das ciências naturais (...). Ela se baseia muito mais na ambição que pessoas têm por poder e prepotência. No âmbito cultural cristão, esta ambição foi, através de uma fé bíblica da criação, mal-entendida e mal usada, liberta de suas antigas inibições religiosas: o "sujeitai a terra" foi concebido como mandamento divino para o domínio da natureza, para a conquista da terra e para a dominação do mundo pelas pessoas (...). Portanto, a fé cristã na criação, assim como ela é representada no cristianismo das igrejas ocidentais, no cristianismo europeu e norte-americano, não está isenta de culpa na atual crise mundial (MOLTMANN, 1993, p. 43).
Também para Boff, uma interpretação equivocada do chamado mandato cultural – o texto do capítulo 1 de Gênesis onde Deus ordena ao homem que domine sobre todas as coisas – certamente colaborou para a negligencia humana com relação à natureza,

O judeo-cristianismo, por exemplo, afirma que o ser humano foi criado para ser o zelador da Terra como jardim do Éden (...). Entende-se na herança espiritual de São Francisco de Assis, que se sentia irmão e irmã de cada criatura, da estrela mais distante e da lesma do caminho. Com tantos ideais e com valores tão preciosos, porque o cristianismo não soube educar a humanidade e impossibilitar o ponto crítico atual? Antes, pelo contrário, conferiu-lhe boa consciência de que ao dominar e explorar a terra cumpre um mandato divino. E que as consequências perversas do dominium terrae são antes tributáveis à Providência divina que à irresponsabilidade humana (BOFF, 1995, pp. 101-102).

A visão de que o mandato cultural era uma ordem divina para que o homem subjugasse a criação e se colocasse acima dela foi muito difundida na história hebraica. A partir desta interpretação das Escrituras, "colocou-se o ser humano na condição de alguém superior à natureza e não pertencente a ela, dando-lhe por isso o direito de explorá-la para os seus interesses pessoais e egoístas" (PROENÇA, 2016). É possível, a partir desta concepção, entender como se construiu o conceito antropocêntrico que pauta o mundo ocidental há séculos, chamando-se esta exploração contínua e maligna da criação de pecado estrutural.
O equívoco interpretativo do texto sagrado não é a única causa da catástrofe ambiental que atinge o planeta. Além disso, outras doutrinas e ramos filosóficos tiveram sua contribuição para que o homem se visse acima da natureza e da criação e se sentisse livre para utilizá-las da maneira que quisesse. O gnosticismo, corrente filosófica de grande influência no período em que o Novo Testamento foi escrito, afirmava que o pecado e o mal habitavam na matéria. Assim, grande parte do mundo naquele tempo entendia que o caminho para se chegar à verdadeira felicidade e plenitude de vida era justamente negar a matéria – o mundo e o que nele há são maus e, portanto, passíveis de serem destruídos em nome do bem e do progresso.
Boff elenca diversas razões pelas quais a crise ecológica atingiu os níveis históricos com os quais nos deparamos nos tempos atuais, alertando para o perigo de se recorrer a desculpas e argumentos prontos para justificar o injustificável (1995). A primeira delas é a tecnologia. "Certamente, a tecnologia atual cobra alta taxa de iniquidade ecológica. Ela implica sistemática exploração dos 'recursos naturais', o envenenamento dos solos, a deflorestação e a poluição atmosférica" (BOFF, 1995, p. 103).
Uma questão fundamental na análise da crise ambiental, especialmente no que diz respeito a uma visão teológica da criação, passa pelo reconhecimento de que o modelo de sociedade em que se vive tem grande influência na maneira como tal sociedade lida com a natureza. Nas palavras de Boff,

todas as sociedades históricas são energívoras, consomem de forma sistemática e crescente energias da natureza. Particularmente a moderna, pois ela se estrutura ao redor do eixo da economia, entendida como arte e técnica de produção ilimitada de riqueza mediante exploração dos "recursos" da natureza e da invenção tecnológica da espécie humana. Por consequência, nas sociedades modernas a economia não é mais entendida em seu sentido originário como gestão racional da escassez, mas como a ciência do crescimento ilimitado (BOFF, 1995, pp. 107-108).

Além de uma interpretação egoísta das Escrituras e da influência de diversas correntes filosóficas, é possível compreender que a estrutura social – permeada pelo pecado do individualismo e pela ruptura do homem com a criação – é perversa e voltada para a exploração de todo e qualquer tipo de recurso que se possa obter a partir da natureza. Não só os chamados recursos naturais, como água, eletricidade e combustíveis fósseis, mas também os recursos humanos: o homem explorando seu igual em busca de desenvolvimento e lucro a qualquer custo.

3 O CUIDADO AMBIENTAL COMO MISSÃO DA IGREJA

A Missio Dei, isto é, a missão de Deus na terra através de sua igreja, busca a reconciliação do homem com todas as coisas. Esta visão teológica se apresenta claramente nos escritos paulinos, especialmente no texto de Colossenses: "Pois foi do agrado de Deus que nele habitasse toda a plenitude, e por meio dele reconciliasse consigo todas as coisas" (Cl. 1.19,20a, NVI). Assim, a missão foca na reconciliação do homem com Deus, com o próximo e com a criação – três dimensões relacionais que foram abaladas com a queda.
A visão evangelística/missionária mais comum é a que busca a salvação da alma: a mensagem é predominantemente voltada para a compreensão de que o homem é pecador e precisa de salvação, e que fora de Cristo não há solução para este problema. Esta parte do processo atende, ainda que de forma básica, a necessidade da reconciliação do homem com Deus. Acontecendo a conversão, entende-se que a pessoa foi salva, saindo do papel de criatura de Deus para a qualidade de filha de Deus, conforme interpretação comum ao escrito joanino.
Não tão frequente quando o primeiro caso é o ensino bíblico-teológico que busca dar ao homem a compreensão da importância de se reconciliar com o próximo. Existem diversas maneiras de se abordar este tema, e muitas igrejas têm investido em trabalhos comunitários e sociais com o objetivo de envolver seus membros em atividades que visem ao bem do outro. Novamente, ainda que não se cubra na totalidade a riqueza do que significa tal reconciliação, é possível, mesmo numa leitura rasa do panorama atual, identificar este movimento.
A maior dificuldade está em abordar a questão ecológica sob o ponto de vista bíblico e teológico. Grande parte – para não dizer a quase totalidade – dos líderes religiosos não enxerga na Teologia da Criação um assunto digno de ser abordado nos púlpitos. Moltmann (1993) afirma que o boom do desenvolvimento destruidor da natureza aconteceu em sociedades cristãs, e que isto é um sintoma da falta de ensino bíblico sobre a importância da reconciliação entre homem e criação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo-se do princípio que a missão da igreja busca a reconciliação de todas as dimensões de relacionamento que envolvem o homem, isto inclui a relação do homem com o mundo criado. Se por um lado sobram iniciativas evangelísticas e sociais que busquem a salvação da alma e a inserção do homem em uma comunidade de fé, por outro faltam ações bíblicas que visem à preservação do mundo e à restauração da harmonia entre homem e criação. Esta omissão por parte da igreja precisa ser superada para que se tenha a visão de que o mundo todo, e não apenas o homem, será alcançado pela redenção oferecida por Jesus Cristo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LOBÃO, Edison. Reservas atuais de petróleo devem se esgotar em 40 anos. Disponível em: . Acessado em 04 jun. 2016.

MOLTMANN, Jürgen. Deus na criação: Doutrina ecológica da criação. Petrópolis, 1993. Editora Vozes.

BOFF, Leonardo. Dignitas Terrae – Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. São Paulo, 1995. Editora Ática.




Citação extraída do material do professor Dr. Wander de Lara Proença, da disciplina de Ecoteologia, da pós-graduação EAD em Missão Integral do Contexto Urbano. A data utilizada na citação foi em referência ao ano do curso, e não especificamente da produção do texto por parte do Dr. Proença.



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