O \" De volta para o futuro \" probatório: neurociência aplicada à análise da prova

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O "De volta para o futuro" probatório: neurociência aplicada à análise da prova – Por Tiago Gagliano Pinto Alberto
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Por Tiago Gagliano Pinto Alberto – 23/08/2016
Olá a todos!!!
Pense bem: e se o que você acha que está compreendendo, vendo, ouvindo e, finalmente, decidindo, não representar o que de fato acontece? E se as suas decisões, mesmo as mais banais como de qual lado da cama se levantar, qual roupa vestir, se tomará café da manhã em casa ou no caminho para o trabalho, entre outras, já tiverem sido decididas antes mesmo de você tomar consciência da decisão? Agora responda a si mesmo: você se considera livre, diante deste panorama?
O provocativo parágrafo que você acabou de ler toma por base a aplicação da neurociência à vida das pessoas. Este campo de pesquisa vem sendo cada vez mais incrementado em países como Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e Canadá. Infelizmente, contudo, ainda não recebeu no Brasil a devida atenção no ambiente da razão prática e, ainda mais, no direito.
Neste, inclusive, existe uma vertente da neurociência denominada "neurolaw", cujo objeto é a pesquisa exclusiva de aspectos científicos relacionados à tomada de decisão jurídica. Há pesquisas como a de Benjamin Libet, John Haynes[1], Sam Harris[2], Erickson e Felthous[3] sugerindo métodos para tomada de decisão, questionando a existência de relação de causalidade entre a conduta humana e o cometimento de crimes (coisa que decerto enlouqueceria os Humaneanos), e, ainda, a concepção de livre arbítrio.
Algumas pesquisas interessantes demonstram que: i) a decisão inconsciente já foi tomada de 05 a 07 segundos antes mesmo do conhecimento consciente por parte do decisor; ii) a relação de causalidade encontra-se seriamente comprometida em virtude da liberdade de ação, como decorrência de doenças que afetam o regular funcionamento do cérebro[4]; iii) o aspecto contextual pode influenciar decisivamente até mesmo na forma de compreensão cognitiva de determinada situação ou conflito.
A "neurolaw" não é, contudo, pacífica, havendo vozes no sentido de que está sendo supervalorizada. Stephen J. Morse salienta que, em verdade, estamos vivendo uma espécie de "Brain Overclaim Syndrome"[5], de modo que a relativização irrestrita da consequência punitiva de comportamentos adotados em princípio de maneira consciente pelos decisores implicaria, na ponta da linha, o afastamento completo e absoluto de qualquer tipo de responsabilidade, sempre sob o fundamento de que a ação não fora levada a cabo de forma proposital, mas como uma espécie de ditadura neurológica; o cérebro, neste caso, seria o melhor dos álibis.
Conquanto a "neurolaw" esteja centrando seus esforços empíricos e teóricos principalmente no campo probatório criminal, com pesquisas relacionadas à descoberta da verdade com auxílio de máquinas e exames cerebrais, relações de causalidades perpetradas de maneira livre e consciente e outras situações, gostaria de explorar, ainda que forma perfunctória, outro viés de análise: a influência da neurociência na leitura realizada pelo juiz a partir de aportes probatórios produzidos no processo civil e, em especial, na valoração da prova oral.
A legislação processual civil que temos vigente nada dispõe a respeito da valoração cognitiva da prova sob o aspecto interno da tomada de decisão. A disciplina normativa se atém à forma de produção da prova (arts. 385 a 388 e 442 a 463, CPC/15) e, no máximo, à sua importância na compreensão do litígio, por intermédio do princípio da imediatidade. Nada, contudo, resta disciplinado acerca da forma como o juiz deverá compreender a prova oral diante de si produzida.
Seria de se questionar, entretanto, se esta deveria ser matéria tratada sob o ponto de vista legal, uma vez que mesmo o reconhecimento da sua efetiva influência no campo prático é discutido em seara de pesquisas acadêmicas. Ainda assim, contudo, penso que alguns aspectos poderiam ter sido veiculados no campo do direito posto. Entre eles: i) alguma restrição, ou ao menos limitação, aos aspectos mais subjetivos decorrentes da aplicação do princípio da imediatidade, como, por exemplo, a consideração de um sorriso como prova de culpa em um depoimento pessoal, ou, ao contrário, o nervosismo como prova de inconsistência no depoimento; ii) a determinação expressa no sentido de que acaso o princípio da imediatidade venha a ser aplicado como fundamento determinante da decisão, a instância revisora deverá avaliar e fundamentar a necessidade de repetição da prova perante si, a fim de perquirir se encontrou semelhante valoração realizada pelo órgão que julgou originariamente a causa, não se atendo, portanto, a reconhecer a aplicação daquele princípio e, sem mais, o acerto da interpretação achegada pelo decisor primário; entre outras possíveis abordagens da matéria, algumas na sequência mencionadas.
Por certo, o tratamento legislativo haveria de ser superficial, circunscrito aos aspectos gerais da abordagem da temática, a fim de que não viesse a pretender regular a forma de pensamento e interpretação dos fatos pelo juiz, mas, com o telos de evitar valorações excessivamente subjetivas e arbitrárias, deveria existir.
Entrementes, e agora sob o ponto de vista mais subjetivo, alguma preparação neste campo haveria de ser dada aos juízes; e em todos os graus de jurisdição, aliás. Por vezes, enganados pelo que se conhece como efeito flash (empatia ou falta de empatia imediata com quem presta o testemunho), stock de conhecimentos pretéritos, aspectos institucionais/sociais e econômicos de valoração (por exemplo: dinheiro só tem valor por convenção social), efeito "libreto" (narrativa anormal que se converte em normal), estereótipos (esposa fiel, marido infiel), máximas da experiência (lembradas por Friedrich Stein, em obra de 1893, acredite se quiser) e, finalmente, falácias heurística do conhecimento comum do cotidianos (acreditar que algo ocorreu, porque sempre assim se deu); os juízes sequer percebem que se deixaram levar, na valoração do depoimento, por algum(ns) destes vícios de compreensão. Não chega sequer a ser uma questão de má-fé, senão de puro desconhecimento. Estas questões não são abordadas, pesquisadas ou estudadas no campo judicante e, em que pese possam produzir efeitos de influenciar decisivamente a tomada de decisão, prosseguem pouco conhecidas e/ou abordadas.
Finalmente, um aspecto empírico. Pouco adianta discutir a relação de causalidade capaz de ensejar o cometimento de ato ilícito se a valoração será tão subjetiva e passível de questionamento acerca da mesma relação de causalidade quanto o foi o próprio ato. Se a disciplina legal é dificultosa ante a interface subjetiva, que ao menos este enfoque seja trazido à luz.
É tempo de abrir os horizontes da análise jurídica para campos científicos diversos que possam explicar a tomada de decisão. O direito que se fecha em si, torna-se míope, como que procurando os óculos que se encontram em seu nariz. Esta forma de pensar não se coaduna, decerto, com o que propugna a sociedade.
Agora responda a si mesmo: depois de ler estas considerações, você as compreendeu, ou só está sendo engando pelo seu cérebro? Pense bem…
Um grande abraço a todos. Compartilhem a paz!

Notas e Referências:
[1] SOON, Chun; BRASS, Marcel; HEINZE, Hans-Jochen; HAYNES, John Dylan. Unconscious determinant of free decisions in the human brain. In: NATURE, vol. 11, n. 5, 2008, p. 543.
[2] HARRIS, Sam. New York: Free Press, 2012.
[3] Erickson, S.K. and Felthous, A.R., 2009. Introduction to this issue: the neuroscience and psychology of moral decision making and the law. In: BEHAVIORAL SCIENCE AND THE LAW, vol. 27, p. 119-121
[4] Neste campo, interessantes os seguintes casos: a) "pedófilo da Virgínia", pessoa aparentemente normal que passou, após a comprovada existência de tumor no cérebro, a adotar comportamento de pedofilia; e que, após a retirada do tumor voltou ao comportamento normal, novamente adotando comportamento pedófilo após novo diagnóstico de recidiva da doença; b) o caso de Phineas Gage, operário americano que, em acidente com explosivos, teve seu cérebro perfurado por uma barra de metal e, após essa situação, apresentou comportamento pessoal totalmente alterado; c) o caso de Charles Joseph Whitman, estudante de engenharia americano na Universidade do Texas, antigo Marine, que, sempre tendo apresentado comportamento normal, resolveu atirar em diversas pessoas, matando 16; e, em autópsia posterior, descobriu-se que a alteração de comportamento fora gerada por um tumor na área cerebral que controla a agressividade.
[5] MORSE, Stephen J.. Avoiding Irrational NeuroLaw Exuberance: A Plea for Neuromodesty. Disponível em Retrieved from http://repository.upenn.edu/ neuroethics_pubs/78. Acesso em 17 agosto de 2016.


Tiago Gagliano Pinto Alberto é Pós-doutorando na PUC/PR e na Universidad de León/ES. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.

Imagem Ilustrativa do Post: MR.BRAIN 「変人脳科学者vs蘇る美しき幽霊!!脳トレで人は蘇る!?」 // Foto de: fuba recorder // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/fuba_recorder/3577721723
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