O Debate da Independência do Banco Central: e o Brasil?

July 25, 2017 | Autor: André Nogueira | Categoria: Monetary Economics, Brazil, Central Banking, Central Bank Independence
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O Debate da Independência do Banco Central: e o Brasil?
André Wiltgen Domingues Machado Nogueira
RIO DE JANEIRO, 3 DE DEZEMBRO DE 2014

A questão da independência do banco central (IBC) está inserida no debate muito mais abrangente de política monetária, e como se é possível adquirir um modelo ótimo, que leve em conta os interesses da população de um país no longo prazo tanto em termos de preços como de emprego. Desde a década de 60, Milton Friendman já suscitou a questão se os bancos centrais devem ou não ser independentes, quando problematizou acerca da responsabilidade governamental sobre política econômica (TAYLOR, 2013). O artigo de Barro e Gordon (1983), considerado um dos trabalhos fundacionais do debate, demonstra que os governos que controlam a política monetária tem uma tendência inflacionária, uma vez que os mesmos não tem incentivos para combater a inflação já que visam sempre maximizar no curto prazo o bem estar social, e assim, deixando a inflação como objetivo sub-ótimo. Além disso, o mercado por prever as ações do governo de incentivar a demanda acaba por reajustar antecipadamente os preços, gerando uma espiral inflacionária, como ocorreu durante as décadas de 70 e 80.
Rogoff (1985) foi o primeiro a propor uma resposta teórica para o problema evidenciado por Barro e Gordon. Sua solução foi delegar a função de determinar a política monetária para um ator "independente e conservador", ou seja, um ator que seja mais averso à inflação que o próprio governo, levando-o a ter uma política que vise mais a estabilidade da moeda do que o bem-estar social imediato. Com a publicação de seu artigo, Issing (1996) articula sobre os benefícios econômicos adquiridos pela Nova Zelândia após garantir a independência de seu banco central em 1989, trazendo para o debate as primeiras evidências empíricas sobre o caso. Após tal publicação, se formou um consenso muito rápido no meio econômico de que a IBC levaria, principalmente, a uma maior estabilidade de preços, uma vez que as decisões de política monetária seriam tomadas por agentes fora do governo, supostamente independentes (HOWELLS, 2009).
Desde então, como dito por Howells, existe uma tendência em ver a independência dos bancos centrais como algo positivo, uma vez que grande parte da literatura, bem como organismos internacionais (Banco Mundial, o BIS e o FMI) defendem tal postura. Foi possível evidenciar tal tendência durante os debates eleitorais presidenciais de 2014, uma vez que um dos principais temas em pauta foi justamente o de IBC, onde a oposição como defendeu amplamente a necessidade de garantir independência ao banco central brasileiro frente ao governo. Para podermos entrar no debate do caso brasileiro, é preciso primeiramente se aprofundar na discussão geral da literatura, levando em conta tanto nos argumentos a favor quanto os contras da IBC, bem como a situação de alguns bancos centrais no mundo.
Aqueles a favor persistem com argumentos semelhantes de Rogoff, de que um banco central independente levaria à uma otimização da gestão da política monetária. Dado ao avanço da literatura da IBC, tal noção foi revista, bem como aprofundada e criticada. A independência dos bancos centrais pode ser vista em termos de independência "meta" e "instrumental". O primeiro se refere ao poder do banco central de determinar as metas da política monetária sem direta influência da política fiscal, enquanto que o segundo diz a respeito ao poder do banco central de ajustar livremente seus mecanismos de política monetária vis-à-vis a meta estabelecida (WALSH, 2005).
Diversos meios de medir a independência dos bancos centrais foram criados, tendo o modelo de Cukierman, Webb e Neyapti (1992) como o mais aceito. O modelos analisa 4 características legais levando em conta o regimento dos bancos centrais. Primeiramente, se a nomeação dos membros do conselho, bem como o do presidente do banco, é feita pelo governo, levando em conta a duração do mandato bem como a possibilidade de demissão por parte do governo. Segundo, é analisado o nível de independência de decisão de política monetária frente o envolvimento do governo. Terceiro, o banco central é mais independente se o regimento determina que a estabilidade de preços é o único ou principal objetivo da política monetária. Por fim, é visto as limitações do governo de pedir empréstimos do banco central. Apesar de ser um bom parâmetro, a análise legal dos regimentos nem sempre reflete a realidade, uma vez que em diversos países existem disparidades entre as leis e a prática.
A década de 90 evidenciou uma tendência forte dos governos tanto de países em desenvolvimento quanto desenvolvidos a adotarem reformas internas que garantissem maior independência, uma vez que havia um esforço acadêmico de encontrar uma relação negativa entre nível da inflação com o grau de independência dos bancos centrais. Os defensores da tese IBC afirmam ter encontrado evidências de que maior independência resulta em uma inflação menor, uma vez que os bancos centrais passaram a ser menos susceptíveis à influencia e interesses dos governos. Os críticos, por sua vez, afirmam que tais trabalhos empíricos são fracos, não conseguindo traçar uma relação de causa-efeito clara entre uma política monetária mais estável com uma maior independência dos bancos centrais (WALSH, 2005).
Howells (2009) afirma que o rápido, e "falso", consenso sobre os benefícios da independência é surpreendente no meio econômico primeiramente pelo fato de ter sido construído em somente 20 anos, com pouca evidência empírica, além de se propor em sua essência que a inflação pode ser combatida através de mecanismos meramente judiciais. Para o autor, independência do governo não garante necessariamente uma melhoria na gestão da política econômica, além do que se a questão é aumentar a credibilidade da política monetária, garantir maior independência não é o único meio. Howells vai além, afirmando que estabilidades de preços conquistadas durante a década de 90 nos países desenvolvidos, atribuído à adoção de mecanismos que garantem maior independência dos bancos centrais, começaram antes da mudança dos regimentos em si.
Da mesma maneira, Hayo e Hefeker (2002) afirmam que as evidências apresentadas pela academia estão longe de comprovar que a independência do banco central é necessária e/ou suficiente para garantir inflação baixa. Eles argumentam que uma sociedade tomam duas decisões antes de escolher uma política monetária: primeiro determinam o nível de importância do combate a inflação e depois qual é o arranjo institucional ótimo para alcançar estabilidade de preços dado o quadro político, legal e econômico. A primeira decisão demonstra de IBC não é uma condição suficiente para se alcançar estabilidade de preços porque não é o principal, mas somente mais um dos mecanismos de se alcançar tal. Enquanto que a segunda decisão demonstra que a IBC não é uma condição suficiente para garantir estabilidade de preços, uma vez que é possível ter diferentes arranjos institucionais, tendo a independência passível de ser um arranjo ótimo para alguns países, mas não necessariamente todos. Eles propõem assim que outras soluções além da IBC são possíveis para alcançar uma política monetária mais equilibrada, tais como taxas de câmbio fixas, contratos inflacionários e estabelecimento de metas para a inflação. Em suma, os autores argumentam que é preciso levar em conta diversos fatores de um país antes de afirmar que a IBC é a solução, uma vez que diversos países que já tem um alto grau de estabilidade de preços alcançaram tal patamar devido a diversos fatores, e não somente à IBC.
Como já foi dito, diversos países tomaram medidas rumo a maior independência de seus bancos centrais com o intuito de tornar suas políticas monetárias mais críveis e assim combater a inflação. Com a unificação monetária na Europa, foi garantido ao o Banco Central Europeu (BCE) ampla capacidades de atuação independente, tido como o banco mais independente do mundo (junto com os BC do Quirguistão e da Letônia)(DINCER & EICHENGREEN, 2014). A independência do BCE provem de um aparato jurídico que determina o controle inflacionário o objetivo principal do banco, garantindo ao conselho do mesmo independência instrumental total e livre interpretação de das necessidades da meta (WALSH, 2005). Em discurso, Lorenzo Bini Smaghi (2007), membro da comissão executiva do BCE, afirma que o quadro jurídico por si só não é suficiente para garantir a independência, é através de um esforço contínuo de revisão e accountability que se é possível adquirir uma política monetária ótima.
O banco central dos EUA, o Federal Reserve (FED), apesar de ter suas metas estabelecidas por um decreto legal, o mesmo é escrito de forma muito ampla, garantindo à instituição ampla manobra de ação. Além disso, o FED tem completa independência instrumental (WALSH, 2005). Contudo, o FED não é considerado independente uma vez que seus membros são determinados pelo governo, além de poder emprestar dinheiro diretamente para o governo americano (DINCER & EICHENGREEN, 2014).
Antes de abordarmos o debate sobre a IBC brasileiro, é preciso primeiramente entender como se estrutura o processo decisório da política monetária brasileira. A política monetária brasileira é determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que é composto pelo Presidente do Banco Central, o Ministro da Fazendo e o do Planejamento, e "tem a responsabilidade de formular a política da moeda e do crédito, objetivando a estabilidade da moeda e o desenvolvimento econômico e social do País" (Banco Central do Brasil, 2014A). A implementação da política monetária fica sob responsabilidade do Banco Central brasileiro, mais especificamente pelo Comitê de Política Monetária (COPOM), composto pelo presidente da instituição mais 8 diretores, e tem como objetivos "implementar a política monetária, definir a meta da Taxa Selic e seu eventual viés, e analisar o Relatório de Inflação" (Banco Central do Brasil, 2014B). Como podemos ver, o BC do Brasil não tem independência de metas, uma vez que esta é determinada pelo CMN. Em tese, o BC teria independência total instrumental, já que lhe é encarregado a implementação da política monetária, tendo em vista as metas estabelecidas pelo CMN. Todavia, na prática isto não ocorre uma vez que seu presidente, bem como seus diretores, são passivos de serem demitidos ad notum (Banco Central do Brasil, 2014 C).
Ademais, o BC brasileiro não tem seus objetivos hierarquizados, colocando assim a estabilidade de preços como somente um dos objetivos, não o principal. Com a constituição de 1988, houve um grande esforço de separar a política monetária e cambial, administrada pelo Banco Central, da política fiscal, sob a tutela do Tesouro Nacional. Desde então, o BC não pode emitir títulos públicos ou conceder empréstimos de forma direta ou indireta ao governo, impossibilitando que a instituição seja utilizada para o "financiamento inflacionário de déficits públicos, nem para atender funções de fomento (empréstimos indiretos)". Contudo, o BC ainda pode manter em sua carteira títulos públicos com fins de política monetária e pode comprar diretamente títulos emitidos pela união para refinanciar a dívida mobiliária federal que estiver vencendo (Banco Central do Brasil, 2014D).
Desta forma, podemos ver que a política monetária brasileira está completamente submetida aos interesses do poder executivo, já que tanto suas metas são determinadas por ministros nomeados pelo presidente, quanto os membros da diretoria do BC, tornando as decisões dos membros do BC altamente passíveis de serem influenciadas pelos interesses do governo no poder. Além disso, apesar do esforço de desvincular o BC do Tesouro Nacional, ainda é possível situações onde o BC acabe tendo posse de alguns títulos do governos, mesmo que seja vedado que haja qualquer tipo de empréstimo do BC para o governo. Por fim, o fato do BC não ter de forma declarada o controle de preços seu objetivo principal, demonstra que, levando em conta os parâmetros de Cukierman, Webb e Neyapti (1992), o BC brasileiro teria baixa independência na realidade.
A questão da independência do BC entrou amplamente no debate político presidencial das eleições de 2014. A oposição, principalmente a candidata Marina Silva, defendia a necessidade de maior autonomia do BC brasileiro. Segundo o seu economista chefe, Eduardo Giannetti, a independência impede que o executivo interfira na política monetária, dando maior credibilidade e blindando a instituição de pressões políticas. Giannetti propõe que a independência do BC deve ser garantida em lei, dando mandatos fixos aos membros da diretoria (inclusive o presidente), os mesmos não podendo ser demitidos pelo executivo. Desta forma, o economista acredita que asseguraria maior credibilidade e previsibilidade ao mercado, reduzindo assim as pressões inflacionárias (Carta Capital, 2014).
Com o estudo da questão da IBC, o autor chegou a conclusão que garantir à instituição maior autonomia frente ao governo é positivo. Apesar de não acreditar ser o único meio para se alcançar uma política monetária ótima, o autor acredita que quanto menor a influência e interferência de políticas de curto prazo praticadas pelo poder executivo sobre a gerência da moeda, mais estável será a mesma. Por isso, o autor concorda que a garantia em lei de mandatos (revogados somente em caso de atuação ilegal) para os membros da diretoria e o presidente do BC iria permitir maior independência, e logo maior credibilidade da gestão. O autor propõe que para o caso brasileiro, se tenha um mandato de 6 anos para os membros da diretoria, nomeados pelo executivo de forma progressiva (a cada ano, 2 diretores são nomeados), criando assim uma rotatividade, bem como um desalinhamento político (já que os mandatos não seguiriam o calendário eleitoral). O autor acredita, contudo, que o presidente ainda detenha o poder de escolha dos membros, uma vez que foi democraticamente eleito. Desta forma, o executivo ainda teria poder de escolha, porém uma vez escolhido, o diretor ou presidente do BC estaria de certa forma "velado", pelo menos oficialmente, de pressões do mesmo.


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