O DEBATE ENTRE O NÃO-COGNITIVISMO E O COGNITIVISMO MORAL

May 28, 2017 | Autor: Gilson Diana | Categoria: Non-cognitivism, Epistemologia, Cognitivismo, Ética e Filosofia Moral
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UNIVERSIDADE DE BRASILIA INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA PÓS-GRADUAÇÃO EM FILOSOFIA

O DEBATE ENTRE O NÃO-COGNITIVISMO E O COGNITIVISMO MORAL

GILSON MATILDE DIANA

Brasília 2004

GILSON MATILDE DIANA

O DEBATE ENTRE O NÃO-COGNITIVISMO E O COGNITIVISMO MORAL

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre, Curso de PósGraduação em Filosofia da Universidade de Brasília. Orientador: Prof. Dr. Cláudio Araújo Reis

Brasília 2004

GILSON MATILDE DIANA

O DEBATE ENTRE O NÃO-COGNITIVISMO E O COGNITIVISMO MORAL

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade de Brasília, pela Comissão formada pelos professores: Orientador:

Prof. Dr. Cláudio Araújo Reis Departamento Filosofia, UnB. _______________________________________ Prof. Dr. Agnaldo Cuoco Portugal Departamento Filosofia, UnB._______________________________________ Prof. Dr. Adriano Naves de Brito Departamento Filosofia, Unisinos.____________________________________

Brasília 2004

Dedicatória

A Helenita Matilde In memorian

Agradecimentos

Os agradecimentos que seguem são para aqueles que de alguma forma, direta ou indiretamente, contribuíram para esta dissertação. Às vezes um simples comentário, ou mesmo uma crítica fez despertar novas idéias que passaram a influenciar no desenvolvimento desta dissertação. Primeiro, sou extremamente grato ao meu orientador, Professor Dr. Cláudio Reis, pelo seu excelente trabalho. Trabalho este constituído de muita paciência e atenção, desde a extensa bibliografia colocada à disposição, bem como da confiança que sempre depositou em mim nestes últimos dois anos. Segundo, agradecer ao Professor Dr. Nelson Gomes pelo suporte dado em algumas questões filosóficas, bem como pela bibliografia que também me colocou à disposição sempre que solicitado. Terceiro, agradecer ao Professor Dr. Julio Cabrera pelos primeiros incentivos na elaboração do pré-projeto que iniciou esta dissertação, bem como pela primeira bibliografia colocada à disposição. Quarto, aos colegas de mestrado que tanto contribuíram com as discussões a respeito do tema da dissertação, bem como ao Grupo de Ética do Departamento de Filosofia da UnB. Enfim, à minha esposa, pela paciência nas minhas ausências; pelo apoio sempre que me encontrava desmotivado; e pela companhia sempre presente quando necessitei.

Sumário Resumo ...................................................................................................................................... 6 Abstract ..................................................................................................................................... 7 Introdução ................................................................................................................................. 9 1. Os Problemas da Motivação Moral .................................................................................. 21 1.1. Considerações Preliminares ........................................................................................... 21 1.2. Os Argumentos de Hume .............................................................................................. 24 1.3. Humeanos e anti-humeanos ........................................................................................... 28 2. Hume e o Não-Cognitivismo .............................................................................................. 41 2.1. Stevenson e o Emotivismo ............................................................................................ 45 2.1.1. Stevenson e o desacordo moral .............................................................................. 48 2.2. Blackburn e o Expressivismo/Projetivismo................................................................... 52 2.3. Vantagens e Desvantagens do Não-cognitivismo ......................................................... 58 3. Alternativa Cognitivista ..................................................................................................... 60 3.1. Realismo Moral ............................................................................................................. 60 3.2. Dancy e a Teoria Pura ................................................................................................... 64 3.3. Brink e o Realismo Externalista .................................................................................... 69 3.4. O Problema da Fraqueza de Vontade ............................................................................ 74 3.5. Vantagens e Desvantagens do Cognitivismo................................................................. 77 Conclusão ................................................................................................................................ 83 Bibliografia .............................................................................................................................. 88

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Resumo O presente trabalho aborda os debates ocorridos no século XX entre duas posições morais distintas: o cognitivismo e o não-cognitivismo. Primeiro será tratado da origem destas discussões, tendo como fundamento a teoria da motivação humeana e as implicações desta teoria para o cognitivismo e para o não-cognitivismo. Em seguida, serão avaliadas duas posições não-cognitivistas, o emotivismo de Charles Stevenson e o expressivismo de Simon Blackburn, e o seu suporte na citada teoria da motivação. Num terceiro momento, serão tratadas duas alternativas cognitivistas, o realismo moral internalista de Jonathan Dancy e o realismo moral externalista de David Brink. Os assim chamados cognitivistas admitem a possibilidade de conhecimento moral, bem como da existência de fatos morais, e para tanto devem dar cabo das questões que surgem no âmbito da epistemologia, metafísica e linguagem quando tratam de tais questões. Já os não-cognitivistas negam a possibilidade de um conhecimento moral, sendo que as nossas distinções morais são somente expressões de sentimento, que têm como principal particularidade provocar alguma emoção nos participantes do discurso moral, resolvendo estas distinções na prática. Como conclusão do presente trabalho, depois de exploradas as dificuldades das teorias expostas acima, será defendido que o presente debate continua em aberto esperando uma convergência entre estas duas posições.

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Abstract The present work approaches the debates that happened in the twentieth century among two different moral positions: cognitivism and noncognitivism. First it will be treated the origins of these discussions, based on the Humean theory of motivation, and the implications of this theory for cognitivism and noncognitivism. Soon afterwards, two noncognitivist positions will be appraised, Charles Stevenson's emotivism and Simon Blackburn's expressivism, and its support in the mentioned theory of motivation. In a third moment, two cognitivist alternative will be treated, Jonathan Dancy's moral internalist realism and David Brink’s moral externalist realism. Cognitivists admit the possibility of moral knowledge, as well as of the existence of moral facts, and for so much they should account for the issues that follow from their positions in epistemology, metaphysics and language when they treat such subjects. In contrast, noncognitivists deny the possibility of moral knowledge, and our moral distinctions are only feeling expressions, that have as main particularity to provoke some emotion in the participants of moral speech, solving these distinctions in practice. In conclusion of the present work, after having explored the difficulties of the theories expounded above, it will be claimed that the present debate still goes on and it waits for a convergence between these two positions.

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Introdução Durante o século XX, uma interessante discussão a respeito da filosofia moral tornou-se a ocupação dos principais filósofos em exercício nesse período. Nos primeiros anos desse século, com a crescente perspectiva filosófica denominada analítica, a análise filosófica passou a dominar as pesquisas nas diversas áreas da filosofia, e a moral não ficou excluída. Mais precisamente em 1903, G. E. Moore, um dos precursores do movimento analítico, publicou um livro denominado Principia Ethica. A ênfase maior do trabalho do filósofo estava agora em analisar o significado dos termos morais ou a natureza dos juízos morais. E como nesses juízos sempre aparecem expressões tais como “bom” ou “mau”, “deve” ou “não deve”, “certo” ou “errado”, e outras mais, que são características marcantes dos juízos morais, tais expressões deveriam passar pelo crivo da análise. Após tal análise, Moore chega a interessantes conclusões para a época, a saber: a) tais propriedades não são analisáveis, pois não são factuais e não podem ser justificadas por observação empírica ou por argumentação metafísica; b) elas são propriedades não-naturais; c) e, para conhecê-las (se isto é possível) faz-se uso de uma faculdade intuitiva, ou intuição moral1. As conclusões a que Moore chegou têm como principal alvo de crítica os naturalistas morais2, que acreditavam que os termos morais se referiam a propriedades naturais e que tais propriedades podem ser observadas por algum dos nossos sentidos. Moore usou a distinção entre os vários tipos de definição que se pode fazer para alcançar seus objetivos de caracterizar como não-naturais as propriedades morais. A tais tipos de definição ele caracterizou como definições verbais arbitrárias, definições propriamente verbais e

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De acordo com Moore, “a visão intuicionista da Ética consiste na suposição de que certas regras [...] podem ser tomadas como premissas auto-evidentes. [...] é da essência do intuicionismo supor que regras de ação – afirmações não do que deve ser, mas do que devemos fazer – são no mesmo sentido intuitivamente certas. [...] estamos, assim, freqüentemente e intuitivamente certos de nosso dever, em um sentido psicológico.” (MOORE, [1903] 1968, p. 148). 2 Moore está se referindo à Jeremy Bentham (An Introduction to the Principles of Morals and Legislation [1791]); John S. Mill (System of Logic [1843], On Liberty [1859], Utilitarianism [1861]); Herbert Spencer (Social Statistics [1851], Principles of Ethics [1879-93]); Tomas H. Green (Prolegomena to Ethics [1883].

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definições arranjadas em relações definidas (MOORE, [1903] 1968: p. 8). As qualidades atribuídas com a propriedade “bom” não conseguiriam satisfazer o terceiro tipo de definição. ‘Good,’ then , if we mean by it that quality which we assert to belong to a thing, when we say that the thing is good, is incapable of any definition, in the most important sense of that word. The most important sense of ‘definition’ is that in which a definition states what are the parts which invariably compose a certain whole; and in this sense ‘good’ has no definition because it is simple and has no parts. It is one of those innumerable objects of thought which are themselves incapable of definition, because they are the ultimate terms by reference to which whatever is capable of definition must be defined. That there must be an indefinite number of such terms is obvious, on reflection; since we cannot define anything except by an analysis, which, when carried as far it will go, refers us to something, which is simply different from anything else, and which by that ultimate difference explains the peculiarity of the whole which we are defining: for every whole contains some parts which are common to other wholes also. There is, therefore, no intrinsic difficulty in the contention that ‘good’ denotes a simple and indefinable quality. There are many other instances of such qualities. (MOORE, [1903] 1968: pp. 9-10)3

Diante disto, Moore desenvolve um argumento a que chamou de “argumento da questão aberta”, fazendo uso de técnicas rudimentares da lógica para demonstrar o erro dos naturalistas em atribuir propriedades naturais ou não ao termo “bom”. Toma-se um exemplo de uma definição de “bom”: “Bom” significa “o que é desejado por todos”; Se o significado de “bom” é “ser desejado por todos, então a questão “Obedecer às leis é desejado por todos, mas será que o que é desejado por todos é bom?” não seria uma questão significativa. Mas, mesmo se aceitássemos a definição, a questão é significativa e permanece em aberto. 3

Portanto, “bom”, se por ele queremos dizer aquela qualidade que pertence a uma coisa quando dizemos que esta é boa, é incapaz de definição em um sentido mais importante deste termo. O sentido mais importante de “definição” é um sentido em que uma definição enuncia quais são as partes que invariavelmente compõem um certo todo; e neste sentido, “bom” carece de definição porque é simples e carece de partes. É um desses inumeráveis objetos do pensamento que são incapazes de definição, porque são os termos últimos por referência aos quais deve definir-se tudo o que seja capaz de definição. Que deve haver um número indefinido de tais termos é óbvio se refletirmos um pouco. Pois não podemos definir nada exceto por meio de uma análise que, levando em tão longe como pode ser levado, nos referirá a algo que é simplesmente diferente de qualquer outra coisa, e que por esta diferença última explica a peculiaridade do todo que estamos definindo: já que um todo contém também partes que são comuns a outros todos. Não há, por conseguinte, nenhuma dificuldade intrínseca na afirmação de que “bom” denota uma qualidade simples e indefinível. Há outros muitos exemplos de tais qualidades.

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A todos que fizerem tal tentativa, Moore acusa de incorrer na Falácia Naturalista, ou seja, atribuir propriedades naturais (mas o mesmo valeria para propriedades sobrenaturais) aos termos que não comportam tal referência descritiva. Ao dar tal abordagem aos juízos morais, Moore inaugura assim o que viria a ser chamado de metaética. A metaética passa, então, a consistir numa investigação analítica dos juízos morais, dando ênfase à preocupação a respeito do significado dos juízos morais, e não mais nas suas orientações para ações. Além do mais, a filosofia moral de Moore veio a ser incluída na corrente que se conhece por intuicionismo4, a qual foi assim chamada por atribuir-se a seus seguidores a crença em uma maneira peculiar (“Intuição”) de conhecer as propriedades morais simples e não-naturais (como “bom”), que, por serem intuitivas ou evidentes por si mesmas, podem ser conhecidas diretamente, sem recorrer aos processos de raciocínios dedutivos ou indutivos. Os argumentos de Moore quanto à questão aberta e a Falácia Naturalista foram amplamente aceitos pela grande maioria dos filósofos que trataram da filosofia moral na primeira metade do século XX, mas acreditar em alguma intuição direta, clara e evidente dos juízos morais era demasiado metafísico para uma boa parte deles. Começava então um debate entre duas vertentes diferentes. Uma que afirmava a natureza cognitiva dos juízos morais e outra que negava tal natureza. A primeira pode ser genericamente chamada de “cognitivista”, enquanto a segunda poderia, por contraste, ser denominada “não-cognitivista”. O ponto de partida do não-cognitivismo é a mesma preocupação metaética, ou seja, dar uma resposta satisfatória às seguintes questões: a) Qual o significado do discurso moral? b) Como distinguir o uso moral do uso não-moral desses termos? c) Qual o significado dos termos ou conceitos correlatos? d) Os julgamentos éticos e de valor são passíveis de justificativas lógicas? (FRANKENA, 1975: pp. 113-114).

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Pode-se considerar como outros importantes intuicionistas morais do início do século XX: W. D. Roos (The Right and the Good [1930], The Foundations of Moral [1939]), H. R. Pritchard (“Does Moral Philosophy Rest on a Mistake?”, Mind [1912]), A. C. Ewing (The Definition of Good [1949]) e E. F. Carritt (The Theory of Morals [1928], Ethical and Political Thinking [1947]).

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Nesse momento, para os não-cognitivistas, as proposições em geral só poderiam ser conhecidas de duas maneiras, ou da forma analítica, que se dá a priori, ou da forma sintética, que se dá a posteriori. Analisando as proposições morais, verificaram que estas não preenchiam os requisitos básicos de congnoscibilidade, sendo, portanto, nãocongitivas. Esta contestação, encabeçada principalmente por Alfred Jules Ayer no contexto de seu empirismo lógico, foi a primeira grande reação não-cognitivista ao intuicionismo de Moore e Ross e desencadeou a corrente metaética denominada genericamente de “emotivismo”. Para Ayer, as proposições morais jamais são suscetíveis de qualquer justificação empírica, sendo somente como expressões emotivas que visam a exprimir uma atitude ou provocar uma emoção nos ouvintes que participam do discurso moral. Ayer formula sua teoria ética em defesa de sua tese empirista radical (princípio de verificação), pois justamente na esfera da ética poderia estar uma objeção aos seus propósitos. Tal objeção consiste na afirmação de que nosso conhecimento especulativo é de duas classes distintas, os que se referem a questões de fato e os que se referem a questões de valor. Sua reprovação recairá sobre a afirmação de que os enunciados de valor são proposições sintéticas genuínas (AYER, [1936] 1952: p. 102). Aceitar tal afirmação é aceitar que os enunciados de valor podem passar pelo crivo da objetividade, e isto é ir ao encontro dos interesses dos intuicionistas éticos. Ayer nega que os enunciados éticos sejam literalmente significativos, pois para serem proposições sintéticas sua validez deveria estar determinada pela experiência. O discurso de Ayer é claramente metaético, enfatizando as questões de definição dos termos éticos e da categoria a que pertencem todas as declarações desse gênero, afirmando que um tratamento estritamente filosófico sobre ética não deveria fazer declarações de caráter ético (normativo). Para mostrar a maneira correta de tratar dos enunciados éticos, Ayer vai rejeitar a teoria subjetivista tanto quanto a teoria objetivista, que estabelecem significados literais aos enunciados éticos – a principal negação dos chamados positivistas lógicos. Diante disso, ele propõe uma teoria que é compatível com o seu empirismo radical, teoria esta que começa por admitir que os conceitos éticos fundamentais não são analisáveis (tal como já havia argumentado Moore), isto porque são meros pseudoconceitos. Tal conclusão o conduz a estabelecer que em quaisquer juízos éticos os termos éticos em questão são puramente

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“emotivos”, ou seja, são utilizados para expressar um sentimento acerca de certos objetos, mas não para fazer alguma asserção sobre eles. Os termos éticos só servem para expressar ou suscitar sentimentos e incitar uma ação (AYER, [1936] 1952: p. 107-108). Assim, a maneira correta de tratar os enunciados éticos é com esta teoria emotiva dos valores, na qual o comprometimento com o conteúdo puramente filosófico não acarretaria nenhuma faculdade supra-sensível ou intuição misteriosa. In fact we may define the meaning of the various ethical words in terms both of the different feelings they are ordinarily taken to express, and also the different responses which they are calculated to provoke. We can now see why it is impossible to find a criterion for determining the validity of ethical judgements. It is not because they have an “absolute” validity which is mysteriously independent of ordinary sense-experience, but because they have no objective validity whatsoever. If a sentence makes no statement at all, there is obviously no sense in asking whether what it says is true or false. And we have seen that sentences which simply express moral judgements do not say anything. They are pure expressions of feeling and as such do not come under the category of truth and falsehood (AYER, [1936] 1952: p. 108).5

Uma vez evidenciado este desacordo em relação aos juízos morais, para tentar resolvê-los é preciso sempre recorrer a uma questão empírica. Tal redução das disputas normativas é o que Ayer pretende alcançar, dizendo que as disputas sobre questões de valor são sempre disputas sobre questões de fato. E para alcançá-las era preciso encontrar alguma definição dos termos éticos, e tal definição é puramente emotiva. Não são os juízos éticos que estão em desacordo, e sim a crença que alguém tem em relação à formulação de seus juízos éticos. Ayer considera sua teoria emotivista dos valores um tanto quanto sumária, e para tanto era necessário desenvolvê-la melhor. Tal deficiência, segundo ele, foi remediada por Charles Stevenson.6

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De fato, podemos definir o significado das diversas palavras éticas seja em termos dos diferentes sentimentos que se consideram expressados normalmente por elas, e também em termos das diferentes respostas que estão destinadas a provocar. Agora podemos compreender porque é impossível encontrar um critério para determinar a validade dos juízos éticos. Não é porque tenham uma validade “absoluta”, misteriosamente independente da experiência sensível normal, mas porque não tem validade objetiva alguma. Se uma sentença não faz nenhum enunciado, obviamente não tem sentido perguntar se o que diz é verdadeiro ou falso. E temos visto que as sentenças que simplesmente expressam juízos morais não dizem nada. São puras expressões de sentimento e como tais não estão compreendidas na categoria de verdade e falsidade. 6 Na segunda edição de seu livro Language, Truth and Logic, Ayer admite como sumária sua teoria emotiva dos valores e diz que as deficiências de sua teoria original já haviam sido resolvidas por Stevenson no seu trabalho

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Os primeiros trabalhos de Stevenson que versam sobre uma teoria emotiva dos valores apareceram nos idos de 1937. Seu primeiro artigo, “The Emotive Meaning of Ethical Terms”, publicado na revista Mind, já esboça grande parte de sua teoria. Na seqüência temos os artigos publicados no ano de 1938: “Ethical Judgements and Avoidability” (Mind, 1938) e “Persuasive Definitions” (Mind, 1938). Mas o seu trabalho mais importante viria aparecer em 1944, com a publicação do livro Ethics and Language. Nesse trabalho, Stevenson elabora a teoria emotiva dos valores como uma tentativa de explicar aquilo que nos intuicionistas aparecia com um caráter misterioso, mas não sob as mesmas razões positivistas de Ayer. Stevenson se concentra em encontrar uma definição relevante para o termo “bom”, uma vez que as teorias que chama de “teorias do interesse”7 não o satisfaziam completamente. E, para tanto, estabelece que o termo “bom” deve atender a três requisitos: “bom” deve ser tema para desacordos genuínos; “bom” deve sempre ser acompanhado de um magnetismo; “bom”, como termo ético, não é suscetível do método científico ou empírico (STEVENSON, 1937: pp. 15-17). Os três requisitos podem ser satisfeitos por uma espécie de teoria do interesse, mas não do tipo das teorias do interesse tradicionais, porque elas possuem um caráter descritivo, e não emotivo. Na teoria do interesse que ele chamou de emotiva, os termos éticos geram uma influência, sugerem atitudes, e as questões que interessam Stevenson mais diretamente são como esses enunciados éticos adquirem o poder de influenciar as pessoas. De acordo com Stevenson, usam-se as palavras de duas maneiras: (I) para registrar, aclarar e comunicar crenças (como nas ciências), e (II) para expressar nossos sentimentos (interjeições), criar estados de ânimos (poesia), ou incitar as pessoas a ações ou atitudes (oratória). O primeiro uso Stevenson chama de “descritivo” e o segundo, de “dinâmico”. É importante notar que o uso, naturalmente, depende das intenções do falante. Assim, uma mesma expressão pode ter um uso descritivo ou dinâmico. Por exemplo, a expressão “quero

Ethics and Language (1945). Tal fato ele relata na Introdução da segunda edição, onde também trata de uma série de objeções surgidas nos dez anos passados desde a primeira publicação (1936). Uma que diretamente interessa ao propósito da teoria emotiva dos valores e seu tratamento a respeito do significado literal dos juízos morais é a distinção entre sentença, enunciado e proposição (AYER, [1936] 1952: p. 8); bem como a retomada da teoria emotiva dos valores e a evidência do caráter prático das expressões normativas de valor (AYER, [1936] 1952: pp. 20-22). 7 O que Stevenson chamou de “teorias do interesse” foram as tentativas de dar uma definição relevante de “bom” feitas por Hobbes — “bom significa desejado por mim”, ou por Hume — “bom significa aprovado pela maioria das pessoas” (STEVENSON, 1937: p. 15).

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que você feche a porta” pode ser usada para descrever um estado subjetivo do sujeito que fala ou, dinamicamente, como uma ordem ou um pedido, que, por sua vez, poderá influenciar a ação de alguém (STEVENSON, 1937: p. 21). Para saber se uma pessoa usa uma palavra dinamicamente, devemos observar seu tom de voz, seus gestos, as circunstâncias em que fala e outros fatos similares. Para isso, Stevenson define uma classe de significado que tem uma relação íntima com o uso dinâmico. É o significado emotivo8, que é explicado pela tendência de uma palavra, que surge da historia de seu uso, de produzir reações afetivas nas pessoas. Com o emotivismo se colocando com bases tão fortes quanto ao caráter não descritivo dos juízos morais em oposição ao caráter descritivo admitido por Moore e seus primeiros partidários, passa então a assumir a posição dominante do cenário metaético a partir da primeira metade do século XX. Posição essa que foi reforçada pelos trabalhos de R. M. Hare, que apresenta uma teoria denominada prescritivismo, dando uma ênfase maior ao caráter normativo/imperativo dos juízos morais e atribuindo a eles uma característica em especial – a universalizabilidade –, que o permite dar conta, mais adequadamente do que os emotivistas, de aspectos importantes do raciocínio moral. Tal teoria se encontra expressa no seu livro The Language of Morals, de 1952, que é uma contribuição ao não-cognitivismo moral. Mas as controvérsias entre cognitivismo e não-cognitivismo não estariam terminadas. Pelo contrário, estariam somente começando sob uma nova roupagem. Já no final na década de 60, começaram a surgir ataques às posições não-cognitivistas, principalmente no que diz respeito ao caráter gramatical e lógico das proposições morais, elaboradas com bases na definição de significados não-literais das teorias não-cognitivistas. Um desses primeiros ataques surgiu com Peter Geach, usando um exemplo simples, que se expressa da seguinte maneira:

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Stevenson atribui como fonte das idéias expostas em seu trabalho uma passagem do livro de C. K. Ogden e I. A. Richards, The Meaning Of Meaning, p. 125. (STEVENSON, 1937: p. 307 – Cf. Nota 4). Já W. D. Hudson, em seu livro Modern Moral Philosophy, expressa as origens do emotivismo estudadas por J. O. Urmson em The Emotive Theory os Ethics, Londres, 1968, como iniciada por diversos filósofos de língua inglesa, mas sem um interesse estritamente ético. Entre muitos, Hudson cita W. H. F. Barnes, C. D. Broad, A. S. Duncan-Jones, Susan Stebbing e Karl Britton. Sugere também que um filósofo sueco A. Hagerstrom desenvolveu uma forma de emotivismo entre 1868-1939 que não é muito conhecida (HUDSON, W. D., 1987: p. 117).

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(1) Roubar é errado. (2) Se roubar é errado, então roubar sem ser pego é ainda errado. (3) Roubar sem ser pego é errado. Tanto ‘roubar é errado’ quanto ‘roubar sem ser pego é errado’ não são passíveis de ser verdadeiras ou falsas, de acordo com os não-cognitivistas, mas a inferência é intuitivamente válida. E dizer que a inferência do argumento é válida é dizer que as premissas são passíveis de verdade (DARWALL, GIBBARD, RAILTON, 1992: p. 121). Outras críticas continuaram surgindo, e as questões a respeito da possibilidade da objetividade dos juízos morais ressurgiram com extrema força. Simultaneamente, houve um retorno às investigações de caráter eminentemente normativo. Do retorno ao caráter normativo da ética se encarregou, entre outros, John Rawls, ao passo que das questões de objetividade e da possibilidade de um cognitivismo ético se encarregaram vários filósofos, entre eles Thomas Nagel, Mark Platts e John McDowell. Tal fato se deu fundamentalmente com o desenvolvimento na filosofia da linguagem, da ciência, e da matemática. Novas concepções de objetividade e valor estavam emergindo tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos (DARWALL, GIBBARD, RAILTON, 1992: p. 125)9. As novas tendências cognitivistas se dividiriam então em grupos distintos, se assim podemos relacioná-los. Há, em primeiro lugar, os chamados “racionalistas” morais, que se encarregariam de rejeitar as concepções empiristas da racionalidade prática para se focarem apenas no aspecto racional da ética. Seu esforço principal era mostrar a capacidade de apenas a razão dar cabo de certos princípios morais, cuja negação implicaria uma autocontradição (ARRINGTON, 1989: pp. 9-10). Há, em seguida, aqueles denominados “realistas” morais, que admitem a existência de fatos morais objetivos, mesmo que não estejamos conscientes

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Alguns trabalhos de importância para a mudança de perspectiva nas teorias filosóficas relacionadas às investigações metaéticas que têm como principal foco as questões de linguagem, metafísica e epistemologia foram: Philosophical Investigations de Wittgenstein em 1953; Quine “Two Dogmas of Empiricism” em 1951; A. Tarski “The Semantic Conception of Truth and the Foundations of Semantics” em 1944; Nelson Goodman “Fact, Fiction, and Forecast” em 1955; G. E. M. Anscombe “On Brute Facts” em 1958; Philipppa Foot “Moral Beliefs” em 1958-59; P. T. Geach “Ascriptivism” em 1960; W. K. Frankena “Obligation and Motivation in Recent Moral Philosophy” em 1958, entre outros.

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deles. Estes realistas morais se dividem em dois tipos distintos: os chamados realistas morais Britânicos10, e os realistas morais Americanos11. Os realistas morais britânicos admitem uma concepção não-naturalista do conhecimento moral, uma espécie de revitalização do intuicionismo. Seu maior esforço se dará em providenciar um entendimento das intuições morais que não exija uma faculdade misteriosa, bem como um tratamento não misterioso de tal matéria. Já os realistas morais americanos admitem uma concepção naturalista do conhecimento moral, afirmando que temos um acesso observacional direto aos fatos morais, que eles são parte do mundo natural e não são entidades não-naturais misteriosas ou sobrenaturais. Para tanto, o conhecimento de entidades morais é similar ao conhecimento de entidades aprovadas por uma teoria científica do mundo. Neste ínterim, o não-cognitivismo continuou a atrair adeptos mesmo sob um forte ataque das posições realistas e racionalistas. Muitos aceitaram os desafios de continuar sustentando a impossibilidade de um conhecimento moral, bem como a incapacidade de objetividade dos juízos morais. Como seguidor dessa posição pode-se mencionar o filósofo John Mackie. Seu principal enfoque foi justamente na linguagem usada para tratar das questões morais. Como as pessoas usam essa linguagem para ressaltar os aspectos dos objetos e das ações morais de uma certa maneira, tendem a atribuir esse aspecto ressaltado às próprias coisas, e então pensam que os juízos morais podem ser verdadeiros. De acordo com Mackie, isso é um erro, pois juízo moral algum é verdadeiro porque não existem propriedades morais. Os valores não são objetivos porque eles não são partes do tecido do mundo. Essa é a chamada teoria do erro de Mackie (MACKIE, 1977: cap. 1).

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Um grupo de realistas morais Britânicos expressivos: Mark Platts Ways of Meaning, London: Routledge and Kegan Paul, 1979; John McDowell “Virtue and Reason”, The Monist, 62 (July 1979); John McDowell “Are Moral Requirements Hypothetical Imperatives?” Proceedings of the Aristotelian Society, supp. Vol. 52 (1978); Sabina Lovibond Realism and Imagination in Ethics, Oxford: Basil Blackwell, 1983.; Jonathan Dancy Moral Reason, Oxford: Blackwell, 1993. 11 Um grupo de realistas morais Americanos expressivos: David O. Brink Moral Realism and the Foundations of Ethics Cambridge: Cambridge University Press, 1989.; Hilary Putnam Reason, Truth and History, Cambridge: Cambridge University Press, 1981.; Peter Railton “Moral Realism”, Philosophical Review, 95 (April 1986); Nicolas Sturgeon “Moral Explanations” in Sayre-McCord, Essay on Moral Realism.

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Ao lado de Mackie, tem-se a importante contribuição de Simon Blackburn. Sua abordagem, conhecida como expressivista ou projetivista, é um pouco diferente. Blackburn admite que a linguagem moral expressa juízos morais, mas os juízos morais são apenas projeções de atitudes no mundo e não crenças, como acreditam os realistas. Blackburn chega a se denominar um ‘quase-realista’, um ‘quase-objetivista’, ou seja, apenas um ‘quase’. Enfatiza também, diferente de Mackie, que as propriedades morais são supervenientes, e é esse caráter de superveniência que as torna sentimentos quase-objetivantes. (BLACKBURN, 1986: pp.182-189). O projetivismo de Blackburn é uma tentativa de alcançar o aspecto primordial da linguagem moral, mostrando que essa não acarreta condições de verdade genuínas: Suppose that we say we project an attitude or habit or other commitment which is not descriptive onto the world, when we speak and think as though there were a property of things which our saying describe, which we can reason about, know about, be wrong about, and so on. Projecting is what Hume referred to when he talks of “gilding an staining all natural objects with the colours borrowed from internal sentiment”, or of the mind “spreading itself on the world” (BLACKBURN, 1986: pp. 170-171).12

Um dos argumentos mais fortes em favor da posição não-cognitivista diz respeito ao aspecto prático da moralidade: nossas crenças, juízos e, em geral, considerações morais têm uma influência decisiva sobre nossa ação. A conexão direta (interna) entre nossa percepção de que algo é nosso dever, por exemplo (expressa por meio do assentimento a um determinado juízo moral), e nossa ação sempre foi uma base fundamental para as teorias nãocognitivistas. O passo inicial de nossa exploração do não-cognitivismo moral, assim, será dado a partir da teoria da motivação. No caso dos não-cognitivistas, a teoria da motivação à qual será dada maior importância é a humeana, na qual o desejo e a crença se coadunam para promover as ações humanas (SMITH, 1987: pp. 50-58). Depois de explanada toda esta controvérsia entre o cognitivismo e o nãocognitivismo, alcançam-se as preocupações primordiais relacionadas com a moralidade. Se ficar manifesta a escolha por uma posição cognitivista, então há que se dar conta de uma 12

Suponha que dizemos que projetamos uma atitude, ou hábito ou outro comprometimento que não são descritivos sobre o mundo, quando nós falamos e pensamos como se houvesse uma propriedade das coisas que a nossa fala descreve, a respeito da qual nós podemos argumentar, saber, estar errados e assim por diante. Projetar é o que Hume referiu quando ele fala de “dourar e manchar todos os objetos naturais com as cores que tomou emprestada dos sentimentos internos”, ou da própria mente “se espraiando no mundo”.

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linguagem, uma metafísica e uma epistemologia para as proposições morais. Sobretudo, há que se dar conta do aspecto “prático” da moralidade, a diferença que fazem as considerações morais para como agimos. Da mesma forma, se ficar manifesta a escolha por uma posição não-cognitivista, então há que se explicar os aspectos de objetividade associados, especialmente, ao raciocínio moral. Diante disto, no Capitulo 1 será tratada a teoria da motivação humeana, base de todas as discussões morais contemporâneas em torno da questão da motivação. Cada uma das posições adota uma postura diante dessa teoria em função de seu próprio projeto teórico (metaético). Será enfatizada a controvérsia entre crença e desejo, que é de suma importância tanto para o realismo internalista quanto para o realismo externalista. A adoção da psicologia da ação humeana, aliada à consideração de que as questões morais são estritamente práticas, faz com que Hume seja o grande suporte das teorias não-cognitivistas e combater o nãocognitivismo é, antes de tudo, combater a psicologia da ação Humeana e todos os seus pressupostos. No Capitulo 2 serão expostas duas propostas não-cognitivistas. A proposta de Stevenson, já evidenciada, denominada emotivismo, que se apresenta como uma das primeiras teorias não-cognitivistas bem desenvolvidas. Stevenson segue algumas intuições básicas de Hume, organizadas em um argumento que aponta para a não-cognitividade essencial dos juízos morais, que embora possuam algum elemento descritivo, devem ser fundamentalmente expressões de atitudes, de interesses, tendo em vista a função dinâmica da linguagem moral. E a proposta de Blackburn denominada expressivismo/projetivismo, que é uma tentativa de responder sobre o papel da razão na moralidade e a aparência de que há algum valor objetivo em nossas considerações morais. Blackburn assegura que a função da linguagem moral não é descrever fatos e sim projetar atitudes sobre o mundo. Ao tentar responder às questões sobre o caráter da moralidade, Blackburn se diz um quase-realista, uma vez que trata destas questões como se elas fossem propriedades morais quase-objetivas, mas somente um quase. No Capitulo 3 serão apresentadas duas alternativas cognitivistas. Uma alternativa retirada do realismo moral Britânico, de Jonathan Dancy, cuja estratégia passa por um questionamento mais direto da teoria humeana da motivação e a proposta de uma teoria da

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motivação pura que elimine qualquer resquício de um conteúdo volitivo identificado como desejo, atitude, etc. Para tanto, Dancy defenderá que estamos intrinsecamente motivados a agir, e esta motivação é puramente cognitiva. E uma alternativa retirada do realismo moral Americano de David Brink, que, aceitando as linhas gerais da teoria humeana, procura desenvolver uma teoria externalista da motivação moral que evite as diversas dificuldades envolvidas em ser um internalista. Esse externalismo, no qual as forças motivacionais e a racionalidade das considerações morais dependem de fatores externos a tais considerações morais, é uma recusa frontal do internalismo,. Como conclusão, defenderemos que o presente debate ainda continua em aberto, à espera de argumentações mais concisas e adequadas que proponham alternativas mais seguras ao tratamento das questões morais.

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1. Os Problemas da Motivação Moral “In the beginning was the deed” Wittgenstein, citando Goethe (Fausto) Culture and Value

1.1. Considerações Preliminares Estar motivado a praticar uma ação em geral implica, em suma, estar sob o efeito de um desejo (paixão) e de uma crença (razão). O mesmo deve valer para a explicação da ação moral. Esse é o ponto de partida principal dos filósofos que tratam da motivação. Estabelecida a prioridade do desejo ou da crença, os filósofos morais poderão estabelecer a cognitividade ou não dos juízos morais. Aqueles filósofos que afirmam a não-cognitividade dos juízos morais se apóiam nessa explicação geral da ação e, enfatizando o aspecto prático da moralidade (ou seja, o fato de que considerações morais têm o poder de motivar as ações, ou, em outras palavras, o fato de que juízos morais parecem ser intrinsecamente motivadores), põem os juízos morais do lado do desejo naquela equação. Cabe aos que afirmam sua cognitividade, entre outras coisas, seja contestar essa explicação geral da ação, seja mostrar que o elemento cognitivo é suficientemente motivador, seja negar que juízos morais sejam intrinsecamente motivadores. Os argumentos de Hume relacionados à teoria da motivação tornaram-se de uso comum, sobretudo para os não-cognitivistas, mas também para os cognitivistas, como suporte de sua abordagem moral. Desses usos, surge uma distinção entre os chamados humeanos e os anti-humeanos.13 Os humeanos, basicamente e em grande parte não-cognitivistas14, sustentam que o que nos motiva a uma ação é um “desejo”, em conjunto com uma “crença”. A posição que o desejo assume é determinante para o estado não-cognitivo do juízo moral. Sua disputa 13

O debate entre Humeanos e anti-humeanos, relacionado à teoria da motivação, é atual e permanece em aberto. Para um maior aprofundamento neste debate, conferir na bibliografia: Franke Snare (1975), Michael Smith (1987), Philip Pettit (1987), John Mackie (1980), David Brink (1997), David Lewis (1988), Alfred R. Mele (1996), entre outros. 14 A mais notória exceção é Michael Smith, que defende a teoria humeana da ação conjuntamente com uma metaética cognitivista.

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com os anti-humeanos se dará em relação à impossibilidade de que o “desejo” obtenha um status cognitivo, tendo apenas um status psicológico na percepção humana. Já os antihumeanos, cognitivistas, sustentam que o que nos motiva a uma ação é uma “crença”, e se existir a presença de um “desejo” na motivação, este ou tem um caráter acessório, sendo atribuído ao agente como mera conseqüência da interpretação de sua ação como intencional, ou pode ser visto ele próprio como um desejo motivado por uma crença.15 O debate entre Humeanos e anti-humeanos atravessa também outro debate importante na teoria da motivação. Tal debate traz à tona as questões sobre internalismo e externalismo na moral. Vários filósofos na literatura da filosofia moral tentaram dar uma definição da posição internalista, bem como da externalista. As divergências entre essas posições são evidentes. Thomas Nagel, por exemplo, em seu trabalho The Possibility of Altruism (1970) dá a seguinte definição de internalismo: Internalism is the view that the presence of a motivation for acting morally is guaranteed by the truth of ethical propositions themselves. On this view the motivation must be so tied to the truth, or meaning, of ethical statements that when in a particular case someone is (or perhaps merely believes that he is) morally required to do something, it follows that he has a motivation for doing it. Externalism holds, on the other hand, that the necessary motivation is not supplied by ethical principles and judgments themselves, and that an additional psychological sanction is required to motivate our compliance. Externalism is compatible with a variety of views about the motivation for being moral. It is even compatible with the view that such a motivation is always present – so long as its presence is not guaranteed by moral judgments themselves, but by something external to ethics (NAGEL, 1970: p. 7).16

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O nome de Thomas Nagel é freqüentemente associado com uma posição desse tipo, especialmente na primeira alternativa. Sobre essas possibilidades, ver ainda Dancy, 1993: pp. 7-12. 16 Internalismo é a visão de que a presença de uma motivação para agir moralmente é garantida pela verdade das proposições éticas por si mesmas. Nesta visão, a motivação deve estar tão ligada à verdade, ou significado, dos enunciados éticos que quando em um caso particular alguém está (ou talvez somente acredita que esteja) moralmente exigido a fazer algo, segue-se que ele tem uma motivação para fazer isto. Por outro lado, externalismo assegura que a motivação necessária não é suprida por princípios e juízos éticos por si mesmos, e que uma sanção psicológica adicional é exigida para motivar nossa obediência. Externalismo é compatível com uma variedade de visões sobre a motivação por ser moral. É até mesmo compatível com a visão de que tal motivação está sempre presente – assim como sua presença não está garantida através de juízos morais por si mesmos, mas por algo externo à ética.

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Jonathan Dancy, a princípio, aceita a definição de Nagel, mas encontra falhas na sua definição quando ela fala sobre verdade das proposições éticas17. Ademais, abre mão de participar destas controvérsias entre internalistas e externalistas, propondo uma nova teoria da motivação, teoria esta que denominou ‘teoria cognitiva pura’: The sort of cognitive theory I want to support maintains that there are no such things as Humean beliefs or desires. Instead of these internally and externally motivating states, there are what we might call intrinsically motivating states, which can be present without motivating but which when they do motivate do so in their own right.[…] The theory we have ended up is neither internalist or externalist. (DANCY, 1993: pp. 23-25)18

David Brink apresenta também uma definição de internalismo e externalismo: Internalism is the view that there is an internal or conceptual connection between moral considerations and action or the sources of action. However, we need a more precise statement of internalism than this.[…] Externalism is the denial of internalism; externalism claims that the motivational force and rationality of moral considerations depend on factors external to the moral considerations themselves. (BRINK, 1989: p. 38-42).19

Mas Brink adverte que precisamos de várias versões de internalismo e externalismo. Para tanto, bifurca o internalismo e o externalismo em duas diferentes vertentes. Uma vertente de internalismo e externalismo sobre motivos e outra de internalismo e externalismo sobre razões. Basicamente, o internalismo e o externalismo sobre motivos abordam a conexão entre a moralidade e a motivação, e o internalismo e o externalismo sobre razões abordam a conexão entre moralidade e razões para ação. O problema da motivação moral gira em torno de tais discussões. Esse é o primeiro problema a ser tratado na tentativa de falar do debate entre cognitivistas e não17

Dancy enfatiza que há duas idéias falhas na manutenção da caracterização do internalismo de Nagel. Uma é a que diz que a motivação é provida pela mera verdade de alguma proposição, e a outra é a que a motivação é provida pela crença de alguém naquela proposição, seja ela verdadeira ou não (DANCY, 1993: p. 1). 18 O tipo de teoria cognitiva que eu quero sustentar assegura que não existem tais coisas como crenças ou desejos humeanos. Em vez desses estados internamente e externamente motivadores, existem o que podemos chamar estados intrinsecamente motivadores, os quais podem estar presentes sem motivar, mas quando eles motivam, motivam da sua própria maneira. [...] A teoria que terminamos por adotar não é nem internalista nem externalista. 19 Internalismo é a visão de que há uma conexão interna ou conceitual entre considerações morais e ação ou as fontes de ação. Porém, nós precisamos de um enunciado mais preciso de internalismo do que este. [...] Externalismo é a negação de internalismo; externalismo afirma que a força e racionalidade motivacional das considerações morais dependem de fatores externos às considerações morais por si mesmas.

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cognitivistas. É aqui que se concentrarão as primeiras batalhas das duas posições. Os nãocognitivistas abraçam Hume como seu ponto de apoio, e os cognitivistas tentarão negá-lo, e quando tentam abraçá-lo, moldam Hume de uma maneira que sirva a seus propósitos. De acordo com Thomas Nagel, defensor de uma posição cognitivista, o trabalho a ser feito é este: O ponto de vista a ser combatido na defesa da realidade da razão prática e moral é, em essência, o ponto de vista de Hume. Embora Hume estivesse errado em dizer que a razão foi concebida apenas para servir de escrava das paixões, não obstante é verdadeiro que haja, anteriormente à razão, desejos e sentimentos que a esta não cabe avaliar [...] Aflora então a questão sobre quão difusos são os dados motivacionais em estado bruto, e a questão de saber se alguns deles não podem talvez ser identificados como as verdadeiras fontes daquelas bases de ação habitualmente descrita como razões. A teoria humeana das paixões “calmas” foi concebida para produzir essa extensão, e opor-lhe resistência não é matéria fácil – ainda que ela seja colocada no contexto de um enquadramento mínimo de racionalidade prática robusta do que Hume teria admitido (NAGEL, 1998: pp.125-126).

É a partir dessas disputas que surgem as disputas entre os cognitivistas e nãocognitivistas. E, para chegarmos ao tratamento das posições cognitivistas e não-cognitivistas, precisamos passar pelas divergentes posições que trataram da motivação moral. Iniciaremos nosso percurso com o tratamento que Hume deu à motivação moral.

1.2. Os Argumentos de Hume Para Hume, todas as percepções da mente humana estão divididas em impressões e idéias. A partir dessa distinção entre paixão e razão, Hume tenta encontrar, na natureza humana, o que nos motiva à ação, se são as razões, se são as paixões, ou se ambas. Em sua argumentação, Hume parte da tradicional oposição entre razão e paixão e da precedência, no que diz respeito à moralidade, que é atribuída à razão sobre a paixão. De acordo com Hume, “a maior parte da filosofia moral, seja antiga ou moderna, está fundada nesse modo de pensar. E não há campo mais vasto, tanto para argumentos metafísicos como para declarações populares, que essa suposta primazia da razão sobre a paixão” (HUME, [1739/40] 2000: p. 449).

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A partir do exposto acima, Hume quer mostrar que o que nos motiva a uma ação não é somente a razão, do mesmo modo que ela não pode impedir sozinha a ação. Ao contrário, ela tem de ser uma aliada das paixões na motivação. Essa é a famosa psicologia da ação de Hume, também conhecida como sua teoria da motivação. Estar motivado a executar uma ação é estar sob o efeito imediato de uma paixão. E o efeito mais notável dessa paixão é a vontade. Hume define como vontade “a impressão interna que sentimos e de que temos consciência quando deliberadamente geramos um novo movimento em nosso corpo ou uma nova percepção em nossa mente” (HUME, [1739/40] 2000: p. 435). E quando se percebe essa ação, produz-se nos agentes morais uma certa dor (desconforto) ou prazer (satisfação). Tal dor ou prazer é o efeito imediato das nossas ações e esses são os responsáveis pela nossa aprovação ou reprovação moral. Aprovar uma ação, ou um caráter ou um sentimento é ter um contentamento perante tal fato. (HUME, [1739/40] 2000: p. 330). A importância desse tratamento que Hume deu à motivação transparece no presente debate entre internalismo e externalismo moral. Se formos partidários de uma teoria externalista, então o que nos motiva à ação é algo externo a nosso juízo moral. Se, por outro lado, formos partidários de um internalismo moral, nossa única motivação à ação é interna, podendo ser provida em última instância por um elemento afetivo (uma paixão ou desejo), caso em que nosso juízo moral seria a expressão desse elemento; ou, se quisermos manter uma posição cognitivista, provida em última instância por um elemento cognitivo (uma crença), à qual corresponde nosso juízo moral. É evidente que essa distinção entre internalismo e externalismo, no que diz respeito à motivação, é atual20, e Hume não se enquadra em tal disputa. Hume apenas antecipou-se a ela, sendo originalmente o precursor de tais discussões. Para Hume, o entendimento se exerce de duas maneiras: por demonstração e por probabilidade. Na demonstração, enquadram-se as relações de idéias, ou seja, as demonstrações matemáticas; e na probabilidade, as relações entre os objetos, ou seja, as questões de fatos empíricos. É evidente para Hume que as demonstrações sozinhas não podem ser a causa de uma ação, tendo como atributo apenas influenciar as ações em associação com

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Tal distinção entre internalismo e externalismo moral foi introduzida por W. K. Frankena, no seu artigo “Obligation and Motivation in Recent Moral Philosophy” in Essays on Moral Philosophy, ed. A. I. Melden Seattle: University of Washington Press, 1958 (DARWALL, GIBBARD, RAILTON, 1992: p. 122).

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as relações de causa e efeito típicas do segundo tipo de entendimento.21 Nada relacionado apenas com a razão pode ser o motivador de minha ação, e sim uma paixão, que tem uma existência original. O papel do nosso raciocínio é só dirigir nosso juízo sobre causas e efeitos e nos afastar ou nos aproximar daquilo que nos faz sentir dor ou prazer. O que faz Hume aqui é capturar e estabelecer uma separação primordial para o tratamento contemporâneo das questões morais. Tal separação, como veremos, se dá em duas dimensões: a dimensão intelectual, que pode ser comparada ao entendimento por demonstração, e a dimensão prática, que pode ser comparada ao entendimento por probabilidade. Consideremos o seguinte raciocínio: (1) Maria deseja perder peso. (2) Maria acredita que para perder peso necessita comer menos ou exercitar-se mais. (3) Maria come menos ou se exercita mais.22 Segundo a teoria da motivação Humeana, em (1) está expresso o desejo de Maria em perder peso. Em (2) está explícita a crença de Maria de que uma determinada ação de comer menos ou exercitar-se mais é um meio necessário para se alcançar aquele fim de perder peso. O desejo não decorre da razão, é apenas conduzido por ela. Enfim, em (3) está erigida a ação de Maria, ou seja, ela come menos ou se exercita mais para alcançar o objetivo de perder peso. A pergunta que Hume faria, segundo sua teoria da motivação é se a razão sozinha, no caso (2), poderia influenciar a ação de Maria (3)? Se não houvesse a paixão (desejo) determinante em (1), Maria, mesmo assim, estaria motivada a perder peso?

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Cf. Mackie, J. Hume’s Moral Theory. Routledge & Kegan Paul, London, 1980. (Capítulo III – Hume’s Psychology of Action). 22 Este exemplo foi adaptado do livro de Henry J. Gensler Ethics: A contemporary Introduction, pg. 86.

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Para Hume a resposta é não, pois a paixão (desejo) sempre estará presente, mesmo que não explícita. O mesmo vale para a tese de que a razão é, sozinha, um empecilho para a ação. Hume se concentra então na busca de onde surgem as distinções morais humanas, pois de acordo com a experiência do dia a dia, os homens são governados por seus deveres e obrigações. São essas distinções morais provenientes das paixões ou da razão? Para Hume, essa resposta se expressa simples e claramente na divisão da filosofia em “especulativa e prática”. A moral se enquadra na filosofia prática, restando a Hume apenas o estudo de suas funções dentro da prática. Ao procurar de onde surgem nossas distinções morais a respeito do certo e do errado, do vício e da virtude, Hume os compara ao que chamou de impressões secundárias ou reflexivas. “O vício e a virtude (...) podem ser comparados a sons, cores, calor e frio, os quais, segundo a filosofia moderna, não são qualidades nos objetos, mas percepções na mente” (HUME, [1739/40] 2000: p. 508). Podemos, assim, concluir que as distinções morais não são derivadas da razão. “A moral desperta paixões, e produz ou impede ações. A razão, por si só, é inteiramente impotente quanto a esse aspecto. As regras da moral, portanto, não são conclusões de nossa razão” (HUME, [1739/40] 2000: p. 497).23 Nas disputas entre cognitivistas e não-cognitivistas que estamos tratando, surgem diversas questões de relevância filosófica a serem trabalhadas. O próprio Hume as identificou, e ainda hoje elas são o grande desafio para quem tenta capturar o aspecto especulativo da moral. O primeiro problema que surge é o problema metafísico: será que realmente existem fatos morais? Da mesma forma, surge o problema epistemológico: (se existem fatos morais) como os reconhecemos? Pode-se notar as preocupações de Hume com essas questões na seguinte passagem: 23

Há uma tendência, entre os comentadores de Hume, de afirmar que ele não é muito claro a este respeito — se as distinções morais são ou não derivadas da razão. A negativa é a forma mais comum de responder a essa questão, o que implica dizer que as distinções morais derivam das paixões. Mackie nos dá um exemplo de tal confusão: “The conclusion of II iii 3, conjoined with the second premiss (sic) that morality is (by itself) practical, would entail that morality cannot be derived from any combination of reasoning, knowledge, and belief alone, whether a priori or empirical, and whether the belief are true or false. We may surmise that Hume himself was not quite clear about what he was doing; perhaps he set out only argue against rationalist like Clarke and Wollaston, but not found that he had, without intending this, developed arguments with more sweeping implications of what Hume says.” (MACKIE, 1980: p. 52). Para maiores informações, conferir o capítulo IV do citado livro (Morality not Based on Reason).

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Tomemos qualquer ação reconhecidamente viciosa: o homicídio voluntário, por exemplo: Examinemo-la sob todos os pontos de vistas, e vejamos se podemos encontrar o fato, ou existência real, que chamamos vício. Como quer que o tomemos, encontraremos somente certas paixões, motivos, volições e pensamentos. Não há nenhuma outra questão de fato nesse caso. O vício nos escapa por completo, enquanto consideramos o objeto. Não o encontraremos até dirigirmos nossa reflexão para nosso próprio íntimo e darmos um sentimento de desaprovação, que se forma em nós contra essa ação. Aqui há um fato, mas ele é objeto de sentimento [feeling], não de razão. Está em nós, não no objeto. Desse modo, quando declaramos que uma ação ou caráter são viciosos, tudo que queremos dizer é que, dada a constituição de nossa natureza, experimentamos uma sensação ou sentimento [a feeling or sentiment] de censura quando os contemplamos (HUME, [1739/40] 2000: p. 508).

Dessa provocante discussão de Hume sobre os fundamentos da moralidade e, a partir disso, das motivações morais, surge hoje, no discurso contemporâneo, a disputa entre os humeanos e os anti-humeanos. Tal disputa, como evidenciado anteriormente (conferir considerações preliminares do Capítulo 1), centraliza suas observações sobre as distinções entre os termos “crença” e “desejo”. A esses termos e suas controvérsias geradas dentro da teoria da motivação moral nos ateremos agora.

1.3. Humeanos e anti-humeanos O debate em torno do que nos motiva à ação é uma questão central na filosofia moral. A discordância entre as diversas correntes da filosofia moral em torno dessa questão constitui hoje uma das discussões contemporâneas mais ativas nessa área. As divergências ocorrem justamente sobre aquilo que nos motiva à ação: se são as nossas crenças; se são os nossos desejos; ou se ambos. Na tentativa de sustentar a cogniscibilidade de nossos juízos morais, os chamados cognitivistas morais envidam seus esforços para defender a predominância da crença sobre o desejo no que diz respeito à nossa motivação moral, dando uma maior ênfase ao caráter especulativo da moral. Isso põe um problema especial para eles, dado que não podem ignorar o aspecto prático da moralidade, que é o de explicar justamente esse caráter prático: será possível, com elementos puramente cognitivos, explicar a ação moral?

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Já os chamados não-cognitivistas, partindo justamente da constatação de que a moralidade é prática, dão ênfase ao papel do desejo sobre a crença na motivação, afirmando que a nossa motivação envolve pró-atitudes não-cognitivas. Para tratar de tais controvérsias, observaremos o seguinte exemplo que David Lewis usou em seu artigo como um desafio feito pelos anti-humeanos aos humeanos: The Department must choose between two candidates for a job, Meane and Neiss. Neiss is your old friend, affable, sensible, fair-minded, co-operative, moderate, …. Meane is quite the opposite. But it is clear that Meane is just a little bit better at philosophy. Gritting your teeth and defying all desire, you vote for Meane, because you believe that Meane getting the job instead of Neiss would, all things considered, be good. Your belief about what’s good has moved you to go against your desire to have Neiss for a colleague and to have nothing to do with Meane. (LEWIS, 1988: p. 323).24

A pergunta que se faz agora é: o que de fato motivou a escolha do candidato Meane e não a de Neiss? Foi a crença de que Meane seria um bom filósofo na Universidade? E, escolhendo Meane e não Neiss, abriu-se mão de todo o desejo e escolheu-se baseado somente pela crença de que seria um bom filósofo? Para os anti-humeanos, apenas a crença de que o candidato Meane seria bom para a Universidade motivou a escolha, ou seja, você abriu mão de todos os seus desejos em relação a Neiss (ou seja, seu desejo de ter um velho amigo, afável, sensível, etc. como colega de trabalho) e escolheu apenas pautado num motivo racional. Um humeano, de acordo com Lewis, diria ao anti-humeano que existem desejos e desejos. Alguns desejos são quentes e outros desejos são frios. O desejo de votar em Neiss era o que ele chama de desejo quente, que pode ser comparado às paixões que entram com mais violência, segundo Hume. Já o que o levou a votar em Meane pode ser visto, em última análise, como um desejo frio (por exemplo, o desejo de fazer o que é melhor para Universidade), de modo que a reconstrução do anti-humeano de sua escolha está equivocada: não se trata de escolher contra todo desejo, mas apenas de dar precedência a um desejo frio sobre um desejo quente. Essa distinção já fora 24

O Departamento de Filosofia deve escolher entre dois candidatos para um emprego, Meane e Neiss. Neiss é seu velho amigo, afável, sensível, justo, cooperativo, moderado, .... Meane é totalmente o contrário. Mas está claro que Meane é um pouco melhor em filosofia. Firmando seus dentes e desrespeitando todo desejo, você vota em Meane, porque você acredita que Meane, tendo o emprego em vez de Neiss, poderia, consideradas todas as coisas, ser bom. Sua crença sobre o que é bom conduziu você contra seu desejo de ter Neiss como um colega e não tem nada que ver com Meane.

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feita pelo próprio Hume ao opor paixões violentas a paixões calmas, um dos pontos fundamentais de sua argumentação sobre o papel secundário da razão na moralidade: Toda a ação da mente que opera com a mesma calma e tranqüilidade é confundida com a razão por todos aqueles que julgam as coisas por seu primeiro aspecto e aparência. Ora, é certo que há determinadas tendências e desejos calmos que, embora sejam verdadeiras paixões, produzem poucas emoções na mente, sendo conhecidos mais por seus efeitos que pelo sentimento ou sensação imediata que produzem. [...] Quando uma dessas paixões é calma e não causa nenhuma desordem na alma, é facilmente confundida com as determinações da razão (HUME, [1739/40] 2000: p. 453).

Essa é a tese humeana da crença e do desejo. Em geral, os adeptos de tal tese se enquadram na visão internalista da motivação moral. Tal visão, conforme evidenciado, diz que há uma relação interna entre motivação e juízo moral. Mas ressalte-se que existem filósofos que são internalistas e cognitivistas, o que vai de encontro à posição de Hume. Tais filósofos, Nagel e McDowell, por exemplo, asseguram que o seu internalismo cognitivista se dá pelo fato dos juízos morais expressarem crenças e essas crenças serem necessariamente motivadoras. E sendo crenças necessariamente motivadoras geram imperativos categóricos. Essa forma de internalismo cognitivista é um internalismo à maneira de Kant, segundo a qual reconhecer uma razão para a ação é estar necessariamente motivado. De acordo com Dancy: Nagel and McDowell both admit, as Kant does, that there is Humean motivation, where belief and desire contribute together to action in the sort of way that Hume describe. But they want to say that there is a different form of motivation which is purely cognitive. […] In those cases it is possible for a purely cognitive state, one which consists entirely of beliefs, to constitute a complete motivating state — to be a complete reason for action. (DANCY, 1993: pp. 7-8)25

A outra visão encontrada aqui é a visão internalista não-cognitivista. Tal visão é puramente humeana. Segundo ela, a motivação sempre implica a presença de um desejo e uma crença. É este o caso evidenciado no exemplo de Lewis. Sempre que se toma uma decisão, a presença do desejo é essencial. Os juízos morais, para os não-cognitivistas,

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Nagel e McDowell admitem, como Kant faz, que existe a motivação humeana, onde crença e desejo contribuem juntas para ação da maneira em que Hume descreve. Mas eles querem dizer que existe uma forma diferente de motivação a qual é puramente cognitiva. [...] Nestes casos é possível para um estado puramente cognitivo, que consiste inteiramente de crenças, constituir um estado motivador completo — ser uma razão completa para ação.

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expressam pró-atitudes — pela presença fundamental do desejo —, o que dá conta da dimensão essencialmente prática da moralidade evidenciada por Hume. As disputas entre humeanos e anti-humeanos é central para as questões metaéticas. A força dos humeanos em relação aos anti-humeanos está no caráter prático da motivação moral, enquanto que os anti-humeanos levam tal disputa para o lado especulativo, intelectual. De acordo com David Brink, que resume bem as alternativas em jogo aqui: If we think that motivation involves pro-attitudes, such as desires, we may conclude from the motivational or “dynamic” aspect of morality that moral judgments express noncognitive attitudes, rather than beliefs. But this noncognitive conclusion may seem to miss intellectual aspects of morality, which cognitivism captures. To avoid it, may seem that we need to reject the idea that moral judgments has some internal connection with motivation. But this may seem to abandon the practical dimension of morality. We could understand moral motivation in some new way that does not involve pro-attitudes, but this may seem hard to square with familiar assumptions about the nature of intentional action (Brink, 1997: p. 4).26

Brink é um representante da visão externalista da motivação moral. Tal visão sustenta que é possível fazer juízos morais sem estar motivado a agir. Nega, assim, a implicação interna entre juízos morais e motivação, ficando caracterizada, desse modo, como uma posição externalista. A motivação existe independentemente de uma conexão interna com as considerações morais. Negar essa possibilidade implica refutar qualquer forma de internalismo, tanto cognitivista quanto não-cognitivista. Existem duas dificuldades a ser superadas por Brink: uma em relação à motivação internalista, e outra em relação à ação intencional. Trataremos primeiro da sua tentativa de refutar o internalista. Brink tenta colocar os internalistas numa situação difícil, desenvolvendo o que ele chamou de quebra-cabeça (puzzle) da motivação moral. Para tanto, ele apresenta quatro princípios que geralmente são usados e atribuídos a ambas vertentes do debate metaético, cognitivistas e não cognitivistas.

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Se nós pensarmos que a motivação envolve pró-atitudes, tal como desejos, nós podemos concluir, do aspecto motivacional ou “dinâmico”, que os juízos morais expressam atitudes não-cognitivas, em lugar de crenças. Mas esta conclusão não-cognitiva parece perder o aspecto intelectual da moralidade, que o cognitivismo captura. Para evitar isto, parece que nós precisamos rejeitar a idéia que os juízos morais têm alguma conexão interna com a motivação. Mas isto pode parecer abandonar a dimensão prática da moralidade. Nós poderíamos entender a motivação moral de algum modo novo que não envolva pró-atitudes, mas isto parece difícil de adequar a suposições familiares sobre a natureza da ação intencional.

32

1.

Moral judgments express beliefs.

2.

Moral judgments entail motivation.

3. Motivation involves a desire or pro-attitude. 4. There is no necessary connection between any belief and any desire or pro-attitude. (BRINK, 1997: p. 6).27

Segundo Brink, o princípio (1) expressa a visão cognitivista da ética, na qual os juízos morais expressam crenças do avaliador sobre as propriedades morais. Já o principio (2) expressa a tese internalista de que a motivação é uma parte essencial dos juízos morais. No princípio (3) está expressa a idéia de que a motivação envolve desejos e pró-atitudes da parte do agente. E finalmente, o princípio (4) expressa a idéia de que crenças e pró-atitudes, tal como desejos, são estados mentais independentes (BRINK, 1997: p. 6). O quebra-cabeça da motivação moral, segundo Brink, está na impossibilidade de afirmar simultaneamente todas as quatro asserções. Sustentar as quatro suposições é manter uma inconsistência. Tal inconsistência aparece na formalização dos princípios proposta por Brink: 1.

‫( ڤ‬J ≡ B)

2.

‫( ڤ‬J → M)

3.

‫( ڤ‬M → D)

4.

◊ (B & ¬D)

5.

‫( ڤ‬J → D)

[2,3]

6.

◊ (J & ¬D)

[1,4]

7.

¬‫( ڤ‬J → D)

8.

‫( ڤ‬J → D) & ¬‫( ڤ‬J → D)

[6] [5,7]

28

(BRINK, 1997: p. 6).

27

1. Juízos morais expressam crenças. 2. Juízos Morais implicam motivação. 3. Motivação envolve um desejo ou pró-atitudes (pró-tomadas de posições). 4. Não existe conexão necessária entre quaisquer crenças e quaisquer desejos ou pró-atitudes (pró-tomadas de posições). 28 Atribui-se aos presentes símbolos a seguinte interpretação: J – Juízos Morais; B – Crença; M – Motivação; D – Desejos; – Operador de necessidade; ◊ – Operador de possibilidade.

33

Para resolver o problema da inconsistência, é necessário que se negue algum, ou alguns, dentre os quatro princípios expressos. Os não-cognitivistas aceitam, segundo Brink, os princípios (2), (3) e (4), e negam o princípio (1). Já alguns cognitivistas, tal como Brink, aceitam (1), (3) e (4) e negam (2) – negam que fazer juízos morais acarrete motivação. Ao fazer isto, se enquadram na posição externalista.29 Para manter sua posição externalista, Brink passa então a atacar alguma falha que possa ocorrer na posição internalista, tanto a cognitivista quanto a não-cognitivista. O ataque virá a partir da suposição da existência de pessoas que, embora aceitem determinados juízos morais, não estariam motivadas a agir. Alguém assim é um amoralista.30 De acordo com Brink, o amoralista é aquele que reconhece a existência de considerações morais e mesmo assim permanece indiferente. O argumento de Brink contra o internalista parte daí porque, de acordo com o internalismo, é conceitualmente impossível alguém reconhecer uma consideração moral ou afirmar um juízo moral e permanecer indiferente, no sentido de não estar motivado a agir conforme esse juízo. Suponha-se que o citado exemplo de Lewis seja um exemplo essencialmente moral e que existe uma obrigação moral para que todos os eleitores do novo professor votem, e que a abstenção não seja uma alternativa. Suponha-se ainda que um eleitor (A) vota em Meane, pois este é um filosofo mais bem preparado que Neiss; e suponha-se que o eleitor (B), mesmo reconhecendo que Meane é melhor do que Neiss, filosoficamente, resolve escolher Neiss. Seria ele, neste caso, um amoralista, supondo ainda que reconheça que Meane é melhor para Universidade ou acredite que ele seja o melhor candidato? Para alguns, no entanto, não existe aqui um problema real para o internalista. A figura de um amoralista, segundo eles, é impossível de ser sustentada. De acordo com Jonathan Dancy:

29

Brink identifica que na posição que ele defende está também Philippa Foot. E enfatiza que os cognitivistas que aceitam o internalismo, tal como Thomas Nagel e John McDowell, devem negar os princípios (3) ou (4). Ele os chama de racionalistas morais porque asseguram que o reconhecimento de um dever (obrigação) moral pode ser intrinsecamente motivacional sem o beneficio de uma pró-atitude (BRINK, 1997: p. 6). 30 Brink também admite a possibilidade de uma pessoa que sofra de ‘fraqueza de vontade’. Dancy enfatiza que outros casos podem ser usados contra os internalistas, tais como aquelas pessoas que sofrem de acídia (acedia), e as pessoas consideradas más, que se sentem atraídas pelo mal. (DANCY, 1993: Cap. 1).

34

This person is no problem for internalism. [...] I see no reason for the internalist to admit that there is such a person. If there were any, this would be a problem for internalist. But it can hardly be presented as a mater of fact either that there are some or that there could be. That such a person is possible is surely more an assertion of the externalist position than independent support for it. (DANCY, 1993: p. 5)31

O objetivo de Brink em sustentar a possível existência de um amoralista é confirmar a sua solução externalista para o quebra-cabeça da motivação moral, ou seja, a afirmação de que (2) juízos morais acarretam necessariamente motivação. Sua construção de uma possível posição amoralista se dá da seguinte forma: 1.

If I am under a moral requirement to φ, there is a moral reason for me to φ.

2.

If there is a moral reason for me to φ, there is a reason for me to φ.

3.

If there is a reason for me to φ, it would be pro tanto irrational for me to fail to φ.

4.

Hence, if I am under a moral requirement to φ, it would be pro tanto irrational for me to fail to φ.

(BRINK, 1997: p. 20).32

A nossa forma de desacreditar a posição externalista aqui expressa por Brink se dará num ataque direto ao quebra-cabeça da motivação moral. Existe um problema de composição do quebra-cabeça, ou seja, a composição se deu de acordo com os interesses externalistas de Brink. Um internalista não-cognitivista poderia aceitar todas as quatro suposições do problema da motivação moral proposto por Brink, se no ponto (1) do problema mudasse aquela identidade do juízo moral com crenças por uma implicação. A mudança resultaria do esvaziamento do seu problema, e a afirmação do externalista de que as crenças nos fatos morais por si só motivam não mais decorreria. A nova composição ficaria da seguinte forma: (1) Juízos morais implicam crenças. (2) Juízos morais acarretam motivação. 31

Esta pessoa não é um problema para o internalismo. [...] Eu não vejo razão para o internalista admitir que existe tal pessoa. Se existisse alguma pessoa amoral, isto poderia ser um problema para o internalismo. Mas isto dificilmente poderia ser apresentado como uma questão de fato ou que há alguém ou que poderia haver. Que tal pessoa é possível é certamente mais uma asserção da posição externalista que um suporte independente. 32 1. Se estou sob uma exigência moral para φ, existe uma razão moral para mim para φ. 2. Se existe uma razão moral para mim para φ, existe uma razão para mim para φ. 3. Se existe uma razão para mim para φ, seria pro tanto irracional para mim deixar de φ. 4. Portanto, se estou sob uma exigência moral para φ, seria pro tanto irracional para mim deixar de φ.

35

(3) Motivação envolve desejos ou pró-atitudes. (4) Não existe uma conexão necessária entre nenhum desejo e nenhuma crença ou pró-atitudes. Na nova formulação, estamos propondo o que chamamos da posição humeana, ou seja, a posição de que “a razão sozinha não pode produzir nenhuma ação nem gerar uma volição” (HUME, [1739/40] 2000: p. 450). De acordo com Hume e os humeanos, deve existir uma conexão entre o desejo e crença para que exista uma motivação. Tal conexão é contingente, pois nem sempre ocorre. Os chamados anti-humeanos, aqueles que dizem que a crença por si só é motivadora, enganam-se em afastar o desejo de tal motivação. A confusão mais comum que cometem é estabelecer o desejo como crença. Formalizando a nova construção das quatro suposições temos: 1. ‫( ڤ‬J → B) 2. ‫( ڤ‬J → M) 3. ‫( ڤ‬M → D) 4. ◊ (B & ¬D) 5. ‫( ڤ‬J → D) 6. ¬‫( ڤ‬B → D) 7. ‫( ڤ‬J → B) & ¬‫( ڤ‬B → D)

[2,3] [4] [1,6]

O engano mais comum dos anti-humeanos é dizer que somos capazes de agir motivados somente por nossas crenças. Fazendo isso, fazem a confusão de atribuir ao desejo o papel de uma crença. Novamente, David Lewis evidencia que é impossível ter uma crença sobre o que seria melhor, ou bom, e faltar o desejo correspondente. Se o eleitor que escolheu Meane acredita que este deve ter a vaga de professor, necessariamente ele deseja que Meane seja o selecionado. Os pontos de ataque à posição anti-humeana, posição que nega a presença de um desejo ou pró-atitude, de acordo com Lewis, podem ser dois: a idéia de identidade entre crença e desejo, ou a idéia de uma conexão necessária entre desejo e crença. Ele enfatiza: If the belief and the desire are identical, a fortiori they are necessarily conjoined. Or the necessary connection might arise in some other way, even if the desire is in some way different

36

from the belief. To cover both case at once, let us take necessary connection to be our AntiHumean’s main thesis, leaving identity as an optional extra (LEWIS, 1988: p. 324).33

Brink incorre no primeiro caso, ao identificar o desejo com um tipo de crença. Tal fato pode ser evidenciado na formalização dos seus princípios, onde, uma vez que estabeleceu uma identidade entre juízos morais e crenças (linha 1 da formalização do quebracabeça de Brink), esta identidade se substituiu no ponto onde ele identifica a necessidade dos juízos morais implicarem desejos (linha 6 da mesma formalização). Conforme enunciado na citação anterior, Lewis manterá seu ataque à idéia de conexão necessária. A conclusão que ele chega, que não será tratada aqui, é que se for mantida a posição anti-humeana da motivação, ou seja, a posição de desejo-como-crença, tal posição colidirá com a Teoria da Decisão, que Lewis define como uma teoria formal intuitivamente convincente e bem estruturada sobre crença, desejo, e o que significa realizar nossos desejos de acordo com nossas crenças (LEWIS, 1988: p. 325).34 O outro ponto que preocupou Brink no seu empreendimento para refutar o internalista está relacionado à ação intencional. Tal ponto nos leva diretamente ao tratamento dado ao desejo e à crença. Sabe-se que a crença é mais tratável num processo discursivo do que o desejo, e por isso acredita-se que o desejo possa assumir um caráter representacional tal como o da crença. Mas, o que ocorre não é bem assim. O desejo, por se tratar de pró-atitudes, é prático, enquanto que a crença é um estado cognitivo. De acordo com Michael Smith, um defensor da posição internalista da motivação, na disputa entre crença e desejo deve-se seguir as definições de Hume, orientandose pelo caráter disposicional do desejo. Ter um desejo envolve mais do que estar possuído por um sentimento psicológico, uma sensação corporal. Smith rejeita o que chama de “concepção fenomenológica” do desejo, que se baseia em um equívoco natural: como aparentemente os desejos são conhecidos pelo modo como eles nos fazem sentir, então, na tentativa de explicar porque isso é assim, nós podemos ser conduzidos a identificar o desejo com algum sentimento 33

Se a crença e o desejo são idênticos, a fortiori eles necessariamente estão conjuntos. Ou a conexão necessária poderia surgir de algum outro modo, até mesmo se o desejo é de algum modo diferente da crença. Para cobrir ambos os casos, pegaremos a conexão necessária para ser a tese principal de nosso anti-humeano, deixando identidade como um extra opcional. 34 Conforme foi enfatizado, não é objetivo da presente dissertação adentrar em algo que nos conduzirá para bem longe do nosso tema. Para ter acesso à formalização da Teoria da Decisão, consultar o artigo de Lewis.

37

psicológico (SMITH, 1987: p. 45). Isso é um equívoco porque, segundo Smith, impossibilita uma explicação adequada da epistemologia do desejo. Com sua concepção disposicional do desejo, Smith evidencia que o desejo difere das sensações pelo seu conteúdo proposicional. Pode-se falar que o desejo recebe a seguinte atribuição “alguém deseja que p”, ao passo que uma sensação não recebe tal atribuição “alguém dói que p”. Então, o desejo se estabelece como um estado com conteúdo proposicional. Uma posição mais marcante em relação às ações intencionais e da diferença entre o desejo e a crença foi feita por G. E. M. Anscombe. Tal diferença Smith toma em seu favor, o que ele considera como algo profundo no nosso pensamento sobre a natureza do desejo. Citando uma passagem de Platts, no seu livro Ways of Meaning: Miss Anscombe, in her work on intention, has drawn a broad distinction between two kinds of mental states, factual beliefs being the prime exemplar of one kind and desire a prime exemplar of the other … The distinction is in terms of the direction of fit of mental states with the world. Beliefs aim at the true, and their being true is their fitting the world; falsity is a decisive failing in a belief, and false beliefs should be discarded; beliefs should be changed to fit with the world, not vice versa. Desires aim at realisation, and their realisation is the world fitting with them; the fact that the indicative content of a desire is not realised in the world is not yet a failing in the desire, and not yet any reason to discard the desire; the world, crudely, should be changed to fit with our desires, not vice versa (SMITH, 1987: p. 51).35

Esta idéia do desejo como estado a que o mundo deve corresponder vai permitir a Smith fazer a conexão entre o conceito de desejo e motivação. O próprio Hume, segundo Smith, já havia notado esse caráter do mundo se adequando ao desejo. Hume expressou que as paixões são mais conhecidas pelos seus efeitos que pelas suas sensações imediatas. Smith, então, afasta do conceito de desejo uma concepção causal, que até então era associada a Hume, para lhe atribuir uma concepção que o permita continuar neutro a respeito de se os desejos são causas. Tal concepção, uma concepção dos humeanos e não propriamente 35

A senhora Anscombe, no seu trabalho sobre intenção, desenhou uma ampla distinção entre dois tipos de estados mentais, crenças factuais sendo o exemplar principal de um tipo, e o desejo um exemplar principal do outro tipo... A distinção está em termos da direção de correspondência do estado mental com o mundo. As crenças visam à verdade, e, sendo verdadeiras, estarão correspondendo ao mundo; falsidade é uma falha decisiva em uma crença, e as crenças falsas deveriam ser descartadas; as crenças deveriam ser mudadas para corresponderem ao mundo, não vice-versa. Desejos visam à sua realização, e, realizando-se, o mundo adequa-se a eles; o fato de que o conteúdo indicativo de um desejo não é percebido no mundo não é ainda uma falha no desejo, e não é ainda uma razão para descartar o desejo; o mundo, cruamente, deveria ser mudado para se corresponder aos nossos desejos, não vice-versa. (Os grifos em negrito são meus).

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de Hume, é tomar o sentido de razão explanatória como uma espécie de explanação teleológica. Isso porque alguém pode aceitar que uma razão explanatória é teleológica sem aceitar que a razão explanatória é causal (SMITH, 1987: p. 52). Tal alternativa conduz o desejo a um estado que tem um papel funcional, um estado disposicional. Esse novo sentido disposicional do desejo leva em consideração toda a série de eventos que podem estar sob a condição em que um agente pode ou não agir. Isso permite livrar o desejo de uma série de percalços, principalmente aquele de atribuir ao desejo um caráter cognitivo de crença. A direção de adequação do desejo, segundo a qual o mundo deve adequar-se a ele, acarreta consigo os contrafactuais36, ou seja, o desejo de um agente A para p, está fundamentado em certas disposições de p para uma condição C, ou para a condição C’, ou para a condição C’’, e assim por diante (SMITH, 1987: p.52). Esse é o papel funcional do desejo, o estado ao qual o mundo deve se adequar, fazendo com que se possa distinguir o desejo da crença. Esse estado disposicional do desejo permite que se tenha uma razão motivadora, e dessa forma aceitar aquele princípio que Smith formalizou denominado Princípio Humeano: PI. R at t constitutes a motivating reason of agent A to φ iff there is some ψ such that R at t consist of a desire of A to ψ and a belief that were he to φ he would ψ.37

Para ilustrar tal principio, retornemos ao exemplo de Lewis. A decisão de votar em Meane pode ser resumida da seguinte forma: “Embora Meane seja uma pessoa desagradável, por ser um bom filósofo sua contratação será melhor para a Universidade”. Então, existe uma razão motivadora (R em t) do agente A em escolher Meane (o φ no

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Uma definição lata de contrafactuais é a análise filosófica de disposições, causalidade, liberdade de ação, conhecimento e leis da natureza. Um exemplo de um condicional contrafactual seria, numa tentativa de uso de um raciocínio moral, o seguinte: Se roubar fosse errado, então roubar sem ser pego seria errado, não implicaria se roubar fosse errado e matar a fome com o roubo correto, então roubar sem ser pego seria errado. {(p→q) → [(p∧ r)→q)]} – Esta formalização num condicional indicativo seria válida, mas inválida em um condicional contrafactual pois quando se analisa um mundo possível onde o segundo condicional contrafactual não é considerado errado (pois existiria pelo menos um mundo possível onde alguém roubar para matar a fome fosse correto roubar) esta inferência não seria suscetível de cálculo (Cf. PUTNAM, H. “Possibilidade/Necessidade” in Enciclopédia Einaudi, vol. 13, Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988). Para maiores detalhes conferir D. K. Lewis Counterfactuals. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1973. 37 R em um tempo t estabelece uma razão motivada de um agente A para φ, se somente se, existe algum ψ tal que R em um tempo t consiste de um desejo de A para ψ e uma crença que estava ele para φ estaria para ψ. Michael Smith pede para que compare esta versão de sua motivação com a de Donald Davidson “Actions, Reason and Causes” in Essay on Actions and Events. Oxford, Clarendon Press, 1980, p. 5.

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princípio), se, e somente se, existe um estado (o ψ do princípio) tal que naquele instante da escolha consistiria de duas coisas: no desejo do agente A escolher o melhor professor para Universidade (o ψ do princípio) e a crença de que se escolhesse Meane (o φ do princípio) estaria escolhendo o melhor filósofo para Universidade (o ψ do princípio). Smith sumariza o princípio humeano em três premissas, o que torna mais fácil de compreendê-lo. As três premissas implicam diretamente o principio: (1) Ter uma razão motivadora é, inter alia, ter um objetivo; (2) Ter um objetivo é estar em um estado ao qual o mundo deve corresponder; e

(3) Estar em um estado ao qual o mundo deve corresponder é desejar. (SMITH, 1987: p. 55). Para Smith, as duas primeiras premissas são irrefutáveis. A única que pode sofrer alguma objeção é a terceira, mas tais objeções não vão muito longe. Uma possível objeção à premissa (3) consistiria em dizer que estar em um estado ao qual o mundo deve corresponder poderia ser: esperar, querer, sentir, etc., uma vez que desejo é apenas um “exemplar principal”. Smith aceita chamar o estado ao qual o mundo deve corresponder genericamente de pró-atitude. Outra objeção seria a possibilidade de haver estados com duas direções de correspondência, o que, segundo Smith, seria uma idéia incoerente (SMITH, 1987: p. 56). Vimos então que temos três visões distintas da motivação moral — uma visão internalista cognitivista, outra visão internalista não-cognitivista, e uma visão externalista cognitivista. A visão cognitivista, tanto internalista quanto externalista, engloba os chamados realistas morais, enquanto que a visão não-cognitivista inclui os chamados não-realistas morais. A visão que nos interessará diretamente no próximo capítulo será a nãocognitivista. Tal visão assegura a presença obrigatória do desejo e da crença para a motivação, evidenciando a dimensão prática dos juízos morais, e estabelecendo que esses juízos são manifestações de pró-atitudes, de emoções, e não uma tentativa de descrever um fato no mundo, mas apenas de conduzir minhas ações dentro do mundo. Essa conexão interna entre o juízo moral e a motivação coloca sérios problemas para os realistas morais, que asseguram

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que os fatos morais existem objetivamente. É a partir da necessidade de tratar dessas questões morais, e das divergências entre a melhor forma de tratar dos juízos morais, que a filosofia moral contemporânea se dividiu entre cognitivistas (em geral realistas) e não-cognitivistas (não-realistas).

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2. Hume e o Não-Cognitivismo

There is a sentiment of esteem and approbation, which may be excited, in some degree, by any faculty of the mind, in this perfect state and condition; and to account for this sentiment is the business of Philosophers. It belongs to Grammarians to examine what qualities are entitled to the denomination of virtue; nor will they find, upon trial, that this is so easy task, as at first sight they may be apt to imagine.38 David Hume A Treatise of Human Nature

O tratamento atual das questões a respeito da filosofia moral tem comumente sido dividido em partes: uma que se ocupa com questões normativas da ética, também denominada discurso de primeira ordem; e outra que se que ocupa com questões metaéticas, denominada discurso de segunda ordem. No discurso de primeira ordem, normalmente encontram-se regras de condutas para uma determinada sociedade, como agir, o que fazer. Esse discurso é padronizado num campo prático e normativo, e quem participa desse discurso toma parte efetiva nas deliberações morais. O discurso chamado de segunda ordem se preocupa exclusivamente com o status e a natureza dos juízos de valor feitos pelos participantes dos discursos de primeira ordem, se têm um significado literal, se são enunciados factuais, como eles se correspondem com o mundo, etc. Essa é a tarefa da metaética, às vezes também chamada de ética analítica. A ética analítica tentará dar uma resposta à questão “qual a natureza dos valores morais?”. E buscar a resposta para a questão sobre a natureza dos valores morais é adentrar na busca do

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Existe um sentimento de apreço e de aprovação que pode ser despertado até certo ponto, por qualquer faculdade da mente em seu perfeito estado e condição; e explicar esse sentimento é tarefa dos Filósofos. Aos Gramáticos cabe examinar que qualidades merecem ser denominadas virtudes; ao tentar fazê-lo, descobrirão que essa tarefa não é tão fácil quanto poderiam imaginar à primeira vista. (HUME, [1739/40: p. 610] 2000: p. 649).

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significado filosófico dos conceitos que usamos. E uma vez que usamos conceitos de valor moral, nada mais justo que perguntar: (1) O que é valor moral? Responder a essa pergunta, com o intuito de buscar o significado dos conceitos de valor moral, implica enfrentar dois problemas. O primeiro tentará dar conta das seguintes questões: a que tipo de realidade se referem as questões de valor? Se procurarmos no mundo que conhecemos e vivemos, encontramos aquilo que denominamos de valor (tal como o bem, o mal, o certo, o errado, etc.)? Um juízo de valor se refere a alguma realidade objetiva? Este é o chamado problema metafísico (ontológico). Colocado o primeiro problema, junto a ele surge o segundo, o problema epistemológico. Através de qual faculdade podemos conhecer as verdades morais (se é que elas existem)? Qual o acesso que temos aos fatos morais (se é que eles existem)? Temos acesso aos valores morais tal como temos acesso às considerações das ciências, da matemática? É na análise desses problemas, dentro do discurso de segunda ordem, que teve origem o debate de que aqui se trata: o debate entre o cognitivismo e o não-cognitivismo. A posição que assegura que os juízos morais são objetivos, isto é, são capazes de ser literalmente verdadeiros ou falsos, denomina-se cognitivismo (realismo). A posição que nega a objetividade dos juízos morais denomina-se não-cognitivismo (não-realismo). Como já foi enfatizado, a metaética iniciou-se justamente com uma posição cognitivista (realista) chamada intuicionismo, segundo a qual, semanticamente, os juízos morais são literalmente verdadeiros ou falsos; metafisicamente, uma propriedade moral é uma propriedade não natural; e, epistemologicamente, o conhecimento moral repousa sobre verdades evidentes, descobertas por intuição. A reação a esse comprometimento metafísico e epistemológico dos intuicionistas é que gerou o desenvolvimento do não-cognitivismo. A posição não-cognitivista surgiu em decorrência de uma série de pressupostos filosóficos do inicio do século XX, tais como os desenvolvidos por Wittgenstein em seu livro

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Tractatus Lógico-Philosophicus (WITTGENSTEIN, 1994). Na seqüência da filosofia da linguagem de Wittgenstein, surge a teoria verificacionista proposta pelo positivismo lógico. Seu principal expoente e formulador foi A. J. Ayer. Grosso modo, o princípio de verificação se expressa da seguinte maneira. Primeiramente, é observada a distinção entre sentença (sentence), enunciado (statement) e proposição (proposition). Sentença, segundo Ayer, é qualquer combinação de palavras gramaticalmente significativa, e que, tendo um significado literal, expressa um enunciado. Já por proposição, entende aquilo que expressam as sentenças literalmente significativas (AYER, [1934]1952: p. 8). Estabelecidas as distinções entre esses termos técnicos, resta agora aplicar o princípio de verificação diretamente aos enunciados, que serão considerados literalmente significativos, se, e somente se, forem analíticos ou empiricamente verificados (Idem, [1934]1952: p. 9). Por literalmente significativo, Ayer entende aqueles enunciados passíveis de serem verdadeiros ou falsos. Os enunciados analíticos são conhecidos pela sua própria construção gramatical, enquanto que os enunciados empíricos ou sintéticos são conhecidos apelando-se ao princípio de verificação, observação empírica. O confronto de Ayer em relação às questões éticas se dará contra a afirmação dos intuicionistas morais de que os enunciados de valor são proposições sintéticas a priori (genuínas). A impossibilidade dos enunciados de valor terem um conteúdo descritivo fez com que os positivistas minassem sua função cognitiva. Para tanto, os enunciados de valor tinham que passar por alguns critérios. We shall set ourselves to show that in so far as statement of value are significant, they are ordinary “scientific” statement; and that in so far as they are not scientific, they are not in the literal sense significant, but are simply expressions of emotion which can be neither true nor false (Idem, [1934]1952: p. 102).39

A conclusão a que Ayer chega é que os enunciados de valor não são verdadeiros nem falsos, porque carecem de significado literal. Conceitos morais são meros pseudoconceitos, e a presença de qualquer termo ético em uma proposição não agrega nada a seu conteúdo fático (Idem, [1934]1952: p. 107). Contudo, os enunciados éticos possuem uma função, e tal função é puramente emotiva. Essa função emotiva não permite determinar a 39

Procuraremos mostrar que, na medida que os enunciados de valor são significativos, são enunciados “científicos” ordinários, e que, na medida que não são científicos, não são, literalmente falando, significativos, mas simplesmente expressões de emoções que não podem ser nem verdadeiras nem falsas.

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validez de um enunciado ético, pois não tem validez objetiva de nenhuma classe. Segundo Ayer If a sentence makes no statement at all, there is obviously no sense in asking whether what it says is true or false. And we have seem that sentences which simply express moral judgements do not say anything. They are pure expression of feeling and as such do not come under the category of truth and falsehood” (Idem, [1934] 1952: p. 108).40

Ayer assegura então a impossibilidade da ética ser tratada da mesma forma que uma ciência, pois seus enunciados são expressões de sentimentos, não se podendo, assim, falar a respeito de validez em sistemas éticos. No entanto, é necessário dar um tratamento à linguagem adequada para os termos éticos. De acordo com Ayer, citado por Hudson: De fato, a teoria [emotivista] se limita a explorar as conclusões de uma consideração lógica séria e respeitável que fez Hume, a saber, que os enunciados normativos não são deriváveis dos enunciados descritivos, ou, em palavras de Hume, ‘deve’ não se segue de ‘é’. Dizer que os juízos morais não enunciam fatos não é dizer que careçam de importância, ou que não se pode dar argumentos em seu favor. Mas esses argumentos não funcionam da mesma maneira que os argumentos lógicos ou científicos. (HUDSON, 1987: p. 135).

Ressalta-se aqui que Ayer dirige sua crítica tanto aos subjetivistas éticos41, aqueles que afirmam que dizer que uma ação é boa, ou justa equivale a dizer que é aprovada por todos, quanto aos utilitaristas – objetivistas (e Moore se inclui aqui) – que definem os termos éticos em termos de prazer, felicidade, etc. Tal crítica se dá porque ambos admitem um caráter literal dos enunciados éticos, o que vem a ser justamente a negação principal de Ayer. Ayer não está de acordo com uma posição subjetivista, nem com uma objetivista em ética, e acrescenta, em seu artigo “On the Analysis of Moral Judgements” citado por Hudson: A conhecida antítese subjetivo-objetivo está fora de lugar na filosofia moral. O problema não é que o subjetivista negue que existam certos animais selvagens e domesticados, chamados “valores objetivos”, e que o objetivista é capaz de ensiná-los triunfantemente; nem que o 40

Se uma sentença não faz nenhum enunciado, não há obviamente nenhum sentido em perguntar se o que diz é verdadeiro ou falso. E temos visto que as sentenças que simplesmente expressam juízos morais não dizem nada. Elas são puras expressões de sentimento e como tal não se encontram sob a categoria da verdade ou da falsidade. 41 A crítica de Ayer a este tipo de subjetivismo se dá porque este se apresenta como infalível, ou seja, quando alguém afirma que aprova ou desaprova algo, a sua afirmação é subjetiva, mas literal e verdadeira, desde que o locutor assegure sua verdade, seja por sinceridade, etc. Já o emotivismo não tem essa interpretação. Quando eu aprovo algo, isso nada acrescenta de literal ao significado da minha locução.

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objetivista volte como um explorador contando histórias do reino dos valores e o subjetivista o chame de mentiroso. Não importa o que o explorador encontre ou deixe de encontrar. Falar de valores não é descobrir o que pode ou não pode fazer, nem o problema é se há ou se não há valores. Não existe tal problema. O problema moral é: O que vou fazer? Que atitude tomar? Os juízos morais são diretivos neste sentido? (Idem, 1987: p. 137).

A teoria emotivista esboçada por ele teve logo alguns adeptos, mas o próprio Ayer a considerava ainda bastante sumária no seu tratamento, e aceitava a necessidade de um aprofundamento maior. Tal aprofundamento ficou a cargo de Stevenson, de cuja propsta agora trataremos.

2.1. Stevenson e o Emotivismo Conforme Ayer declarou, coube a Stevenson dar cabo de uma teoria emotivista completa sobre o significado dos termos éticos. O próprio Stevenson inicia seus trabalhos sobre ética afirmando que esse era, de fato, o seu intuito maior. E acrescenta que, em se deixando de lado a ênfase na linguagem, seu trabalho não será diferente do de Hume. Sua busca então se concentrará em encontrar um significado relevante para os termos éticos, e tal como Hume, quer enfatizar o aspecto prático da moralidade: “These conclusions are based upon observation of ethical discussions in daily life, and can be clarified and tested only by turning to that source.” (STEVENSON, [1944] 1953: p. 13).42 Já no seu primeiro artigo sobre esse tema, The Emotive Meaning of Ethical Terms (1937), ele toma a teoria emotivista e começa sua tentativa de dar uma definição relevante do termo “bom”. Fazendo isso, estaria mostrando o perfeito funcionamento da linguagem moral. Segundo Stevenson, usamos as palavras de duas maneiras: para registrar, aclarar e comunicar crenças; e para dar vazão a nossos sentimentos, criar estados de ânimo ou incitar as pessoas a ações ou atitudes. O primeiro uso Stevenson chama de “descritivo” e o segundo, de “dinâmico” (STEVENSON, 1937: p. 21). Reconhecemos o uso dinâmico ou descritivo observando uma série de fatores quando a linguagem é empregada. Os fatores principais e que interessam diretamente a Stevenson são o tom da voz, os gestos, as

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Estas conclusões estão baseadas nas observações das discussões éticas na vida diária, e podem ser esclarecidas e testadas somente dentro da vida diária.

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circunstâncias em que se fala, etc. É a partir desse uso que podemos depreender o que Stevenson chama de significado emotivo. De acordo com Stevenson: There will be a kind of meaning, however, in the sense above defined, which has an intimate relation to dynamic usage. I refer to “emotive” meaning […]. The emotive meaning of a word is a tending of a word, arising through the history of its usage, to produce (result form) affective response in people. It is the immediate aura of feeling which hovers about a word. Such tendencies to produce affective responses cling to words very tenaciously (STEVENSON, 1937: p. 23).43

Stevenson se afasta ligeiramente do primeiro intuito de Ayer ao tratar dos juízos éticos, uma vez que não aborda o tratamento dos juízos éticos por uma teoria da linguagem tal como a de Ayer, com forte presença empírica. Stevenson absorve o empírico como útil para ética apenas porque nosso conhecimento do mundo é um fator determinante dos nossos interesses. Isso não implica que ele esteja em desacordo com Ayer; pelo contrário, ele concorda com Ayer a respeito da impossibilidade dos juízos éticos serem proposições sintéticas a priori. A diferença de que se trata aqui é que Stevenson vai desenvolver uma teoria psicológica do significado dos juízos éticos, teoria essa que se destaca pela disposição natural que a linguagem tem em produzir processos psicológicos que não estão de acordo com certas convenções ou regras lingüísticas. O ponto de partida de Stevenson será a teoria dos signos, e, para tanto, começa por estipular que o tipo de teoria do significado que melhor lhe cabe não é uma teoria referencialista. A teoria que se adequa a seus objetivos é a chamada teoria psicológica do significado, pois esta considera todas as elocuções de sons possíveis, enquanto que uma teoria referencialista não pode reconhecer referentes de termos tais como a interjeição “ai”. Stevenson se decepciona pelo fato de que o sentido psicológico de “significado” não ser claro, mas mesmo assim tenta dar uma definição do que ele propõe. Assegura que uma definição do sentido psicológico de “significado” não se limita a situações do tipo emotivo, e também acontece em situações que implicam referência. Considere o seguinte exemplo:

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Haverá um tipo de significado, portanto, no sentido acima definido, que tem uma relação íntima com o uso dinâmico. Refiro-me ao significado “emotivo” [...]. O significado emotivo de uma palavra é a tendência da palavra, que surge da história do seu uso, de produzir (por conseqüência) reação afetivas nas pessoas. É a aura imediata do sentimento que paira em torno da palavra. Tais tendências de produzir reações afetivas se aderem às palavras tenazmente.

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When a person says “Hydrogen is the lightest known gas”, his purpose may be simply to lead the hearer to believe this, or to believe that the speaker believes it. In that case the words are used descriptively. When a person cuts himself and says “Damn”, his purpose is not ordinarily to record, clarify, or communicate any belief. The word is used dynamically. […] Thus when one says “I want you close the door”, part of his purpose, ordinarily, is to lead the hearer to believe that he has this want. To that extent the words are used descriptively. But the major part of one’s purpose is to lead the hearer to satisfy the want. To that extent the words are used dynamically. (STEVENSON, 1937: p. 21)44

Stevenson quer que estejamos atentos para o fato de não podermos estar separados do conteúdo disposicional e psicológico que as palavras possuem. Existe uma relação constante entre o uso descritivo e o uso dinâmico das palavras, de acordo com as considerações de um emotivista. A determinação de um sentido psicológico de significado, que abarca as intenções emotivistas de uma teoria do significado, assegura que: The meaning of a sign is not some specific psychological process that attends the sign at any one time. It is rather a dispositional property of the sign, where the response […] consists of psychological processes in a hearer, and where the stimulus is his hearing the sign. (STEVENSON, [1944]1953: p. 54). 45

Está claro que o intuito de Stevenson de tentar encontrar uma linguagem que desse cabo dos juízos morais, foi provocado pela percepção do “magnetismo” que caracteriza os termos éticos. O caráter de sugestão sempre presente nos juízos morais tornou mais fácil lidar com uma série de questões na ética. Tais questões vão desde o desacordo moral, até a capacidade de validez de alguns enunciados éticos. Mas o objetivo inicial de Stevenson, que foi o de distinguir o uso descritivo do uso emotivo das palavras, até aqui foi alcançado. Stevenson define como significado descritivo a disposição de um signo em afetar a cognição, e a distinção entre significado descritivo e significado emotivo depende do tipo de disposição psicológica que o signo é capaz de produzir (STEVENSON, [1944] 1953: p. 70). Não se deve 44

Quando uma pessoa diz “Hidrogênio é o gás mais leve que se conhece”, seu propósito pode ser simplesmente conduzir o ouvinte a acreditar nisto, ou acreditar que o falante acredita nisto. Neste caso as palavras são usadas descritivamente. Quando uma pessoa se corta e diz “Maldição!”, seu propósito não é registrar, clarificar, ou comunicar alguma crença. A palavra está sendo usada dinamicamente. [...] Assim, quando alguém diz “Quero que você feche a porta”, parte de seu propósito, normalmente, é fazer com que o ouvinte acredite que ele tem este desejo. Nesta medida, as palavras estão sendo usadas descritivamente. Mas a maior parte de seu propósito é fazer com que o ouvinte satisfaça tal desejo. Neste sentido, as palavras são usadas dinamicamente. 45 O significado de um signo não é algum processo psicológico específico que sempre acompanha o signo. É antes uma propriedade disposicional do signo, onde a resposta [...] consiste em processos psicológicos no ouvinte e nos estímulos em seu ato de ouvir o signo.

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esquecer que essa interação entre significado descritivo e significado emotivo tem uma importância primordial para Stevenson no seu funcionamento prático, e não teórico. Conforme evidenciado (conferir nota 42), o emotivismo não poderia assemelhar-se a uma forma de subjetivismo simples. O subjetivismo simples, se ele estiver correto, não pode aceitar falhas dos agentes morais. Sempre que alguém sustenta uma posição moral, tal posição pode estar correta e deve estar porque ele a sustenta. Se um agente moral diz que “a prática da eutanásia é correta” e outro sustenta que “a prática da eutanásia é incorreta”, ambos estão em desacordo. O subjetivismo simples, no entanto, não consegue dar conta desse desacordo entre os agentes morais. Não pode existir desacordo moral genuíno se o subjetivismo simples estiver correto. Entretanto, vários agentes defendem a eutanásia enquanto outros a condenam, o que caracteriza uma situação de desacordo. Stevenson tinha que resolver esse problema do desacordo moral, uma vez que ele admite que os agentes morais são falíveis, e que expressões morais não são descritivas e sim dinâmicas. Quando proferimos um enunciado ético, nada mais fazemos que um uso dinâmico da linguagem (expressões de atitude) para provocar uma reação nos ouvintes. Mas o desacordo persistia no emotivismo e Stevenson tinha de desenvolver uma forma de resolver tais desacordos. É disso que trataremos agora.

2.1.1. Stevenson e o desacordo moral Um dos problemas mais persistentes que aparecem quando se está tratando de questões morais é o problema do desacordo moral. As pessoas, normalmente, discordam amplamente sobre uma série de questões, principalmente questões morais. Perguntas como as que se seguem não ganham a concordância das diversas pessoas, seja em comunidades homogêneas ou em sociedades caracterizadas pela diversidade. A pena de morte é uma solução para crimes graves? O controle de natalidade da China é correto? As relações homossexuais são erradas? A monarquia é melhor que a democracia? São homens e mulheres iguais em direitos e deveres? Etc...

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A primeira preocupação de Stevenson em tratar do acordo e desacordo moral foi perguntar a respeito da natureza desse desacordo, se ele se apresenta tal como nas ciências naturais. Respondendo a essa questão, grande parte das confusões morais se resolveriam. Para tanto, o tratamento de Stevenson se concentraria no desacordo, e o acordo seria considerado por implicação. Stevenson considera que pode haver vários tipos de desacordos. O tipo que de fato nos interessa aqui será o desacordo típico da ética normativa. Stevenson se pergunta se tal desacordo está nas crenças ou nas atitudes. Essa disputa entre crenças e atitudes não nos é nova, uma vez que foi tratada também na teoria da motivação, mesmo que sob outra forma de expressão, tal como crenças e desejos, ou mesmo como Hume as representou, como paixão e razão. E, de fato, o que Stevenson está pensando aqui é justamente num paralelo com Hume, conforme mostra a seguinte passagem: Yet, if the controversial aspects of ethics may involve disagreement in belief, and in ways that may become very complicated, it must not be thought that they involve this kind of disagreement exclusively. In normative ethics any descriptions of what is the case is attended by considerations of what is to be felt and done about it; the beliefs that are in question are preparatory to guiding or redirecting attitudes. Moral judgments are concerned with recommending something for approval or disapproval; and this involves something more than a disinterested description, or a cold debate about whether it is already approved, or when it spontaneously will be. (STEVENSON, [1944] 1953: p. 12-13)46

Fica clara a similaridade com Hume, segundo o qual as crenças apenas conduzem as atitudes e não podem gerá-las. É este tipo de desacordo, que não se dá essencialmente em torno de crenças, mas de atitudes, que faz a diferença entre os problemas éticos e os problemas da ciência. Quando existe a possibilidade de resolver os desacordos morais, esses desacordos são resolvidos não por simples contraposições de crenças, e sim por contraposições de crenças a respeito da atitude de alguém.

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Se o aspecto controverso da ética pode envolver desacordo em crenças, de maneira que pode ser muito complicada, não se deve pensar que eles envolvam exclusivamente este tipo de desacordo. Na ética normativa qualquer descrição do que é o caso é acompanhada por considerações referentes sobre o que vai fazer ou sentir; as crenças que estão em questão são preparatórias para guiar ou dirigir atitudes. Juízos morais tem por preocupação recomendar a aprovação ou desaprovação de algo; e isto envolve algo mais que uma descrição desinteressada, ou um debate frio sobre o fato de que algo já foi aprovado, ou quando será espontaneamente aprovado.

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Considere as seguintes ilustrações de desacordos: I – Alguém acredita que o Brasil foi descoberto em 21 de abril de 1500, enquanto outra pessoa acredita que o descobrimento se deu no mês de março do mesmo ano. II – Alguém é favorável à prática do aborto, enquanto outra pessoa é contra a prática do aborto. No primeiro caso (I), temos um exemplo de desacordo sobre crenças, no qual duas pessoas acreditam em algo diferente e essas duas coisas não podem ser verdadeiras. No segundo caso (II), temos um exemplo de desacordo de atitudes, onde as duas pessoas favorecem coisas diferentes, não podendo ambas ser satisfeitas. Essas pessoas podem concordar em uma série de fatos sobre o aborto, e, no entanto, discordam nas atitudes frente a esse tema (RACHELS, 2004: Cap. 3). O segundo caso, de acordo com Stevenson, é o típico caso de desacordo em ética. Tais desacordos podem ter raízes em um desacordo sobre crenças, e podem ser resolvidos através de acordos em crenças, de forma empírica. No entanto, o empirismo não é suficiente para conseguir acordo em ética porque o desacordo ético só é resolvido empiricamente se tiver origem nas crenças. A relação entre crenças e atitudes no desacordo moral leva Stevenson a desenvolver seus dois esquemas de análise, um que diz respeito ao significado do termo “bom”, e outro que diz respeito ao conteúdo persuasivo das expressões éticas. O primeiro esquema de análise trata da separação entre o significado descritivo e emotivo dos enunciados éticos. O significado descritivo representa a expressão de crenças, enquanto o emotivo representa expressões de atitudes. Existe uma interdependência entre esses dois significados e ambos são de extrema importância para a linguagem moral. De acordo com Stevenson: [...] A great part of the term’s emotive meaning may then be dependent on the descriptive meaning, eliciting the hearer’s favor only as a consequence of first presenting him with beliefs about qualities that he admires.

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[…] Much of the emotive meaning may then be quasi-dependent, eliciting the hearer’s favor not by definitely designating qualities that he admires, but simply by calling them to mind in a vague way. […] The effect of independent emotive meaning (happen) because of the excessive vagueness of the language used in expressing them. (STEVENSON, [1944] 1953: pp. 87-88).47

No primeiro esquema de análise, dizer que “isto é bom” é o mesmo que dizer “aprovo isto” e esperar o consentimento de quem ouve (“aprove-o você também”). A primeira frase, ou seja “aprovo isto”, dá ao enunciado inicial um possível significado descritivo, enquanto que a esperança de que “você o aprove também” é o significado emotivo do enunciado inicial. O segundo esquema de análise vai se concentrar nas definições persuasivas, ou seja, “a laudatory emotive meaning which permits it to express the speaker’s aproval, and tends to evoke the approval of the hearer” (STEVENSON, [1944] 1953: p. 207).48 A concentração na persuasão é importante porque permite fazer apassagem do sentido descritivo para o sentido emotivo dos termos usados nos enunciados éticos. Dessa forma, Stevenson acreditou ter capturado a análise correta da linguagem moral. Entretanto deixou uma explicação em aberto. Qual era o papel da razão na ética? Uma teoria ética adequada deveria se preocupar com a linguagem moral usada e as razões que se tem para usá-la. Apesar de Stevenson encontrar o lugar da razão no seu emotivismo – ajudar a resolver os desacordos éticos –, isso não mostrou o verdadeiro papel da razão na moral. Podese chegar à conclusão de ser contra a prática do aborto apoiado em razões para isso, mas essas razões não funcionarão sozinhas na resolução do desacordo sem a presença relevante do significado emotivo das palavras usadas para minar o desacordo. O raciocínio funcionaria perfeitamente e a razão estaria fortemente presente, não só um conteúdo dinâmico e magnético de reprovação do aborto.

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[...] Uma grande parte do significado emotivo do termo pode ser então dependente do significado descritivo, extraindo a aprovação do ouvinte como uma conseqüência de manifestá-lo primeiro com crenças sobre qualidades que ele admira. [...] Uma grande parte do significado emotivo pode ser então quase-dependente, extraindo a aprovação do ouvinte não por designar qualidades que ele admira, mas simplesmente por recordá-las vagamente. [...] O efeito do significado emotivo independente (acontece) por causa da incerteza excessiva da linguagem usada em expressá-los. 48 Um significado emotivo laudatório que permite expressar a aprovação do falante, e tenta despertar a aprovação do ouvinte.

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Mas esse caso não será tratado aqui, e sim no próximo tópico, com o projetivismo/expressivismo de Blackburn. O livro de Stevenson, Ethics and Language (1944), não teve uma grande difusão na Inglaterra devido à Segunda Guerra Mundial. O que de mais importante se encontra no seu emotivismo está presente nos seus artigos que se encontram hoje na sua obra Facts and Values. O domínio do emotivismo começou então a ser minado na Inglaterra, sob a influência de Wittgenstein (o segundo), que foi predominante para tal ocorrência, assim como outros acontecimentos filosóficos importantes já mencionados neste trabalho. Alguns filósofos ainda se sentem atraídos por uma forma de subjetivismo por não acreditarem em algum tipo de prova das questões morais.

2.2. Blackburn e o Expressivismo/Projetivismo O que levou Blackburn a revitalizar o emotivismo em uma nova roupagem foi sua insatisfação com a forma como as questões levantadas por Ayer e Stevenson estavam sendo atacadas,49 principalmente depois que o argumento usado por Peter Geach em seu artigo “Assertion”, de 1965, mostrou como o emotivismo não dava conta da linguagem moral. Tal argumento impressionou muitos filósofos e os ataques ao emotivismo se generalizaram. Um exemplo desta generalização é John Mackie, que diz que o emotivista estava correto ao afirmar que não existem fatos morais, mas ao tratar da linguagem moral estavam errados, porque não davam conta do fato de que ela parece supor que fatos morais existam (BLACKBURN, 2002: p. 102). A nova roupagem que Blackburn dá ao emotivismo foi por ele chamada de expressivismo.50 Tal como Stevenson e Ayer, ele não comprometeu seu projeto com nenhum subjetivismo ingênuo e o tratamento dos enunciados éticos continuou o mesmo. “Expressivism theories must be sharply distinguished from more naïve kinds of

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Conferir entrevista de Blackburn à revista ethic@, Vol. 1, nº 2, dez/2002. Vários termos foram sugeridos por Blackburn para essa sua teoria – funcionalismo não-descritivo, funcionalismo prático. O primeiro deles foi o termo projetivismo, até aceitar o termo usado por Gibbard, expressivismo. “Como poderia uma teoria desse tipo ser chamada? Eu a chamei de ‘projetivismo’, mas pode soar errado. Pode fazer soar como se projetar atitudes envolve algum tipo de erro, como projetar nossas emoções sobre o tempo, ou projetar nossos desejos sobre o mundo acreditando em coisas que queremos acreditar. Isto não é enfaticamente minha intenção. Gibbard chamou esta visão de ‘expressivismo’, e eu penso que é a melhor expressão” (BLAKBURN, 2000: p. 77). 50

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subjectivism. An expressive theory does not give a moral utterance a truth-condition which concern the speaker” (BLACKBURN, 1986: p. 169).51 Outro ponto fundamental para Blackburn e o expressivismo era evitar os problemas metafísicos (se existem fatos morais) e epistemológicos (como podemos conhecêlos –– por intuição?) que as teorias realistas da moral tinham que dar conta. Para tanto, Blackburn expressa três motivos que farão com que escolhamos o expressivismo e abramos mão de teorias rivais. O primeiro é a economia, o segundo tem alcance metafísico e o terceiro diz respeito à psicologia da ação (motivação). Vejamos cada um deles separadamente. Economia: O que Blackburn ressalta no expressivismo é que ele não pergunta nada mais sobre o mundo do que ele sabe que está lá. O expressivismo trata do mundo natural e das reações neste mundo. Esse ponto é simples de ser entendido. O expressivismo não considera econômico postular a existência dos valores no mundo nem o mecanismo pelo qual estaríamos conscientes desses valores (intuição). Não precisamos ir além do mundo natural para explicar as nossas questões morais dentro dele. Este é um ponto bastante atraente no expressivismo. Metafísica: Parece estranho dizer que o expressivismo não postula a existência de valor no mundo, uma vez que ele está tratando da moral. Porém, como havia dito anteriormente, o expressivismo tenta evitar o problema metafísico (se existem fatos morais?). A suposta existência de fatos morais é inaceitável para o expressivista. O expressivista concorda com o realista que os conceitos morais estão relacionados com os conceitos não morais, mas dizer que esses conceitos são descrições de fatos morais é, para evocar Mackie, bastante estranho. A maneira correta de entender essa relação é por meio do conceito de superveniência, que é um aspecto do discurso moral.

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As teorias expressivistas devem ser claramente distinguidas do tipo mais ingênuo de subjetivismo. Uma teoria expressiva não dá ao enunciado moral uma condição de verdade que preocupa o falante.

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A idéia básica de que propriedades morais sobrevêm (supervene) a propriedades naturais é a seguinte: Suponhamos que uma propriedade moral B (“é bom”, por exemplo) sobrevem a uma propriedade natural S (“ajudar uma pessoa”, por exemplo). Isso acarreta que, em qualquer circunstância na qual ocorra a propriedade natural S, necessariamente deverá sobrevir a propriedade moral B. Não existe um mundo possível onde uma coisa é (S e B) e outras coisas são (S e não B) (BLACKBURN, 1986: p. 183). Blackburn nos oferece o que ele chama de uma elegante formalização dessa expressão, em contextos modais: [∃x(Sx ∧ Bx) → ∀y (Sy → Βy)] Lê-se: Necessariamente, se existe x tal que x tem a propriedade S e x tem a propriedade B, então, para todo y, se y tem a propriedade S, então y tem a propriedade B. O expressivismo pode se favorecer desse argumento da seguinte forma. Essas explicações anteriores são típicas da posição realista, ou seja, o que me motiva aqui deve me motivar da mesma forma em qualquer circunstância. No entanto, sabemos que moralizar, ou seja, a prática de reconhecer as propriedades morais e enunciá-las, é uma atividade tipicamente humana, e as pessoas podem moralizar de uma forma diferente, de uma forma má. O que isso acarreta? Uma verdade necessária é aquela que ocorre em todos os mundos possíveis. Se existe um mundo em que essa verdade não ocorra, o mundo onde alguém moraliza de uma forma má, esse mundo deixa de ser necessário e passa a ser possível, contingente. Tal mundo seria aquele em que S (“ajudar a uma pessoa”, no nosso exemplo) não teria a propriedade moral B (“ser bom”), ou seja, essa propriedade moral não seria reconhecida como boa. Isto gera uma mistura de mundos, e de acordo com Blackburn os não-realistas conseguem explicar isso melhor do que os realistas. Para o não-realista, quando ele enuncia que tem um comprometimento com a propriedade moral B ele está projetando, expressando uma atitude, e não especulando sobre alguma propriedade natural S. Isso não significa que o não-realista desconheça a superveniência. Ele continua aceitando-a, só que dando sua explicação para a exigência que ela implica.

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[...] Expressivism had an advantage here because expressivism could say why we had to obey a supervenience constraint. That is, expressivism doesn’t look at it as two sets of truth, the moral truth and the natural truth, and wonder about how they relate and what metaphysical linkprinciples there are (BLACKBURN, 2002: p.112).52

Blackburn considera o caso da superveniência um argumento metafísico em favor do expressivismo. Isto porque o expressivismo não mantém uma concepção global das normas um tanto quanto misteriosas, e sim uma concepção onde as propriedades morais devam ter uma conexão inteligível com as propriedades naturais de que elas de alguma forma dependem. Psicologia da ação (motivação); Alcançamos agora um ponto de suma importância e que pode ser considerado a base das teorias emotivistas, tal como o expressivismo. A resposta que aqui será dada por Blackburn visa justamente ao ataque que sofreu Stevenson, a respeito do papel da razão na moral. Uma vez que as considerações morais expressam atitudes, essas são um suporte das crenças na explanação de sua ação. Mas as teorias expressivistas da moral, tal como o emotivismo, sofreram um ataque fortíssimo por Peter Geach53, que a princípio refutou tais teorias. Esse ataque foi chamado de o “ponto de Frege” (Frege point) que, de uma maneira bastante simplificada, nas palavras de Blackburn, é o seguinte: Sentence contained given predicates may occur in utterances by which we are claiming the predicates to apply, as when I call something good, true, probable, a cause of something else, and so on. But such sentences may also occur unasserted, inside the context provided by other words, making up larger sentences. I may assert: ‘It is wrong to tell lies.’ But I may also assert: ‘If it is wrong to tell lies, then it is wrong to get your little brother to tell lies.’ In this latter occurrence the italicized sentence is not asserted. It is the antecedent of a conditional – in other words, it is put forward to introduce an hypothesis or supposition. The Frege point is that nevertheless the sentence mean the same on each occurrence. The proof of this is simple and decisive. The two sentences mate together to make up the premises of a valid argument: It is wrong to tell lies. If it is wrong to tell lies, it is wrong to get your little brother to tell lies. 52

[...] Expressivismo teve uma vantagem aqui porque o expressivismo poderia dizer porque nós tivemos de obedecer a um constrangimento superveniente. Quer dizer, o expressivismo não olha para isto como dois conjuntos de verdade, a verdade moral e a verdade natural, e deseja saber como elas se relacionam e quais ligações metafísicas entre princípios existem. 53 Geach, P. Assertion. In Philosophical Review, vol. 74, Issue 4 (Oct. 1965), 449-465.

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So It is wrong to get your little brother to tell lies. (BLACKBURN, 1986: p. 190).54

As frases que ocorrem de uma forma afirmativa têm o mesmo significado da frase que ocorreu de uma forma não afirmativa, como no exemplo acima em que o antecedente é uma hipótese e, por isso, não afirma nada. Geach, seguindo Frege, assegura que “A thought may have just the same content whether you assent to its truth or not; a proposition may occur in discourse now asserted, now unasserted, and yet be recognizably the same proposition. (GEACH, 1965: p. 449).55 Quando Geach usa o termo proposição, ele o usa no sentido de que algo é proposto à aceitação, posto à consideração. Para Blackburn, Frege se enganou ao atribuir o mesmo pensamento (thought) às duas proposições, no sentido afirmativo e no sentido hipotético. Considere o seguinte exemplo: (1) ‘Ursos hibernam’ –– expressa uma crença de que ursos hibernam e isso porque está expresso afirmativamente. (2) ‘Se ursos hibernam, eles acordam famintos’ –– aqui nenhuma crença em ursos está expressa porque é apenas uma hipótese. (3) A questão que surge é: como uma teoria expressivista explica a identidade de significado? Como podem as atitudes projetadas, que são opostas à crença, terem implicações? Existe algo que separa expressões de atitudes de expressões de crenças?

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Uma frase declarativa contento determinados predicados pode ocorrer em elocuções pelas quais estamos afirmando os predicados para aplicar, como quando chamo algo bom, verdadeiro, provável, uma causa de qualquer outra coisa e assim por diante. Mas tais orações também podem ocorrer sem afirmar, dentro do contexto provido por outras palavras, enquanto compondo frases declarativas maiores. Eu posso afirmar: ‘É errado contar mentiras.’ Mas eu também posso afirmar: ‘Se for errado contar mentira, então é errado persuadir seu irmãozinho a contar mentiras.’ Nesta última ocorrência a frase declarativa em itálico não está afirmando. Ela é um antecedente de um condicional – em outras palavras, ela é apresentada para introduzir uma hipótese ou suposição. O ponto de Frege é que apesar disso a frase declarativa tem o mesmo significado em cada ocorrência. A prova disto é simples e decisiva. As duas frases declarativas se acasalam para compor as premissas de um argumento válido: É errado contar mentiras. Se for errado contar mentiras, então é errado persuadir seu irmãozinho a contar mentiras. Logo, é errado persuadir seu irmãozinho a contar mentiras. 55 Um pensamento pode ter o mesmo conteúdo se você concorda com sua verdade ou não; uma proposição pode ocorrer em um discurso ora afirmado, ora não afirmado, e ainda pode ser reconhecidamente a mesma proposição.

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Tais questões surgem porque as expressões de atitudes são expressas em afirmações e estas afirmações podem ocorrer em diversos contextos. Responder a estas questões é, para Blackburn, explicar o que afirmamos quando moralizamos. Moralizar é expressar o estado prático de nossas ações, torná-las públicas, comunicá-las (BLACKBURN, 2000: p. 68). Ao fazer isso, não estamos fazendo uma proposição que representa fatos no mundo, e sim manifestando nossas preferências ao comunicar nossas atitudes. “If we want to know in other terms what is going on when we so put forward an attitude, we must look to the function of the indirect context in question” (BLACKBURN, 2000: p. 71).56 Blackburn reconhece que Geach tem razão ao colocar estas proposições no padrão do modus ponens e dizer que é válido o argumento, mas isso ocorre por causa daquilo que Blackburn chamou de “tied to tree” – preso à árvore: um estado em que o agente pode somente concordar com alguma combinação de atitude e crença (BLACKBURN, 2000: p. 71). Isto nada mais é que apresentar uma crença para produzir uma atitude. p Se p então q. Logo, q. A princípio essa formulação assusta, pois ela pode ser usada contra um humeano. Isto porque ‘p’, na premissa primeira, está num contexto afirmativo. Já na implicação ‘Se p então q.’, ‘p’ ocorre num contexto indireto, avaliativo e, de acordo com Hume, isto é derivar um deve de um é. Blackburn afirma que jogar isso contra Hume é um erro. Ele admite derivar um condicional nestes modelos padrão. O que ele não admite é que eles sejam verdade de razão, tendo um status a priori ou analítico (BLACKBURN, 2000: p. 74). Aceitar essas expressões de atitudes em condicionais através de contextos indiretos conduz Blackburn a defender uma teoria minimalista ou deflacionista da verdade. Com esta teoria ele poderia dar o correto tratamento dos contextos indiretos (não afirmativos).

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Se quisermos conhecer em outros termos o que fazemos quando projetamos uma atitude, nós devemos olhar para a função do contexto indireto em questão.

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According to deflationist, ‘is true’ is basically a device of disquotation, whose meaning is given by instances of the schema: (T) ‘p’ is true if and only if p, where the inverted commas imply mention of a sentence, or in some version a proposition, or in other an understood-utterance, on the left-hand side, with the same utterance used to talk whatever it does on the right-hand side. (BLACKNURN, 2000: p. 75).57

Superado esse abismo de Frege criando as proposições éticas em contextos indiretos e mantendo-as sobre controle, pode-se falar agora da teoria que dá conta da linguagem moral, entendendo-a como um foco do pensamento prático. Tal teoria é o projetivismo/expressivismo e o programa para se chegar a ele, como todos os pressupostos minimalistas da verdade, etc, são o que Blackburn chamou de quase-realismo. ‘Quase’ porque se fala como se tivesse ‘verdade’ neste programa, mas é só uma quase-verdade.

2.3. Vantagens e Desvantagens do Não-cognitivismo Atualmente, existe um grande desconforto entre os filósofos morais de situar a moralidade em algum contexto subjetivo, tal como o gosto, a simpatia, ou nossas atitudes. Para esses filósofos morais, mesmo partindo nossas escolhas da simpatia ou do gosto, elas podem se resolver através de métodos racionais. Deixar a moralidade num plano subjetivo é dar muito pouca importância a esse aspecto primordial das relações humanas. Como salienta Sócrates, “não estamos a discutir um tema sem importância, mas sim como devemos viver”. Isso pode ser visto como uma desvantagem para o não-cognitivismo moral. Por outro lado, uma grande vantagem do não-cognitivismo, se é que se pode chamar de vantagem, está relacionado ao comprometimento teórico. Esse comprometimento é mínimo e deixa de lado questões que o cognitivismo tem que tratar. O não-cognitivismo, tal como o emotivismo, é muitas vezes defendido porque sua simplicidade permite que dê uma melhor explicação dos fatos morais. As falhas morais para um cognitivista não são aceitáveis, ao passo que, para um não-cognitivista, tal como um projetivista ou expressivista moral, que vê os enunciados morais como projeções de atitudes ou recomendação, tal falha não gera 57

De acordo com o deflacionista, ‘é verdade’ é basicamente um dispositivo de não citar, cujo significado é dado pelo exemplo do esquema: (T) ‘p’ é verdade se, e somente se p, onde as aspas implicam a menção de uma frase declarativa, ou em alguma versão uma proposição, ou em outras um elocução compreendida, no lado à esquerda, com a mesma elocução usada para falar o que quer que ela signifique no lado à direita. (O grifo é meu)

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grandes transtornos, pois neste caso o agente moral faz a escolha que lhe aprouver. Para um não-cognitivista, um mundo possível moral é aquele onde as nossas projeções de atitudes influenciam as condutas dos agentes morais e esses melhoram moralmente a cada dia. Se nossas projeções não são correspondidas, isso se dá porque o desejo do agente moral não se coaduna com os desejos de quem projetou atitudes. Nada de cognitivo existe nessa questão moral, e dizer que é possível uma cognição desse tipo de atitude é perder-se perante os desejos mais surpreendentes que os agentes morais sempre estão a praticar. Parece soar que o não-cognitivismo é uma justificativa para as falhas morais humanas, uma postura onde a expressão “vale tudo” é constantemente aplicada. Uma explicação para isso é a captura total do caráter prático assegurado pelo não-cognitivismo. Não se pode esquecer que o não-cognitivismo é uma tentativa metaética de explicar o funcionamento da linguagem moral por meio de teorias emotivas, e não defende nenhuma atividade normativa da ética, ou seja, ele não dá instruções de como agir. Quando muito, demonstra sua preferência por algum tipo de conseqüencialismo58 moral. Outra vantagem das teorias emotivas é poder lidar com os desacordos morais, coisa que gera problemas para os cognitivistas. Uma vez que não podemos definir “bom” em termos descritivos, e que “bom” tem apenas um conteúdo emocional, os nossos desacordos morais não podem ser resolvidos intelectualmente. As nossas diferenças morais são diferenças de atitudes e não de crenças, e isso torna a visão emotivista a respeito da moralidade mais compreensível.

58

Num sentido lato, consequencialismo é a visão geral de que devemos fazer o que quer que provoque ou gere boas conseqüências. Essa posição é contrária a qualquer forma de não-consequencialismo, que sustenta que alguns tipos de ação são erradas em si mesmas, e não erradas porque têm conseqüências más.

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3. Alternativa Cognitivista [...] o único critério para que algo seja um fato é que seja racional aceitá-lo.(...) Segundo esta concepção podem existir fatos relativos a valores. Hilary Putnam Razão, Verdade e História

3.1. Realismo Moral As disputas e considerações a respeito do realismo moral envolvem uma série de outros pressupostos. Tais pressupostos já foram expostos anteriormente e para melhor clarificação dessa postura, tentaremos simplificar essa visão. Cabe salientar que dispomos de diversos tipos de realismos. É comum encontrar filósofos que são realistas em relação às ciências e não realistas em relação à moral, assim também é comum encontrar realistas a respeito da mente e não realistas a respeito das questões matemáticas e assim por diante. No entanto, como estamos a tratar de filósofos que admitem o realismo moral, tais filósofos devem assegurar alguns pressupostos básicos de suas teorias. Algumas pequenas diferenças podem ocorrer em relação a um certo tipo de realismo e outro, tal como o científico e o moral, mas isso não desqualifica a primeira e mais importante pergunta a ser respondida por um realista. Tal pergunta é estendida a todas as formas de realismo e é formulada como segue: pode o discurso sobre X (uma matéria ou disciplina) ser avaliado em termos de verdade? Ou seja, são as perguntas sobre X capazes de ser verdadeiras ou falsas? Com essa pergunta inicial, Peter Railton desenvolve uma “taxonomia do realismo”, que pode ser aplicada a várias formas de realismo. A versão aqui apresentada foi ligeiramente alterada para ser usada no contexto do realismo moral59. As repostas são dadas gradualmente neste modelo que Railton nos apresenta e sucessivamente vai emergindo cada vínculo que uma teoria deve ter para ser sustentada. Cada

59

Peter Railton agradece a Gideon Rosen que desenhou um primeiro esboço do quadro que segue e foi publicado no artigo “Realism” no Blackwell Companion to Metaphysics, J. Kim e E. Sosa (eds.), A Companion to Metaphisics (Oxford: Blackwell, 1995).

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coluna representa uma evolução gradual e a cada resposta, “sim” ou “não”, existe um comprometimento com uma certa postura em relação à moral60. 1. São os enunciados éticos avaliados em termos de verdade? Não

Sim

Não-cognitivismo

Cognitivismo

Emotivismo Simples (Ayer)

Intuicionismo (Moore, Ross,...).

2. Pelo menos algumas afirmações centrais da ética são verdadeiras? Não

Sim

Teoria do erro (Mackie)

Não-teoria do erro

3. São os termos em ética determinados numa interpretação literal? Não

Sim

Não-realismo Cognitivista (Smith)

Literalismo

Relativismo (Harman, Williams, Wong) 4. O descritivismo oferece uma correta explicação da semântica moral? Não

Sim

Não-descritivismo

Descritivismo

Emotivismo (Stevenson)

(Platts, Frankena, Foot, McDowell, Nagel,

Prescritivismo (Hare)

Dancy, Railton, Brink, Sturgeon,

Quase-Realismo (Blackburn)

Putnam...)

Expressivismo (Gibbard) 5. São as práticas e os discursos éticos objetivos? Não

Sim

Não-realismo

Realismo (McDowell, Platts, Brink, Sturgeon, Railton, Nagel, Dancy, …)

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Uma versão aproximada do presente quadro foi proposta por M. Y. Chew, do Wolfson College. O estranho na sua formulação é não fazer nenhuma referência a Peter Railton. (Cf. www.bu.edu/wcp/Papers/Teth?TethChew.htm acessado em 30/12/2003).

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6. As propriedades morais sobrevêm às propriedades naturais? Não

Sim

Não-Naturalismo

Naturalismo

(McDowell, Platts, Dancy, Nagel, ...)

(Railton, Sturgeon, Brink,... )

7. São as propriedades morais redutíveis e propriedades naturais? Não

Sim

Realismo Moral Britânico

Realismo Moral Americano

(McDowell, Platts, Dancy, Nagel,…)

(Railton, Sturgeon, Brink,… )

De início, vê-se que o aspecto principal a que os realistas morais dão ênfase nessa taxonomia refere-se aos enunciados éticos. Tais enunciados, de acordo com os realistas morais, são descrições de fatos morais, e, sendo assim, podem ser avaliados de verdade. Como já foi citado, com as contribuições de novas semânticas para condições de verdade a partir de meados do século passado, a abordagem realista das questões morais passou a ser tratada com maior ênfase. Deixou-se de dar importância a palavras isoladas como “bom”, “mau”, “certo”, “errado”, para se fixar nos raciocínios morais propriamente ditos, nos usos que fazemos da linguagem. Com a concepção semântica de verdade e as teorias do significado como uso, os realistas desmitificam a antiga dicotomia valor/fato e passam assim a tratar de forma diferente os enunciados éticos. Num exemplo trivial, tal semântica para condição de verdade funciona da seguinte forma: “Mentir é errado” se, e somente se, mentir é errado. A sentença expressa entre aspas, ou chamada LHS (Left-Hand Side) tem a sua garantia de objetividade pelo reconhecimento do enunciado RHS (Right-Hand Side). Ao reconhecer, grosso modo, os enunciados éticos através dessa concepção semântica de verdade, os aspectos morais se tornam objetivos e independentes dos desejos e tomadas de decisões (ARRINGTON, 1989: pp. 121-130). Esse é um dos aspectos mais favoráveis ao

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realismo moral, ou seja, eliminar dos enunciados éticos as questões de gosto, sentimento, ou qualquer outro aspecto que pressuponha subjetividade. Esse novo tratamento do significado dos enunciados éticos é considerado um tratamento adequado do significado. As sentenças enunciadas no lado direito da cláusula “se e somente se” são sempre sentenças declarativas e essas sentenças declarativas expressam a condição de verdade das sentenças mencionadas no lado esquerdo da cláusula “se e somente se”. Seguindo novamente a taxonomia do realismo moral, com a resposta “sim” à primeira questão evidenciamos os fundamentos dessa resposta nos parágrafos acima. Seguindo o quadro, o realismo moral responde afirmativamente às questões seguintes, se enquadrando em não aceitar a teoria do erro de Mackie, em aceitar um literalismo, em serem descritivistas, etc. É somente nas duas últimas respostas que ficará expressa uma dicotomia entre os realistas morais. E é dessas respostas que trataremos agora. Para os realistas morais, as propriedades morais existem, mas existem de duas formas diferentes. Os realistas morais britânicos asseguram a sua existência como propriedades não-naturais, as quais se expressam de sua própria maneira e os agentes morais têm um acesso direto a essa propriedade. A essas propriedades não naturais correspondem crenças morais. Já os realistas morais americanos asseguram que as propriedades morais são propriedades naturais, fazem parte do tecido do mundo, e ao afirmarem isso tentam excluir toda peculiaridade misteriosa das questões morais. Para os realistas morais americanos, as nossas expressões morais são crenças, e essas crenças são semelhantes às crenças que temos sobre o mundo. Os realistas morais britânicos, ao assumirem que as propriedades morais são não-naturais, assumem também o internalismo moral motivacional, o que lhes gera uma série de problemas. Tal internalismo implica a relação intrínseca entre juízo moral e ação. Os juízos morais, que são crenças morais, motivam por sua própria força. Tal afirmação tenta escapar de alguma participação do desejo na motivação. Quando muito, o desejo é apenas um meio nessa motivação.

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Os realistas morais americanos, por estabelecerem que as propriedades morais são parte do mundo natural, são externalistas morais motivacionais. Tal motivação é garantida pelas propriedades naturais relevantes que estão no mundo. Nesse tipo de externalismo motivacional, as crenças morais referem-se a algo no mundo. Essa rápida introdução que aqui foi dada do tema realismo moral, será retomada nas páginas seguintes vinculada a um filósofo específico de cada tendência. Primeiro, tratar-se-á de um filósofo realista moral britânico, Jonathan Dancy, que sustenta grande parte do que aqui foi dito. Ademais, Dancy defende um particularismo ético e, para defendê-lo, postulará outra série de comprometimentos teóricos. Depois, tratar-se-á de um filósofo realista moral americano, David Brink, que é um partidário da teoria externalista motivacional. O passo inicial dado por Dancy é resolver o problema da motivação moral, tentando extirpar de vez a presença de algum conteúdo volitivo que corresponda aos desejos. Para tanto, defende uma teoria cognitiva pura.

3.2. Dancy e a Teoria Pura A teoria cognitivista pura que aqui será exposta é a que se encontra no seu livro Moral Reason.61 O ponto de partida de Dancy, assim como o ponto de partida de grande parte dos cognitivistas, é justamente apresentar uma teoria da motivação que não tenha compromisso com a idéia humeana de motivação. Isso nada mais é que afastar a dicotomia desejo/crença na motivação, ou, indo mais longe, estabelecer apenas a presença da crença na motivação. Dancy tem vários motivos para fugir a alguma forma de humeanismo. Um deles é não se comprometer com nenhuma forma de internalismo ou externalismo motivacional. We started in a place where it made sense to ask any motivation state whether it was an internally motivating state or an externally motivating one. (…) Effectively, we have rejected the distinction between internally and externally motivating states, and with it the original

61

Cf. Moral Reason. Oxford: Blackwell, 1993. Capítulos 1-3.

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distinction between internalism and externalism. The theory we have ended up with is neither internalist nor externalist. (DANCY, 1993: p. 25)62

Outro motivo é que, como os filósofos britânicos (e Dancy se enquadraria aqui) tendem a ser não-naturalistas, seu comprometimento é com uma forma de internalismo motivacional.63 Tal internalismo teria de lidar com vários problemas , a saber: o problema do amoralista, o das pessoas más e o das pessoas que sofrem de acídia. Mesmo Dancy se negando a participar dessas disputas, trata dessas possibilidades que viriam a comprometer algum conteúdo intrinsecamente motivador. Amoral people are those (...who...) can tell the difference between right and wrong well enough; it just doesn’t concern then at all. Evil people are those who are attracted by evil for its own sake. They can tell the difference between right and wrong well enough too; but they take the wrongness of an action as a reason for doing it and rightness of an action as a reason for leaving it undone. People who suffer from accidie are those who just don’t care for a while about things which would normally seem to them to be perfectly good reason for action; (…) Depression can be a cause of accidie. (DANCY, 1993: pp. 4-5)64

A teoria motivacional que Dancy irá assumir para o seu projeto moral é aquilo que ele chamou, e nós já citamos, teoria cognitivista pura. Tal teoria visa justamente eliminar o desejo da motivação, coisa que, segundo Dancy, Nagel e McDowell não conseguiram. Uma das posições de Nagel é que os desejos são motivados por crenças e não motivam as crenças, ou então, entram na motivação conseqüentemente. Essa versão da motivação em Nagel é chamada de teoria da atribuição pura (pure ascription theory). É essa última que Nagel e McDowell preferem abraçar, mas, no entanto isto não afastou o desejo humeano dela. Por vezes McDowell é retirado deste grupo de filósofos morais internalistas motivacionais. 62

Nós começamos em um lugar onde fez sentido perguntar se algum estado motivador era internamente motivador ou externamente motivador. (...) Efetivamente, nós rejeitamos a distinção entre estados internamente ou externamente motivadores, e com isto a distinção original entre internalismo e externalismo. A teoria que nós adotamos ao final não é internalista nem externalista. 63 Dancy nota que Roos se exclui deste grupo de internalistas, sendo ele um externalista. Isto porque, de acordo com Dancy, qualquer um que for generalista (a visão que o que importa aqui deve importar da mesma maneira em qualquer ocorrência) e cognitivista, como Roos é, deve ser um externalista. A tríade internalismo, generalismo e cognitivismo é inconsistente. (DANCY, 1993: p. 93) Phillippa Foot é outro caso britânico de externalismo moral. 64 Pessoas amorais são aquelas (... que...) podem distinguir a diferença entre certo e errado bem o bastante, mas não se interessam em fazê-lo. Pessoas más são aquelas que são atraídas pelo mau pela sua própria causa. Eles podem distinguir a diferença entre certo e errado bem o bastante também, mas eles tomam o erro de uma ação como uma razão para fazê-la e o correto de uma ação como uma razão para não fazê-la. Pessoas que sofrem de acídia são aquelas que não se importam por um momento com coisas que poderiam normalmente parecer a elas boas razões para ação. (...) Depressão pode ser uma causa da acídia. (Os grifos são meus)

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Entretanto, Dancy o vê como um internalista e comprometido com o desejo humeano. Isto se dá porque no programa ético de McDowell, as virtudes morais são razões necessárias para silenciarem toda outra consideração no sentido de agir contrariamente àquelas virtudes. Quando esse oposto não consegue ser silenciado, o desejo humeano aparece. (DANCY, 1993: pp. 53-54) Tal ocorrência pode ser entendida da seguinte forma. Quando uma pessoa não possui tal virtude, generosidade, por exemplo, este não pode ser motivado pela ausência desta generosidade. Sua motivação então se dará através do desejo humeano em gerar esta nova virtude que está faltando, se a ação for bem sucedida moralmente. Dancy não nega que sua teoria tenha origem numa versão cognitivista de Hume. No entanto ela tratará o desejo nas três situações que seguem; 1. O desejo não entra de forma alguma neste debate; 2. Identificar uma das duas representações65 como desejo, presumivelmente a representação “depois”; 3. Insistir que nenhuma representação é um desejo. (DANCY, 1993: p. 19) Para melhor entender esses três pontos, precisamos entender o que Dancy chama de representações. Dancy estipula que para se ter uma ação é necessário duas representações. A primeira representará o mundo como é agora, o “antes”, e a segunda representará o mundo quando e se a ação é completada com sucesso, o “depois”. (DANCY, 1993: p. 13-14) Nessas representações é que identificaremos ou não o desejo. No caso da situação (1), é a mais agradável para qualquer cognitivista, mas é difícil de ser sustentada e Dancy a abandona. Na situação (2), Dancy diz que estabelecer o desejo no “depois” é cair no que todo cognitivista tenta fugir, ou seja, na existência de duas direções de correspondência ao mesmo tempo para o desejo, uma mente-mundo, outra mundo-mente. A situação (3) é a mais atraente para Dancy. Negar que alguma representação é um desejo é mais cômodo. 65

Dancy estabelece duas diferentes ‘representações’ cognitivas no agente. “A primeira representará o mundo como é agora, e a segunda representará o mundo como seria quando e se a ação é completada com sucesso. Nós podemos ver que a primeira representação é necessária porque sem ela o agente não poderia ter idéia se sua ação é necessária ou não. Ele não teria idéia se ela conduziria a uma mudança. Nós podemos ver que a segunda representação é necessária primeiro pela mesma razão, e segundo porque sem ela os agentes não teriam idéia daquilo que eles tentam atingir. A primeira representação lhes conta sobre o que eles estão trabalhando e a segunda lhes conta para que eles estão trabalhando. Então, podemos pensar a primeira como o “antes” e a segunda como o “depois”.” (DANCY, 1993: p. 13-14).

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This hold that though desire is necessary for motivation, the occurrence of a desire is never what motivates. What motivates in the case of a purposive action is always the gap between two representations, and the occurrence of the desire is the agent’s being motivated by the gap. (DANCY, 1993: p. 19)66

Chega-se então ao ponto concludente da teoria da motivação que Dancy nos propõe. Com esta teoria ele pode então seguir o seu projeto de defesa de um particularismo ético. Basicamente, tal teoria se expressa da seguinte forma: The sort of cognitive theory I want support maintains that there are no such things as Humeans beliefs or desires. Instead of these internally and externally motivating states, there are what we might call intrinsically motivating states, which can be present without motivating but which when they motivate do so in their own right. (DANCY, 1993: pp. 23-24)67

De acordo com esta teoria, em qualquer situação estamos então intrinsecamente motivados a agir. Considere o seguinte exemplo usado para expressar a teoria humeana da motivação no capítulo 1. (1) Maria deseja perder peso. (2) Maria acredita que para perder peso necessita comer menos ou exercitar-se mais. (3) Maria come menos ou se exercita mais. O cognitivismo puro de Dancy assegura que o desejo ocorre em qualquer motivação. Nisto já ficou expresso que para Dancy o desejo é uma condição necessária à motivação. Mas não é o desejo que motiva, e sim um estado cognitivo puro intrinsecamente motivador, que está presente em qualquer circunstância. Tal estado é justamente o intervalo (gap) entre as duas representações de Maria: a) uma representação do mundo como ele é agora, em que Maria se sente acima do peso; b) e outra em que com a ação de Maria – se exercitar mais ou comer menos – ela se representa com menos peso.

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Isto assegura que embora o desejo seja necessário para motivação, a ocorrência de um desejo nunca é o que motiva. O que motiva no caso de uma ação proposital é sempre o intervalo entre duas representações, e a ocorrência do desejo é o agente estar motivado pelo intervalo. 67 O tipo de teoria cognitiva que eu quero sustentar defende que não existem tais coisas como crenças ou desejos humeanos. Ao invés de estados interna e externamente motivadores, existe o que nós podemos chamar de estados intrinsecamente motivadores, que podem estar presentes sem motivar, mas que quando eles motivam, motivam de sua própria maneira.

68

É cognitivamente impossível Maria estabelecer essas representações para ação e não estar motivada a agir. Voltemos agora aos problemas que um cognitivismo desta forma pode enfrentar, o do amoralista, o da pessoa má e da pessoa que sofre de acídia. Para tanto, usaremos um outro pequeno exemplo. Neste caso, suporemos que João seja apaixonado por obras de arte e ele se encontra num ateliê de uma amiga que o pediu para que tomasse conta durante o período de sua viagem. Durante o tempo em que lá permanece, João resolve surrupiar uma da obras que lá se encontram. Note-se que João é uma pessoa controlada, sabedor de suas obrigações, bem como detentor de todas as considerações morais relevantes para sua vida, etc. De uma forma mais detalhada, o que estaria em jogo são as seguintes considerações: (1.1)

João acredita que furtar é errado, entretanto comete o furto;

(1.2)

Além de cometer o furto, João ainda quebra algumas peças para que seu furto pareça um assalto, ou algo parecido.

(1.3)

João, apesar de reconhecer o erro de sua ação não encontra motivação contrária o bastante para impedi-la.

Na consideração (1.1) está evidenciado o exemplo do caso do amoralista, aquela pessoa que sabe diferenciar o certo do errado e, no entanto não lhe dá inteira importância, e comete a falta moral. Na consideração (1.2), forçosamente, fica exemplificado o caso da pessoa má, que está atraída pelo mau por suas próprias considerações. Ele acredita, como na consideração (1.1) acima, que é errado furtar, mas além deste mal, provoca outros, como é o caso de quebrar algumas peças. Para a pessoa má, como vimos, o fato também de uma ação ser correta (no caso desistir do furto) é motivo para não fazê-la. Na consideração (1.3), mais forçosamente ainda, está um caso de acídia. Tal pessoa pode reconhecer todas estas representações morais e, no entanto, não se sente motivada a agir.

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Para o defensor da teoria cognitivista pura, é impossível a existência do amoralista e da pessoa má. Isso porque qualquer um que reconheça, como João reconheceu em (1.1) que furtar é errado deve não cometer o furto. Quando uma pessoa não se sente cognitivamente motivada a impedir o furto, essa pessoa falha racionalmente. Dancy evidencia que devemos entender esta falha racional não como Kant a entendia e sim como McDowell a entende. For him (Kant) immorality is irrationality, because it either stems from a failure to discern the right or from a failure to do the right once has discerned it (…). McDowell’s picture appeals by contrast to our character. Immorality is a defect not of rationality but of character. (…) So Kant’s view that immorality is a form of irrationality should be abandoned, and with it his form of cognitivism in ethics. (DANCY, 1993: pp. 10-11)68

No caso da pessoa que sofre de acídia, essa continua sendo um problema para o internalista. Mas para o defensor da teoria cognitivista pura essa pessoa que sofre de acídia não é problema, pois os estados intrinsecamente motivadores estão presentes independente de qualquer situação. Uma vez contornados esses três empecilhos ao internalista69, bem como ao defensor da teoria cognitivista pura, Dancy parte para a formulação de seu programa moral. A tal programa moral ele dá o nome de particularismo moral, o que não será objeto do presente trabalho. Resta-nos agora seguir para concepção externalista da motivação, defendida por Brink, e os empecilhos que essa concepção enfrenta, que não diferem em muito dos empecilhos enfrentados pelos internalistas.

3.3. Brink e o Realismo Externalista

68

Para ele (Kant) imoralidade é irracionalidade, porque ou ela provém de uma falha em discernir o certo ou de uma falha em fazer o certo uma vez que o discerniu (...). A visão de McDowell apela, ao contrário, ao nosso caráter. Imoralidade é um defeito não da racionalidade, mas do caráter. (...) Então, a visão de Kant que a imoralidade é uma forma de irracionalidade deveria ser abandonada, e como ela sua forma de cognitivismo em ética. 69 O problema da fraqueza de vontade será tratado na conclusão deste capítulo, pois esta pode refutar o cognitivismo. Já os casos tratados do amoralista, da pessoa má e da acídia podem refutar o internalismo.

70

A posição realista moral externalista é tipicamente americana.70 Tal fato se deve à aceitação da epistemologia naturalizada de Quine, enquanto que os britânicos seguem o “segundo” Wittgenstein e optaram pelo internalismo moral. (ARRINGTON, 1989: pp. 184185). Grosso modo, externalismo é tomado como a negação do internalismo e para termos um melhor entendimento, considere a seguinte distinção de David O. Brink. Para Brink o internalismo tem três componentes distintos: a) Considerações morais necessariamente motivam ou proporcionam razões para ação; b) O poder motivacional ou a racionalidade da moralidade devem ser a priori; c) O poder motivacional ou a racionalidade da moralidade não podem depender de considerações substantivas sobre razões para ação e sim da noção de moralidade. Já o externalismo afirma que as forças motivacionais e a racionalidade das considerações morais dependem de fatores externos às considerações morais. Para ser um externalista, de acordo com Brink, basta negar qualquer dos três componentes internalistas acima, ficando expresso: A) As

considerações

morais

somente

motivam

ou

se

justificam

contingentemente; B) O poder motivacional ou a racionalidade, se necessária ou contingente, pode ser conhecida somente a posteriori; C) O poder motivacional ou a racionalidade da moralidade, se necessária ou contingente, a priori ou a posteriori, dependem de uma teoria substantiva de razões para ação e não da noção de moralidade. (BRINK, 1989: pp. 42-43) Os realistas americanos, ao naturalizarem as questões morais, promovem esta separação em relação aos britânicos. Para os americanos, aceitar que as propriedades morais sobrevêm (supervene) às propriedades naturais não é nada problemático. Muito pelo 70

A Austrália também segue essa mesma posição. Frank Snare (Externalism in Ethics) e Philip Pettit (Humeans, Anti-Humeans and Motivation) são exemplos destes seguidores.

71

contrário, isto faz que estes eliminem uma série de percalços teóricos que a moralidade acarreta. O sentido em que tais propriedades morais são propriedades naturais pode ser visto, de acordo com Peter Railton, da seguinte forma. Consider first the notion of someone’s subjective interest –– his wants or desires, conscious or unconscious. Subjective interest can be seen as a secondary quality, akin to taste. For me to take a subjective interest in something is to say that it has a positive valence for me, that is, that in ordinary circumstances it excites a positive attitude or inclination (not necessarily conscious) in me. Similarly, for me to say that I find sugar sweet is to say that in ordinary circumstances sugar excites a certain gustatory sensation in me. As secondary qualities, subjective interest perceived sweetness supervene upon primary qualities of the perceiver, the object (or other phenomenon) perceived, and the surrounding context: the perceiver is so constituted that this sort of object in this sort of context will excite that sort of sensation. Call this complex set of relational, dispositional, primary qualities the reduction basis of the secondary quality. (RAILTON, 1986: p. 172)71

Da mesma forma compreende Sturgeon, quando diz que “Naturalism is in one clear sense a ‘reductionist’ doctrine of course, for it holds that moral facts are nothing but natural facts.”72 (STURGEON, 1988: p. 239) e também sobrevêm às propriedades naturais (Idem, p. 247). Parece óbvio descrever a posição externalista. É preciso somente negar algum daqueles três componentes internalistas, e a partir disso, ser um externalista. A maior parte dos externalistas faz a mesma coisa quando expressa sua preferência. Apenas atacam a todo instante alguma concepção internalista e se furtam em mostrar como essa motivação externalista de fato funciona. O esforço de Brink em defender um externalismo não foge a essa regra, e na medida do possível, tentaremos esclarecer essa posição como a entendemos.

71

Considere primeiro a noção do interesse subjetivo de alguém –– seu querer ou desejos, conscientes ou não. Interesse subjetivo pode ser visto como uma qualidade secundária, semelhante ao gosto. Para mim, ter um interesse subjetivo por algo é dizer que tem uma valência positiva para mim, isto é, que em circunstâncias ordinárias excita uma atitude positiva ou inclinação (não necessariamente consciente) em mim. Do mesmo modo, dizer que achei o açúcar doce é dizer que em uma circunstância ordinária o açúcar excitou em mim uma certa sensação gustativa. Como qualidades secundárias, interesse subjetivo e doçura percebida sobrevêm sobre qualidades primárias de quem percebe, o objeto (ou outro fenômeno), e o contexto ao redor: quem percebe está de tal modo constituído que este tipo de objeto neste tipo de contexto excitará aquele tipo de sensação. Chame este complexo conjunto de qualidades primárias relacionais e disposicionais, a base de redução da qualidade secundária. 72 Naturalismo é em um sentido nítido uma doutrina “reducionista”, por isso assegura que fatos morais nada mais são que fatos naturais.

72

Tendo estabelecido a posição externalista, Brink volta seus esforços para atacar a principal tese internalista de que juízos morais motivam necessariamente (intrinsecamente). Seu ataque vai de encontro ao internalismo e em favor do externalismo, segundo o qual é possível reconhecer um juízo moral como correto e não estar motivado a agir. Brink então ressuscita a figura do amoralista, cuja inexistência o internalista havia postulado, dando garantia de sua plena existência no mundo, enumerando alguns casos em que é possível reconhecer um dever (juízo) moral e mesmo assim permanecer sem motivação para cumprilo. “The problem for internalism is that it does not take the amoralist’s challenge seriously enough.”73 (BRINK, 1989: p. 47). Feito isso, a explicação de uma motivação moral através de considerações externas ao agente moral e de uma forma contingente, faz com que o amoralista não seja um problema para o externalista. Esse passa a ser considerado como um grande motivo para se abraçar o externalismo. Externalism provides a more plausible account of the connection between morality and motivation; it makes the motivacional force of moral considerations a matter of contingent psychological fact, depending on the beliefs and desire agents happen to have. (…) Finally, externalism allows us to take amoralism and the amoralist challenge seriously. (BRINK, 1989: p. 49)74

A explicação de Brink para essa atitude é que o externalismo não faz das obrigações morais um aspecto conceptual da moralidade, não deixa, nos termos de Brink, o âmbito das obrigações morais refém dos desejos presentes nas pessoas, e, além disso, faz da motivação matéria de fatos psicológicos contingentes. Tal posição deixa o externalismo confortável para assumir os desejos e crenças humeanos, e mais do que isso pode fazer da simpatia humeana um fato psicológico contingente. Os agentes morais externalistas podem fazer suas escolhas motivadas por simpatia, e estes desejos irem contra alguma obrigação moral reconhecidamente correta, uma vez que o agente não simpatizou em proferir tal obrigação. (BRINK, 1989: p. 49-50).

73

O problema para o internalismo é que ele não leva o desafio do amoralista a sério o bastante. O externalismo proporciona uma consideração mais plausível da conexão entre moralidade e motivação. Ele faz da força motivacional das considerações morais uma questão de fatos psicológicos contingente, dependendo das crenças e desejos que os agentes possam ter. (...) Por fim, o externalismo nos permite tomar o desafio do amoralismo e o amoralista com seriedade. 74

73

Caracterizado desta forma, tal externalismo moral defendido por Brink se afasta por completo de alguma forma de não-cognitivismo. Isto porque, no geral, o nãocognitivismo admite que: a) Juízos morais implicam motivação; b) Motivação envolve desejos ou pró-atitudes; c) Não há uma conexão necessária entre crenças e desejos ou pró-atitudes. E nega que: d) Juízos morais expressam crenças. Ao passo que o externalismo admite que: b) Motivação envolve desejos ou pró-atitudes; c) Não há uma conexão necessária entre crenças e desejos ou pró-atitudes; d) Juízos morais expressam crenças. E nega que: a) Juízos morais implicam motivação. (BRINK, 1997: p. 6). O fator determinante para afastar o externalismo de um não-cognitivismo está em aceitar que (d) juízos morais expressam crenças e negar (a), o que faz de sua posição um cognitivismo e um realismo moral. Brink também recebe a acusação de que o externalismo motivacional não dava conta do caráter prático da moralidade, o que prontamente nega, enfatizando que a representação pelo externalista do caráter prático ou orientador da ação é apropriado, o que resguarda o realismo moral, enquanto que o pressuposto de que o internalismo seria o correto meio de representar este caráter prático conta contra o realismo moral. Este contar contra é justamente evitar os tradicionais desafios: o amoralista, a pessoa má, a acídia e a fraqueza de vontade.

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The rationality and motivacional force of moral considerations depend, as the externalist claims, not simply on the concept of morality but (also) on the content of morality, facts about agents, and a substantive theory of reasons for action. (…) Consideration of the action-guiding character of morality, therefore, supports, rather than undermines, moral realism. (BRINK, 1989: pp. 79-80).75

Embora consiga responder tal acusação, Brink, como defensor do externalismo, não fica totalmente livre de outras objeções. Esta defesa do caráter prático da moralidade ainda permanece sob suspeição, uma vez que retirar o conteúdo da moralidade dos agentes morais e colocá-lo no mundo natural, como faz o externalismo, é dizer que a moralidade deriva de uma origem totalmente estranha da moralidade. Ao conseguir encaixar o amoralista no externalismo moral, Brink mostra uma alternativa ao internalismo. Vale lembrar que a disputa direta de Brink é justamente com o internalismo que sustenta um não-cognitivismo e uma forma de internalismo defendida por Michael Smith. Os internalistas cognitivistas, chamados por ele de racionalistas (Nagel e McDowell), entram nessa disputa por simples enumeração.

3.4. O Problema da Fraqueza de Vontade Por que a fraqueza de vontade é um problema para o cognitivismo? Como foi visto anteriormente, um estado cognitivo moral é aquele em que o agente reconhece sua obrigação moral e esta obrigação é suficiente para motivar sua ação. É impossível para um agente neste estado, um estado cognitivo, não executar uma ação. Tanto McDowell como Nagel são exemplos deste tipo de cognitivismo moral, o que levou o primeiro a afirmar, diferente de Kant, que a imoralidade é um defeito não de racionalidade, mas de caráter. (DANCY, 1993: p. 10). É fácil admitir que muitas vezes nos encontramos em um estado em que reconhecemos que devemos agir em conformidade a ele e, no entanto, não proferimos a ação. Vários exemplos são facilmente encontrados no dia a dia. Suponhamos este:

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A racionalidade e a força motivacional das considerações morais depende, como os externalistas afirmam, não simplesmente da noção de moralidade, mas (também) do conteúdo da moralidade, fatos sobre o agente, e uma teoria substantiva de razões para ação. (...) Considerações sobre o caráter das orientações para ação da moralidade, portanto, sustenta, ao invés de minar o realismo moral.

75

Os alunos de mestrado em filosofia da Universidade de Brasília, em uma disciplina denominada seminário tutorial, entre várias obrigações, devem assistir e prestigiar um evento que semanalmente ocorre nesta Universidade chamado SIP-FIL (Seminário Interno Permanente de Filosofia). Neste seminário são proferidas palestras e comunicações de alunos e professores. Os alunos acreditam que o SIP-FIL é importante e por isso devem prestigiar as apresentações. Entretanto, eles não vêm às apresentações. Existe aqui um caso de fraqueza de vontade? Considere a seguinte representação do estado cognitivo dos envolvidos: i)

Os alunos crêem que o SIP-FIL é importante;

ii)

Os alunos crêem que devem prestigiar as apresentações;

iii)

Entretanto, não vêm às apresentações.

Note-se que o presente caso pode ser confundido com a acídia, mas existe uma ligeira distinção entre acídia e fraqueza de vontade. No caso da acídia, o que está envolvido é a apatia em fazer uma coisa qualquer. Já na fraqueza de vontade, existe um motivo para que a ação seja realizada, mas esta é preterida em função de outra. Não existe uma apatia aqui, e sim um desvio de motivação. Dancy observa bem esta diferença: This is a different problem from (...) the notion of accidie. (…) Accidie focuses our attention on people who are not at all motivated by moral reasons which in some sense they recognize; (…) Weakness of will focuses attention on those who share a conception with someone who is sufficiently motivated to act, but don’t act. (DANCY, 1993: p. 22)76

Conforme evidenciado neste exemplo, chega-se à conclusão de que é perfeitamente comum ter uma crença moral que algo é importante e que deve ser feito e não fazê-lo. Isto traz para junto do cognitivismo aquilo que eles lutam por execrar, o desejo humeano. Desejos estes inesperados, que aparecem sem ter nenhuma conexão com as crenças representadas. O desejo relevante que seria o de conduzir os alunos até os seminários não foram necessários para seguir as crenças representadas. Neste caso, a fraqueza de vontade aparece porque a razão é escrava das paixões, e sendo assim, o cognitivismo está em sérios 76

Existe um problema diferente (...) da noção de acídia. Acídia foca nossa atenção nas pessoas que não estão motivadas por razões morais de forma alguma, que em algum sentido eles reconhecem. (...) Fraqueza de vontade foca atenção naquelas pessoas que compartilham uma concepção com alguém que está suficientemente motivado a agir, mas não age.

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problemas. Os alunos em questão crêem que devem prestigiar tal evento e isto é um dever como aluno do mestrado, e, no entanto, não seguem sua crença. Outro desejo aparece e redireciona a motivação. De acordo com Dancy, somente um não-cognitivista poderia aceitar isso. (DANCY, 1993: p. 22). Dancy consegue, com seu cognitivismo puro, escapar à fraqueza de vontade? A resposta de Dancy é sim. O que salva Dancy é a forma de postular seu cognitivismo puro e não pautar sua motivação nem no internalismo nem no externalismo. Para um generalista, que assegura que se estou motivado a seguir uma regra em tal ocasião, estarei sob a obrigação de segui-la onde quer que ela ocorra, a fraqueza de vontade é um problema. Mas para Dancy, que defende um particularismo moral, a fraqueza de vontade pode ser driblada. Não podemos esquecer que o que motiva na teoria pura é um intervalo entre o antes e o depois, e tal motivação depende de cada caso isolado. Para Dancy, num caso específico em que eu deva presenciar tal evento, é cognitivamente prudente que eu vá a tal evento, mas a minha ausência não significa que estou agindo contrário às minhas crenças, e sim que podem ter aparecido outras razões para que eu faltasse a tal evento. O que me motivou a faltar a tal evento não foi nenhum desejo humeano, e sim o que Dancy chama de estados intrinsecamente motivadores, que podem estar presentes sem motivar e quando eles motivam, o fazem em da sua própria maneira. Com isso, Dancy nega a possibilidade de aparição de qualquer desejo humeano e se salva, de acordo com sua teoria do problema da fraqueza de vontade. E para Brink, é a fraqueza de vontade um problema? Brink é um externalista, e como externalista aceita o amoralista, porque sua motivação é externa ao agente moral. Mas não podemos esquecer que a fraqueza de vontade é um problema para o cognitivismo, e não para o externalismo. Entretanto, como Brink assegura ter capturado o verdadeiro aspecto prático da moralidade focando sua motivação externa ao sujeito, ou seja, no mundo natural, ele pode facilmente se esquivar da fraqueza de vontade aceitando-a. Weakness of the will is possible; it is sometimes true that, though I judge X to be better than Y, when the time for action arrives I choose to do Y. In some cases of weakness of will, the breakdown comes between motivation and action, not between practical judgment and

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motivation. But breakdown can come between practical judgment and motivation. (BRINK, 1997: p. 17).77

Foi tal fato que levou Brink a negar que juízos de razões práticas implicam motivação. Você pode reconhecer, através do caráter prático da moralidade alguma motivação para agir em conformidade com esta prática, mas isto não é necessário, e sim contingente. A negação de Brink é um tanto quanto parecida com a de Dancy, só que Dancy mantém a motivação intrinsecamente ligada aos juízos morais, ao passo que Brink externaliza esta motivação contingentemente. A superação dos dois à fraqueza de vontade parece um tanto quanto forçada, mas eles tinham que usar alguma alternativa para fugir a tal problema. Este é um argumento constantemente usado contra o cognitivismo, e se este consegue superá-lo depende da acepção de cada teoria em questão.

3.5. Vantagens e Desvantagens do Cognitivismo As teorias cognitivistas da moral têm se mostrado muito atraentes. O tratamento teórico dado às questões morais tem sido amplamente difundido e cada vez mais se acredita que esta é a forma correta de tratar a moral. Mas alguns pressupostos do realismo moral, que é a forma de cognitivismo aqui tratada, ainda ficam sob suspeita de serem um tanto quanto forçadas. No caso de Dancy, que é um realista e defende uma forma de teoria cognitiva pura, podemos apontar algumas desvantagens sérias de sua teoria. Para defender um cognitivismo puro, a primeira medida de Dancy é negar a possibilidade do desejo, coisa que ele não consegue fazer e começa a desviar do desejo usando discursos forçados de uma forma de cognitivismo. Estipular que estamos constantemente motivados, ou estamos motivados por um gapping, não se mostrou uma boa saída para o que ele chamou de humeanismo. Ainda persiste na defesa de um realismo internalista algo de misterioso.

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A fraqueza de vontade é possível. É às vezes verdade que embora eu julgue que X é melhor do que Y, quando chega a hora de agir eu escolho fazer Y. Em alguns casos de fraqueza de vontade, o colapso vem entre a motivação e a ação, não entre o juízo prático e a motivação. Mas o colapso pode vir entre o juízo prático e a motivação.

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A outra forma de realismo que aqui temos é o realismo moral externalista de Brink. Para este, o que nos motiva são a propriedades naturais da moral reconhecida nos fatos morais e não um comprometimento supranatural com o qual os intuicionistas estão comprometidos. Uma grande vantagem do externalista é conseguir, como já foi visto, fugir às possibilidades do amoralista e da pessoa que sofre de acídia. No entanto, existe um tormento maior para o realista, tanto externalista quanto internalista. A grande acusação feita aos defensores de um realismo moral é não dar conta do caráter prático da moralidade. Teorias morais como estas teorias realistas aqui expressas pecam justamente por tratarem sempre do aspecto teórico da moralidade e não conseguirem capturar o aspecto prático da moralidade. Isto se deve ao fato de que, uma vez que tratam a moralidade como estados cognitivos, como crenças, estas são representações intelectuais, enquanto que o não-cognitivismo as trata como pró-atitudes, como desejos, e desejos são questões práticas. As grandes dificuldades com as quais os realistas tiveram que lidar por causa dos amoralistas, as pessoas más, e aquelas que sofrem de acídia se deram justamente porque estas coisas acontecem justamente em um nível prático, e tratá-las em um nível teórico é complicado e muitas vezes impossível. Isto nos evidencia que muitas vezes o que os realistas fizeram foi nada mais que negar a possibilidade de tais pessoas. Entretanto, um problema de fundamental importância que podemos usar contra os realistas são os desacordos morais genuínos (dilemas morais)78. Em qualquer circunstância, o realista não consegue fugir aos dilemas morais, e sua estratégia é negar que tais dilemas existam, o que é muito difícil. Para expressar um dilema moral faremos uso de algumas propriedades da lógica deôntica. Tal uso é amplamente feito por vários filósofos, como Bernard Williams, Ruth B. Marcus, Brink, etc. Sabe-se que a lógica deôntica envolve uma série de paradoxos, nos quais não nos interessará aqui aprofundar. O uso simples que aqui faremos visa pura e simplesmente a explicitar um caso de dilema moral e sua impossibilidade de solução. O próprio Williams salientou que é perigoso se envolver nessa viagem turbulenta sob as águas

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Bernard Williams é um partidário desta idéia. Para Williams, o realista não consegue lidar com os dilemas morais genuínos e sua única alternativa é negar que tais dilemas existam. Conferir Williams, B. (1965) “Ethical Consistency” in Proceeding of the Aristotelian Society, vol. 39, repr. in Problem of Self: Philosophical Papers 1956-72. Cambridge University Press, 1973.

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da lógica deôntica, coisa que aqui não pretendemos fazer. Faremos apenas algumas explicitações formais usando a lógica deôntica para melhor compreender o dilema. Um dilema moral ocorre quando um agente moral está sob duas obrigações (α e β) e desta obrigação segue-se a impossibilidade de se cumprir as duas, ou seja, ao escolher α, não poderá escolher β e ao escolher β, não poderá escolher α. Mas note que ambas são obrigações e devem, portanto ser executadas. Outro fator importantíssimo para o dilema moral envolve a simetria79. Ambas as obrigações devem ser simétricas ao máximo para que, quando forem consideradas todas as circunstâncias, ambas não possam diferir e influenciar a escolha do agente. Um caso clássico de simetria e dilema moral genuíno é chamada “A escolha de Sofia” de William Styron, onde, grosso modo, as forças nazistas fazem uma mãe, no caso Sofia, escolher qual de suas crianças gêmeas deveria ser sacrificada. Também podemos considerar como uma característica marcante do dilema moral que este se expressa em casos trágicos e vêm sempre seguidos de arrependimento, em qualquer tipo de escolha que se faça. De acordo com Williams, The man may have regrets because he has had to do something distressing or appalling or which in some way goes against the grain, but this is not the same as having regrets because he thinks that he has done something that he ought not to have done, or not done something that he ought do have done […].(WILLIAMS, 1983: p. 174)80

O grande problema do dilema moral é, e por isso ser chamado de dilema moral, que a minha escolha por α ou β não vai fazer desaparecer o arrependimento de não ter a possibilidade de ter escolhido também a alternativa que ficou preterida. O aparecimento deste arrependimento coloca em questão a capacidade cognitiva de escolhas morais, sendo que se tais escolhas assim fossem, este fenômeno natural de remorso não apareceria. Mas voltemos agora ao exemplo de um dilema moral. Suponhamos um caso de irmãs siamesas (α e β) nascidas unidas pela cabeça somente. Uma junta médica, sob o 79

Grosso modo, simetria é uma relação em que num dado domínio, sempre que o objeto x estiver nessa relação com y, y estará nessa relação com x. Exemplos de relação simétricas podem ser expressas em , , , etc. 80 O homem pode ter arrependimentos porque ele teve que fazer algo penoso ou aterrador ou do qual de algum modo vai contra os princípios, mas isto não é a mesma coisa que ter arrependimento porque ele pensa que fez algo que ele não deveria ter feito, ou não fez algo que deveria ter feito.

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comando de um médico apenas, pretende separá-las. Durante o procedimento cirúrgico, ocorre uma pequena complicação na separação cerebral e apenas uma dentre as duas irmãs pode ser salva, após constatação de que a separação vitimará uma delas. A quem escolher? A irmã α ou β? Temos a seguinte situação que, expressa em contextos deônticos, recebe a seguinte formalização81: 1.

O (α)

É obrigatório salvar α;

2.

O (β)

É obrigatório salvar β;

3.

¬P(α ∧ β)

Não é permitido (possível) salvar (α e β);

4.

O (α) ∧ O (β) → O (α ∧ β)

Se for obrigatório salvar α e for obrigatório salvar β, então é obrigatório salvar (α∧ β) [1, 2] – Princípio da aglomeração;

5.

Logo, O (α ∧ β)

[1, 2, 4];

6.

O (α ∧ β) → P (α ∧ β)

Se for obrigatório salvar O (α ∧ β) então e permitido salvar (α ∧ β). [Princípio que “obrigação”

implica

“permissão”



“dever” implica “poder” – O(α) → P(α)]. Contraposição ou voluntarismo82; 7 81

Logo, P (α ∧ β)

[5, 6];

Podemos encontrar formalização semelhante em Brink (1994: p. 228). Ademais, Brink oferece também uma receita para os amantes de dilemas morais: 1. Alguém tem uma obrigação prima facie para fazer A. 2. Alguém tem uma obrigação prima facie para fazer B. 3. Alguém está sob uma obrigação após todas as coisas consideradas em fazer x, somente no caso em que está sob uma obrigação prima facie em fazer x, e não existe maior, simples ou complexa, concorrência entre as obrigações prima facie. 4. A obrigação prima facie de alguém em fazer A não é maior que a obrigação prima facie de alguém em fazer B, e vice-versa. 5. Alguém não está sob qualquer outra obrigação prima facie, simples ou complexa, que compete com A ou B. 6. Logo, alguém tem uma obrigação de fazer A após todas as coisas consideradas. [1, 3 – 5] 7. Logo, alguém tem uma obrigação de fazer B após todas as coisas consideradas. [2 – 5]. 8. É possível para alguém fazer A. 9. É possível para alguém fazer B. 10. Não é possível para alguém fazer A e B. 82 Williams chama a esta regra de contraposição, enquanto Brink chama de voluntarismo.

81

8.

Logo, P (α ∧ β) ∧ ¬P(α ∧ β) [3, 7].

Nas linhas (1), (2) e (3) está expresso o dilema moral vivido pelo médico chefe da equipe que deve tomar a decisão. Este médico tem em (1) a obrigação de salvar α, bem como em (2) a obrigação de salvar β. No entanto, por uma contingência, apenas uma das escolhas é possível, ou seja, (3) não é permitido salvar α e β ao mesmo tempo. Seguindo dois princípios da lógica modal, mostramos que alcançamos uma inconsistência tão logo aplicamos uma simples derivação. Dilemas como este são um grande problema para o realismo moral, pois todas as nossas obrigações devem ser cumpridas e no entanto encontramos casos em que tais obrigações não podem ser efetivamente realizadas. Casos semelhantes a este ocorrem na vida real com mais freqüência que poderíamos acreditar. Dilemas deste tipo são representados em questões que envolvem o aborto, a eutanásia e assim por diante. Este poder de decisões que envolvem dilemas é um tanto curioso para as teorias morais. Até que ponto pode-se escolher a respeito de situações que envolvem não só os nossos interesses? Até que ponto a razão pode ajudar nestes dilemas? No dilema do prisioneiro83 é clara que a escolha racional não é a mais viável para aquele tipo de situação. A estória do dilema é a seguinte: dois prisioneiros, A e B, estão confinados em selas separadas acusados de um crime comum. O acusador oferece a mesma opção para ambos: eles podem confessar o crime ou não. 1. Se A não confessar, mas B confessar e ainda testemunhar contra A, B será libertado e A ficará preso por vários anos; 2. Se A confessar e B não confessar, e A testemunhar contra B, a situação se inverterá e A será libertado e B ficará preso por vários anos; 3. Se ambos confessarem, cada um será condenado a metade da pena; 4. Se nenhum confessar, poderão sofrer um pena reduzida e sair no menor tempo possível.

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A forma aqui exemplificada do dilema do prisioneiro, bem como a explicação, segue a formulação de James Rachels, em RACHELS, J. Elementos de filosofia Moral. Lisboa: Gradiva, 2004, capítulo 11.

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Sabe-se que os dois prisioneiros querem ser libertados o mais rápido possível, e para tanto, somente duas opções lhe interessam: confessar ou não confessar. Isto porque: a) Se A confessa o crime acontecerá o seguinte: se B também confessar A ficará preso por metade da pena, enquanto se B não confessar ficará preso por vários anos. Portanto, se A confessar, confessando também B estará em melhor situação; b) Se A não confessa o crime acontecerá o seguinte: se B confessar A será libertado, enquanto se B não confessar A ficará detido pelo menor tempo possível. Logo, B confessando estará em melhor situação, independente de A; c) Conclui-se que B deve confessar, pois é a única opção de colocá-lo em liberdade mais cedo. Note-se que este acordo foi oferecido aos dois prisioneiros, e pelo mesmo uso da razão deverão chegar ao mesmo raciocínio, ou seja, que devem confessar. Confessando, cada um será condenado à metade da pena, ao passo que se tivessem feito o contrário estariam livres o mais rápido possível. Este exemplo evidencia que o uso da razão e a vinculação desta razão aos interesses de cada indivíduo podem gerar piores circunstâncias do que agir de forma diferente. Concluindo, de acordo com Ruth B. Marcus citando John Lemmon, estar diante de um dilema moral reflete somente uma inconsistência nos nossos princípios morais ou códigos morais. Isto nos força, se quisermos permanecer morais e lógicos, a uma situação de restabelecer a consistência dos nossos princípios adicionando cláusulas excepcionais aos nossos princípios presentes ou dando prioridade a um princípio sobre o outro por algum tipo de dispositivo. A situação é como se dá em matemática; se uma inconsistência é revelada por derivação, nós estamos obrigados a modificar nossos axiomas. Na moral, se uma inconsistência é revelada na aplicação, nós estamos forçados a rever nossos princípios morais. (MARCUS, 1980: pp. 122-123).

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Conclusão No decorrer deste trabalho, vimos onde surgiram as discussões que examinamos aqui, a que ponto elas chegaram e o presente domínio das posições cognitivistas. Será que o cognitivismo consegue sustentar todos os pressupostos que ele acarreta? A teoria da motivação, como foi visto, é um problema para o cognitivismo? Vimos que o não-cognitivismo se apresentou, a princípio, como um bom tratamento dessas questões. No entanto, após anos de análise e crítica a esse modelo de tratamento da moral, diversos argumentos foram apresentados contra o não-cognitivismo, ao passo que surgem outros a favor, e assim desenvolvem-se novas abordagens e novas teorias. E é nesse ínterim que acontece a redescoberta do cognitivismo. Tal redescoberta vem com uma força argumentativa que encanta os meios filosóficos, relegando o não-cognitivismo a uma pseudoposição nestas discussões. As novas abordagens epistemológicas e metafísicas, bem como as relacionadas a filosofias da linguagem, geraram um encantamento sem proporções. Normalmente, abandona-se a velha teoria e se juntam às novas para assim ajudar a desenvolvê-las melhor. Entretanto, alguns dentre estes vários filósofos acreditam que a velha teoria não estava de todo equivocada, e é retomada num sentido de aprimorá-la, melhorando sua formulação. É o que aconteceu com o não-cognitivismo. Sua idéia fundamental é mantida e novas abordagens são acrescidas. Nesse ressurgimento, os debates se prolongam e a filosofia se engrandece nas disputas entre os dois contrastes. O contraste entre cognitivismo e não-cognitivismo foi posto em termos da opinião que se sustenta sobre a possibilidade de atribuir valor de verdade aos juízos morais. De um lado, os cognitivistas sustentam que os juízos morais são proposições passíveis de verdade ou falsidade. De outro, os não-cognitivistas negam isso. Dada a aproximação entre verdade e conhecimento, os cognitivistas afirmam também a tese de que há autêntico conhecimento moral. Os juízos morais são crenças, isto é, possuem conteúdo cognitivo, e não apenas, como querem os não-cognitivistas, expressões de atitudes, de preferências, de desejos ou de prescrições.

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Posto desta maneira, o contraste entre cognitivismo e não-cognitivismo girou primariamente em torno da questão sobre a natureza dos juízos moral. Essa questão, no entanto, espalhou-se noutras direções. Tais direções perpassaram pelo problema metafísico da existência e da natureza dos fatos morais, pelo problema da fronteira entre epistemologia e ontologia, da objetividade seja dos juízos ou valores morais. Não obstante, um ponto relevante destas discussões alcança também a natureza dos nossos desacordos morais. O que está efetivamente em jogo quando duas pessoas discordam sobre o que se deve fazer, sobre o que é certo ou errado, sobre como se deve viver, etc? Se tivermos desacordos amplos relacionados a questões morais, como esperar encontrar uma objetividade que desfaça tais desacordos? Este desdobramento do debate parece sugerir que não é indiferente, mesmo de um ponto de vista normativo, a escolha metaética entre cognitivismo e não-cognitivismo. Nosso objetivo aqui, no contexto desse debate, foi explorar uma linha de argumentação comumente utilizada pelos não-cognitivistas em apoio a sua posição. Essa linha passou pelos argumentos de Hume e pelo debate internalismo versus externalismo. A estratégia seguida por esta linha consistiu em apontar para o aspecto prático dos juízos morais, ou seja, para o seu papel na orientação e na motivação das ações, para, em seguida, argumentar que dada essa função primordial dos juízos morais, sua natureza deve ser eminentemente não-cognitiva, uma vez que elementos cognitivos não são suficientes para motivar a ação no sentido requerido. A posição internalista é favorecida por ser um forte argumento em favor do não-cognitivismo. É razoável a tese de que afirmar um juízo moral implica estar motivado a realizar uma ação prescrita por esse juízo. O único preço a pagar por abraçar o nãocognitivismo é justamente abrir mão de uma pretensão de objetividade no que diz respeito à moralidade, com reflexos imediatos sobre a maneira de conceber o raciocínio ou reflexão moral. Cabe ao cognitivista seja afrontar a plausibilidade inicial da tese internalista, desenvolvendo uma posição externalista consistente, ou construir uma posição internalista que escapasse às objeções que o não-cognitivismo facilmente assimila. Ao defender uma forma de cognitivismo, internalista ou externalista, todos que participam deste debate esbarram nas reflexões de Hume sobre o lugar da razão na moral. A argumentação de Hume combinou duas premissas básicas, a saber, de que a razão sozinha não

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pode influenciar nossas ações, e que a moralidade é essencialmente prática. O nãocognitivismo se desenvolveu justamente por abraçar essas duas premissas e não encontrar razões para refutá-las. Uma vez que as considerações morais têm um efeito motivador sobre nossas ações, aquelas considerações devem ser eminentemente não-cognitivas ou possuir elementos essencialmente não-cognitivos. Juízos morais, como parte disso que chamamos considerações morais, devem ser expressões de desejos, afetos, atitudes, e não crenças. O desdobramento do cognitivismo se deu justamente em diminuir o papel da paixão na motivação, ou seja, do desejo, para assim atribuir um caráter cognitivo nas nossas ações. Quando muito, o desejo expresso nas nossas ações é um desejo motivado, e não motivador. A teoria da motivação cognitivista proposta por Dancy, chamada de teoria cognitivista pura, rejeitou justamente a tese humeana de que uma explicação completa da motivação exigiria a referência a um conjunto formado por uma crença e um desejo. Uma das manobras de Dancy foi introduzir a noção de um estado intrinsecamente motivador, mas não necessariamente motivador, o que poderia gerar prejuízos morais (que é o caso generalista). Não há estados contingentemente motivadores e nem necessariamente motivadores, e sim estados intrinsecamente motivadores, que motivam por si sós, sem a ajuda de outra coisa, mas que podem estar presentes sem motivar. Dessa forma, Dancy acreditou ter superado a assimetria humeana entre desejos e crenças, e assim também superado a distinção entre internalismo e externalismo, uma vez que não quis se inserir em nenhuma delas. Quis sim, antes de tudo, promover uma teoria da motivação pura, sem conteúdo internalista ou externalista. Dancy tenta nos dar uma opção em aceitar uma forma de “internalismo” com cognitivismo, contrariando a tradição que, sustentada pela tese humeana da motivação, constrói um não-cognitivismo a partir de premissas internalistas. O preço que julga necessário pagar é afastar-se radicalmente da psicologia da ação de Hume, com a conseqüente necessidade de revisar até a metafísica que a sustenta. Por outro lado, a estratégia de Brink para defender sua posição cognitivista foi em um sentido contrário. Sua recusa ao não-cognitivismo baseou-se principalmente na premissa internalista de que juízos morais implicam motivação. Seu problema, então, foi dar conta adequadamente das relações entre moralidade e motivação. A preferência de Brink pela posição externalista no debate em torno da motivação relaciona-se ao problema do aspecto prático da moralidade. As considerações morais motivam as pessoas a agir segundo certas

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maneiras ou, ao menos, que forneçam razões para elas agirem. Uma psicologia moral externalista afirma que se as considerações morais motivam ou fornecem razões para ação, dependem de fatores externos ao conceito de moralidade, tais como fatos sobre o mundo ou tais como o interesse e o desejo do agente. A crítica de Brink ao internalista está na possibilidade e plausibilidade das considerações morais serem práticas em algum sentido e que, sendo assim, motivem as pessoas a agir, e, no entanto algumas pessoas reconhecem e aceitam tais afirmações morais e permanecem indiferentes sobre tal assunto. Esse é o caso do amoralista, um sério problema para o internalista. Além da possibilidade do amoralista, vimos que duas outras são um sério problema para o internalista. Essas são as pessoas que sofrem de acídia ou prostração moral, e as pessoas más. Uma das evasivas do internalista a essas possibilidades é justamente negar a possibilidade de existência dessas pessoas no mundo, como é o caso do amoralista e das pessoas más. Entretanto, por uma rápida passagem de olhos na nossa história, encontramos casos onde podemos citar tais exemplos. É preciso notar que esses confrontos de pessoas com tais disposições são um sério problema para alguma forma de cognitivismo moral, uma vez que o não-cognitivismo admite a existência de tais pessoas no mundo e um dos suportes para a defesa de um não-cognitivismo é justamente a ocorrência, na prática, de tais atitudes desembocadas por tais pessoas. Um pouco mais grave é a possibilidade vista por nós da pessoa que sobre de fraqueza de vontade, que pode, sim, refutar toda forma de cognitivismo moral. Vimos também que outro argumento sério contra alguma forma de cognitivismo moral é a existência de dilemas morais genuínos. Tais dilemas ocorrem com mais freqüência do que se possa imaginar e suas soluções não são dadas a contento pelo uso simples de nossas capacidades cognitivas. Essas, muitas vezes, nem são passíveis de serem empregadas em alguns casos, como, por exemplo, no dilema da escolha de Sofia. O não-cognitivismo encontrou um apoio importante nos argumentos internalistas, os quais, por sua vez, retiram sua força da percepção comum de que as considerações morais são inertes, ou seja, possuem em algum sentido, uma capacidade motivadora que dificilmente podemos ignorar. Se alguém quiser confrontar a posição nãocognitivista, terá que confrontar os argumentos internalistas. A mais recente posição não-

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cognitivista que mantém as intuições humeanas sobre a natureza dos juízos morais a partir de uma consideração da psicologia da ação é o expressivismo de Blackburn. O cerne de sua posição reside na crença de que a essência da ética está na sua função prática, e que a linguagem ética não está aí para descrever fatos e, sim, para projetar nossas atitudes dentro do mundo e, projetando-as, estaremos melhorando-o. Restaria explicar porque nossa experiência moral, principalmente aquela ligada à argumentação moral, parece levar-nos a crer que há algum valor objetivo em nossas considerações morais. O programa do “quase-realismo”, que é um adendo ao expressivismo, vem justamente propor uma explicação, evitando uma série de comprometimentos como uma teoria cognitivista faz, tal como as dificuldades epistemológicas e metafísicas das teorias realistas. Não por acaso, boa parte do argumento de Blackburn repousa sobre a idéia de superveniência, que é melhor explicada pelo não-realista que pelo realista. Tentar assegurar o caráter prático da moralidade é ter um comprometimento com o programa humeano de que existe uma relação interna entre nossas considerações morais e nossa motivação, e que nossa motivação envolve desejos, atitudes, projeções. Todos os debates envolvendo questões morais, tal como o debate aqui apresentado entre nãocognitivistas e cognitivistas, na medida que avançam, estarão envolvidos em dificuldades e controvérsias. Resta-nos, para finalizar, assegurar que o debate está aberto e em curso, à espera de não só de uma posição capaz de focalizar algum consenso, mas, antes disso talvez, de uma posição que consiga pôr os problemas de forma mais clara e adequada, permitindo finalmente uma convergência significativa de argumentos.

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