O decrescimento aplicado no comportamento de consumo de famílias de baixa renda

June 26, 2017 | Autor: Aron Litvin | Categoria: Consumer Research
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O decrescimento aplicado no comportamento de consumo de famílias de baixa renda Aron Krause Litvin Resumo O artigo apresenta um estudo sobre a teoria do decrescimento aplicada ao comportamento de consumo de famílias de baixa renda. A influência da família e as atitudes que sustentam o decrescimento são avaliadas a partir da realidade de consumo das pessoas da base da pirâmide. Nesta pesquisa exploratória, de vertente qualitativa, foram utilizadas entrevistas em profundidade em conjunto com pesquisas bibliográfica e documental para explorar as respostas do problema. Os resultados revelaram a prática existente de poucas atitudes orientadas para o decrescimento; a importância da educação na formação de novos comportamentos de consumo; a valorização e o estímulo à educação nas famílias de baixa renda e, também, o simbolismo do consumo para tais pessoas. Palavras-chave: consumo na baixa renda; necessidade e desejo na base da pirâmide; decrescimento. Abstract This paper studies the theory of decreasing applied in consumer behavior of lowincome families. The influence of family and the attitudes that underpin degrowth are evaluated from the reality of people's consumption of the base of the pyramid. Through an exploratory qualitative strand was used in-depth interviews together with bibliographical and documentary to explore the answers to the problem. It demonstrate the existing practice of a few attitudes oriented degrowth, the importance of education in shaping new consumer behaviors, the development and stimulating education in low-income families and also the symbolism of consumption for such people. 1. INTRODUÇÃO A corrida desenfreada pelo crescimento econômico parece ser a grande oportunidade de inclusão e pertencimento que o sistema capitalista sugere, por excelência, aos países mundanos. A ansiedade gananciosa gerada por esse caminho se esquece de compreender que um sistema de aceleração infinito não é compatível em um Planeta com recursos naturais finitos. Somado a isso, a sociedade esbarra em uma acessibilidade em declínio da matéria e

energia de que ela necessita (GEORGESCU-ROEGEN, 2012). A palavra decrescimento tem como principal meta enfatizar fortemente o abandono do crescimento ilimitado, objetivo cujo motor não é outro senão a busca do lucro por parte dos detentores do capital, com consequências desastrosas para o meio ambiente e, portanto, para a humanidade (LATOUCHE, 2009). Além disso, diz Latouche (2009), essa teoria mostra que a sociedade viverá melhor consumindo menos e adotando atitudes conhecidas como o círculo virtuoso de “oito erres”: reavaliar, reconceituar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reduzir, reutilizar e reciclar. Esses oito objetivos interdependentes são capazes de desencadear um processo de decrescimento sereno, convivial e sustentável. O consumo — uma das atividades mais básicas do homem — representa um vetor de força fundamental que alimenta a intensidade do distanciamento de um cenário de decrescimento. A ambiguidade associada ao entendimento do que é o consumo é inerente a sua própria etimologia. A palavra deriva do latim consumere, que significa esgotar, destruir, usar tudo, e do termo em inglês consummation, que é somar ou adicionar. Consumo, na dimensão de esgotamento, não diz respeito apenas à exaustão de bens materiais. Possui também uma dimensão física e emocional, quando se refere à consumição do indivíduo (BARBOSA, 2006). O consumo de qualquer valor simbólico, como formador da identidade do sujeito, representa uma realidade que constitui as bases de uma sociedade de consumo pósmoderna. Não existe consumo desassociado de significados. A insaciabilidade dos desejos e a perseguição constante da novidade são os dois eixos centrais a partir dos quais se estrutura o consumismo moderno (CAMPBELL, 1997). Nesse sentido, o consumo acaba por satisfazer mais as vontades do que as necessidades do sujeito. A perspectiva naturalista de consumo coloca o próprio consumo em um plano completamente diferente da cultura contemporânea, no qual há uma relação do consumo com modos de ser, questões culturais, simbólicas, diferenças e semelhanças. Sendo assim, o consumo enquadrado como necessidade, é uma ideia temerária que encontra uma espécie de explicação determinista para algo que pertence a uma dimensão totalmente diversa (DOUGLAS, 2004). A família, principal grupo de referência da pessoa que consome, exerce influência significativa em seus hábitos e comportamentos. De acordo com Kreppner (2000), a família e suas redes de interações asseguram a continuidade biológica, as tradições, os modelos de vida, além dos significados culturais que são atualizados e resgatados cronologicamente. Assim, é fundamental a compreensão desse sistema, objeto de estudo deste artigo. Segundo Rocha e Silva (2009), o consumo é uma forma de inclusão social, não só por atender a necessidades e desejos, no plano utilitário, mas, sobretudo, por dar acesso a um

universo simbólico em que se realizam rituais de pertencimento e identidade. Já Castilhos e Rossi (2009) coletaram múltiplas facetas do significado de consumo junto a uma comunidade da periferia de Porto Alegre, o que contribuiu para constatar que o consumo de bens no seio da baixa renda dá uma estabilidade às categorias culturais que constituem a vida dessas pessoas. Em sintonia com o tema, Rocha e Barros (2007) falam sobre o sentido de consumir determinadas marcas para saciar o pertencimento à sociedade de consumo, sendo entendido como “consumo de pertencimento”. Assim, este estudo resgata aspectos inerentes ao consumo vinculados à teoria do decrescimento e os relaciona ao comportamento de consumo de famílias de jovens das classes D/E do Morro da Cruz, no município de Porto Alegre. Neste artigo, as expressões baixa renda, classe baixa ou classes D/E serão utilizadas como sinônimos. Portanto, o estudo tem por objetivo constituir uma relação comparativa entre a teoria do decrescimento com a realidade de consumo de jovens adultos casados portoalegrenses das classes D/E. De acordo com Pacagnan e Nogami (2011), é muito baixa a produção de conhecimento em âmbito nacional acerca do tema. Além disso, o decrescimento como modelo alternativo de organização de sistema econômico, possibilita a compreensão de novas relações transformadoras com o consumo e com a sustentabilidade do planeta em que se vive hoje. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A história da humanidade prova, de forma incontestável, que a natureza tem um papel fundamental no processo econômico e na formação do valor econômico. É notório que o homem só consegue produzir bens materiais através da absorção de matéria-energia e convive com uma capacidade limitada de exploração e transformação dos recursos. Aquilo que entra no processo econômico consiste em recursos naturais de valor (baixa entropia) e o que é rejeitado consiste em resíduos sem valor (alta entropia) (GEORGESCU-ROEGEN, 1971). Tal afirmação pode ser aprofundada a partir de uma breve relação com a Lei da Entropia. Ainda para Georgescu-Roegen (1971), os sistemas que conseguem manter um padrão de organização, como as mais diversas formas de vida, não são isolados, pois são abertos e existem em áreas de fluxo energético. Sistemas isolados não trocam nem matéria nem energia com o meio. Os sistemas abertos trocam tanto energia quanto matéria, e os fechados são aqueles que trocam apenas energia. O planeta Terra é fechado, pois a quantidade de matériaenergia não muda mesmo que ele receba, de forma constante e indispensável, o fluxo de energia do sol. Os seres vivos conseguem manter sua organização temporariamente, resistindo ao processo entrópico do universo. Isso só é possível por serem abertos à entrada de energia e

materiais. Todavia, não é qualquer energia que pode ser utilizada, não podendo ser energia dissipada. A energia tem que ser capaz de realizar trabalho. Ao utilizarem tais fontes para manter a própria organização estão acelerando o processo de dissipação, aumentando a entropia do sistema maior no qual se inserem. Em outras palavras, tudo o que é produzido em escala industrial e consumido pelas pessoas contribui para que a vida futura fique cada vez mais comprometida à luz do raciocínio entrópico. O decrescimento também pode ser compreendido a partir da necessidade de adotar determinadas atitudes de vida relacionadas às práticas de consumo. A partir dos oito “erres”, três deles têm um papel estratégico: a reavaliação, porque ela preside toda a mudança, a redução, porque condensa todos os imperativos práticos do decrescimento, e a relocalização, porque ela concerne à vida cotidiana (LATOUCHE, 2009). A relocalização significa produzir localmente os produtos que atendam as necessidades humanas. Cabe destacar a atitude glocal — presença da dimensão local na produção de uma cultura global — que permite voar longe no campo das ideias, mas desenvolver as lógicas de consumo no território próximo. Ainda Latouche (2009), a reavaliação e a reconceituação agem na formação de um pensamento critico para transformação da sociedade de consumo, na qual se vive, e são as mudanças de valores que possibilitam lançar outro olhar sobre o mundo, outra maneira de apreender a realidade. As relações sociais estabelecidas exercem importante influência no comportamento de consumo. Nesse sentido, a reestruturação sugerida pelo decrescimento traduz a necessidade frente às mudanças de valores adotadas. O radicalismo da mudança é diretamente proporcional ao entendimento sistêmico dos novos valores percebidos, e a redistribuição é decorrência do surgimento de novas relações sociais, a qual sugere, diretamente, no modo idealizado, a distribuição das riquezas. Isso diminuiria a incitação ao consumo que busca imitar o modelo daqueles que estão acima na hierarquia de classe social. Por fim, a reutilização implica redução do desperdício, combate à obsolescência programada e a reciclagem adequada dos resíduos. No centro do círculo virtuoso da revolução cultural dos oito “erres” está um erre que pode ser encontrado em cada um deles: resistir (LATOUCHE, 2009). Enquanto os reflexos do decrescimento tentam contribuir para uma nova sociedade de consumo, uma zona propícia para comprovar que o senso comum não coincide com o bom senso é o consumo (CANCLINI,1999). Quando os bens se revestem de valores que expressam ideias, fixam ou sustentam estilos de vida se está diante do consumo pela distinção. Para Bourdieu (2007) “a disposição estética é a dimensão de uma relação distante e

segura com o mundo e com os outros que pressupõe a segurança e a distância objetivas”. Nesse sentido, a noção de distinção natural se faz presente por sugerir uma absolutização da diferença. As multiplicidades de produtos e gostos produzem a diferenciação e isso acaba sendo um motor para o consumo entre as pessoas. O consumo, como cenário de objetivação dos desejos, mostra que o consumidor é insaciável pelos ímpetos de materialização dos seus mais perversos desejos. A diferenciação social favorecida pelo consumo denuncia a condição social do consumidor e estabelece uma dinâmica de ascensão que é bastante subvertida pelo acesso aos bens portadores de significados. Essa tensão fica evidente em pessoas de classes sociais consideradas pobres. Ao se transformarem em consumidores, as pessoas de baixa renda ganham mais do que o simples acesso a produtos e serviços, pois, dessa forma, conquistam a dignidade proporcionada pela atenção do setor privado (PRAHALAD, 2005). Essa definição refere-se justamente à dimensão simbólica atribuída ao consumo que perpassa as classificações sociais. No entanto, não parece atualizado o pensamento que o consumo na base da pirâmide sempre siga relacionado à lógica da falta de bens materiais e pelas poucas condições de acesso. O atual contexto das políticas econômicas no Brasil já promete a inclusão dos pobres no mundo do consumo, embora os custos envolvidos nas transações de crédito ainda representem uma armadilha ou barreira. A família exerce papel fundamental no comportamento de consumo das pessoas. Por representar o principal grupo de referência e o mais influente, serve de filtro para os valores e as normas de todo o ambiente social. Um aspecto muito interessante da estrutura da família é que se é membro de duas famílias: a família em que se nasce denominada família de orientação; e a família que se estabelece, posteriormente, mediante o casamento (SAMARA, 2005). Outro aspecto é o estilo de vida da família que influencia os seus membros. As famílias de classe D/E apresentam estilos de vida que reproduzem certos padrões, entre os quais a baixa escolaridade entre seus membros, pois, por se envolverem muito cedo em atividades de trabalho a educação perde prioridade. O papel da família também se reflete no comportamento de consumo das pessoas. A compreensão de quem influencia quem no contexto familiar se faz necessário para que novos hábitos de consumo apareçam. Os papéis contemporâneos da família que ampliam o entendimento tradicional de que o homem que saía de casa para trabalhar e a mulher permanecia cuidando dos filhos apresentaram mudanças nas famílias de baixa renda. Em seu estudo, Silva e Parente (2007) tomam por referência o orçamento familiar, classificando em cinco categorias as famílias da base da pirâmide que analisam: Grupo 1 – Sofredores do

Aluguel; Grupo 2 – Jeitinho Brasileiro; Grupo 3 – Valorização do Ter; Grupo 4 – Batalhadores pela Sobrevivência; e Grupo 5 – Investidores. O Grupo 1 caracteriza-se por um orçamento fortemente concentrado em despesas de habitação e é a menor renda em relação aos demais. O Grupo 2 caracteriza-se por um orçamento em que a metade das despesas monetárias é dedicada ao somatório de alimentação, habitação e assistência à saúde, e as famílias buscam formas alternativas para cobrir o orçamento doméstico. O Grupo 3 é o maior em termos representativos, famílias maiores, pequena renda monetária disponível em relação aos demais grupos e apresenta o melhor nível de escolaridade. Já, no Grupo 4 as despesas monetárias estão concentradas basicamente em alimentação e habitação, a renda per capita é a menor em relação aos demais e as condições de moradia são as piores. Por fim, o Grupo 5 caracteriza-se por boa parte das despesas monetárias serem dedicadas ao aumento dos ativos e possui a maior renda bruta em relação aos demais. 3. DESCRIÇÃO METODOLÓGICA No presente estudo adota-se o tipo de pesquisa exploratória, pois, segundo Malhotra (2001), esse tipo de pesquisa é conduzido para explorar o problema — obter ideias e descobertas para o problema delimitado pelo pesquisador, neste caso a relação do decrescimento nos comportamentos de consumo das classes sociais D/E. Parte-se do princípio de que este tópico precisa de esclarecimentos e compreensão por representar um tema que amplia as perspectivas da relação com o consumo das pessoas. Optou-se pelo posicionamento metodológico de fazer a pesquisa que considera o estudo do homem, dado que o humano não é passivo, mas que interpreta o seu mundo a todo instante. Portanto, a vertente de pesquisa do estudo é a qualitativa. O pesquisador qualitativo pauta seus estudos na interpretação do mundo real, preocupando-se com o caráter hermenêutico na tarefa de pesquisar sobre a experiência vivida das pessoas. Para Moreira (2002), os objetos de estudo das ciências humanas e sociais são as pessoas e suas atividades. A coleta de dados ocorreu mediante entrevistas em profundidade, pesquisa bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica é uma etapa fundamental em todo trabalho científico que influenciará todas as suas etapas, e, conforme Köche (1997), levanta o conhecimento disponível na área, identificando as teorias produzidas. A pesquisa documental, para Lüdke e André (1986), constitui-se uma técnica importante na pesquisa qualitativa, seja complementando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um tema ou problema. O lastro teórico desta pesquisa também abarca as contribuições da Pesquisa Akatu 2012: Rumo à Sociedade do Bem-Estar, do Instituo Akatu; o documentário

de audiovisual Surplus do diretor Erik Gandini; a pesquisa Senso IBGE 2011 e o relatório do Instituto de Pesquisa de Desenvolvimento Social da ONU em 2010. A grande vantagem da técnica de entrevistas em profundidade em relação às outras é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). A unidade de estudo é formada por jovens adultos, casados, entre 19 e 30 anos de idade, pais de filhos com idade entre cinco e doze anos, pertencentes às classes D/E, sendo três mulheres e quatro homens, todos residentes na região do Morro da Cruz de Porto Alegre. A comunidade do Morro da Cruz está situada no Bairro Partenon, Zona Leste de Porto Alegre. Segundo IBGE 2011, o Partenon colabora hoje 8,88% da população de Porto Alegre, sendo a segunda região mais populosa da cidade, com cerca de 129.100 habitantes. Os entrevistados apresentaram atitudes que favorecem a relação com o decrescimento, destacando aqueles que possuem atividade profissional ligada à educação popular. É importante destacar que a escolha dos informantes deriva da rede de relacionamentos da cientista social Lucia Scalco, que possui amplo acesso junto aos entrevistados em função do seu trabalho antropológico na região do Morro da Cruz. Isto poderá representar certa influência nos resultados da pesquisa. O roteiro semiestruturado de entrevista foi o instrumento de coleta de dados utilizado. Para Manzini (1990/1991) a entrevista semiestruturada focaliza um assunto sobre o qual se confeccionou um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. As questões conduziam para o conhecimento de aspectos referentes à família dos entrevistados, o comportamento de consumo segundo suas necessidades e desejos e suas atitudes que se conectam com as perspectivas do decrescimento. As entrevistas tiveram o tempo médio de duração de cinquenta minutos, realizadas na segunda quinzena do mês de Junho de 2013, nas residências dos informantes, na praça de alimentação do shopping Rua da Praia e na sede do Instituto Murialdo. Para a análise dos dados utilizou-se a técnica da análise de conteúdo. Para Bardin (2009), a análise de conteúdo, enquanto método, torna-se um conjunto de técnicas de análise das comunicações que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. O autor

indica a possibilidade de uma categorização, com

categorias a priori, sugeridas pelo referencial teórico e com categorias a posteriori, elaboradas após a análise do material. Como categorias a priori têm-se a família, o consumo e o decrescimento; nas categorias a posteriori identificou-se o assistencialismo. O cruzamento entre os aspectos teóricos e as contribuições das entrevistas com os informantes,

possibilitaram a relação com os objetivos do estudo e a consequente elaboração das considerações finais. 4. APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS Nesta seção apresenta-se a análise das entrevistas concedidas pelos informantes a fim de responder as questões centrais do estudo. Família As famílias da base da pirâmide são compostas, em sua maioria, por pessoas oriundas de familiares de condição social muito próxima. O grupo primário de referência das pessoas caracteriza-se por uma residência em comum, presença de laços de afeto, por uma obrigação de apoio e cuidado mútuo e por um senso de identidade (SAMARA, 2005). Embora as famílias entrevistadas sejam constituídas de diferentes formas, com níveis de educação distintos, todas se conectam por serem formadas entre pais que são jovens adultos. Isso determina a hipótese de que as famílias de procriação analisadas consideram o potencial de uma cognição mais sensível referente a comportamentos e hábitos de consumo orientados para o decrescimento. As famílias de orientação dos informantes influenciaram diretamente a sua relação com a educação. O estudo do IBGE 2011 aponta que a média de anos de estudo das pessoas de 25 anos de idade ou mais é de 7,7 na região Sul do país. Em contrapartida, a média cai para 3,9 para as de 65 anos ou mais, demonstrando que a cultura do ensino e da educação nas famílias entrevistadas é muito baixa, pois os pais ou avós dos jovens adultos entrevistados não priorizavam o investimento em educação, conforme o relato do informante 5: “Há tempos atrás a coisa não era tão fácil, tipo quanto mais velhos menos estudos as pessoas tiveram por algum motivo ou outro, por falta de escola, por falta de oportunidade, tipo meu pai não é alfabetizado”. O alto incentivo voltado para a educação dos filhos representa o ponto de ruptura de um modelo de reprodução de comportamento das famílias de orientação dos informantes. É interessante como a informante 1 vincula a sua relação entre o dinheiro e a educação dos filhos: “Essa poupança é para faculdade do meu filho. O que a gente está pagando do nosso bolso, queremos dar para eles só estudarem. A minha vó não me deu condições. Só pude fazer depois que saí de casa e ele me incentivou muito. Nosso projeto é pagar as faculdades do nossos filhos sem eles precisarem correr tanto como a gente correu”. Um padrão de comportamento que se repetiu junto às informantes mulheres é a forte influência que suas mães exerceram em sua atual intensidade de consumo. A informante 4 resume que: “Minha mãe, deusolivre, só quer coisas novas.” Essa mesma entrevistada não

consegue controlar suas finanças pessoais em função da sua impulsividade pelo consumo, e diz: “... depois eu vou ver na verdade e sei lá eu sempre gasto a mais! Sempre aparece alguma coisa né? Alguma coisa que faltou, eu me esqueci de pagar, aparece alguma outra necessidade que eu preciso gastar e não sobra.” As filhas, por sua vez, reproduzem o comportamento da progenitora: “As crianças não podem ver uns trocados já vão comprar bala, qualquer coisa.” Essa relação se reproduz de forma semelhante quando as mães possuem filhos homens. A informante 1 revela que “[...]eu não posso ver um lançamento porque eu quero. Tudo que sai de novo eu quero! Tanto para mim quanto para meu filho.” Segundo Samara (2005), o acréscimo de funções no papel da mulher teve um apreciável impacto sobre os valores, os direitos, as responsabilidades e o comportamento de compra tanto delas quanto dos homens nas famílias modernas. Essa relação é ilustradas pelo informante 2: “[...]eu tenho muito curso, trabalho muito fora de casa. Trabalho meio período. Ele é quem fica com as crianças. Eu saio para trabalhar e ele cuida. É invertido o papel. Ele fica com a coordenação da casa”. O papel do novo homem e da nova mulher nas famílias influencia os novos comportamentos de consumo no sistema familiar. A educação, como item de consumo prioritário, representa a perspectiva de mudança de postura dessas famílias. O sentido do consumo canalizado para a compra de conhecimento é um fato muito interessante que emerge no comportamento de consumo de pessoas da base da pirâmide. A classificação da pesquisa de Silva e Parente (2007), aponta que o Grupo 3 possui melhor escolaridade e são as famílias maiores, no entanto, o padrão das famílias entrevistadas não é o de famílias grandes as quais possuem bom nível de escolaridade. Hoje, os filhos transmitem aos pais saberes e novos modelos de comportamentos para situações desconhecidas. As modificações nas relações parentais têm sido acentuadas nas últimas décadas, sobretudo quanto aos valores relativos à educação e ao processo de socialização dos filhos (KREPPNER, 1992). A hierarquia existente na família está em processo de transformação, o que representa uma nova relação de influências cruzadas no comportamento de consumo das pessoas. Consumo Nessa categoria da análise procurou-se averiguar o significado do consumo na vida dos informantes, considerando-se três diferentes situações de consumo para explorar junto aos entrevistados: alimentação, lazer e vestuário, também entendidas como subcategorias da análise. A relação entre necessidade e desejo representa o recorte dimensional que foi explorado acerca do consumo junto aos entrevistados. Parece predominar que a relação entre necessitar e alcançar nunca cessará, pois, “quando uma necessidade é preenchida, diversas

outras habitualmente aparecem, para lhe tomar o lugar” (CAMPBELL, 2001). Sendo assim, o consumo é algo bem mais ligado ao valor simbólico do que ao bem material. O “sucesso se traduz na posse infinita de bens que, agradavelmente, conspiram para fazer perene nossa felicidade ” (DOUGLAS e ISHERWOOD, 2004:11). O consumo, de forma geral, foi percebido como uma atividade normal e corriqueira na vida dos informantes. O entrevistado 3 surpreende ao expor a sua necessidade de consumo quando a associa à questão da informação e do conhecimento: “Eu consumo bastante informação. Informação para mim é tudo eu estou sempre lendo, sempre na internet, então eu digo isso para meus filhos”. Tal comportamento está associado à sua função de educador popular e reforça o seu papel social dentro do seu círculo de relações sociais. Os demais informantes associaram a necessidade de consumo à comida que compram. Entendendo-se o consumo como sistema de significação, é a necessidade simbólica que é atendida como primeira necessidade. Tal comportamento dos entrevistados, portanto, reflete uma sensação de acesso à sociedade de consumo, pois a compra de alimentos pode representar o naturalismo do consumo. Embora outras questões complexas precisem ser consideradas,

como as

escolhas e vontades, o consumo se torna uma questão cultural a partir do discurso dos entrevistados. Foi possível perceber um pensamento mais crítico junto aos entrevistados do gênero masculino com a relação ao consumo. As mulheres e esposas apresentam um comportamento de consumo de alta intensidade, reconhecendo-se consumistas. Também reconhecem o papel controlador do marido sobre o consumo da família. As compras de alimentos são planejadas e pensadas antes de ir ao supermercado, segundo os informantes, e o senso de oportunidade é um fator interessante que influencia diretamente o seu comportamento de consumo. Conforme comenta o informante 3: “Então vou no Carrefour, eu sei o preço de uma coisa ou de outra, então eu faço uma mescla de um mercado ou de outro para simplesmente o dinheiro render”. O preço passa a ser justificado no universo imaginário pelos valores compartilhados em relação ao produto e marca, “envolve o reconhecimento de que o preço de uma mercadoria é um símbolo culturalmente significativo por seu próprio direito e não um índice de valor econômico ou utilidade” (CAMPBELL, 2001:77). As compras de vestuário, segundo o instituto de pesquisa Data Popular (2010), já em 2010 a classe D no Brasil passou a ser o segundo maior estrato social em termos de consumo, com R$ 12,7 bilhões. A informante 1, calçando um tênis novo da marca Nike, diz: “...eu não sou muito exigente! Só com tênis. Isso sim! Até porque é confortável. Não adianta. Uma marca boa de tênis é confortável! Já comprei marca bem baratinha que não dá!”. Bourdieu

(1979) afirma que o consumo é motivado pela necessidade que os agrupamentos sociais têm de atingirem distinção social ou alcançarem um status reconhecido. Os entrevistados, de maneira geral, apresentaram sentimento de orgulho em relação às marcas de tênis que costumam usar. Os tênis representam um ícone de distinção. O informante 3 faz uma leitura social ao comentar sobre seus educandos: “Mas a questão de consumir, ser consumista, a mídia entra de vez na mente deles. A moda agora é ostentação. A moda agora é gastar, é ter dinheiro, é ter as coisas da hora, é ouro, é cordão, é brinco, é boné, é canguru, essas coisas é o jeito que eles se expressam hoje.” A capacidade de conseguir comprar e ter produtos e a prova de ter um nome limpo no mercado carregam a distinção que orientam tais comportamentos de consumo. No entanto, o informante 6 demonstra um comportamento adverso: “...a questão das marcas, eu tinha lido isso, a questão da exploração da Nike, da Reebok, da Puma que estavam explorando as crianças no trabalho[...]eu como educador tenho que estar acompanhando isso para passar aos educandos[...]eu fiquei louco[...]gosto de ser eu mesmo[...]não gosto muito da questão das marcas.” Tal reflexão foi semelhante à do entrevistado 3 que também trabalha como educador popular, ao comentar que não compra roupas há mais de seis anos e não se vincula a marcas de vestuário. As entrevistadas que são mães alegam que acabam comprando muito mais roupa para seus filhos do que para elas. É nítida a influência direta que as crianças exercem no hábito de consumo dessas mulheres. A informante 4 comenta que as suas duas filhas pré-adolescentes se mostram exigentes no vestuário e querem usar: “...roupa também, as meninas também, elas querem roupinha bonitinha, da moda assim.” As compras das roupas para os filhos fica sob a responsabilidade das mães que, sendo mais consumistas, reproduzem o seu comportamento para suas crianças. A informante 1 deixa claro tal afirmação: “Quando eu vejo que todas as crianças têm, eu quero que ele tenha também. No colégio, todo mundo tinha tênis da Xuxa e nós não podia ter. Agora vai sair sandália do Bendez, HotWells e as crianças todo mundo vai ter. Eu vou comprar para ele também. Tudo o que eu não compro para mim eu compro para ele. Eu compro, porque é bom.” Embora existam argumentos funcionais que tentem justificar o comportamento de consumo, o que mais chama a atenção é o simbolismo associado ao comportamento de consumo do informante. Em relação ao lazer, as escolhas de consumo são planejadas e discutidas geralmente entre marido e mulher ou a família toda decide em conjunto. Duas famílias entrevistadas comentam que já conseguem planejar dentro das suas limitações financeiras, uma reserva para ser investida em momentos de lazer com a família. No entanto, os pais possuem uma carga

horária de trabalho muito elevada, inclusive aos finais de semana. Sendo assim, os momentos de lazer acabam sendo associados à rotina de trabalho que eles levam. Segundo o informante 3: “Quando tem passe livre, vejo a possibilidade de buscar a minha esposa no serviço com as crianças, dai vamos no cinema, ou num parque, vamos jantar fora”. Outra situação observada foi o distanciamento da vivência do lazer: “Meu lazer está bem estagnado mesmo. Questão financeira. Trabalho sábado e domingo. Com a família, com todos juntos não tem como. Uma vai para casa de um, de outro. Elas passeiam mais”, lamenta a informante 4 referindo-se ao ritmo de trabalho e à autonomia das filhas nesse aspecto. O lazer apareceu bastante associado a alguma situação que envolva a relação com uma comida diferente. Em muitas ocasiões esse programa é feito nas residências, em uma noite especial, que fora précombinada. As viagens também aparecem como situações de lazer e são relacionadas à visita a algum familiar que mora em outra cidade. Sendo assim, o consumo associado ao lazer reforça o discurso de todos os informantes que afirmam ser a família a sua principal prioridade de vida. Embora os entrevistados se reconheçam plenamente inseridos na sociedade de consumo, é possível observar que a relação com o dinheiro representa um desafio para orquestrar os seus comportamentos de consumo. Segundo o estudo de Castilhos e Rossi (2009), a casa é o primeiro dos bens valorizados e para aonde se direciona a maior parte do investimento das pessoas de baixa renda. Tal característica confirma os desejos de consumo registrados pelos informantes bastante associados à reforma já iniciada ou de mudança de lar para algo mais confortável. Para Canclini (1999), ninguém está satisfeito com o que tem, pois há uma relação de chegada à existência cotidiana de novos itens de conforto. Todos os informantes almejam uma melhora de qualidade de vida e já se veem implicados em atitudes concretas que conectam com essa intenção. A contribuição de Rocha e Barros (2007) ao elucidarem que as pessoas da base da pirâmide encontram um grande desejo de participar dos benefícios da sociedade de consumo, remete à conclusão de que os informantes não se distanciam desse comportamento. Portanto, a redução do consumo, a reutilização e a reciclagem aparecem de forma muito tímida no comportamento de consumo dos informantes. Os valores desenvolvidos dentro das famílias passam a ser decisórios na busca pelo decrescimento. Decrescimento É através da prática de atitudes que se consegue atingir uma sociedade serena do decrescimento. O entendimento primário da relação entre a entropia com o Planeta permite que se estabeleça o significado da escassez dos recursos naturais para a vida das pessoas. Para

Latouche (2009), uma sociedade autônoma de decrescimento pode ser representada pela articulação sistemática e ambiciosa de oito mudanças interdependentes que se reforçam mutuamente. São os oito “erres” que conectam com as atitudes referidas. O maior desafio junto aos entrevistados é a saída do senso comum para o entendimento das atitudes e o simbolismo do consumo associado a novos comportamentos capazes de influenciar as suas relações sociais. Os informantes percebem a importância de valorizar o meio ambiente, mas suas atitudes orientadas para um decrescimento nem sempre acompanham essa crença comum. Em relação à reciclagem, os informantes fizeram associações diretas com a questão do lixo. Mesmo que não praticassem tal atitude em suas casas, houve o breve discernimento do significado. Conforme observa a informante 4: “[...]reciclagem essas coisas? Eu sou bem desligada nisso. Aqui não tem coleta seletiva que um dia coleta papel, outro dia coleta orgânico. Passa três vezes por semana e é tudo junto. Não separo lixo aqui em casa.” O comportamento de consumo refletido com a reciclagem surge através da figura do educador popular do informante 3: “Eu estudei essa questão do meio ambiente. Eu sei que o vidro tem como reciclar, a lata vai demorar mais, o pneu que tem a questão do petróleo. Então tudo isso, sempre digo para meus filhos, tu vai comprar aquele dali, porque eu sei que é descartável, é reaproveitável.” A influência da família mais uma vez aparece, quando a informante 1 comenta sobre seu filho: “[...]ele cuida bem mais, porque na Escola ensinam muito. Ele fala: ‘mãe, não pode jogar lixo na rua, não pode matar bicho porque é da natureza’. Na Escola puxam muito. Ele fala para o pai que não pode jogar lixo na rua, que não pode limpar o carro com mangueira. Ele é muito assim. Tudo o que ele aprende ele fala para gente e ele briga com a gente se não fazemos o que ele diz.” Isso demonstra uma mudança em comparação com as famílias de orientação dos entrevistados que não exerceram uma influência positiva no comportamento de consumo dos filhos. Segundo a pesquisa do Instituto Akatu 2012, as classes sociais mais baixas tendem a despriorizar menos o caminho do consumismo. A redução do consumo é algo que parece distante do comportamento dos entrevistados. Mesmo com restrições orçamentárias latentes, o crédito permite que as compras sejam feitas e, automaticamente, o endividamento se torna uma realidade. Para Latouche (2009), os três ingredientes “incitadores ao crime” são a publicidade, a obsolescência programada e o crédito. Elas são consideradas externalidades negativas da sociedade de crescimento. O informante 6 demonstra em sua observação em relação à sua esposa: “[...]aonde ela achar compra em tudo, faz a conta. Para pagar depois é uma choradeira. Ela gosta muito de comprar no cartão de crédito. Ela gasta demais...eu

pergunto ‘no que tu gasta?’ ‘eu nem sei no que eu gasto, só sei quando vou ver já não tenho mais’..” Sendo assim, a redução do consumo muitas vezes ocorre pelo histórico de excesso consumido e acumulação de dívidas. É uma redução não qualificada, no sentido de uma conexão com o decrescimento. A redução implica diminuição do impacto sobre a biosfera nos modos de se produzir e de se consumir (LATOUCHE, 2009). É irônico o ponto de vista da informante 4 frente à atitude da redução: “Eu espero estar consumindo mais e comprando mais, pensamento bem consumista. Justamente pelo fato de eu querer conforto, eu quero coisas melhores.” Isso demonstra a complexidade envolvida na relação do consumo entre as pessoas e a total integração entre consumo e constituição da identidade de existência. É interessante observar que os informantes possuem certa afinidade com a questão da reutilização. A informante 4 afirma que “Algumas coisas não é necessário ter novo. Não me importo de reutilizar. Já comprei bastante em brechó, já fui em brechós que tem roupas, na Azenha, essas coisas, eu voltaria lá.” Por outro lado, a informante 1 comenta: “Nunca reutilizo. Nunca me chamou a atenção e nunca ninguém fez isso. Mas eu até faria com relação a roupas, móveis. Não tenho preferência se a coisa precisa ser nova. Se tiver em bom estado, é a conta!” Do ponto de vista simbólico, a reutilização não alcança diretamente a dimensão do consumo pela distinção. O consumo orientado a partir de uma necessidade de mostrar aos demais que se tem riqueza ou status não absorve as aspirações implicadas na reutilização. A distinção pela reutilização começa, de forma muito tímida, a ser desenvolvida dentro do principal grupo de referência das pessoas. O informante 3 comenta: “Falei para minha esposa, tem o Mensageiros da Caridade que ao invés da gente comprar um sofá novo, poderíamos comprar um seminovo, falei para ela e tranquilo, da minha parte bem tranquilo!” A reutilização não deixa de ser um padrão alternativo de consumo, embora não carregue, ainda, o status necessário para ser incorporado e tomado como referência nas relações sociais dos entrevistados. A reavaliação representa a atitude que impulsiona a mudança do comportamento de consumo. A informante 1 declara: “Com as minhas amigas eu não costumo falar sobre reduzir, reutilizar, reciclar. Não falamos sobre isso. E aqui na comunidade também não. Não se fala sobre isso.” Não se pode procurar compreender o consumo a partir de determinismos. Logo, afirmam Douglas e Isherwood (2009:15), o que interessa é que “[...] as chamadas necessidades básicas são inventadas e sustentadas na cultura. Esse é o esclarecimento, a grande descoberta da antropologia”. Sendo assim, um processo de mudança no comportamento de consumo implica transformação lenta e gradual da cultura. A relocalização sugerida como outra atitude estratégica para o decrescimento também parece distante da

realidade dos informantes. A escolha pelo consumo de produtos locais é pouco reconhecida. A pesquisa do Instituto Akatau 2012 revela que as pessoas da base da pirâmide priorizam mais “ter tempo para estar com quem gosta” do que “comprar presentes”, “carro próprio” ou até mesmo “produtos duráveis”. Isso demonstra, mais uma vez, a força da família em um processo de incubação de novos conceitos e valores que vão ao encontro do decrescimento. O documentário Surplus, dirigido por Erik Gandini (YouTube, acesso em 2013), faz uma reflexão muito lúcida sobre a sociedade do consumo ao mostrar que a humanidade é uma grande família que compartilha o mesmo destino. Esse simples entendimento talvez fosse suficiente para se revisar atitudes que fomentam a tragédia econômica, social e ecológica de um mundo cada vez mais fora de controle. Assistencialismo Essa categoria a posteriori surgiu como uma possível causa da parca mobilização que as pessoas de baixa renda apresentam para buscar novos comportamentos de consumo em suas vidas. O assistencialismo pode ser percebido em vários níveis, por exemplo, família, comunidade, governo e instituições do terceiro setor. Para cada nível existe uma relação de comodismo que vai sendo desenvolvida pelas pessoas. Segundo o informante 3, “O pessoal do Morro da Cruz se acostumou a receber, o assistencialismo, receber ajuda dos padres, do Centro de Formação Murialdo. Receber Bolsa Família, receber passagem para fazer carteira de trabalho, a comunidade se acomodou, comodismo.” A questão do tráfico também apareceu, segundo o informante 3, em função de os traficantes, historicamente, não deixarem faltar nada para a comunidade. Ora através de distribuição de rancho, ora em função de outras ajudas específicas. O informante 3 relata que “As pessoas estão acostumadas a receber.” O assistencialismo é um legado das políticas sociais brasileiras instituídas a partir dos anos 1990. Segundo o relatório da ONU (2010), o governo brasileiro ainda não conseguiu lidar com as causas estruturais da pobreza e da desigualdade em função de uma série de políticas assistencialistas. A partir disso, as atitudes voltadas para o decrescimento encontram mais essa barreira cultural na sociedade que acaba se refletindo no comportamento de consumo de pessoas de baixa de renda. 5. Conclusão ou Considerações Finais Ao realizar a comparação entre os aspectos inerentes ao consumo da teoria do decrescimento com o comportamento de consumo de jovens adultos casados da base da pirâmide, foi possível compreender a profundidade da mudança necessária para contribuir

com um novo desenvolvimento econômico, social e ecológico. Nota-se que o perfil dos entrevistados, embora apresentem comportamentos de vida bastante distintos, possuem uma abertura para o tema e uma aparente conexão com a sua urgência de atenção. Fica visível que já existe uma prática espontânea, embora superficial, das atitudes voltadas para o decrescimento. Em uma sociedade, na qual se convive com o assédio permanente ao consumo, a pressão é muito grande para frear a transformação do comportamento de consumo no sentido ao decrescimento. A profunda e irrefutável contribuição teórica do decrescimento para que se entenda a escassez dos recursos naturais no Planeta está muito distante da realidade das pessoas entrevistadas. O que se observa são levianas associações do atual comportamento de consumo em relação ao decrescimento. Logo, o senso comum pouco colabora para que se identifiquem mudanças de comportamento mais contundentes. É interessante elucidar que a educação formal pode representar um vetor de desenvolvimento de atitudes orientadas para o decrescimento. Já é possível perceber que os filhos dos entrevistados, em alguns momentos, atuam como agentes influenciadores dos pais. Os jovens adultos pesquisados ainda representam um papel de orientação importante no contexto familiar, porém existe uma interlocução e um terreno fértil de trocas cruzadas de aprendizagem. Chama a atenção, nesse contexto cultural, a importância prioritária que os pais depositam na educação dos seus filhos, o que representa uma postura significativa capaz de fazer emergir novos comportamentos de consumo. O papel dos educadores populares na comunidade simbolizam um agente de transformação conectado ao campo da educação informal. Essas pessoas possuem um perfil de liderança, respeito e inspiração. Porém, sua atuação se restringe às instituições do terceiro setor que possuem limitações de atendimento das pessoas. As metodologias vivenciais que cruzam e experimentam diferentes áreas do conhecimento — informática, biologia, música e literatura — são capazes de transmitir atitudes referentes à reciclagem e à reutilização de maneira contundente. A ampliação da atuação desse perfil de pessoas na comunidade de baixa renda deve acelerar a aproximação dos educandos com novos comportamentos de consumo. A transformação da cultura conectada a práticas de redução do consumo na sociedade é outro ponto que deve ser observado. Ela representa o ambiente de acolhimento e influência definitiva para a mudança. Tal processo pode parecer utópico, no entanto, o sistema econômico atual sugere que homem viva em função dos seus sonhos e desejos. Nessa ilusão, as pessoas parecem esquecer as dimensões recalcadas da vida — a sensação do tempo recuperado para a brincadeira, a contemplação e a conversação. A necessidade latente de

ascensão social das pessoas de baixa renda, muitas vezes ocorre unicamente através do consumo. Se, por um lado, isso pode ser considerado egoísmo das pessoas ao não perceberem seu impacto no Planeta através do que consomem, por outro é nítida a desconexão da valorização da vida. Existe a dificuldade de compreensão, pois o problema realmente não será sentido no curto prazo. Embora não seja percebida, tal perspectiva afirma o distanciamento de atingir um modelo de sociedade do decrescimento ainda mais em um país como Brasil, no qual as classes da base da pirâmide representam cerca de 30% da população do país. O assistencialismo, fator de influência negativa no comportamento de consumo das famílias de baixa renda, surge como um elemento novo de análise, o que representa uma contribuição importante do presente estudo. As limitações dos resultados do estudo podem estar associadas ao recorte aqui realizado — pessoas entrevistadas moradoras do Morro da Cruz em Porto Alegre, pois o território possui particularidades culturais específicas que podem influenciar o comportamento de consumo das pessoas. Em relação a estudos futuros há a possibilidade de se buscar entender uma relação mais profunda entre os programas pedagógicos nos espaços da educação formal e informal, na formação das atitudes essenciais para o decrescimento. O papel da educação voltado para a formação de novos comportamentos de consumo merece atenção dedicada, pois poderá influenciar muito as crianças e jovens a perpetuarem uma nova consciência de mundo. Acredita-se que este estudo contribuirá para a ampliação de novas significações de consumo vinculadas às classes da base da pirâmide. Novos estudos poderão ampliar a leitura social, compreendendo o ciclo dos oito “erres” como um novo simbolismo de distinção de consumo. REFERÊNCIAS BARBOSA, Lívia. Cultura, consumo e identidade: limpeza e poluição na sociedade brasileira contemporânea. In: BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (org). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2006. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2009. BOURDIEU, Pierre. La distinction: critique sociale du jugement. Paris: Les Éditions de Minuit, 1979. ______. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo/Edusp; Porto Alegre: Zouk, 2007 a. CAMPBELL, Colin. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.

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