O desafio de se ensinar Português para falantes de outras línguas: Análise linguístico-discursiva de um livro didático para o ensino de PLE

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Anais do SIELP. Volume 2, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2012. ISSN 2237-8758

O DESAFIO DE SE ENSINAR PORTUGUÊS PARA FALANTES DE OUTRAS LÍNGUAS: ANÁLISE LINGUÍSTICO-DISCURSIVA DE UM LIVRO DIDÁTICO PARA O ENSINO DE PLE

Ana Amélia Calazans da ROSA Universidade Estadual de Campinas [email protected] Resumo: Neste artigo discutimos a análise de um livro didático de ensino de Português Brasileiro para empresários estrangeiros. A análise linguístico-discursiva foi uma tentativa de descrever e desvendar as concepções de linguagem e de ensino norteadoras do material e suas possíveis implicações no processo de ensino/aprendizagem. O livro mostrou-se heterogêneo, no sentido de que é possível encontrar desde exercícios de cunho estrutural, até tarefas que exploram funções sociais e interativas do uso da língua. A partir da análise das concepções de linguagem, discutimos as visões de aprendizagem e de autonomia do material. Buscamos analisar o modo como o livro conduz o desenvolvimento das capacidades de linguagem do aprendiz: de ação, discursivas e linguístico-discursivas. A partir dessas capacidades, pudemos discutir como as habilidades de produção e compreensão (orais e escritas) são tratadas. De modo geral, a análise encontrou pontos positivos por promover a integração de habilidades em várias tarefas e pelo uso de textos autênticos sobre assuntos pertinentes ao mundo empresarial. Contudo, há aspectos cuja avaliação foi negativa: concepções de cultura e de gramática, falta de desenvolvimento de habilidades de compreensão e produção orais, e a ausência de uma abordagem com gêneros discursivos. Palavras-chave: português como língua estrangeira; português brasileiro; livro didático; capacidades de linguagem; língua estrangeira para fins específicos; análise linguísticodiscursiva.

INTRODUÇÃO A partir da década de 1990, o número de livros destinados ao ensino do português do Brasil a falantes de outras línguas cresceu bastante. Tais livros têm, cada vez mais, sido escritos principalmente por professores/pesquisadores brasileiros. Nota-se não somente um sentimento de patriotismo e orgulho nacional no que diz respeito à expansão de nossa língua e cultura, mas também um amplo mercado, cheio de possibilidades e que salta aos olhos daqueles que lidam com o ensino de línguas estrangeiras. A globalização tem como uma de suas principais consequências a expansão das multinacionais pelo mundo e fixação de filiais em países em desenvolvimento. O Brasil, claramente, não ficou de fora e tem recebido todos os anos centenas de empresários que vêm trabalhar nas empresas de seus países de origem. Além do desafio de trabalhar em empresas internacionalmente importantes, esses empresários deparam-se com uma nova vida, em um país diferente e com uma língua desconhecida. O mercado de ensino de português para estrangeiros (Português como Língua Estrangeira – PLE) dentro das multinacionais tem se expandido cada vez mais rápido nos últimos tempos. O livro didático que analisaremos neste artigo é um exemplo do crescimento desse mercado, e traz especificamente um programa de aprendizado de português brasileiro para empresários estrangeiros. Portanto, o objetivo deste trabalho é realizar uma análise desse livro dedicado ao ensino do “Português do mundo dos negócios”, descrevendo e desvendando as concepções

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norteadoras do material e suas implicações no processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa brasileira. 1. ASPECTOS GERAIS DO OBJETO DE ESTUDO 1.1 Aspectos Gráfico-editoriais O livro-objeto1 de nossa análise é um material desenvolvido especialmente para ensinar português a empresários estrangeiros que desejam aprender a língua por conta de interesses comerciais. A edição analisada é de 2006. Os autores do material também têm outros livros de ensino de PLE publicados para outros públicos, que não têm, necessariamente, interesses profissionais em aprender o português brasileiro. Nas palavras dos próprios autores, o livro é “um material voltado ao ensino do Português do Mundo dos Negócios a estrangeiros que visitam o Brasil ou que têm contato com o nosso País” (p. 9). Na apresentação do material não fica claro se o mesmo seria elaborado para o ensino de segunda língua (L2) ou língua estrangeira (LE), partindo do pressuposto que algumas teorias defendem a diferença entre ambas as abordagens. No que diz respeito à elaboração de materiais para o ensino de línguas, parece-nos que questões referentes à diferença entre L2 e LE sejam importantes. É evidente que uma situação de aprendizagem de L2 implica a imersão do aprendiz no ambiente da língua alvo, no qual ele participará efetivamente de diversas ações reais e diárias de uso da língua não dominada, o que não ocorreria numa situação de LE. Contudo, tal particularidade não foi levada em conta. A especificidade do livro escolhido é, portanto, ser um material declaradamente voltado para o ensino de português a empresários, assessores, diretores ou pessoas que desempenham altos cargos em multinacionais e que vêm trabalhar no Brasil ou que precisam negociar com empresas brasileiras. Sendo assim, os sujeitos para os quais ele é destinado são, muito provavelmente, pessoas altamente escolarizadas e com um amplo conhecimento de mundo na área dos negócios, e também conhecedoras das muitas ações de linguagem que governam suas atividades profissionais em sua língua materna (quando não em alguma outra língua estrangeira também). Em se tratando do layout do livro, a capa é discreta e não faz uso do clássico “verde e amarelo” que sempre está presente quando o assunto é voltado para o Brasil. Na capa há uma foto de dezenas de fitas com uma mensagem que faz referência ao estado da Bahia, nas cores branca, alaranjada, roxa, rosa, azul, verde, bege e azul escuro. Vê-se aí que a capa já apresenta um problema de divulgação cultural: fortalece o estereótipo de que o Brasil é sinônimo de Bahia, ou que o estado da Bahia em si poderia representar o nosso país. No decorrer da análise pretendemos voltar a esse ponto sobre estereótipos culturais. Tais fitinhas reaparecem por toda a parte introdutória do livro (como “enfeites”, detalhes) em diversas cores e sempre repetindo exaustivamente o nome “Bahia”. Ao abrir o livro, na primeira página, encontra-se o amarelo-ouro da bandeira brasileira. Sugerimos que a presença do amarelo pode ser um alívio para o estrangeiro que vai utilizar o material, pois as cores verde e amarelo já estão tão enraizadas como sendo representativas do Brasil que a falta delas poderia, talvez, causar desconforto. O livro está organizado em dez unidades temáticas com cerca de dez páginas cada uma. São elas: Agronegócios, Tecnologia, Arte & Cultura, Saúde, Estilo de Vida, Turismo, Esportes, Meio Ambiente, Terceiro Setor e Emigração. A questão da relevância dos temas e do interesse que os empresários possam ter nos mesmos é indiscutível, em nosso ponto de 1

É importante ressaltar que nosso trabalho não pretendeu, em nenhum momento, afirmar que o material analisado não é bom ou adequado. É importante esclarecer que nosso objetivo foi realizar discussões que venham a ser úteis para pensar a complexidade do ensino de Português como Língua Estrangeira.

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vista. Todas as unidades parecem estar adequadamente tratando de assuntos interessantes e abrangentes às diversas áreas dos mercados nacionais e internacionais. O texto é a unidade básica de trabalho desse livro didático. Cada unidade traz cerca de dez textos dos mais variados assuntos dentro da temática em questão. O grande número de textos e a falta de aprofundamento nos assuntos são, no entanto, características preocupantes. Vale destacar que os textos trazidos pelo livro são de natureza autêntica, isto é, são textos escritos para fins reais de comunicação/interação em Língua Portuguesa e não simplesmente redigidos especialmente para compor o material didático. Porém, vários textos são adaptados – provavelmente para facilitar a compreensão dos alunos. Se cada unidade tem dez páginas e aproximadamente dez textos (todos tratando de assuntos distintos), claramente temos um bombardeio de informações que dificultará a assimilação dos novos conteúdos pelo aprendiz. Isto é, não é reservado espaço para que o professor desenvolva um trabalho mais sistematizado e aprofundado sobre determinado assunto/conteúdo com o aprendiz. Assim, o livro parece privilegiar quantidade ao invés de qualidade. Para ilustrar tal preocupação, vejamos um exemplo retirado da primeira unidade, sobre Agronegócios. Na página 13, a unidade é iniciada pelo texto intitulado “Três Cs engordam o Agronegócio”2, que expõe sobre a boa situação do mercado rural brasileiro. Três perguntas são propostas para o trabalho com o texto, e elas não exploram pontos diretamente ligados ao texto, mas sim conhecimentos contextuais sobre o assunto e a opinião pessoal do aluno. No site da editora há documentos intitulados “Dicas e Sugestões” para auxiliar no trabalho com cada unidade. Nesse material extra é possível encontrar sugestões para uma leitura um pouco mais intensiva do texto, contudo, sem aprofundamento em questões linguísticas. Logo em seguida ao texto sobre agronegócios, há um quadro que faz referência a uma questão de gramática e instrui o aluno a dirigir-se ao final do livro onde há um apêndice gramatical 3. De repente, está encerrada a tarefa de leitura e iniciado um estudo gramatical de cunho estruturalista. A questão aqui não é tanto o trato com a gramática desvinculada do texto (que é um problema e será assunto mais a frente), mas principalmente o fato de que na página seguinte não há continuidade no trabalho com o texto. Pelo contrário, em seguida ao quadro gramatical (ainda na mesma página) são apresentados outros dois textos (uma tabela e um trecho de artigo de revista) sem que o primeiro, sobre agronegócios, tivesse recebido o espaço merecido. Mesmo havendo um material de apoio disponibilizado online com sugestões de como trabalhar o texto e explorar algumas questões interessantes junto com os alunos, é preciso repensar o fato de que a unidade está sobrecarregada de textos e assuntos, por isso nem todos poderão ser explorados profundamente, principalmente por conta do tempo. Acredito que a quantidade de textos e de conteúdos condensados no livro é tão grande que ao mesmo tempo em que torna o material rico, empobrece as possibilidades de trabalho do professor, pois, ele não conseguiria cumprir o cronograma caso desejasse discutir amplamente todos os assuntos, ou mesmo simplesmente realizar as tarefas de forma mais completa, explorando todas as capacidades de linguagem dos textos. Convém citar ainda que as respostas para os exercícios propostos no livro também estão disponibilizados na página virtual da editora. Há ainda, um apêndice de “Explicações Gramaticais”, composto de dezessete páginas de explicações e nomenclaturas da gramática normativa do português exemplificadas por meio de frases descontextualizas. Dentre os tópicos trabalhados há: Processo de formação de palavras, Pronomes relativos, Plural dos substantivos, Pronomes pessoais oblíquos, Vozes Verbais, Modos verbais, só para citar alguns. 2 3

Ver anexo 1. Ver anexo 2.

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Acompanhando o livro, há um encarte intitulado “Guia, Dicas e Roteiros: conhecendo e redescobrindo o Brasil”. Trata-se de um tipo de folder com informações técnicas como área territorial, capital do país e tempo de voo entre as principais cidades do Brasil. Veicula também informações diversas em forma de pequenos textos sobre o “Litoral Brasileiro”, o “Brasil Ecológico”, as “Festas Folclóricas” e a “Culinária Brasileira”, que revelam principalmente a concepção de cultura presente no livro, assunto que será explorado adiante. Ao abrir o folder inteiro, o aprendiz encontrará um mapa ilustrado do Brasil. Analisando esse mapa podem-se ver claramente os estereótipos do país em geral e mais especificamente de cada região. Por exemplo, na região Norte há apenas desenhos de mata fechada, pássaros, ocas e indígenas, enquanto no Nordeste há a presença de elementos que fazem alusão às praias e o desenho de uma baiana tipicamente trajada (como se o nordeste se resumisse ao estado da Bahia). Somente há desenhos de prédios (símbolos da civilização urbana) nas regiões de São Paulo, Rio de Janeiro (na realidade um estádio de futebol, não um prédio propriamente dito) e no Distrito Federal. Todos esses elementos têm implicações muito sérias sobre a visão que o estrangeiro faz de nosso país e também revela sobre a concepção de cultura e de sujeito que o livro adota e divulga. 1.2 Visão de Linguagem A visão de linguagem revelada no livro não nos parece bem definida dentro de apenas uma concepção. Afirmamos isso porque apesar de a análise sugerir muitos elementos que apontam para uma concepção estruturalista de linguagem, pautada no método behaviorista de estímulo-resposta e de criação de hábitos, há também uma tentativa de conceber a linguagem como uma prática social. Em vários momentos, podem-se encontrar atividades que buscam priorizar o agir social e o ato de se colocar socialmente, posicionando-se e realizando coisas por meio da língua. Porém, apesar de notar um avanço no que diz respeito ao trato com a linguagem, o livro ainda parece ser muito tímido e acaba explorando pouco o poder social da língua. Para ilustrar uma situação de trabalho estrutural com a língua, gostaríamos de mencionar a página 244, em que, após o quadro gramatical trazer os tópicos “Imperfeito do subjuntivo + Futuro do pretérito” para explicação explícita e com presença de nomenclaturas, um exercício de fixação de estruturas é proposto. É muito intrigante como o exercício, de certa forma, vem mascarado, pois, ao invés de pedir que o aluno preencha as lacunas com a estrutura gramatical estudada, as instruções pedem que os espaços sejam completados com um substantivo coerente com a ideia da frase. Entretanto, a atividade não deixa de ser estruturalista, pois as frases estão sem contexto, a estrutura está explicitamente usada em todas as sentenças, de forma repetitiva (criação de hábito) e não há nenhum indício de reflexão sobre o sentido que aquela estrutura gramatical tem quando aplicada no uso real da língua. No material de apoio disponível na página virtual da editora encontramos a seguinte “dica” para o professor sobre o exercício que acabamos de citar: “p. 24 – 1. Apresente o Imperfeito do Subjuntivo e o Futuro do Pretérito e faça referência às explicações gramaticais da página 121 do livro. Em seguida, peça a seus alunos que façam o exercício 2”. Infelizmente, as instruções e dicas apresentadas comprovam nossa análise do exercício. O professor de língua (seja L2, LE ou língua materna) precisa compreender que ensinar regras normativas e nomenclaturas especialistas da área não contribui para o objetivo maior de todos os que buscam aprender uma língua: utilizar essa língua para fins de comunicação, interação e ação. 4

Ver anexo 3.

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Seria injusto afirmar, no entanto, que o livro é amplamente e unicamente estruturalista. Conforme já mencionamos anteriormente, há tentativas de se conceber a linguagem também por um viés social e de uso real. Um bom exemplo é a atividade proposta na página 64 (da unidade Turismo)5. Apesar de haver indícios de que o texto “Ecoturismo” pode ser um pretexto para trabalhar o tópico gramatical que o antecede, as atividades que o seguem têm valor enquanto modos de interpretar significativamente um enunciado. Trata-se de um pequeno artigo informativo veiculado online pelo site da Embratur (de acordo com o livro não houve adaptações), portanto é um texto autêntico e interessante, principalmente para estrangeiros que além de trabalhar em nosso país, também possam se interessar em conhecer pontos turísticos do Brasil. No material de apoio há instruções para o trabalho com o texto, como a preparação prévia do aluno para o vocabulário específico que encontrará. O roteiro de leitura também é bom, com perguntas para pré-leitura (a, b) e pós-leitura (c, d, e). A atividade 3 da página 656 dá continuidade ao trabalho com o texto/assunto integrando nesse momento a habilidade de produção escrita, o que já pode representar um avanço com relação ao trabalho com a linguagem. Contudo, sugerimos que tal integração apresenta algumas falhas. Primeiro, o fato de não ser proposta uma discussão mais aprofundada com o aluno sobre o artigo retirado do site da Embratur. Questões relacionadas aos interlocutores do texto, aos efeitos de sentido, aos gêneros e às intencionalidades são deixadas de lado. A atividade de produção escrita também contém lacunas na proposta, pois não delimita um gênero, nem interlocutor, tampouco meio de circulação do texto, o que implica seriamente a produção do aluno, uma vez que fica descontextualizado da vida real. Tais problemáticas serão mais bem discutidas nas sessões sobre as capacidades de linguagem e o trabalho com as diferentes habilidades/competências. 1.3 Visão de Aprendizagem De acordo com Dias (2009) a aprendizagem deveria ser uma ação sociointeracional, em que o aluno passará a ser capaz de resolver sozinho problemas que antes ele era incapaz de compreender sem a ajuda do outro. Aprender não significa memorizar conceitos, tampouco reproduzir ações pré-concebidas como uma máquina faz. A aprendizagem é sempre mediada pela linguagem e aprender uma nova língua é aprender a participar de novas experiências sociais, culturais e históricas. Atualmente na literatura especializada tem-se falado muito sobre a mediação entre pares, um conceito vygotskiano que postula que a aprendizagem ocorre na Zona de Desenvolvimento Proximal, que seria, grosso modo, o espaço entre o Nível de Desenvolvimento Real do aprendiz (aquilo que ele executa sozinho) e o Nível de Desenvolvimento Potencial (aquilo que ele poderá ser capaz de realizar após a aprendizagem). Dessa forma, o professor, o colega e até mesmo o computador, podem executar o papel de um andaime (scaffolding) que vai auxiliar o aprendiz a passar pela ZDP e alcançar o sucesso no processo de aprendizagem. Em se tratando do aprendizado de línguas, defendemos também que a aprendizagem precisa priorizar práticas reais de uso da língua. É importante lembrar que, enquanto professores de LE ou L2, não deveríamos buscar formar conhecedores sobre a língua e suas regras, mas prioritariamente, usuários da língua que saibam realizar suas ações cotidianas e conquistar coisas e espaços por meio do domínio dos gêneros necessários à sua realidade. Diante do exposto, concebemos como desejável que todo livro didático incentive o trabalho em pares ou grupos e também a interação com a tecnologia, pois é por meio dos diversos tipos de interações sociais e significativas que a aprendizagem ocorre. 5 6

Ver anexo 4. Ver anexo 5.

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Na análise do livro em questão, constatamos que há em vários momentos o incentivo ao trabalho em pares. Muitas atividades de compreensão e produção incentivam trocas de opiniões e saberes entre alunos e entre aluno e professor. Na página 687, por exemplo, a atividade 10 conta com duas etapas distintas, e ambas incentivam o trabalho em conjunto, tanto para conferir/discutir conclusões elaboradas individualmente, como também com o intuito de produzir/praticar linguagem oral. Tais ações são muito importantes, pois proporcionam oportunidades para o aprendiz testar suas hipóteses sobre o uso da língua alvo e receber feedback sobre tais hipóteses, confirmando-as ou reelaborando-as conforme descobre seus equívocos e aperfeiçoa seus acertos. 1.4 Autonomia No que diz respeito ao incentivo à autonomia, o livro analisado não apresenta nenhuma atividade ou instrução (ao aluno ou ao professor) que corresponda às expectativas de formação de aprendizes engajados em seu aprendizado e que assumam o papel de gerenciar seu processo de aprendizagem. Em minha análise não constatei nenhum incentivo explícito à autonomia no processo de aprendizagem. Muitas são as atividades que exigem engajamento do aluno, isto é, exigem que ele se expresse enquanto sujeito, fale sua opinião, seus gostos, entre outras coisas. Contudo, não há o incentivo de uso de estratégias, por exemplo, o aluno não é levado a pensar em suas características individuais e em se autoconhecer enquanto aprendiz de línguas. Uma característica positiva do livro com relação à autonomia é a presença constante de textos autênticos. Ensinar a língua alvo ao indivíduo a partir de textos autênticos também é um fator que contribui para o desenvolvimento da autonomia, uma vez que prepara o aprendiz para situações reais de uso da linguagem (DIAS, 2009). O Panorama Brasil apresenta, em sua maioria textos autênticos, alguns são adaptados, contudo não deixam de serem textos que circulam na comunidade linguística em que o aprendiz está envolvido. Um fator que parece prejudicar o desempenho é a falta de variedade quanto aos gêneros discursivos. A grande maioria dos textos utilizados são artigos retirados de revistas, impressas e virtuais, ou adaptados de entrevistas. Dias (2009) postula que o material e o professor devem priorizar a utilização de textos de diferentes gêneros, e que esses textos sejam autênticos para o desenvolvimento das capacidades de ler, escrever, ouvir e falar a língua tal como ela realmente está presente e funcionando na sociedade. 2. CAPACIDADES DE LINGUAGEM Conceber a linguagem com prática social implica aceitar que nossas ações são realizadas por meio do uso de língua e de linguagem. Aprender uma nova língua é aprender a significar no novo idioma, agir por meio de um novo código, uma nova cultura, um novo modo de conceber o mundo. A Escola de Genebra (cf. Schneuwly & Dolz, 2004; Dias, 2009) propõe que para se dominar uma língua é necessário desenvolver as capacidades de linguagem da mesma, que seriam (1) as capacidades de ação, (2) as capacidades discursivas e (3) as capacidades linguístico-discursivas. As capacidades de ação dizem respeito ao entendimento das condições de produção do gênero, isto é, que tipo de ação o gênero está realizando. Para compreender a capacidade de ação do texto é necessário saber sobre os interlocutores, o contexto sócio-histórico, o lugar de circulação, dentre outras possíveis condições de existência daquela manifestação linguística.

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Ver anexo 6.

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As capacidades discursivas são aquelas de organização textual. Como diria Bakhtin ([1952-53] 2003), cada gênero tem sua própria arquitetura, sendo assim, as capacidades discursivas representam o conhecimento sobre o formato do texto, isto é o plano textual que caracteriza o gênero que se quer produzir ou compreender. As capacidades linguístico-discursivas são aquelas que possibilitam ao usuário da língua reconhecer e utilizar os mecanismos de textualização (recurso coesivos, elos lexicais e estruturas gramaticais) com responsabilidade, compreendendo o valor que as estruturas do código têm na produção de sentidos e na realização das práticas sociais mediadas pela língua. O material didático adotado para o ensino de LE ou L2 deveria contribuir para o desenvolvimento de todas essas capacidades, pois é a partir delas que o sujeito se tornará hábil a agir na nova língua. O livro que estamos analisando apresenta alguns problemas no que diz respeito ao trato dos gêneros e ao desenvolvimento das capacidades de ação. Apesar de haver tentativas de trabalhar a língua no seu uso real, utilizando textos autênticos e criando situações autênticas de enunciação, falta ainda o trabalho com a sistematização dos textos propostos para compreensão e também dos textos propostos para produção. Na página 438, por exemplo, há uma atividade que procura integrar as habilidades de compreensão escrita e produção oral. Contudo, observamos que em nenhum momento o aprendiz é levado a refletir sobre as capacidades de ação do gênero discursivo. Parece-nos que o trabalho com a língua propriamente dita, incluindo não apenas as capacidades de ação, mas também as capacidades discursivas e linguístico-discursivas são deixadas de lado no livro analisado. Há discussões em que o aluno é provocado a refletir sobre o assunto do texto e também a expressar suas opiniões e experiências, no entanto, e o trabalho com a língua/linguagem propriamente dita? Não acreditamos que seja papel do professor completar as tarefas a tal ponto que elas deveriam ser totalmente reformuladas. O livro deve trazer propostas completas, bem estruturadas e que auxiliem o trabalho do professor o desenvolvimento das capacidades acima mencionadas. As capacidades discursivas, assim como as de ação, também não são trabalhadas. Já as capacidades linguístico-discursivas são indiretamente trabalhadas a partir dos estudos gramaticais propostos pelo livro. Entretanto, a abordagem gramatical proposta é inadequada, pois é um trabalho que não está devidamente contextualizado. As aulas de gramática9 resumem-se em nomenclaturas e memorização de estruturas – ações que não contribuem para o uso cotidiano da língua. Corroborando Dias (2009, p. 220) “a gramática deve ser contextualizada de modo a desenvolver a capacidades dos alunos para usá-la em situações espontâneas, ou seja, os aspectos linguísticos devem estar relacionados a situações de uso”. 3. O DESENVOLVIMENTO DAS QUATRO HABILIDADES Para tornar-se um usuário competente da língua alvo, o aprendiz deve desenvolver quatro habilidades, a saber: compreensão escrita, compreensão oral, produção escrita e produção oral. Os famosos reading, listening, writing e speaking devem ser trabalhados por meio do conhecimento e uso de diversos gêneros discursivos, uma vez que nosso uso da língua/linguagem se dá sempre por meio de gêneros. Ademais, é fato que uma pessoa pode até conhecer uma determinada língua, mas não conseguirá interagir caso não conheça um determinado número de gêneros necessários para executar suas ações na língua alvo (cf. Schneuwly & Dolz, 2004). A seguir analisaremos o modo como o livro em questão trata das quatro habilidades individualmente e das situações de integralização entre elas – quando estas existirem. 8 9

Ver anexo 7. Ver no anexo 8 um exemplo das explicações gramaticais contidas no apêndice do livro.

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3.1 Compreensão Escrita A compreensão escrita é, sem dúvida, a habilidade que recebe maior destaque no decorrer do livro. Conforme já mencionamos anteriormente, o livro objeto dessa análise traz cerca de dez textos por unidade (média de um texto por página). Todos eles estão na modalidade escrita e vêm acompanhados de perguntas/atividades que buscam a compreensão. De acordo com Diniz et al. (2009, p. 283-284) o trabalho com leitura deve ir muito além do simples processo de decodificação, é necessário desenvolver entre os alunos diferentes estratégias de leitura, o que compreende inferir o sentido de palavras desconhecidas, identificar informações principais e secundárias, mobilizar conhecimentos prévios, relacionar informações dadas no texto com aquelas pressupostas no contexto, analisar a relação entre a linguagem verbal e não-verbal no processo de construção do sentido, identificar implícitos e pressupostos, etc.

Além do uso de estratégias para auxílio na compreensão textual, o aluno também deve aprender nas aulas de leitura [a] compreensão do funcionamento do gênero, a análise de mecanismos de coesão, a percepção de relações intertextuais, a identificação de marcas reveladoras da posição do autor, a avaliação do registro utilizado, o exame das condições de produção do texto, entre outros. (Diniz et al., 2009, p. 284)

O material aqui pesquisado, assim como a maioria dos livros de português como língua estrangeira (cf. Diniz, 2009) não concebe a habilidade de leitura como algo a ser ensinado, mas simplesmente uma habilidade a ser avaliada. Um exemplo claro dessa afirmação pode ser visto no anexo 1 (cujas atividades já discutimos anteriormente) e no anexo 9, que traz um exemplo de trabalho com a leitura de um artigo sobre esportes adaptado de uma revista. Na atividade 1410 a estratégia de scanning é requisito para a resolução, contudo, tal estratégia não é ensinada ao aluno. Segundo Oxford (1990), qualquer estratégia, para que seja bem sucedida, deveria ser de uso consciente. O aprendiz deve saber controlar seu próprio processo de aprendizagem, pois assim será capaz de aperfeiçoar-se sempre: corrigindo ações que não funcionam e descobrindo novas atitudes que podem trazer soluções ou ao menos facilitar o processo. As perguntas do exercício 1511 (ainda sobre o mesmo texto) são características de uma concepção de linguagem como meio de comunicação. Exigem apenas localização de informações no texto e ignoram o trabalho com as capacidades de ação do gênero, bem como suas capacidades discursivas e linguístico-discursivas. Outro fator negativo, que gostaríamos de retomar, é a questão da presença de um número grande de textos. Explorar as capacidades de linguagem é um trabalho que exige tempo e dedicação dos aprendizes e do professor. Se o livro prioriza a quantidade de textos e não abre espaço para um trabalho mais sistematizado com cada texto, com integração de habilidades, por exemplo, professor e alunos ficam numa situação complicada. É muito comum presenciarmos situações em que o planejamento do livro sobrepõe o planejamento do professor. O que queremos dizer é que nem sempre é possível uma complementação das atividades do livro, pois coordenação pedagógica e os próprios alunos cobram do professor o cumprimento do curso/livro no tempo especificado pelo próprio material didático adotado.

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Ver anexo 9. Ver anexo 9.

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Esse parece ser um dos grandes problemas da educação atual: o livro torna-se mestre e o professor torna-se mecanismo de apoio. 3.2 Compreensão Oral Em se tratando de compreensão oral, infelizmente não há nada a analisar. O trabalho com gêneros orais está bastante restrito nesse material didático. Com exceção de algumas atividades de produção oral (que quando executadas em pares consequentemente resultam em práticas de compreensão oral também), não há nenhuma tarefa específica de compreensão oral. Os CDs do livro são compostos exclusivamente pelos textos, autenticamente escritos, lidos em voz alta – o que não culmina em um gênero específico. Diniz et al. (2009) discutem a importância que o trabalho com compreensão oral também seja a partir de texto autênticos (assim como nas atividades de compreensão escrita). Do mesmo modo como deve ocorrer nas atividades de leitura, as atividades de compreensão oral devem trabalhar com uma compreensão interativa, que leve em conta o contexto, os interlocutores, os pressupostos, os implícitos e ainda dê conta das especificidades da fala, como tomada de turnos, entonação, aspectos fonéticos e fonológicos, dentre outros. Assim, sugerimos que o livro analisado apresenta um problema muito sério a partir do momento que não sistematiza a compreensão e a utilização de gêneros orais pelos aprendizes. Conceber a leitura em voz alta dos textos escritos como prática suficiente para o desenvolvimento da compreensão oral parece-nos muito limitador e não contribui suficientemente para o desenvolvimento desta habilidade. 3.3 Produção Escrita Diniz et al. (2009) levantam a problemática de que o desenvolvimento da produção escrita nos livros didáticos de línguas parecem ser, na maioria das vezes, atividades de prática de estruturas gramaticais. Os autores defendem que a produção de textos escritos deve ser concebida como uma habilidade a ser ensinada, procurando abranger uma ampla variedade de gêneros discursivos conforme o público-alvo e os objetivos do curso. As atividades de produção escrita encontradas, apesar de serem escassas, trazem boas propostas de desenvolvimento das capacidades de linguagem. Na página 9512, a atividade 5 (que é antecedida pela leitura de um texto) tem a seguinte proposta: 5. Imagine ser o responsável por Novos Projetos na empresa para a qual trabalha e que a presidência da empresa tenha definido este como o ano em que os projetos devem voltar-se à ajuda à sociedade em que atuam. Desenvolva um projeto para ser implementado a curto prazo. Liste também o tipo de entidade que deverá, como é o caso da Ematerce no exemplo acima, servir de ligação entre sua empresa e os grupos sociais que devem ser atingidos.

A tarefa parece ser bastante adequada: há a definição de um gênero a ser produzido, os interlocutores estão bem definidos e o objetivo da produção também. A produção está integrada com a habilidade de compreensão escrita motivada pelo texto que a antecede. Além desses fatores, a proposta encaixa perfeitamente em uma situação real de interlocução em um ambiente empresarial. Levando em conta que o público-alvo desse livro são empresários, pressupõe-se que eles já conhecem o gênero projeto em sua língua materna, portanto a produção em língua estrangeira é facilitada. Em uma tarefa como esta cabe ao professor 12

Ver anexo 10.

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instruir adequadamente o aprendiz e auxiliá-lo na realização. Deve-se instruir o aprendiz a observar a adequação contextual (objetivos, condições de produção) do texto, a adequação discursiva (coesão e coerência) e a adequação linguística (adequação lexical e gramatical), pois, na vida real, todos esses fatores são importantes para o sucesso da situação interacional regida pelo gênero produzido. Os fatores acima apresentados também deverão servir como parâmetros para posterior avaliação da tarefa cumprida pelos aprendizes (cf. Manual do Candidato do Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiro, Ministério da Educação, 2006). 3.4 Produção Oral A produção oral, juntamente com a compreensão escrita é a habilidade que recebe maior destaque no livro analisado. Em todas as unidades há presença de atividades de produção oral. Contudo, de modo geral, as atividades parecem não estar bem sistematizadas e apropriadas para o desenvolvimento das capacidades necessárias ao desenvolvimento da fala na língua alvo. Na página 5613, o exercício número 8 é uma proposta de produção oral cujo objetivo principal é praticar uma estrutura gramatical: o imperativo. Não há um gênero claramente apresentado para ser utilizado no evento comunicativo, contudo a situação e o objetivo estão bem definidos, assim como o interlocutor também. Tais características tornam essa tarefa muito mais rica e interessante do que a simples reprodução de diálogos ou repetição de frases e expressões em voz alta. As maiores falhas com relação ao desenvolvimento da produção oral nesse livro dizem respeito à falta de sistematização dos gêneros orais. A maioria das atividades de oralidade apenas instrui o aprendiz a “discutir”, “expor”, “conversar” sobre determinado assunto, sem esclarecer qual gênero ele deverá utilizar para aquele determinado evento comunicativo proposto pelo material. Há também total ausência de trabalho com questões que visem desenvolver a competência fonética e fonológica dos aprendizes, e, assim como ocorre com a compreensão escrita, não há trabalho com estratégias de compreensão e tampouco com o desenvolvimento da competência interativa do aluno (adequar a fala ao interlocutor, assunto, situação, entre outros). 4. QUESTÕES CULTURAIS De acordo com Maher (2007, p. 261) “a cultura é um sistema compartilhado de valores, de representações e de ação: é a cultura que orienta a forma como vemos e damos inteligibilidade às coisas que nos cercam: e é ela que orienta a forma como agimos diante do mundo e dos acontecimentos. [...] A cultura, assim, não é uma herança: ela é uma produção histórica, uma construção discursiva”.

Diante do conceito de Maher, assumimos o mesmo ponto de vista, pressupondo que o ensino de cultura e sua presença na sala de aula não deveriam estar limitados a discussões sobre festas e comidas típicas. Ensinar e aprender cultura são práticas que ultrapassam o simples ato de tomar conhecimento sobre datas e/ou feriados comemorativos. Assim, um livro de ensino de línguas deve estar atento para questões culturais que vão além de especificações sobre datas, comidas, danças, e manifestações artísticas. O falante competente conhece a cultura da língua alvo e sabe comportar-se adequadamente nas mais 13

Ver anexo 11.

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diversas situações culturais cotidianas. Professores e alunos devem entender que a cultura é, principalmente, vivida e coconstruída diariamente por meio das diversas interações na língua alvo. Todo aprendiz de língua estrangeira deve ser preparado para enfrentar nas situações enunciativas do dia a dia as incongruências existentes entre a LE e sua língua materna. Infelizmente, na maioria dos livros de ensino de línguas a cultura é vista como algo homogêneo e desvinculado das práticas sociais cotidianas. Parece-nos que o trabalho com a cultura nos livros e nos materiais didáticos para ensino de LE, em geral, aparece sempre como o momento de descontração em que os alunos aprendem sobre datas comemorativas, comidas, músicas, pontos turísticos, festas típicas e acontecimentos históricos e curiosos. Claramente são eventos esporádicos, desvinculados das práticas sociais do dia a dia e, mais importante, não são capazes de representar a imensa heterogeneidade cultural e populacional de qualquer país, principalmente um país como o Brasil. O livro aqui analisado não é diferente. A começar pela capa, já mencionada no início deste trabalho, que dá muito destaque para o estado da Bahia. Parece que é muito comum que livros e revistas em geral vinculem imagens da Bahia e de outros estados do nordeste (imagens costeiras, principalmente) como representações do país. Outro problema com a capa é a presença das fitinhas com tema religioso que vincula a ideia de que o Brasil seria um país homogeneamente cristão/católico, silenciando as demais religiões/crenças. A unidade três do livro é nomeada “Arte & Cultura”. Como o próprio título sugere, concebe-se cultura como intrínseca à arte. No decorrer da unidade há diversos textos sobre temas que confirmam uma concepção de cultura como algo integrado, homogêneo e reificado. Temas como: a região da Amazônia (flora), comidas e bebidas típicas, artesanato e manifestações artísticas não abrangem os processos culturais necessários às interações cotidianas dadas em diversos contextos, com diversos interlocutores e valores. Apresentar a cultura de um povo como um grande resumo de datas, comidas, curiosidades, pontos turísticos etc. pode ser um modo de contribuir para a formação de estereótipos sobre o povo e o país da língua. Exemplos típicos podem ser facilmente notados quando conversamos com estrangeiros e percebemos que para eles o Brasil resume-se em futebol, carnaval, samba e praias. Ou mesmo entre nós, quando pensamos em Estados Unidos automaticamente pensamos em fast food, Estátua da Liberdade, Halloween e Disneylândia; se pensamos na França logo lembramos dos perfumes, do escargot e da torre Eiffel. Sugerimos que a criação de estereótipos e o ato de rotular um país ou um povo é um mau costume fortalecido pelos livros e materiais didáticos não apenas de português para estrangeiros, mas também de diversas línguas estrangeiras (como o inglês e o francês). Nosso argumento é reforçado pelo encarte do livro (já mencionado anteriormente), cujo conteúdo traz um mapa ilustrado do Brasil que veicula e fortalece estereótipos como os exemplos que citamos. Finalmente, não há, em nenhum momento, um trabalho com questões culturais e comportamentais necessárias à convivência diária no Brasil. Convenções sociais, normas de comportamento e de interação, formas de expressão e seus diferentes significados e valores, dentre outras formas de viver a cultura de diferentes regiões do Brasil não são sequer mencionadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise aqui discutida partiu, principalmente, da concepção de linguagem que concebemos como a mais adequada para guiar/refletir o trabalho e as ações quanto ao ensino de línguas (materna ou estrangeira). Enquanto educadores, acreditamos que o ato de ensinar uma nova língua deve ir muito além da memorização de estruturas ou do ato de comunicar-se em si. É necessário preparar o aprendiz e conscientizá-lo de como deve ser o seu agir na nova língua. Questões culturais e de uso autêntico da língua devem ser levadas em conta. O aluno

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precisa estar preparado para enfrentar situações práticas do cotidiano, e não recitar conjugações ou nomear estruturas e classes gramaticais. O livro escolhido para esse trabalho apresenta pontos importantes e positivos no que diz respeito ao trabalho com a linguagem: os textos são autênticos, algumas vezes há integração de habilidades nas tarefas propostas, frequentemente há espaços para reflexões sobre os assuntos tratados nos textos. Além disso, os temas são pertinentes e de interesse da classe empresarial para a qual o livro é dedicado, há oportunidades constantes de trabalho com a oralidade (expor opiniões) e algumas vezes com gêneros próprios do ambiente empresarial (como projetos de ação, por exemplo). É necessário também apontar que nos parece que o livro em questão não é adequado para iniciantes no idioma. O livro é bastante complexo, seus textos e a gramática proposta são de nível intermediário ou até mesmo intermediário superior. Um aprendiz iniciante sentiria muita dificuldade em acompanhar os conteúdos e discussões, fator que provavelmente culminaria em fracasso e, talvez, uma posterior aversão à língua. Entretanto, um hispanofalante, ainda que iniciante, poderia dar-se bem com o livro. Devido à proximidade das línguas, provavelmente, o aprendiz conseguiria transitar melhor pelos textos e seus significados. Acreditamos também que o fato de os conteúdos e textos estarem em níveis linguísticos avançados significa que os autores estão concebendo o interlocutor do livro como um aprendiz de nível superior, cujo foco seja aperfeiçoar-se na área de negócios, isto é, aprender a lidar melhor com os gêneros específicos dessa esfera de comunicação. Finalmente, conforme apresentado no decorrer da análise, há ainda lacunas a serem preenchidas: questões culturais devem ser mais bem trabalhadas a partir de uma concepção mais social e discursiva de cultura, enquanto algo que se vive e não que se sabe sobre ou se possui. Os gêneros discursivos devem receber mais atenção, assim como as habilidades de compreensão e produção oral e suas especificidades. Assim sendo, a concepção de gramática deve ser modificada para que se possa desenvolver um trabalho com a contextualização e integração de questões gramaticais a situações reais de uso de língua, evitando o foco na memorização de estruturas e nomenclaturas. Ademais, o uso de estratégias de aprendizagem pode e deve ser incentivado, assim como a criação de um ambiente mais propício à autonomia. Todas essas ações culminariam na modificação da visão de ensino/aprendizagem, a ponto que esta seja mais bem definida e contribua para que a aquisição da língua seja bem sucedida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, M. M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003 [1953]. p. 261-306. DIAS, R. Critérios para a avaliação do livro didático (LD) de língua estrangeira (LE). In: DIAS, R. & CRISTOVÃO, V. L. L. (orgs) O livro didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. DINIZ, L. R. A.; STRADIOTTI, L. M. & SCARAMUCCI, M. V. R. Uma análise panorâmica de livros didáticos de português do Brasil para falantes de outras línguas. In: DIAS, R. & CRISTOVÃO, V. L. L. (orgs) O livro didático de língua estrangeira: múltiplas perspectivas. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2009. MAHER, T. M. A educação do entorno para a interculturalidade e o plurilingüismo. In: KLEIMAN, A. B. & CAVALCANTI, M. C. (orgs) Lingüística aplicada: suas faces e interfaces. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007.

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OXFORD, R. L. Language Learning Strategies: what every teacher should know. Boston: Heinle & Heinle, 1990. SCHNEUWLY, B. & DOLZ, J. Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organização Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2004.

ANEXO 1

ANEXO 2

ANEXO 3

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ANEXO 4

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ANEXO 5

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ANEXO 7

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ANEXO 9

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