O desastre dos temporais: o evento como chave de acesso para compreender a complexidade das lutas em territórios vulneráveis

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O desastre dos temporais: o evento como chave de acesso para compreender a complexidade das lutas em territórios vulneráveis. ENSP- FIOCRUZ Marize Bastos da Cunha Marcelo Firpo de Souza Porto Alan Brum Pinheiro Raphael Calazans Fátima Pivetta Monica Santos Francisco Lenira Zancan Jairo Freitas Fabiana Melo Souza

Ponto de partida !

Origem do trabalho: pesquisa realizada no Complexo do Alemão- Rio de Janeiro/ Projeto Políticas Públicas, Moradia, Saneamento e Mobilidade: uma avaliação participativa do PAC Manguinhos-RJ na perspectiva da promoção da saúde e da justiça ambiental”.

!   Pesquisa realizada pela Comunidade de Pesquisa Ação no

Alemão agregando pesquisadores e moradores, que se destacam por sua ação local !   Contexto: Temporal que atingiu o Complexo no dia 11 de

dezembro de 2013, provocando desabamentos e deixando várias famílias desabrigadas.

Sobre o contexto Na madrugada de 11 de dezembro de 2013, a intensa chuva que caiu sobre a cidade do Rio de Janeiro, atingiu durante o Complexo do Alemão, um território então já castigado pelos resultados das obras do PAC, onde se destacavam os seguintes problemas: !   Moradias abaladas pelas obras e pelas remoções !   Problemas no sistema de esgoto sanitário e escoamento de águas

pluviais

!   Acúmulo de lixo doméstico e de entulhos do PAC !   Falta de água em algumas localidades

Foi sobre este território, que o PAC não alcançou em sua totalidade, e quando alcançou, o fez de forma incompleta, e trazendo maiores problemas, que o temporal de 11 de dezembro caiu, fazendo emergir antigos e novos problemas.

https://www.youtube.com/watch?v=0ACbSU7Cro8&feature=share

Pressuposto !   A situação trazida pelo temporal, e o processo por ela

desencadeado, expôs a situação de risco em várias localidades do Complexo Alemão, e trouxe à tona problemas estruturais do território, os limites do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) ali implementado, bem como os limites da ação do Estado, tanto em sua capacidade de cumprir seu papel no desenvolvimento da infra estrutura urbana, quanto no que se refere à efetividade e rapidez de sua resposta em situações de emergência, que oferecem risco à população.

!   Considera-se, portanto, que estamos diante de um evento

analisador das condições ambientais, sociais e políticas de um território em mudança, atingido por um programa de intervenção urbana (PAC Favelas).

Referências teóricas !   As temporalidades na História

Fernand Braudel: A longa duração in História e Ciências Sociais e O Mediterrâneo e o mundo Mediterrânico na Época de Filipe II - Vol. I. !   O evento como elemento transfigurador da

realidade José de Souza Martins, As classes subalternas na Idade da Razão in Caminhada no Chão da Noite.

Braudel e as temporalidades A curta duração e o tempo dos acontecimentos "(….) É por este motivo que existe entre nós, os historiadores, uma forte desconfiança em relação a uma história tradicional chamada história dos acontecimentos”. “(….) o termo acontecimento. No que me respeita, agradar-me-ia encerrá-lo, aprisioná-lo, na curta duração: o acontecimento é explosivo, ruidoso. Faz tanto fumo que enche a consciência dos contemporâneos; mas dura um momento apenas, apenas se vê a sua chama”.

A média duração e as escalas da política, da economia e das estruturas sociais A média duração é ligada aos aspectos conjunturais que conformam uma sociedade em uma instância de tempo social, relacionado a “forças de profundidade” que estão articuladas às estruturas econômicas, sociais e políticas. A temporalidade de média duração se remete às escalas da política, da economia, das estruturas sociais, ou seja, diz respeito aos movimentos que se estruturam com mais vagar e que se movem menos rapidamente do que aqueles ligados ao tempo presente

A longa duração: o tempo das estruturas

É a estrutura que domina os problemas da longa duração “para nós, historiadores, uma estrutura é, indubitavelmente, um agrupamento, uma arquitectura; mais ainda, realidade que o tempo demora imenso a desgastar e a transportar. Certas estruturas são dotadas de uma vida tão longa que se convertem em elementos estáveis de uma infinidade de gerações: obstruem a história, entorpecem-na e portanto, determinam seu decorrer. Outras, pelo contrário. desintegram-se mais rapi- damente. Mas todas elas constituem. ao mesmo tempo, apoios e obstáculos, apresentam-se como limites (envolventes, no sentido matemático) dos quais o homem e as suas experiências não se podem emancipar”.

Martins e a potência dos acontecimentos “É significativo que na cultura popular brasileira, como provavelmente de outras sociedades, a injustiça constitua, como a morte, o acontecimento que inverte a leitura dos fatos correntes e revele o transcendente, uma outra realidade, e a possibilidade do universal. Essa transfiguração revela o novo que está oculto no que é velho, o universal escondido no particular, a humanidade no desumanizado”.

Se os acontecimentos, que nos remetem ao que os historiadores franceses chamam de “evénémentiel”, não explicam as mudanças históricas, eles tem um papel fundamental em tais mudanças. Isso porque determinados acontecimentos permitem que as necessidades sejam percebidas em sua dimensão coletiva, e que as expectativas tecidas encontrem possibilidades de se colocar enquanto ação. (Grotão, Parque Proletário da Penha, Vila Cruzeiro e outras moradas: História e Saber nas favelas da Penha, Marize Bastos da Cunha, dissertação de mestrado, UFF, 1995).

O Evento como revelação, transfiguração !   A dimensão instituinte de determinados

acontecimentos, que trazem a tona o conflito e uma transfiguração da realidade, indicando novas formas de ação e de agenda de luta. !   O evento, portanto, pode funcionar como um mirante

de observação e análise de determinados processos mais profundos, que se remetem ao tempo da longa duração das estruturas e a média duração

No evento estão implicados : q  um tempo longo que indica a continuidade de

determinadas estruturas que produzem desigualdades, que se recriam no tempo, por um lado, reproduzindo a vulnerabilidade destes territórios; e por outro lado abrem espaço a modos de vida e formas culturais que se criam e recriam no âmbito desta situação de vulnerabilidade;

q  um tempo de média duração trazido por alterações, na

maioria das vezes políticas, que implicam em mudanças na configuração espacial e no cotidiano da favela, bem com na relação entre os agentes sociais nela presentes; traz também a dinâmica dos movimentos sociais.

A produção e reprodução de desigualdades econômicas e sociais A longa duração Políticas Públicas Urbanas Média Duração PAC Média Duração A dinâmica local e o PAC Media Duração A experiência dos moradores Longa duração O Temporal de dezembro de 2013 O Tempo breve

O que o evento revelou? As moradias em risco constituem-se em um problema grave no Complexo do Alemão, sendo que algumas de suas causas estão articuladas a um tempo de longa duração, A existência de uma mina de água e o desmatamento na localidade onde houve um grande desabamento, nos remetem a um processo histórico mais amplo, e desenvolvido em um tempo longo, onde a favela foi se constituindo como resposta da população a seu problema de moradia. Estamos pois, diante de uma situação sócio ambiental – desmatamento e ocupação em área de risco –ocasionada pelo crescimento da cidade do Rio de Janeiro, marcada por um processo de produção e reprodução de desigualdades econômicas e sociais.

Moradia em risco e saneamento apresentam-se articulados: a precariedade do sistema de esgoto sanitário e de drenagem pluvial, bem como o acúmulo de lixo foram atores determinantes para o abalo das estruturas da moradias. Os moradores já vinham denunciando os problemas nas moradias antes do temporal. No tempo da média duração: As intervenções do PAC, particularmente as obras do teleférico e as remoções, causaram impacto em várias moradias, produzindo abalos em suas estruturas. Uma ação coletiva reunindo diferentes atores sociais – Movimento Juntos pelo Complexo, que acumulavam um histórico de mobilização comunitária, emergiu a partir do impacto da chuva de dezembro, e do grae problema de moradia em risco. Tal ação coletiva aponta a dinâmica da relação entre os coletivos locais e o Estado, em suas diferentes instâncias, bem como sua potencialidade no que se refere à retomada de fóruns coletivos de debate e intervenção, que haviam se esvaziado com o desenvolvimento do PAC, e o controle da participação popular.

As perguntas que o evento nos indica !   De que forma a produção e reprodução das desigualdades

concorreu para a configuração de um território, marcado pela vulnerabilidade sócio ambiental?

!   Por que, a despeito do longo histórico de desenvolvimento das

favelas no Rio de Janeiro, e da demanda histórica por saneamento, os problemas relativos à agua, coleta de lixo e especialmente lixo, continuam na agenda das favelas, sendo experimentados de forma recorrente e dramática?

!   Como foram definidas as prioridades em relação ao PAC no

território? No nível local, como se deu a negociação e quais os atores intervieram nas negociações? !   De que forma a dinâmica local do PAC concorreu para a

produção de desigualdades dentro do território? !   De que forma a experiência histórica dos moradores e suas

formas e ações culturais nos ajudam a compreender as respostas ao evento “temporal”: a mobilização coletiva e o movimento Juntos pelo Complexo e a resistência em deixar as moradias sob risco

Laboratório Territorial de Manguinhos – FIOCRUZ http://www.conhecendomanguinhos.fiocruz.br Facebook - Territórios em Movimento You Tube - “LTM Territoriosemmovimento”

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