O Desastre é Cultural: Sobre o slogan da Samarco (Vale e BHP Billiton) e o conceito “do desenvolvimento ao envolvimento” (Opinião, consciencia.net, Brasil, 2015)

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O Desastre é Cultural Sobre o slogan da Samarco (Vale e BHP Billiton) e o conceito “do desenvolvimento ao envolvimento” Por Evandro Vieira Ouriques

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Terrível ironia. A mineradora Samarco, cujos donos são a Vale e a mineradora angloaustraliana BHP Billiton, responsáveis pelo trágico e sintomático rompimento das duas barragens em Mariana, tem como seu slogan, imagine, “Desenvolvimento com Envolvimento”: http:// www.samarco.com.br/

Pois é: em 2010 eu levantei este conceito para o Simpósio Do Desenvolvimento ao Envolvimento: o Futuro das Políticas Públicas, das Redes e do Empreendedorismo Sustentáveis na América Latina e Caribe, que organizei e realizei em Santiago do amado Chile com o apoio do grande amigo e parceiro desde

então, Carlos del Valle Rojas, Decano da Facultad de Educación, Ciencias y Humanidades, e dos queridos Alex Blanch (PUC-Chile), Sandra Korman (PUC-Rio) e Cristian Hauser (Universidade de Talca, Chile), no II Congreso Ciencias, Tecnologías y Culturas, na USACH: http://is.gd/2rTW7r

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A este Simpósio compareceram por exemplo grandes lideranças como Christina Carvalho Pinto (Diretora da Full Jazz), Rosa Alegria (que faz parte da lista das 143 mais importantes futuristas femininas do mundo: http:// is.gd/tjLA39) e Christer WindeløvLidzélius (Diretor da pioneira Escola KaosPilot, Dinamarca, que ao completar 20 anos convidou os 20 pensadores que a inspiram a escreverem artigos para o seu livro comemorativo, eu honrado por estar entre eles: http://is.gd/TEYplQ).

Sabemos que parte significativa desta transferência de tecnologias é de alto impacto ambiental, como a mineração. Ou seja, mais de duas décadas depois que as sociedades da América Latina e do Caribe abriramse aos fluxos de investimento estrangeiro direto, sublinha o referido Relatório, “a região continua com dificuldades para atrair investimentos de alta tecnologia e, assim, se inserir nos elos de maior valor agregado das cadeias globais de produção” (…).

E mais: um ano antes deste Neste Simpósio eu demonstrava Simpósio, portanto em 2009, eu tinha que “é preciso pois que mudemos de escrito justamente o artigo fato e de forma profunda a nossa Comunicação, Palavra e Políticas mentalidade, nosso território mental: Públicas: a importância do conceito escutar então nossas próprias agendas, Envolvimento para a construção da nossos próprios marcos teóricos, nossa Cidadania Sustentável, publicado pela (o)s vizinha(o)s, nossa(o)s irmã(o)s e Revista Z, do amado PACC: http:// nossa(o)s parceira(o)s da AL e do is.gd/AOV26x Caribe” (…) [pois] de acordo com o segundo Relatório da CEPALConclui este longo artigo Comissão Econômica para a América lembrando “o que disse Carlos Latina e o Caribe (…), os fluxos de Drummond de Andrade no poema investimento estrangeiro direto-IED Mundo Grande, publicado aqui no na América Latina e no Caribe Rio no livro Sentimento do Mundo deverão ter, este ano de 2010, um em 1940, na época em que chegavam aumento entre 40% e 50%, após a os poetas poloneses, refugiados de retração no final de 2009 (…) guerra. Afinal, pergunto eu, somos ou [quando] a maioria destes IED são não somos também hoje refugiados de destinados à manufatura e continuam guerra, de guerras empilhadas em seus concentrados em atividades de horrores que continuam a se intensidade tecnológica baixa e médio- multiplicar como se tal fosse a baixa, enquanto os fluxos destinados a natureza humana? setores de alta tecnologia e projetos de pesquisa e desenvolvimento continuam “(…) Meus amigos foram às ilhas. escassos”. Ilhas perdem o homem.

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Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor.

É, de fato, e afinal, possuir algo; ter algo. Escapar da captura pelo Então, meu coração também pode dualismo do Ter ou do Ser; e Ter a si. crescer. Ser, com Castoriadis, autônomo, ter,com Castoriadis, autonomia, que é Entre o amor e o fogo, entre a vida sempre, uma criação coletiva, em rede, e o fogo, meu coração cresce dez experiência psico-social. E aí, sim, “-Ó metros e explode. vida futura! Nós te criaremos”. – Ó vida futura! Nós te criaremos.”

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uma realidade independente de nosso quefazer”.

Lembro ainda que ainda em 2010 meu artigo O Conceito Envolvimento Sim, te criaremos, mas… como e o Caráter Político das Práticas disse Mircea Eliade, apenas quando Linguísticas foi publicado no livro construirmos o “perfeito domínio de si Práticas Socioculturais e Discurso: mesmo, que é o primeiro passo para o Debates Transdisciplinares, domínio mágico do mundo” (…). organizado por Viviane de Melo Resende e Fábio Henrique Pereira Mudar o mundo é envolver-se pelo LabCom, da Universidade da consigo mesmo, tenho a esperança de Beira Interior, Portugal: http://is.gd/ tê-lo mostrado aqui; é acentuar em si, 6nBDt7 com traços de positividade, a fala retórica e técnica. Como diz um Nele eu dizia: “A experiência de antigo provérbio hindu, “quando eu envolvimento é a própria experiência não sei quem eu sou, eu sirvo avocê, de comunicação (Amaral, 2006), ou quando eu sei quem eu sou, eu sou seja, da comunicação como encontro você”. (Peruzolo, 2006), da comunicação como rede, que, por sua vez, é a Envolver-se consigo, portanto, é própria experiência do humano responsabilizar-se por si, que é (Watzlawick, Bealvin & Jackson, 2002). também não-dualisticamente o outro. O envolvimento, portanto, é a É isto que nos ensina a crise experiência da linguagem (Maturana socioambiental: a necessidade de apud Magro, 2001) –enquanto aquela eliminar as impregnações, os resíduos, que conforma a vida (Feres & Jardim, as latências insustentáveis das palavras, 2007)–, da língua, do diálogo (Bohm, estas que são, vimos com Maturana, 2005), das literaturas,da cultura. Ou “nodos de redes de coordenação de seja, da experiência positivante a que ações, não representantes abstratos de se referem, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (em

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especial o Direito à Comunicação), o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Carta da Terra. Nesse sentido, o presente artigo pertence a uma linha de investigação que entende, com Terry Eagleton, que

comunicativa, uma vez que sua ação é definida pelos valores nos quais ele se referencia, consciente ou inconscientemente. Esta minha linha de investigação e ativismo social encontrou forte reação contrária, sobretudo durante os anos 1980 e ‘Com o deslanchar de uma nova 1990, talvez o ápice do pósnarrativa global do capitalismo, junto modernismo, e ainda encontra, por com a guerra ao terror, pode muito um lado porque a teoria cultural bem ser que o estilo de pensamento subestimou, negou ou abandonou as conhecido como pós-modernismo questões as quais me dedico, antes esteja agora [2003] se aproximando de delas terem sido resolvidas, e, por um fim. Foi, afinal, a teoria que nos outro lado por elas demandarem o assegurava que as grandes narrativas exercício da responsabilidade pessoal eram coisa do passado. Talvez sejamos sobre os próprios atos, vale dizer, a capazes de vê-lo, em retrospectiva, responsabilidade cidadã como uma das pequenas narrativas socioambiental em relação à sua que ele próprio tanto apreciava. Isso, prática lingüística, que se dá em seu no entanto, propõe à teoria cultural território mental (Ouriques, 2009), o um novo desafio. Se for para se lugar do fluxo dos estados mentais engajar numa ambiciosa história (pensamentos, afetos e percepções). global, tem que ter recursos próprios adequados, tão profundos e É ainda Eagleton (2005, p. 144) abrangentes quanto a situação que quem mostra de forma cristalina: defronta. Não se pode dar o luxo de continuar recontando as mesmas ‘Tem sido acanhada [a teoria narrativas de classe,raça e gênero, por cultural] com respeito à moralidade e mais indispensáveis que sejam esses à metafísica, embaraçada quando se temas. Precisa testar sua força, romper trata de amor, biologia, religião e a com uma ortodoxia bastante opressiva revolução, grandemente silenciosa e explorar novos tópicos, inclusive sobre o mal, reticente a respeito da aqueles perante os quais tem mostrado morte e do sofrimento, dogmática até agora […] uma timidez sobre essenciais, universais e excessiva’ (Eagleton, 2005, p.297). fundamentos, e superficial a respeito da verdade, objetividade e ação É exatamente no sentido desta desinteressada. Por qualquer contribuição que, desde os anos 1960, estimativa, essa é uma parcela da persisto em que a questão central da existência humana demasiado grande teoria social é a fonte de referência para ser frustada’. que o indivíduo utiliza para a decisão

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Cidadania sustentável implica assim em envolvimento com amor, biologia, religião, mal, morte, sofrimento, verdade, objetividade, ação desinteressada e revolução. Implica obrigatoriamente que se enfrentem essas questões para que a experiência de liberdade seja a mesma da experiência da vinculação social, como mostrei em outro lugar (Ouriques, 2006b, p. 30-1). Não é à toa, portanto, que o resultado do abandono das questões acima citadas, no vácuo relativista da pósmodernidade, tragicamente sincrônico à totalização pelo capital gerada pela ascensão do pensamento neoliberal, é a imensa crise socioambiental que vivemos. Trata-se então da urgência de avançar a desconstrução e a construção de conceitos que permitam a ação em rede coordenada e nãocapturada, ou seja, não-assujeitada. (…) O envolvimento é decisivo para que sejam possíveis instituições sociais“ordenadas de tal forma que a auto-doação [o outro nome das políticas públicas sociais e da responsabilidade socioambiental , digo eu] seja recíproca e irrestrita” (Eagleton, 2005, p. 285), de maneira a que não seja necessário o sacrifício, “no sentido abominável de alguns terem de renunciar à própria felicidade para o bem dos outros’ (ibidem).

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Como sabemos, na mentalidade positivista ainda dominante de

desenvolvimento, que é uma decisão patriarcal, linear e de graves conseqüências psíquicas, culturais, econômicas, políticas e sociais, tendem a desaparecer todos os saberes que não sejam referentes a ela mesma,e, de base, todos os saberes não-dualistas, não-binários, na medida em que o Ocidente é, nas palavras de Marcio T. d’Amaral, uma máquina de fazer dois. De fragmentar, de des-envolver, ou seja, de eliminar envolvimento com o outro, com a alteridade.” Não é à toa que criei em 2005 a metodologia Gestão da Mente, quando a Conferência Internacional do Instituto ETHOS solicitou-me responder porque o modelo Triple Bottom Line, o único modelo disponível no mundo desde 1992 e com o qual os três setores tentam instaurar ainda hoje Sustentabilidade e não conseguem…: http://is.gd/ g6DUVj Foi justamente por ter solucionado esta questão, criando o Quarto e Último Bottom Line, a Gestão da Mente Sustentável, aplicando no campo da Sustentabilidade o resultado de meus trabalhos sobre a relação entre Mente e Ação, que recebi cinco anos mais tarde o Prêmio de Melhor Acadêmico do Mundo, do Reputation Institute, NY: http://is.gd/tZdT0o É por essa e outras que a Psicopolítica da Teoria Social e sua metodologia, a Gestão da Mente, dedica-se integralmente à

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responsabilidade do sujeito em rede em relação ao fluxo de seus estados mentais, de maneira a superar o complexo de tradições presentes também na mentalidade hegemônica do Ocidente, como o fato de que depois de Platão os deuses politeístas foram incorporados ao desejo e ao corpo como inimigos do espírito, ou seja do pensamento (estabelecendo uma suposta irracionalidade dos desejos e desqualificando o pensamento, o próprio do humano), o que permitiu Thomas Hobbes cristalizar a mentalidade do homem como ‘lobo do outro’ e assim legitimar a criação de Estados com o monopólio da força, pois seríamos incapazes de superar os estados mentais da ignorância, ódio e ganância. Hoje vemos os movimentos sociais baterem quase sempre sem sucesso à porta do “Estado”, como se tal entidade metafísica existisse, enquanto o fascismo recrudesce de maneira sinistra no psiquismo e nas instituições. Pois a verdade é que o “Estado” é uma abstração. O que existe de fato são pessoas concretas -que estão convencidas de que são incapazes de se controlarem- ocupando em rede o que chamamos de “Estado”, o que chamamos de Corporação, e por aí afora. Sem qualquer envolvimento com a responsabilidade em relação aos seus estados mentais; e portanto em um mar de lama mental tóxica -um “desastre cultural” e não um “desastre ambiental” ou “desastre natural”.

Como demonstrei na 8a. Edição -2011/2- do Curso JPPS-Jornalismo de Políticas Públicas-ECO.UFRJ, convênio entre o NETCCON-Núcleo de Estudos Transdisciplinares de Psicopolítica e Consciência e a ANDIComunicação e Direitos, a partir, com a ajuda decisiva do amado Evandro Rocha, da tragédia na Região Serrana do Rio: http://is.gd/G3u668). Pois a palavra precisa ser viva. Não apenas instrumento pragmático de convencimento, atos de fala abstraídos de sua verdade. Como sublinha intensamente o amado Jacques Poulain, Presidente da Cátedra UNESCO de Filosofia das Culturas e das Instituições: “Todo ato de fala é um ato teórico”. Que se tenha portanto plena atenção, como nos ensinam os irmãos e irmãs budistas; pois a plena atenção, ou seja, a análise de discurso rigorosa -real time- não apenas do que os “outros” falam e expressam multidimensionalmente; mas do que pensamos, nos afeta, afetamos e percebemos, uma vez que esta é a condição obrigatória para a correta compreensão do que se está usando como slogan de si; do que se está falando; do que se está lendo e vendo. Pois o que se está vendo é o desastre cultural de uma mentalidade milenar. Um desastre de irracionalidade (http://is.gd/BS0lN9) epistemológica, teórica, metodológica e vivencial.

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