O desenCANTO DA MODERNIDADE: escatologia e biopolítica1 THE DISENCHANTMENT OF MODERNITY: eschatology and biopolitical

June 12, 2017 | Autor: J. Oliveira | Categoria: Pragmatics
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O desenCANTO DA MODERNIDADE:
escatologia e biopolítica

THE DISENCHANTMENT OF MODERNITY:
eschatology and biopolitical

Jair Antonio de Oliveira


Resumo: Este texto consiste em observações sobre o artigo "Comunicação e Sustentabilidade: uma questão estratégica- lições da RIO+20 de autoria de Iara Maria da Silva Moya. O breve relato está articulado a partir de dois eixos: primeiro, nossa não-competência em relação ao tema e, segundo, a leitura com um "olhar ironista" como propõe Rorty (1994). Nesta articulação, incorporamos também os pressupostos da Pragmática (Mey & Rajagopalan e da Desconstrução (Derrida) que reconhece no(s) texto(s), na tessitura, uma espécie de "oculto" que poderá levar anos para ser des-feito, des-velado. E a reconstituição, se um dia for possível, gerará, indefinidamente, outros "panos" que reservam sempre uma surpresa à anatomia da crítica ou a fisiologia de uma crítica que acreditaria dominar o jogo.

Palavras-Chave: Comunicação 1. Pragmática 2. Política 3.





O Fim do Mundo
Uma das idéias mais prejudiciais às ciências humanas e sociais é, sem dúvida, o desencanto com a modernidade. Adorno disse que não há mais como fazer poesia depois de Auschwitz e, passados mais de 50 anos do fim da segunda guerra mundial, o lixo, o luxo e o gás carbônico são agora os modeladores de uma nova metanarrativa cujo entorno é uma questão da vida ou morte, do fim do Mundo! Que performativo está associado à ideia de sustentabilidade? Uma prescrição, uma ameaça, uma promessa, um escândalo ou uma ruptura, pois: "(...) impõe um novo começo, refundar o pacto social entre os humanos e o pacto natural com a Mãe natureza e a Mãe Terra" (Boff, 2012, p. 15). De certa forma, a sustentabilidade aparenta ser uma nova religião e está permeada de promessas e ameaças: "o planeta tornou-se insustentável e [...] coloca em risco nosso futuro comum" (Boff, 2012, p. 69). Portanto é necessária uma nova relação com a Terra (Moya, p.11). A doutrina dessa nova religião em alguns momentos apela às regras do universalismo:

uma visão geral do universo, da Terra, da vida e do ser humano que serve de orientação para as pessoas e para as sociedades e que atende a uma necessidade humana por um sentido globalizador de tudo. (BOFF, 2012, p.77)

E em outras circunstâncias relativiza para um contexto específico: o "bem-viver andino" (sumak kawsay). Como toda doutrina, tem os seus dogmas: "conceito holístico e integrador do ser humano com seus pares; energia vital do universo" (Moya, p.11).
Moya (p.1) afirma que o mundo precisa de um paradigma que possibilite um novo entendimento da sustentabilidade e a compreensão do sentido estratégico que a comunicação aí assume. Não duvidamos dessa necessidade, no entanto, as propostas para a criação de um novo paradigma ainda estão vinculadas a um modo antigo de pensar o que é a linguagem! Se a linguagem assume um papel preponderante na criação da realidade e do próprio Sujeito, então a primeira coisa a ser alterada é a sua concepção. Depois, é preciso criar narrativas que rompam com os pressupostos filosóficos existentes e se elabore novas maneiras de se fazer política, isto é: não basta assumir uma posição política, mas é preciso criar novas formas de se fazer política, como dizia Foucault. Na trilha do politicamente correto, não basta simplesmente substituir as metáforas, como, por exemplo: "paradigma" por "cosmologia", "universal" pelo " holístico" e "solidariedade" no lugar de bondade, cooperação etc.
O que se observa é que certos autores, entre eles Boff, central para a argumentação de Moya, jamais será um indivíduo suficientemente historicista e nominalista para abandonar a ideia de que há crenças e desejos centrais relacionados com algo situado para além do tempo e do acaso. Segundo Boff (2012), a economia solidária aparece como uma alternativa à economia capitalista, pois o centro são as pessoas e a solidariedade. A solidariedade (o grifo é meu) no sentido proposto pelo ex-franciscano é uma forma particular, historicamente condicionada e certamente passageira de agir. Faz parte de um vocabulário que é preciso superar. Isso não nos coloca como hostis à solidariedade, mas em oposição ao modo como esse conceito é aceito normalmente. Na verdade, é preciso ver a solidariedade como algo a ser feito e não como algo a ser encontrado nas pessoas, como fato a-histórico.
Outro aspecto é o deslocamento do eixo do "eu para nós" (Boff, 2012, p.72), cujo pressuposto é a superação de um individualismo abjeto para um socialismo afetivo. Mas ambos os lados dessa dicotomia carregam riscos a serem considerados, ou seja: a opção não deve ser nem por uma autonomia que isola o indivíduo, tal qual a representação feita por Defoe de Robinson Crusoé; nem por um coletivo que apaga as diferenças, uma espécie de paraíso terrestre onde todos são iguais. Obviamente, há um lado positivo no resgate da responsabilidade ética pelo Outro e pela lógica da alteridade, tão cara ao pensamento de Lévinas, Buber e ao próprio pragmatismo. No entanto, costumamos dizer que o vocabulário da metafísica grega e da teologia judaica-cristã, que Heidegger denominava a tradição ontoteológica, servia aos propósitos de nossos ancestrais, porém, nós temos propósitos diferentes, para os quais outro vocabulário será mais adequado (Rorty, 1994, p.122).
A nova cosmologia, que Boff considera a base da sustentabilidade, parte de três pressupostos: um, o universo encontra-se em evolução e expansão (teoria do big-bang); dois, com base em Einstein, matéria é energia condensada e interativa; três, a partir da mecânica quântica, a matéria tem massa, energia e, também, "informação", resultante da interação permanente entre todos os seres (Moya, p. 12). Na realidade, não há uma acepção na qual qualquer uma dessas descrições (Teoria do Big-Bang, E=mc2 ou a Mecânica Quântica) seja uma representação correta do modo como o mundo é em si próprio. Como diz Rorty (1994, p.26): "o mundo não fala, só nós é que falamos". Com isso ele quer dizer que não só a linguagem, mas as descrições que fazemos do mundo também são criações humanas. Em outras palavras, a realidade não tem uma natureza intrínseca que se encontra diante de nós pronta para ser descoberta, esperando uma resposta que inevitavelmente vai nos levar ao reducionismo ou ao sucesso efêmero do expansionismo. O que desejamos ressaltar é que se trata de uma petição de princípio perguntar se uma teoria lida com a realidade ou com a aparência. Sim, quais são os melhores hábitos de ação para realizar nossas intenções.
Certamente, uma ferramenta mais útil para lidar com a ideia de sustentabilidade, ou com o fim do mundo, ou com as questões de vida e morte, não são as teorias que trabalham com relações matemáticas e lógicas; mas descrições que falam das pequenas coisas da realidade cotidiana, do senso comum. Pode-se dizer que preparar café pela manhã é realizar uma complexa operação de química e física, mas nem uma dessas ciências é capaz de traduzir por meio de uma equação o bem estar que o indivíduo sente ao provar a própria bebida. Uma "boa" ironia (não sei se há ironia má) para a Cosmologia de Boff é a história dos Laputianos, contada por Swift no livro "As Viagens de Gyuliver". Os Laputinanos transformavam tudo em linguagem lógica matemática, da beleza de uma mulher ao fatiar de um pão. Uma crítica extraordinária feita por Swift ao pensamento de Leibniz, o criador da linguagem da lógica.
Boff propõe uma definição integradora da sustentabilidade, que considera uma definição sistêmica, ecocêntrica e biocêntrica (Moya, p.12):
Sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais, físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando sua continuidade e ainda atender as necessidades da geração presente e das futuras, de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução e coevolução. (BOFF, 2012, p.107).

Mas não é possível esquecer como as diversas potências se apropriam dos conceitos em seu próprio favor e, numa perspectiva Biopolítica (campo que agrega e associa os setores da realidade relacionados à vida e à natureza), a ameaça da morte deu lugar à promessa da vida. Assim, as ligações dessas performances e performativos (que hoje disputam o campo político e econômico mundial) com as questões de sustentabilidade não serão superadas apenas com base nas mudanças propostas por Pèrez, Massoni, entre outros, que consideram uma nova matriz social para o século XXI com base na tríade: comunicação, estratégia e consenso (Moya, p.12).
Nas mudanças paradigmáticas propostas há algumas afirmações que precisam ser melhor contextualizadas, por exemplo:"(...) em um mundo complexo, não há mais espaço para o ator racional, é preciso ver o homem como um ser humano relacional, o homem em rede, que se auto-produz no âmbito das relações sociais" (Moya, p.13). Há um implícito nessa afirmação de que o "racional" tem um fundamento transcendental que lhe dá validade universal, independentemente do que fazemos como seres vivos! Como disse Maturana (1999, p.15), todo pensamento racional se constitui no operar com premissas previamente aceitas. "Dizer que a razão caracteriza o humano é um antolho porque nos deixa cego frente à emoção, que fica desvalorizada como algo que nega o racional" (Ib. p.15).
No que diz respeito ao novo paradigma organizacional (Moya, p. 13), uma questão relevante (além da mudança da concepção de linguagem) é, basicamente, investir em educação como um meio para tentar diminuir o "fosso" entre os detentores do capital e as pessoas mais pobres, pois é a relação custo x benefício que determina alterações no âmbito das políticas organizacionais. Qual é o grau de liberdade de escolha que o indivíduo comum dispõe na atualidade para impedir a globalização do capital e a desestabilização das economias por meio de um capital volátil? Como impedir que os ativos acumulados por meio de negócios ilícitos, que somam bilhões de dólares, ou que os negócios lícitos de governos não estejam a serviço de uma pequena minoria? Quando essas questões puderem ser tratadas efetivamente e não apenas no âmbito das promessas, então é possível pensar em um novo paradigma organizacional. Isto não quer dizer que todas as organizações estão comprometidas eticamente; mas as organizações que detém efetivo poder no mundo estão comprometidas com o capital. Mas não se deve perder a esperança, senão caímos no mesmo desencanto dos frankfurtianos. Uma educação linguística (Paulo Freire fez isso), que coloque ênfase no "uso", é um modo de levar os indivíduos a agir. Alguém pode dizer que os movimentos populares nos países árabes foi um tímido começo (embora o capital especulativo não tenha "arredado pé" da Líbia, da Tunísia ou do Egito), mas as pessoas iniciaram uma ação, "fazendo coisas com palavras", e é isso que dizia John Austin!
Moya (p.13) fala da comunicação como um "sistema" e agrega à discussão a metáfora "humanizadora". Derrida um dia falou que "temos tantas pragmáticas que o termo precisa ser desconstruído". Digo o mesmo para a "comunicação"! A pergunta correta (se é que existe uma) é/deve ser: "O que é comunicação?" ou "Como nos comunicamos"? Para a primeira questão temos uma resposta usual: "compartilhar, tornar comum". Para a segunda, não tenho a menor ideia! No momento em que escrevo este texto os quatro cães que tenho estão próximos e um deles está latindo. Ele está comunicando comigo? Ontem tive problemas com vírus em outro PC? Um vírus comunica? Foi uma interferência no sistema comunicacional da máquina? Ouço ruídos de uma máquina agrícola aqui perto..."ela" está comunicando alguma coisa?
Retorno ao texto da professora Moya que restringe a comunicação para uma relação com o Outro (humano), uma relação do Orgânico-Orgânico; mas, neste caso, como é a comunicação com a Mãe-Terra, um conceito do Princípio Biocêntrico (Boff, 2012), que considera o universo como um sistema vivente. Não são apenas os animais, as plantas ou o homem o reino da vida. Tudo o que existe, desde os neutrinos até os quazares, desde as rochas até os pensamentos mais sutis, forma parte de um fantástico ciclo biológico. O Princípio Biocêntrico recorda uma ingenuidade primitiva de todas as criaturas, expressa, por exemplo, no episódio do Lobo de Gúbio, na vida de São Francisco, ou a pregação aos peixes feito por Santo Antonio à foz de um rio na cidade italiana de Arimino (atual Rímini): "Ó peixes, meus irmãos, vinde vós ouvir a palavra do Senhor, já que os infiéis a menosprezam. E logo se juntaram diante do Santo tantos peixes, grandes e pequenos, como nunca por ali fora vista tamanha multidão (Vieira, 1997, p.120).
Se a comunicação é um "sistema' como afirma Moya, então é um "todo organizado" de acordo com as origens da palavra: o grego "sietemiun". Na correria do dia a dia, é bom parar e ouvir as falas a nossa volta para constatar o modo como as vozes estão (des)conectadas). Ionescu escreveu a peça a Cantora Careca como uma tragédia da linguagem, utilizando os diálogos estereotipados que encontrou na cartilha na qual estava aprendendo inglês. Percebeu que esses colóquios automáticos representavam muito bem o colapso de nossa vida diária. Continuamos a falar como se tivéssemos sido atacados por uma espécie de amnésia. Assim, Ionescu escreveu a sua antipeça na qual Smiths e os Martins falam, falam, falam.... (Macluhan,1977, p.18). John Austin (1911-1960) o idealizador da Teoria dos Atos de Fala Performativos disse que "às vezes, usamos a linguagem para não dizer nada".
Moya (p.14) chama a atenção para: "Daí a comunicação impor-se como uma estratégia vital, presente desde sempre na vida humana, em que o ser humano cria a si mesmo na linguagem, em processo de permanente devir". Entramos na política das identidades; lugar em que as nossas crenças encontram refúgio nas posturas que assumimos nos diferentes momentos da vida e lugar em que recorremos à estratégia de reivindicar essências num gesto que Spivak chama de "essencialismo estratégico" (Rajagopalan, 2005, p.76). Ainda conforme Rajagopalan: " (...) essencialismo estratégico é um gesto político, por conseguinte, eminentemente intervencionista". Esta questão pode ser útil para "limpar" o terreno de dicotomias, por exemplo: Comunicação x Estratégia presente no texto de Pérez (2012) e citado por Moya (p.14), ou seja: uma concepção de linguagem performativa não opera com base e/ou a partir de dicotomias, tão caras ao Estruturalismo, ao Funcionalismo etc. Opera a partir da noção de "uso". O uso de uma língua(gem) pode servir até para comunicar. Necessariamente a língua(gem) não é sinônimo de comunicação, mas um de seus usos possíveis (Wittgenstein). A "estratégia" é uma metáfora que pode ser livremente intercambiável em vários contextos (e nessas circunstâncias, como diz Austin, "nada diz"). Deve ser entendida como um "uso" e não como uma "palavra mágica" que carrega em si mesma as possibilidades de sua realização! Ao usar a língua(gem) em um contexto começo a fazer escolhas (e a criar o próprio contexto) e a fazer antecipações, conscientes e inconscientes (não no sentido psicanalítico), e "estratégia" é tudo aquilo que alguém quer chamar de estratégia!
O propósito desse argumento em torno do "uso" quer ressaltar o caráter eminentemente político de todos os usos da linguagem e, com isso, rejeitar a ideia de que a língua(gem) seja algo "natural" e com isto, também rejeitar a putativa distinção entre natureza e cultura. Como diz Rajagopalan (ib.p77): até mesmo a própria distinção natureza/cultura só poderia ser uma produção cultural, o gesto fundador da episteme no sentido em que Foucault popularizou e resignificou esse termo como sendo um arcabouço discursivo determinado temporal e culturalmente.
Para finalizar, se é que houve um começo, a proposta de esclarecer as relações entre comunicação e sustentabilidade com base na Rio + 20, proposta por Moya, precisa evitar as "generalizações" dos discursos das conferências:

Todos somos responsáveis pela situação de nosso planeta. Em um mundo em que a comunicação tem o poder de mudar realidades, é no espaço da comunicação que vamos ter de aprender a enfrentar os desafios globais. Na disseminação do conhecimento e na busca de soluções comuns. Na medida em que a estratégia é uma construção conjunta de sentido e de futuro, a comunicação é a estratégia possível para se redesenhar um futuro comum, nossa vida no planeta Terra (Moya, p.16).

E optar pela "redescrição" do debate atual superando a dicotomia "fim do mundo" (ameaça- escatologia) X sustentabilidade (promessa de vida - biopolítica), pois a questão principal não é apenas inverter os pólos da hierarquia estabelecida, mas desconstruir a hegemonia e a autoridade filosófica que legitima os discursos em ambos os lados.XXX

















Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal da Bahia, 04 a 07 de junho de 2013






Comentários ao trabalho apresentado pela pesquisadora Iara Maria da Silva Moya no Grupo de Trabalho em Comunicação em Contextos Organizacionais do XXII Encontro Anual da Compós, na Universidade Federal da Bahia, Salvador, de 04 a 07 de junho de 2013.
Professor na Universidade Federal do Paraná (UFPR), [email protected]

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