O Desenvolvimento da Imagem da Igreja como Corpo (místico) de Cristo: um estudo histórico-dogmático

June 2, 2017 | Autor: Silvio Roberto | Categoria: Teologia, Filosofía, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos
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Pe.Diac. SILVIO RODRIGUES ROBERTO, MIC

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O DESENVOLVIMENTO DA IMAGEM DE IGREJA COMO CORPO

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(MÍSTICO) DE CRISTO: UM ESTUDO HISTÓRICO-DOGMÁTICO

Trabalho de Síntese Teológica (Monografia) apresentado como requisito parcial para a obtenção do Bacharelado em Teologia no Studium Theologicum. Orientador: Pe. Jaime Sánchez Bosch, CMF

Curitiba, 2004

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“Concedei-nos, Senhor, sermos arrebatados por esse único grande ideal: trabalhar, suportar dificuldades e sofrimentos pela Igreja, preocupar-se de tal maneira com as questões da Igreja, a fim de que os sofrimentos, preocupações e feridas da Igreja se tornem nossos sofrimentos, preocupações e feridas do coração.”

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(Bem-Aventurado Jorge Matulaitis, Renovador da Congregação dos Padres Marianos)

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A Jesus, meu Senhor, que deu Sua vida por mim, fazendo-me partícipe de Seu Corpo que é a Igreja. À minha Congregação – Padres Marianos da Imaculada Conceição – que me possibilitou o estudo da teologia. Aos meus pais por me possibilitarem a vida “natural” e a vida da fé.

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INTRODUÇÃO................................................................................................................................ 5 Cap. I: FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA - CARTAS PAULINAS ................................................. 9 1. ETIMOLOGIA DA PALAVRA IGREJA ....................................................................................... 9 2. O CONCEITO DE IGREJA COMO CORPO DE CRISTO EM PAULO ............................................. 10 2.1. Metáforas.......................................................................................................................... 14 22. Desenvolvimento da Compreensão do Apóstolo................................................................16 3. RELAÇÃO DOS MEMBROS ENTRE SI NO CORPO DE CRISTO: A PRIMEIRA CARTA AOS CORÍNTIOS .................................................................................................................................. 17 3.1. A Influência Estóica ......................................................................................................... 17 3.2. Adentrando na Carta ........................................................................................................ 19 3.3. A Perícope 1Cor 12, 12ss ................................................................................................. 20 3.4. Sentido de Corpo de Cristo .............................................................................................. 21 3.5. Corpo de Cristo e Povo de Deus ...................................................................................... 23 3.6. Aspecto Parenético: Unidade/Solidariedade ................................................................... 25 4. A RELAÇÃO ENTRE OS MEMBROS E A CABEÇA: COLOSSENSES E EFÉSIOS ........................... 31 4.1. A Influência Gnóstica ....................................................................................................... 34 4.2. O Cristo Cabeça da Igreja ............................................................................................... 36 4.3. Uso metafórico? ............................................................................................................... 39 4.4. O Hino aos Colossenses ................................................................................................... 40 4.4.1.Imagem.......................................................................................................................... 41 4.4.2.Pleroma............................................................................................................................42 4.5. A Unidade ......................................................................................................................... 45

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Cap. II: A IMAGEM DA IGREJA COMO CORPO DE CRISTO NOS PADRES E NA ESCOLÁSTICA..............................................................................................................................47 1. BREVE CONTEXTO HISTÓRICO............................................................................................... 47 2. A IMAGEM DE IGREJA COMO CORPO DE CRISTO EM SANTO IRINEU..................................... 51 3. A IMAGEM DE IGREJA COMO CORPO DE CRISTO EM ORÍGENES ........................................... 54 4. A IMAGEM DE IGREJA COMO CORPO DE CRISTO EM SANTO AGOSTINHO ............................ 56 5. CORPUS ECLESIAE ................................................................................................................... 58 6. O CONCEITO DE CORPO DE CRISTO NA ESCOLA TEOLÓGICA DOMINICANA......................... 61 7. IGREJA COMO CORPO MÍSTICO DE CRISTO ........................................................................... 65 7.1. A Problemática do Sacerdócio Ministerial ...................................................................... 65 7.2 A relação Eucaristia-Igreja na Idade Média .................................................................... 67 7.3. A Validade da Imagem de Igreja como Corpo Místico de Cristo .................................... 69 Cap. III. A IGREJA COMO CORPO (MÍSTICO) DE CRISTO: DA REFORMA ATÉ O VATICANO II ............................................................................................................................... 73 1. A REFORMA PROTESTANTE .................................................................................................... 73 2. A REFORMA CATÓLICA .......................................................................................................... 75 3. RESGATE DA IMAGEM DE CORPO MÍSTICO PELA ESCOLA DE TUBINGA (SÉC. XIX) ............ 78 4. A IMAGEM DE IGREJA COMO CORPO MÍSTICO DE CRISTO NO VATICANO I ......................... 79 5. A IMAGEM NA MYSTICI CORPORIS CHRISTI ............................................................................ 82 5.1. Precedentes à Encíclica ................................................................................................... 82 5.2. Conteúdo da Encíclica ..................................................................................................... 86 6. A IMAGEM DE IGREJA COMO CORPO (MÍSTICO) DE CRISTO NO VATICANO II ..................... 90 6.1. Lumen Gentium 7 ............................................................................................................. 91 6.2. Pluralidade de Imagens .................................................................................................... 95 CONCLUSÃO................................................................................................................................ 98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................................... 103

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STUDIUM THEOLOGICUM AFiliado à Pontifícia Universidade Lateranense de Roma Agregado à Pontifícia Universidade Católica do Paraná

O DESENVOLVIMENTO DA IMAGEM DE IGREJA COMO CORPO (MÍSTICO) DE CRISTO: UM ESTUDO HISTÓRICO-DOGMÁTICO

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Curitiba, 2004

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Dc. SILVIO RODRIGUES ROBERTO, MIC

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O DESENVOLVIMENTO DA IMAGEM DE IGREJA COMO CORPO (MÍSTICO) DE CRISTO: UM ESTUDO HISTÓRICO-DOGMÁTICO

Trabalho de Síntese Teológica (Monografia) apresentado como requisito ao complemento do Curso de Bacharelado em Teologia. Orientador: Pe. Jaime Sánchez Bosch, CMF

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Curitiba, 2004

“Concedei-nos, Senhor, sermos arrebatados por esse único grande ideal: trabalhar, suportar dificuldades e sofrimentos pela Igreja, preocupar-se de tal maneira com as questões da Igreja, a

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fim de que os sofrimentos, preocupações e feridas da Igreja se tornem nossos sofrimentos, preocupações e feridas do coração.” (Bem-Aventurado Jorge Matulaitis, Renovador da Congregação dos Padres Marianos) Formatado

INTRODUÇÃO

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No dia 21 de novembro deste ano a Constituição Dogmática Lumen Gentium estará

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completando quatro décadas de aprovação. É, sem dúvida, um documento chave para quem quer se lançarce em uma tentativa de melhor compreender a Igreja;, isto porque a Lumen Gentium representaexpressa uma eloqüente “definição” que a Igreja faz de si mesma. Em sua tentativa de diálogo com o mundo, a Igreja não se fecha em definições cristalizadas, mas busca faz usofazer uso de imagens e metáforas que a expressem. Desde suas raízes bíblicas, a imagem de Igreja como Corpo de Cristo é uma das que melhor realizam este papel de expor o mistério que é a Igreja. Rastrear o seu desenvolvimento históricodogmático ao longo de dois mil anos de história leva não somente à compreensão desta mesma imagem, mas a de outras, que necessariamente a complementam e por ela são complementadas e,. pPor conseguinte, à compreensão da própria Igreja (compreensão esta entendida segundo uma teologia de característica apofática). Sabe-se que uma boa fundamentação eclesiológica pode ser de vital importância para a própria vivência da fé. De fato, a fé se dá em meio à história humana e às estruturas inerente à condição humana. Entende-se que a eclesiologia não é a fonte da cristologia, pneumatologia e outras disciplinas afins, porquanto delas brota; todavia, uma eclesiologia bem elaborada facilita a compreensão das primeiras. Um problema que surge para uma pesquisa assim proposta é o da amplidão do tema. Isso devido tanto ao tempo abarcado (dois mil anos), bem como ao material produzido ao longo do mesmo. Devido a isso, alguns critérios foram usados como pressupostos: a atenção ao aspecto dogmático de tal imagem, os momentos fortes em que esta foi motivo de reflexão mais sistemática e a sua utilização pelas figuras mais expressivas em determinadas épocas. Assim fazendo, dois objetivos são perseguidos ao longo do trabalho: a própria compreensão da imagem Corpo de Cristo, que se dá no desenvolvimento da mesma nos diversos períodos históricos, e, a partir deste objetivo, a possibilidade de se melhor entender o

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período atual da Igreja (uma vez que o estudo da imagem leva necessariamente ao estudo da Igreja). Uma vez que a base para a compreensão da Igreja como Corpo de Cristo está nas cartas paulinas, todo o capítulo primeiro será devotado à fundamentação bíblica. Serão distinguidas as principais perícopes referentes a tal imagem e as respectivas cartas nas quais se encontram. Haverá uma busca do porquê do surgimento de tal imagem, o uso que dela foi feito e as compreensões por ela suscitadasque ela suscita. Em uma segunda etapa, a atenção se voltará à compreensão de Igreja como Corpo de Cristo nos Padres (delimitando-se, é claro, a alguns que mais fizeram uso de tal imagem, bem como à sua influênciao seu legadoa à teologia). Ainda neste capítulo ponto também será analisada a contribuição da Escolásticaa. Os Padres e a Escolástica apresentam dois métodos hermenêuticos que se contrastam, mas respondem ao seus respectivos sitz in lebencontextos

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históricos e aos problemas dogmáticos e pastorais neles presentes. Por fim, a atenção se voltará aos eventos da conturbado período da Idade Moderna e Contemporânea. Estes serão analisados em um mesmo capítulo devido àquilo que os caracteriza: Período marcado pela a contestação ao universo católico, tanto por parte de crentes (Reforma) como do Estado laico (iluminismo). Tais contestações surtirão como efeito uma tentativa de sistematização da Igreja sobre si, marcada por estagnações e avanços e que se traduzirão em; período de resposta a tais contestações por parte da Igreja que se traduz em três grandes Concílios (Trento, Vaticano I e Vaticano II). Deste contexto surgirá também uma Encíclica indispensável à compreensão do tema proposto: Mystici Corporis Christi. Como dito, espera-se que ao final de tão longa caminhada pela história da Igreja, tendo como fio condutor a dogmática em torno da imagem Corpo de Cristo, seja possível chegar-se a uma visão abrangente e inclusiva desta imagem, o que comporta necessariamente uma melhor compreensão das demais imagens que tentam exprimir, segundo aquilo que lhes é

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próprio como imagem, o mistério da Igreja. A pesquisa também buscará ter o mérito de apontar perspectivas e caminhos para o período pós-concílio no qual estamos inseridos.Tudo isso sem perder de vista o tema proposto.

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Cap. I: FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA -: CARTAS PAULINAS

1.1.1. EEtimologiaTMOLOGIA dda Ppalavra Iigreja

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O termo grego é a tradução usada pela LXX por quase 100 vezes para traduzir o hebraico qahal que, por sua vez, apresenta dois sentidos: “aviso de convocação” e

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“assembléia reunida”. Qahal expressa o encontro de pessoas para diferentes fins (militar, civil

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e até para objetivos dolosos; cf. Sl 26,5). O termo começa a ser usado no sentido mais especificamente religioso no século VII a.C. com a fórmula “o dia da assembléia” (cf. Dt 4,10; 9,10;10,4;18,16). Outro termo usado pela LXX é Ao contrário de este não será usado pelo NT como referência à Igreja nascente. Nas poucas vezes que é usado pelo NT, se refere tão somente à assembléia dos judeus; assim fazendo, delimita a diferença desta para a assembléia cristã. Em ambiente helenístico, a palavra se referia às assembléias sociais, políticas e familiares gregas. “... ekklesia, séculos antes da Tradição dos LXX e dos tempos do

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NT, era claramente caracterizada como fenômeno político que se repetia conforme certas regras, e dentro de certos arcabouços.”1 “Of the 112 appearances of ecclesia in the NT, 90 per cent are found in Paul’s letters, the book of Acts, and Revelation.”2 No Novo Testamento, o termo não traz o sentido de lugar físico restrito (cf. 1Cor 1,2), sendo também complementado com usado no sentido de lar, família (cf. 1Cor 1,16; 16,15; 2Tm 1,16; 4,19). Por um lado a significa convocação (por parte de Deus, se subentende) 4; de outro congregação (a Igreja em si). No NT o termo é usado para indicar claramente a união com um propósito particular, que é religioso (geralmente envolvendo oração e instrução, segundo uma convocação feita pelo próprio Deus).

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“The ecclesia belongs to God because he has called it into being, dwells within it, and realizes his purpose through it. Whether reffered to in the singular or the plural, the entire covenant community is considered a single unity because it has been gathered or summoned by the one God.”5

1

BROWN, Colin. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do NT, vol. II, E-J, São Paulo: Edições Vida Nova, 1982, p. 394. 2 BUTTRICK, George. (Ed.). The Interpreter’s Dictionary of the Bible: Ann Ilustrated Encyclopedia. Nashville: Abingdon, 1980, p. 608. 3 O termo como tal, tem este sentido, enquanto que assume o sentido da casa em si; todavia depois da LXX são usados como sinônimos. Cf. Brown, op. cit., Vol. I:A-D, pp. 365ss; VV.AA. Dicionário Vine: O significado exegético e expositivo das palavras do Antigo e do Novo Testamento. 3. ed. Rio: CPAD, 2003. 4 “Ecclesia means she who is ‘called out’, and the beginning of this call was the choice of Israel to be a ‘kingdom of priests and a holy nation’; its supreme flower became the Mother of the incarnate So n who, benief the Cross, bequeathed this Mother to his new ‘Israel of God’ (Gal 6:16) as an archetypal model;” in: BALTHASAR, Hans Urs Von. Credo. Meditation on the Apostles’ creed, New York: Crossroad, 1990, p. 83. 5 G. Buttrick, The interpreters..., p. 608.

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No NT o termo está também carregado de sentido escatológico: a fundação da Igreja está em Cristo, que é o Messias prometido e que está convocando seu povo. Tal compreensão do termo é também resultado da compreensão de Igreja como Corpo de Cristo, o que a caracteriza como algo novo.6 Quanto ao uso nas cartas paulinas, “...ekklêsia se refirió en un primer momento a la comunidad local, y sólo más tarde, en los escritos deuteropaulinos dirigidos a los colosenses y a los efesios, se usó la palabra referida a la Iglesia universal.”7

1.2.2. Oo Cconceito de Iigreja como Ccorpo de Ccristo em Ppaulo

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O conceito Igreja em Paulo

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O termo Igreja é muito usado em Paulo e, como veremos, com evolução conceitual do mesmo. Um dos conceitos para melhor designar a Igreja é o de ‘povo de Deus’. Em Paulo, todavia, este não é freqüente, tanto que só aparece em Rm 9,25 e 2Cor 6,16, passagens nas

C.O’Donnell, S. Pié-Ninot. Diccionario de Eclesiología: Diccionarios San Pablo, Madrid: San Pablo, 1996, p. 399. 7 Ibidem. 6

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quais ele cita o AT. Isto se explica. “Para ele o conceito não abrange, como tal, de modo bastante preciso, aquilo que a Igreja realmente é.”8 Daí que Paulo optou pelo termo com base no kahal judaico, termo que

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designa o conjunto da comunidade de Israel (cf. Dt 11,30; 1Cr 13,2.4; 28,2.8; Sl 22,23.26; 26,5.12) e que, por fim, se expressará em Paulo tanto como (cf. 1Cor 1,2;

10,32;

11,16.22;

15,9;

Gl

1,13;

1Tes

2,14;

2Tes

1,4)

como

também

(cf. Rm 16,16). Assim fazendo, Paulo mantém a continuidade das promessas, mantendo a unidade da Igreja como o povo de Israel e, ao mesmo tempo, mostra que a Igreja é o cumprimento das mesmas,

pois

ela

é

“a

Igreja

(cf.

de 1Tes

Deus 2,14;

em Gl

Cristo 1,22),

um

Jesus” povo

escatológico. Por Paulo compreende tanto a comunidade local, que está espalhada pelo mundo (cf. Rm 16,1.16.23; 1Cor 4,17; 6,4) e que também é comunidade domiciliar (cf. Rm 16,5; 1Cor 16,19b; Cl 4,15; Fm 2), bem como a comunidade Universal (cf. 1Cor 10,32; 11,22; 12,28; 15,9; Gl 1,13; Fl 3,6). Com o Vaticano II houve um afloramento do debate entre Igreja local e Universal. Em Paulo há profunda harmonia destes conceitos, de modo que a Igreja “é, em princípio, uma Igreja-Mundo, e esteve cônscia disso desde o início, quando nada disso não estava ainda realizado. Mas ela é isto na comunidade concreta e nas comunidades concretas dos fiéis batizados em Cristo.”9  Paulo se converteu a Cristo e assim passou a fazer parte da sua Igreja no ano 39; até então, a Igreja já dá seus primeiros passos, principalmente em Jerusalém. Desta Igreja mãe Paulo irá receber a noção que a Igreja primitiva já tinha de si mesma, ou seja, de ser uma

8

SCHLIER, Heinrich. A Eclesiologia do Novo Testamento. In: FEINER, Johannes.; LOEHRER, Magnus. Compêndio de Dogmática Histórico-salvífica: Mysterium Salutis, vol. IV/1, Petrópolis: Vozes, 1975, p. 126. 9 Ibidem, p. 132.

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comunidade messiânica cujos alicerces estão nos Apóstolos e que pertence a Deus, tendo Jesus como seu supremo pastor e Senhor.10 O respeito e a importância da Igreja de Jerusalém, símbolo de autoridade e ortodoxia, são grandes para Paulo, ainda que uma leitura superficial de suas intrigas com os judaizantes pudesse dizer o contrário. Tal importância se motiva pela necessidade da unidade que o apóstolo tanto busca. Exemplo de tal busca está na coleta feita para a Igreja de Jerusalém, além da motivação de pôr em prática o ágape cristão (cf. 2Cor 9,12ss).

Avere realizzato questo piano per la colletta, è forse il piú felice tratto di genio della sua carriera. Gerusalemme vi acquistava un impero religioso e la cristianità dei gentili, insieme alla sua unità, salvava il suo collegamento vivo con il centro del monoteismo e della purità dei costumi.11

Em suas Igrejas, Paulo confirmará pessoas à frente de diferentes funções, segundo o carisma próprio de cada um. “E aqueles que Deus estabeleceu na Igreja são, em primeiro lugar, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, doutores...” (1Cor 12,28).

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Sendo Senhor, Jesus é digno de culto, feito este progressivo no NT; de início a oração é dirigida diretamente a Deus Pai; em Fl 2,6-11, todavia, bem como nos vários hinos encontrados no Apocalipse, há referência direta da oração a Jesus. Mesmo quando o louvor é feito na terceira pessoa (Fl 2,5-11; Cl 1,15-20; 1Tm 3,16; 2Tm 2,11s) o objetivo é o mesmo, pois este era o modo antigo de fazer a identificação desta com a segunda pessoa. “Se portanto não é certo dizer que os primeiros cristãos recusavam ao Cristo um culto de adoração, reconheceremos que eles não faziam do Cristo uma divindade em si mesma. Senhor, o Cristo o era certamente aos olhos deles e como aos nosso, mas seu próprio senhorio é um dom do Pai, para o qual se eleva ‘toda honrar e toda glória’ por intermédio do ‘Filho bem-amado’”. In: LEGASSE, Simon. A epístola aos filipenses e a epístola a Filêmon, col. Cadernos Bíblicos, São Paulo: Paulinas, 1984, p. 44. 11 CERFAUX, Lucien. La Teologia della Chiesa secondo san Paolo, Roma: Editrice A.V.E., 1968, p. 264.

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Nas cartas do cativeiro salta mais claramente aos olhos a organização hierárquica12 das Igrejas. É inevitável, ao ver tal organização, que Paulo não tenha se espelhado na organização nacional e local do povo judeu, bem como na tão eficiente organização romana, sem que se negue negarmos, é óbvio, a própria condução que o Espírito fazia da Igreja. Paulo caracteriza a Igreja também como comunidade messiânica à caminho, ou seja, no deserto, anti-tipo da comunidade judia que estava no êxodo. Aliás, a tipologia é vasta dentro de sua compreensão: a Eucaristia (anti-tipo do maná), o próprio Jesus (anti-tipo de Moisés e da pedra de Meriba; cf. 1Cor 10,2-4). Há também certo anti-tipo de Jesus com a figura de Abraão, cujos descendentes são os herdeiros da promessa divina. Jesus é o herdeiro por excelência e, por pertencerem a ele, também se tornam herdeiros os novos filhos de Abraão.13 Assim fazendo, Paulo universaliza a noção de Igreja por meio de uma categoria muito cara ao apóstolo que é a santidade (“pois Deus não nos chamou para a impureza, mas sim para a santidade”. 1Ts 4,8); categoria esta que abre a mensagem evangélica a todos, independente da raça. A Igreja é para Paulo o lugar onde o cristão se apropria das graças do corpo de Cristo (redenção, santificação). Concomitantemente, nela os cristãos nascem pelo batismo, participam do corpo eucarístico de Cristo e são assim atingidos por sua vida divina. De fato, este grande tema que é a Igreja terá em Paulo complemento com o tema Corpo de Cristo e vice-versa. A definição de Igreja como Corpo de Cristo é de longe mais forte em Paulo do que

12

Este é um dos motivos pelos quais alguns rejeitam a autoria paulina de algumas destas cartas; há de se pensar, no entanto, na datação destas quanto às grandes cartas, que é mais tardia, e, portanto, na presumível evolução do pensamento do Apóstolo. 13 Os teólogos nos fazem notar que o paralelo Adão-Cristo, tão caro a Paulo (Rm 5,10-2; 1Cor 15,21s.44-49; Ef 4,22-24; Cl 3,9-10) e desenvolvido mais tarde pelos Padres (principalmente Irineu), não entra neste campo eclesiológico, mas sim na questão da justiça, da ressurreição e da vida nova. Isto se dá porque é com Abraão que se dá o início da formação de um povo, que será levado a termo com Moisés e a saída do Egito. O paralelo com Adão, de outra parte, trata mais da natureza do cristão e não da natureza da comunidade deste (a Igreja) como o faz os anteriores. Tal paralelo, no entanto, poderia ser melhor aplicado à imagem de Igreja como esposa de Cristo, também do interesse de Paulo (2Cor 11,1-6; Ef 5,22ss) e também desenvolvida pelos Padres e com atualidade, mas que ultrapassa escapa ao nosso interesseos objetivos do presente trabalho.

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em qualquer outro texto primitivo, sendo que se encontram algumas pinceladas do mesmo em textos litúrgicos. “é o seu conceito específico para Igreja [...] Em 1Cor e Rm ainda não o tem desenvolvido. É só em Cl e Ef que o mesmo está à disposição em toda a sua plenitude e domina os enunciados sobre a Igreja.”14 Como veremos ainda será visto com mais detalhes à frente, o que levou a tal teologia, que co-relaciona estes dois temas (corpo [de Cristo] e Igreja) foi a necessidade do apóstolo de dar resposta a um problema concreto da comunidade, não tendo sido fruto de pura investigação teológica15. Esse problema concreto ao qual nos referimos se faz referência, e que foi tratado pelo apóstolo, é o da unidade, tanto dentro da comunidade de Corinto quanto da Igreja Universal. No caso específico de Corinto, o que põe em perigo esta unidade são os carismas que abundam na comunidade, ou melhor, o mal uso que é feito dos mesmos. Diante do péssimo exemplo, a contestação de Paulo é de que embora estes sejam importantes e sirvam para a edificação da mesma comunidade, a fonte última da unidade não está nestes, mas na ceia do Senhor (1Cor 10,16), no batismo (1Cor 12,13) e na caridade (1Cor 13). O início dos dons para a Igreja está em Pentecostes 16, sendo que estes estão intimamente ligados, enquanto carismas, segundo o que se apreendemos dos Atos dos Apóstolos, ao batismo, que, como será vistoveremos, torna o cristão membro da Igreja e identificado ao seu corpo. Tendo tal fonte, os carismas se destinam ao bem da comunidade pela fé em Cristo (“Jesus é o Senhor”).

14

H. Schlier, A Eclesiologia..., in: J. Feiner; M. Loehrer. Mysterium Salutis, IV/1, p. 129. É sabido que Paulo jamais fez uma teologia “abstrata”, pois o que lhe compete é, antes de mais nada, a necessidade de anunciar a Boa-Nova, o que lhe exigirá também a correção fraterna. “O sistema teológico de Paulo, como Wrebe escreveu, é inseparável de sua religião. Sua teologia é sua religião.” In: Cerfaux, Lucien. Cristo na teologia de Paulo, Paulus: Teológica, 2003, p. 407. 16 Ibidem, p. 279. 15

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O serviço prestado à Igreja pelos carismáticos é o da “‘edificação’ da comunidade na vida do ‘corpo de Cristo’. Aqui, ainda, é a fórmula ‘corpo de Cristo’, que se manifesta como símbolo da unidade da Igreja.”17 Sobre o ponto da participação na Eeucaristia (ceia do Senhor), Paulo não nega que a participação em sacrifícios rituais é fonte de comunhão com os ídolos; antes, ele reafirma este ponto para, a partir daí, concluir que também os cristãos têm comunhão com Cristo por meio de um sacrifício e, mais precisamente, da forma concreta deste, que é a Eucaristia. Nas cartas do Ccativeiro (Ef, Cl, Fl, Fm) a problemática da unidade se repete. Todavia, sob nova ótica. A igreja não é a que está em Corinto, na Galácia ou qualquer outro lugar em particular, mas é a Igreja Universal e que agora se personifica. Esta Igreja, que é o Corpo de Cristo, é uma Igreja celeste, pois se identifica com o corpo glorioso do ressuscitado.

Do mesmo modo que o tema da Igreja-esposa de Cristo esboçado na segunda Epístola aos Coríntios (11,2s) desabrocha na Epistola aos efésios e aplica-se à Igreja universal e celeste, assim o tema do corpo de Cristo. Nas grandes epístolas, refere-se a uma comunidade particular e de maneira muito concreta. Nas epístolas do cativeiro, a noção de Igreja universal é mais abstrata e personifica-se; o tema do corpo de Cristo se transpõe para as realidades celestes: a Igreja (celeste) é o corpo de Cristo ressuscitado, glorioso, pléroma da divindade. 18

2.1. Mmetáforas

17

Ibidem. p. 280.

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Além do que foi dito até aqui, a iImagem de Igreja como Corpo de Cristo, objeto direto de nosso estudo, está ligado a outras concepções menores; metáforas usadas tanto no AT como no NT (por vezes se faz a distinção entre esta imagem – que seria uma “metáfora maior” ou de primeiro grau – com outras imagens como as de edifício, planta e outras, caracterizando-as como “metáforas menores” ou de segundo grau).19 Uma das metáforas mais próximas é a de edifício. Paulo usa o conceito metafórico de edifício (imagem clara às comunidades de origem helênica) para determinar a Igreja como “edifício de Deus” 20:

...Vós sois a seara de Deus, o edifício de Deus. Segundo a graça que Deus me deu, como bom arquiteto, lancei o fundamento: outro constrói por cima. Mas cada um veja como constrói. Quanto ao fundamento, ninguém pode colocar outro diverso do que foi posto: Jesus Cristo. Se alguém sobre esse fundamento constrói com ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno ou palha, a obra de cada um será posta em evidência. O Dia torná-la-á conhecida, pois ele se manifestará pelo fogo e o fogo provará o que vale a obra de cada um (1Cor 3,9b-13).21.

Importa aqui para nós a ligação de tal metáfora com a imagem de Corpo de Cristo. Tal ligação se dá, lingüisticamente, por meio do uso do verbo “edificar” (1Ts 5,11; 1Cor 3,10.12; Ef 2,20; Cl 2,7; 1Pd 2,5) indicando simultaneamente o crescimento extensivo da Igreja pela incorporação de novos membros (como as pedras que se juntam a

18

Ibidem, p. 277. BOVER, J.M. Teologia de San Pablo, Madrid: B.A.C., 1946, p. 621. 20 Tal como a mesma idéia paulina, Pedro também usa esta metáfora (1Pd 2,4-8); em ambos, e mais precisamente neste último, a figura da pedra ocupa o lugar de homem. Como é sabido, o Pastor de Hermas faz longo uso desta metáfora. 19

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uma construção) como também o seu crescimento intensivo, que se dá pelo progresso na fé e na caridade, visando alcançar “a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13). Ora, tal crescimento interno e externo, como veremos será visto mais à frente, é característica de um corpo. Todo o desenvolvimento, quer tenha-se como ponto de partida tomemos a metáfora do edifício, quer já entremos se entre na imagem de Corpo de Cristo, se dará tanto pela ação divina direta (efusão do Espírito por parte de Cristo), quanto por meio da ação humana. Como vimosfoi visto, principalmente na primeira Carta aos Coríntios, os carismas são dados em vista da edificação, ou melhor, do crescimento do corpo – ação do Espírito – e, em contrapartida, esperam pela abertura do indivíduo ao seu frutuoso uso – ação humana. Paulo também fala de “Igreja de Deus” (At 20,28Ts 2,14; 2Ts 1,4; 1Cor 1,2; 10,32), referindo-se na maioria das vezes à comunidade de Jerusalém. O contexto para entender tal afirmação é o de uma comunidade cúltica, pois é fundada sobre os Apóstolos (Ef 2,19s) que ocupam, por força do Espírito Santo (At 2,1-14), o lugar dos patriarcas sobre os quais – representantes do povo na aliança com Deus - estava outrora formado o povo de Deus. Cristo é a cabeça deste corpo e centro desta Igreja. Uma vez unidos à Cabeça, que é Santa, os membros podem ser chamados de santos (1Cor 1,2; Rm 1,7).

2.2. Ddesenvolvimento da Ccompreensão do Aapóstolo

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21

No início desta mesma perícope o Apóstolo usa também a metáfora da plantação, para daí entrar nesta da qual tratamos (Cf. 1Cor. 3,5-9b).

222

Adentrando mais no específico do Corpo de Cristo, podemos pode-se perceber duas dentro do mesmo tema na teologia paulina: Ora o Apóstolo das gentes fala de Corpo de Cristo dando ênfase à união dos membros entre si, que se faz tal por meio Daquele que os une; ora ele o faz se referindo à relação mais explícita dos membros como um todo com a Cabeça. Para alguns, ambas as linhas de pensamento partem da visão cósmica do homem segundo o contexto histórico-filosófico no qual está inserido o autor: estoicismo e gnosticismo. Para outros, a relação dos membros como um todo com a Cabeça não é paulina, mas uma teologia posterior. Para outros, ainda, o fato se explica por ter Paulo falado em épocas diferentes (o que supõe um desenvolvimento teológico) bem como por se dirigir a realidades diferentes. Procuraremos O enfoque proposto para este capítulo é nos adentrar nestas duas formas de compreensão de Igreja como Corpo de Cristo (relação dos membros entre si e da Igreja com Cristo), uma vez que estas terão grande importância no desenvolvimento da Igreja, desde suporte para sua mística até base para a compreensão que a Igreja tem de si.

34. A) Rrelação dos Mmembros entre si ne o Ccorpo de Ccristo: a Pprimeira Ccarta aos

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34.1. Aa Iinfluência Eestóica

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Antes mesmo de entrarmos se adentrar diretamente no texto Paulino, havemos de há de se considerar o ambiente cultural das comunidades às quais foram dirigidas as grandes cartas paulinasdo Apóstolo; ambiente este com o qual o apóstolo ele estava familiarizado. Tal ambiente, estava marcado por correntes filosóficas que, por sua vez, buscavam compreender a realidade a partir de categorias conceituais e/ou por meio de imagens.. O estoicismo, corrente filosófica grega, é tida por muitos autores como influente na teologia paulina22, principalmente em se tratando do tema da Igreja na grandes cartas (Romanos e 1 e 2 Coríntios). Tal escola filosófica se divide em três períodos: o estoicismo antigo, fundado por Zenon de Cicio (336-264 a.C.), que tinha absorvido características cínicas na área da política e moral; o estoicismo médio (século II a.C.), com interesse intelectuais e tendências sincretistas e panteístas cujas “...ideas influyeron grandemente sobre el mundo intelectual e político romano, (...) constituyendo el fundamento de las creencias políticas y de la acción moral de no pocos estadistas de Roma a partir del siglo I antes de J.C.”23 Por fim, há os novos estóicos ou estóicos romanos (século I a.C.), cujas principais figuras são Sêneca e o imperador Marco Aurélio. Tal ramo prima pela índole moral e religiosa. Quanto ao mundo, sua concepção é de um mundo totalmente corporal, rodeado pelo vazio, que por sua vez está cheio do pneuma.

...propriedad fundamental del pneuma es la tensión (VÉASE), por meédio de la cual tiene lugar la cohesión, de la materia (...) El universo es unn 22

De modo geral, a escola alemã tende a enfatizar tal influência, enquanto que a escola francesa e italiana tende a minimizar a influência da cultura helênica sobre Paulo. 23 MORA, José Ferrater. Diccionario de Filosofia, E-J, Madrid: Alianza Diccionarios, 1990, p. 1037.

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compuesto de elementos reales y racionales –logoi-; sus diversas partes se mantienem unidas gracias a la tensióon producida por el alma universal que todo lo penetra y vivifica.24

A compreensão desta filosofia nos ajuda a entender o contexto das grandes cartas de Paulo. Possivelmente, foi do apologista Menenio Agripa25 que surgiu a base estóica para a comparação desenvolvida por Paulo de que cada membro da comunidade é membro do Corpo de Cristo. Menenio afirmava a solidariedade da classe social e a aplicava como comparação de um corpo tanto para uma sociedade, um exército e outras organizações. O estoicismo buscou “...comprender y explicar la sociedad, y sobre todo el Estado, mediante la imagem de un cuerpo orgánico y com variedad de miembros...”.26. Transportando tal hermenêutica para sua eclesiologia, Paulo visa mostrar que os cristãos formam “um só corpo em Cristo” (Rm 12,5), ao mesmo tempo que são membros de tal corpo como indivíduos; o acento da “fórmula empregada salienta menos a identificação de todos os cristãos com Cristo (1Cor 12,27) do que a sua dependência mútua.”27 Ainda que faça uso, portanto, do método estóico de entender a sociedade, aplicando-o à Igreja, diferente destes, Paulo “... enseña que es Dios (y no la naturaleza) que ortoga libremente (y sin ninguna necessidad) los diferentes dones, y que el hombre se convierte en miembro de esse cuerpo por su personal y libre relación con Cristo, mediante la fe, el amor y el bautismo”28 (Rm 6, 2-12; 13,14a; Gl 3,27).

24

Ibidem. Cônsul romano em 530 a.C que, graças a sua persuasão expressa em “os membros e o estômago” foi capaz de reconciliar a plebe e o Senado. 26 AUER, J.; RATZINGER, J. Curso de Teologia Dogmática: La Iglesia. Tomo VIII, Barcelona: Herder, 1986, p. 62. 27 Bíblia de Jerusalém, Rm 12,5, nota “s”. 28 A. Auer, La Iglesia, p. 62. 25

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34.2. Adentrando na Carta

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Como dito, Paullo faz uso de tal visão de modo especial nas suas Ggrandes Ccartas: – Romanos, 1 e 2 Coríntios e Gálatas. Tomamos a Primeira Carta aos Coríntios como compêndio do pensamento inicial de Paulo em relação à Igreja, a saber, a relação dos membros entre si, que formam o corpo de Cristo. Nesta carta já se encontram delimitados os temas principais: a união dos membros entre si, o porquê desta união, o objetivo desta união, o sentido dos carismas, etc. Um primeiro ponto para se colocar a questão seria a respeito da paternidade da carta. Respondemos que, quanto à autoria, “incontestavelmente Paulo é seu autor”.29 O contexto da carta é o de uma comunidade entre os gentios que vivem intensamente os carismas, mas que se encontra dividida em partidos (provavelmente por seguirem o costume gentílico de identificar os evangelizadores como filósofos, portadores cada qual de sua verdade, e, portanto, dignos de serem seguidos por si mesmos). A carta é uma resposta de Paulo ao que lhe foi dito pelos “da Casa de Cloé” (cf. 1Cor 1,11), escrita enquanto o Apóstolo estava em Éfeso. Paulo recrimina as divisões e insiste na comunhão fraterna, que se baseia na caridade e na singularidade da Pessoa de Cristo. Nenhum

29

CARREZ, Maurice. Primeira Epístola aos Coríntios, Col. Cadernos Bíblicos-56, São Paulo: Paulinas, 1993, p. 7.

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dos pregadores é a última verdade a ser seguida, pois são só anunciadores da Pessoa de Cristo Jesus.

34.3. A Perícope 1Cor 12, 12ss30

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O fato de Paulo ir além do modo de entender estóico leva-nos a perceber que embora a influência estóica seja aceita pela grande maioria dos estudiosos, ela por si só não basta. Torna-o mais evidente ainda a afirmação paulina que se baseia em um sacramento, no caso o batismo:

Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim também acontece com Cristo. Pois fomos todos batizados num só Espírito para ser um só corpo... (1Cor 12,12s).

Há controvérsia sobre se nesta perícope Paulo já está dando a Cristo o sentido coletivo de Igreja,31, uma vez que, como veremos, tal equiparação ficará mais forte nas cartas do cativeiro (se assim fosse, seria o único lugar nesta carta onde tal sentido aconteceria).

30

Pela necessidade de sermos sintéticossintetizar as idéias, toma-se aquimos esta perícope. Sabe-semos, no entanto, que a mesma tem seu paralelo em Rm 12,3ss. Em ambas “...constitui o Corpo uma estrutura social, uma corporação. Os indivíduos são antes da Igreja, e é o seu grêmio reunido que a representa .” In: H. Schlier, A Eclesiología..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, p. 132. 31 L. Cerfaux, Cristo na Teologia ..., p. 264.

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Para Cerfaux, “‘Cristo’ designa sempre o Cristo pessoal. Quando, de um modo ou de outro, o termo chega a abranger os cristãos, julgamos que é em virtude de uma metonímia: Cristo é sempre o Cristo pessoal.”32 O Cristo se encontra aí somente em vista de comparação. A idéia subjacente é que do Cristo pessoal (), que tem vida em si, vem a vida para a comunidade; a este processo pode-se chamar de mística (paulina). No entanto, “...é de Cristo pessoal que deriva a vida, e os cristãos continuam a ser eles próprios; as personalidades não se confundem pela ‘mística’”.33 A idéia central se expressaria não tanto por um conceito de ‘Cristo místico’ (que não seria Paulino), mas de união.

... união mística a Cristo, participação por identificação mística com a vida de Cristo ressuscitado. Esta fórmula preserva melhor nossas relações com Cristo pessoal. Pela vida da graça, a vida de Cristo pessoal está em nós; ela nos faz clamar Abbá, Pater, com o mesmo som que revestia a voz de Cristo ao orar ao Pai com intimidade. Cristo pessoal aí está, batendo à porta de nossa alma pessoal...34

A imagem do Corpo de Cristo, quando usada para a Igreja traz uma comparação que se dá no seguinte nível: assim como o corpo humano faz com que os membros estejam unidos, o Corpo de Cristo faz com que os membros também o estejam. É feita uma

32 33 34

Ibidem, p. 253. Ibidem, p. 265. Ibidem.

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comparação mística, tendo como pano de fundo, como foi vistovimos, a compreensão sociedade.35

34.4. Ssentido de Ccorpo de Ccristo

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Para o teólogo protestante Ernst Kaesemann36, no entanto, a afirmação que Paulo faz da Igreja como Corpo de Cristo vai muito além do que uma simples imagem comparativa, para cujo objetivo são mais eloqüentes as figuras metafóricas das quais já houve a tivemos oportunidade de se falar37. Ainda que em Rm 12,4s e 1Cor 12,12ss Paulo comece com uma partícula comparativa (“assim como”; ) e com essa termine, ele realmente diz que “formamos um só corpo [em Cristo] ... pois fomos batizados num só Espírito para ser só corpo...” (1Cor 12, 12s).

Este modo de falar não é metafórico. Se se negar aqui o caracter das afirmações de identidade, toda a teologia paulina será atingida . Para o Apóstolo, como está bem claro em Gl 3,27s, o sacramento produz uma mudança de vida, pela qual o velho homem morre, e nasce uma nova criatura. Não se trata de afirmação metafórica quanto se diz que o batismo e a eucaristia nos inserem no destino de morte de Jesus, nos incorporam “em Cristo” e nos tornam participantes do 35

Cf. Idem, La Teologia della Chiesa ..., pp. 248, 271,278-279. Kaesemann é um exegeta que busca os dados históricos do texto bíblico. A nota explicativa para 1Cor 12,12 na Bíblia do Peregrino também se diz que é mais do que uma alegoria, daí melhor chamar de imagem. 37 no Dicionário encontra-semos: “Metáfora: tropo em que a significação natural duma palavra é substituída por outra com que tem relação de semelhança” [grifo nosso]. E dá como exemplo: “Por metáfora, chama-se raposa a uma pessoa astuta”. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Miniaurélio Século XXI Escolar, 4a edição, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 36

292

Espírito divino (...) o apóstolo usa a expressão ‘corpo de Cristo’ porque quer realmente indicar a estrutura de um corpo (...) a comparação desenvolve a realidade, visada com as afirmações de identidade, aplicando-a concretamente à vida da comunidade.38

Interessante notar que, para este autor, a doutrina católica tem justamente o mérito de não reduzir a doutrina paulina de Ccorpo de Cristo a uma metáfora. Todavia, segundo ele, ela dogmatiza tal imagem para usá-la em qualquer época, “...eliminando metafisicamente seu sentido histórico.”39 A compreensão semântica que Paulo tem do termo  humano, no caso o corpo de Cristo ( I Cor 12,12.13.14.17), o que tornaria difícil aceitar uma passagem deste significado para um coletivo,40 mas que permite um sentido místico, unido à comparação helenística:

... Questo corpo de Cristo (...) non è altro che il corpo reale e personale che ha vissuto, ch’è morto, che è glorificato ed al quale il pane viene identificato nell’eucarestia. I cristiani s’identificano a questo corpo in un modo molto reale benché ancora mistico (...) Identificati a questo corpo unico (...) Il paragone ellenistico e la nota mistica in tal modo si ritrovano nell’unità d’una formula.41

38

Kaesemann, Ernst. Perspectivas paulinas. col. Biblioteca de Estudos bíblicos-11, São Paulo:Paulinas, 1980, p. 119. 39 Ibidem, p 120. 40 Cf. L. Cerfaux, La Teologia della Chiesa ..., p. 276. 41 Ibidem, p. 278-279.

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34.5. Ccorpo de Ccristo e Ppovo de Ddeus

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Para Kaesemann a categoria “Ppovo de Deus” não deve ser vista em Paulo com o mesmo valor de “Corpo de Cristo” ou como complemento a esta, embora Paulo tenha feito uso de ambas. A primeira serve de modo especial para os judeus e o judeus convertidos, pois como observa o autor, o apóstolo dela faz uso quando cita o Antigo Testamento, na tentativa de mostrar a estes qual é o verdadeiro povo de Deus, ou seja, a Igreja, “verdadeiro Israel no qual se cumpriram as promessas do Antigo Testamento e no qual também se deve inserir apocalipticamente o Israel segundo a carne...”.42. É uma idéia que está estreitamente ligada à da aliança no Sinai. Uma vez que os pagãos convertidos não passaram por tal aliança, a eles tal idéia só se aplicaria em sentido figurado. Já a imagem de “Corpo de Cristo” traz consigo um sentido todo novo, pois se presta a simbolizar uma realidade totalmente nova, ou seja, a incorporação (para usarmos um termo próximo) dos pagãos ao mistério da eleição divina. Este algo novo engloba a todos, não

42

E. Kaesemann, Perspectivas paulinas, p 123.

312

havendo distinção de raça e/ou situação social (cf. 2Cor 12,13) e tem seu ponto de partida não de uma aliança, mas do próprio Cristo, ou seja, da cristologia. Há ainda o fato que enquanto na primeira imagem (povo de Deus) perpassa a idéia de progenitor (Abraão), o que inclui a geração subsequente, na segunda fica claro que

a

incorporação se dá pelo domínio mesmo que Cristo tem sobre todo o universo, muito mais abrangente. A imagem de “Corpo de Cristo” centraliza o acento sobre a cristologia, ponto de partida para o domínio do universo que Cristo tem (pancratos) que, obviamente, é muito mais extenso do que um domínio baseado na progenitura. Tal universalismo é mais forte, como veremos, nas cartas do cativeiro. Com isso, não se busca opor uma imagem à outra, ou mesmo dizer que uma é superior a outra. Sabe-semos que “muitos acham que o conceito de ‘povo de Deus’ foi a contribuição teológica principal do Vaticano II e que esse conceito condicionou todos os documentos conciliares. Mais ainda, ‘povo de Deus’ é o conceito que mais expressa o ‘espírito’ do Vaticano II.”43 Busca-semos, sim, acenar para as possíveis razões de Paulo ter dado ênfase à Imagem de Corpo de Cristo e, daí, o uso de tal imagem pelo Vaticano II, como veremos se verá à frente. Há de se ressaltar também o aspecto salutar ao diálogo inter-religioso que tal imagem, quando bem compreendida, traz consigo. Para Kaesemann, “...o conceito de progenitor (...) restringiria a dimensão universal da Igreja em favor do conceito de associação eclesiológica ou de povo escatológico...”44 dando primado à eclesiologia sobre a cristologia. Enquanto que os católicos Auer e Ratzinger parecem optar por uma imagem baseada não em “...una grandiosa concepción cósmica del hombre.”45 Kaesemann põe ênfase na figura cósmica de Cristo para daí tirar a base para o uso da imagem de corpo de Cristo: “...o Cristo celeste tem um corpo que penetra e envolve a terra. Em seguida, este corpo é

43 44

COMBLIN, José. O Povo de Deus, col. Temas de Espiritualidade, São Paulo: Paulus, 2002, p. 9. E. Kaesemann, Perspectivas paulinas, p 127.

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identificado com a Igreja, com o que, finalmente, como último passo, a relação entre os membros deste corpo é descrita...46 Paulo só teria mantido a imagem de povo de Deus – atrelada como está ao judaísmo – devido ao fato mesmo desta atrelação, possibilitando vias de compreensão para os judaizantes, no entanto, sua teologia mesmo era a do Ccorpo de Cristo por enfatizar a novidade do evento Cristo.47. Também Cerfaux compartilha a respeito da prevalência da imagem de Corpo de Cristo sobre a de Povo de Deus em Paulo, ainda que, como vimos, o valor real de tal imagem é bem outro para ele que para Kaesemann. Antes de mais, ele salienta o fato de que a noção de Igreja em Paulo está perpassada por sua corrente mística; depois continuará:

Si tratta forse d’uma rivoluzione che sovvertirebbe totalmente la concezione fondamentale della Chiesa, di modo che questa non andrebbe piú vista come Popolo di Dio ma come la sfera dello Spirito, un organismo cioè puramente spirituale, il ‘corpo del Cristo’ (...) La concezione nuova, pneumatica, avrebbe eliminato la prima, ch’era istituzionale e giuridica.48

34.6. Aspecto Pparenético: (Uunidade/Solidariedade

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)

45

A. Auer, La Iglesia, p. 62.

332

O fato de a comunidade ser um corpo constituído, onde um membro necessita do outro, é usado por Paulo como exortação à unidade interna na comunidade de Corinto.

Eu vos exorto, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo: guardai a concórdia uns com os outros, de sorte que não haja divisões entre vós; sede estritamente unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar. Com efeito, meus irmãos, pessoas da casa de Cloé me informaram que existem rixas entre vós. Explico-me: cada um de vós diz: ‘Eu sou de Paulo!’, ou ‘Eu sou de Apolo!’, ou ‘Eu sou de Cefas!’, ou ‘Eu sou de Cristo!’ Cristo estaria dividido? Paulo teria sido crucificado em vosso favor? Ou fostes batizados em nome de Paulo?(( 1Cor 1,10-13). 13)

A fonte de tal unidade está no Evangelho (que lhes foi pregado por pessoas diversas), no batismo e, como fim último, no próprio Cristo e Seu Espírito. “Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversidade de ministério, mas o Senhor é o mesmo; diversos o modo de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos (1Cor 12, 4-6.13)..”49

46

E. Kaesemann, Persectivas paulinas, p 131. Ibidem, p. 124. L. Cerfaux, La Teologia della Chiesa ..., p. 217. 49 A temática do Espírito em relação à Igreja Corpo de Cristo, onde este se caracteriza como alma desta, foi muito desenvolvido pelos Padres. Toda ela, deve-se dizer, serve para mostrar o papel do Espírito como agente da unidade à qual a Igreja e seus membros são chamados. Santo Agostinho dirá que “Decimos alma al espíritu que hace vivir al hombre , y alma llámase al espíruti que a cada uno de los hombres da la vida, y bien sabéis el ofício del alma dentro del cuerpo:dar atodos los miembros vida (...) presente a todos los órganos, a la vez toda entera en todos , presta vida y función peculiar a casa uno (...) las funciones son diversas, mas la vida es común. Lo que respecto al organismo humanao es lel alma, lo es el Espíritu Santo respecto al cuerpo de Cristo, la Iglesia; el Espíritu Santo hace en toda la Iglesia lo que hace el alma en todos los miembros de un mismo cuerpo. Aquilo que a alma é para o corpo humano (...) o Espírito o é para o Corpo de Cristo que é a Igreja. O Espírito Santo opera em toda a Igreja aquilo que a alma opera em todos los miembros de um único cuorpo (...) Acontece a las veces amputar un miembro del cuerpo (...) Siegue por acaso el alma en el miembro amputado? Integrando el cuerpo vivia; fuera del cuerpo muere. Tal un cristiano católico vive mientras permance un idio al curerpo de la Iglesia...” ( Santo Agostinho, Sermones, 267, 4 In: FUEYO, Amador (org.) Obras de San Agustin, tomo VII, Madrid: B.A.C., 1950, p. 459). Ainda que não seja o objetivo primeiro de nosso trabalho, voltaremos a tal tema. 47 48

342

Não somente o batismo é essencial para a compreensão da unidade, mas Eucaristia: “Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim também acontece com Cristo (1Cor 12,12).” Tal compreensão está em paralelo com o texto de 10,17, onde esta verdade se vê atestada ainda mais fortemente: “Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, visto que todos participamos desse único pão.” Como é sabido, a ceia cristã onde se dá a Eucaristia, é chamada de fração do pão (At 2,42;1Cor 10,16;Lc24,35), com a compreensão que o pão que é partido é “fermentum unitatis”. Há uma mudança teológica de pensamento colocada por Paulo, ainda que mantendo que  acrescido do substrato helenista acima visto, forma a idéia de unidade:

... tradizionalmente l’idea d’unità era connessa col pane (spezzato) e non col corpo, e si fondava sul gesto del Cristo che distribuiva a tutti i pezzi d’un unico pane (...) Partendo dall’identità del pane e del corpo, Paolo transcenderà il tema comune ed ormai conneterà la nozione d’unità com l’espressione ‘corpo’. 50

Ao que parece, enquanto o batismo – que se faz por meio de um só espírito leva a uma união mística com o Cristo, a Eucaristia leva tanto a uma união mística quanto real (cf. 1Cor 10, 4.17). Deste modo, o corpo de Cristo é em ambos os meios o princípio de unidade da comunidade.

50

L. Cerfaux, La Teologia della Chiesa ..., p. 268.

352

Além disso, visto sob o aspecto mais particular que é a situação dos cristãos do paganismo (desprovidos, portanto, das categorias de culto do Antigo Testamento), a Eucaristia, bem como o batismo, vem também preencher uma lacuna. Ela substitui os sacrifícios pagãos (tanto pedagogicamente quanto, o que é mais radical, no sentido destes, que é a união com o divino). Afinal “poder-se ia conceber uma comunidade religiosa sem ritos sacrificais ou equivalentes?”51 A resposta, ainda que controversa, parece ser que não.52. Enquanto que a Eucaristia é para os cristãos da diáspora algo que vem substituir os sacrifícios, “...onde os traços comunitários e os individuais misturam-se, concatenando-se e muitas vezes coincidem”53 de forma que os cristãos, por meio deste formam um só corpo, o batismo se caracteriza pelo rito por meio do qual se é congregado a tal Igreja 54, bem como à morte e ressurreição de Cristo (Rm 6,3ss). O sentido de pertença que advém do batismo tornase identificação com o seu corpo. A unidade, no entanto, não quer dizer uniformidade; se assim o fosse, Deus teria dado os mesmos dons a todos. Entre tais dons há inclusive hierarquias, de modo que o apóstolo irá exortar a aspirar preferencialmente pela profecia (cf. 1Cor 14,1). Diferentes dons, diferentes funções na Igreja (cf. 1Cor 12,28ss). Assim como, paralelamente, são diferentes as “dignidades” dos membros de um corpo (cf. 1Cor 12,22ss).55 Paulo se refere ao tema da unidade por dois motivos, que se definem por duas situações diversas. Nas cartas aos Coríntios, que agora vemos, o motivo é o espírito anti-

51

Idem, Cristo na Teologia ..., p. 278. O concílio Vaticano II irá expressamente falar de sacrifício para a Eucaristia (cf. Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium, n. 47). 53 Cerfaux, Cristo na Teologia ..., p. 278. 54 “Paulo usa duas imagens para caracterizar essa inserção: a do Corpo Místico de Cristo e a da Esposa de Cristo. O batismo nos une a Cristo, ao mesmo tempo que nos incorpora à Igreja, seu corpo. A incorporação à Igreja é sinal de nossa união com Cristo. O batismo nos une ao Cristo total, à Igreja à qual todos pertencemos em Cristo.” In: GOEDERT, Valter M. Teologia do Batismo, 2ª edição, col. Teologia Sistemática, São Paulo: Paulinas, 1988, pp. 28-29. 52

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cristão (no sentido de contra-testemunho) de suas comunidades, ou seja, um problema mais local. Já nas cartas pastoraisdo Cativeiro, como veremosserá visto, o motivo é a defesa contra os judeus-cristãos. Foi ditoDissemos que uma das fontes radicais da unidade se dá no batismo. HáPercebe-se, no entanto, uma corrente na teologia segundo a qual o princípio de unidade (que pode ser compreendida como solidariedade/comunhão; ) da Igreja não se radicaria no batismo (que por sua vez remonta à morte de Cristo e, portanto, à cruz), mas anterior a este, na encarnação mesma de Jesus; sendo assim, poderia se falar já em Paulo da ccategoria Ccorpo Mmístico de Cristo que, como veremosserá visto, terá tem seu desenvolvimento a partir da Idade Média. Tal problemática, aqui acenada, mostrar-se-á mais clara à medida que se avança na compreensão histórico-dogmática. Como já o dissemosdito, o motivo da asserção paulina do Ccorpo de Cristo está na busca da unidade/solidariedade cristã. Ora, tal solidariedade se baseia na redenção ou já na encarnação?

... en el supuesto, que admitimos, de que la plena organización y la vida sobrenatural Del Cuerpo Místico comienza con el acto de la redención, hay que decir lo mismo de la existencia misma del Cuerpo Místico y de su elemento formal, que es la solidaridad?56

Segundo tal modo de compreensão, os princípios que tornariam justificável ver na encarnação de Cristo a base para o Ccorpo Mmístico seriam três: a solidariedade de Em nota sobre 1Cor 12,12, a Bíblia do Peregrino diz que “não é legítimo identificar cada membro mencionado com uma função específica na Igreja; é legítimo, sim, observar o interesse do autor pelos membros fracos, mais escondidos, menos aparentes.” 55

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natureza, a solidariedade do pecado e a própria redenção. Vejamos, ainda que segundo o limite do nosso estudo, cada uma delas.

solidariedade de natureza A solidariedade de natureza que temos com Cristo se evidencia por dois pontos básicos: o destino comum da morte: “Pois a caridade de Cristo nos compele, quando consideramos que um só morreu por todos e que, por conseguinte, todos morreram” (2II Cor. 5, 14), e a ligação carnal: “De fato – coisa impossível à Lei, porque enfraquecida pela carne – Deus, enviando o seu próprio Filho numa carne semelhante à do pecado e em vista do pecado, condenou o pecado na carne” (Rm 8,3).

Conm estas palabras afirma San Pablo dos cosas: que el Hijo de Dios, al tomar nuestra carne, se hizo solidario de toda la humanidad, y que esta solidariedad se inicia en la misma encarnación, en que se reviste de nuestra carne. (...) los dos complementos en semejanza [semelhante à] de carne de pedado y como víctima por el pecado [em vista do pecado], si diretactamente expresan la solidariedad de pecado, suponen, empero, la solidariedad de naturaleza, en que se basa la de pecado.57

56 57

J. Bover, Teología de San Pablo, p. 558. Ibidem, p. 561.

382

Dogmaticamente, o Concílio de Calcedônia (451) já nos deu a base para tanto, união hipostática entre as naturezas divina e humana, pelo qual Cristo é perfeitamente homem, sem deixar de ser Deus.

solidariedade do pecado Há entre os homens uma solidariedade no pecado, que misteriosamente tem sua origem no pecado original. Tal situação Paulo a aceita em seus argumentos quando diz: “...como pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores...” (Rm 5,19). A constatação desta realidade de pecado Paulo a faz no início da carta aos Romanos, quando põe à luz tanto a situação pecaminosa dos gentios quanto a dos judeus. O novo será o fato de Cristo ter entrado em tal situação, sendo salvador tanto para uns como para outros, por meio de sua solidariedade com uns e outros. “Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sob a Lei, para remir os que estavam sob a Lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial.” (Gl 4,4). Como se dá tal solidariedade? Em 2Cor 5,21 o apóstolo diz: “Aquele que não conhecera o pecado, Deus o fez pecado por causa de nós, a fim de que, por ele, nos tornemos justiça de Deus” A palavra pecado não é assumida aqui como tendo um sentido metafórico, “sino verdadero y próprio pecado”58 ainda que isto seja um grande mistério (ou seja, o fato daquele que é três vezes santo se tornar pecado). No entanto, como é sabido, o pecado não decorre dele, “pero síi que le habíia invadido y se habíia apoderado de ÉEl; (...) semejante apropiciación o comunicación de nuestro pecado no es otra cosa que la solidariedad de pecado;...”59 Poderse-ia acrescentar ainda como argumento Gl 3,13a: “Cristo nos remiu da maldição da lei tornando-se maldição por nós”. Misteriosamente estávamos o ser humano estava em Cristo

58 59

Ibidem, p. 562. Ibidem.

392

que, embora sendo a Benção por excelência, foi feito maldição, ou seja, recebeu a nossa que pertencia ao gênero humano. pecado. restituída. Todavia, tal restituição, não poderia se dar pelo simples castigo de um justo no lugar dos pecadores, o que acabaria sendo uma injustiça ainda maior. A solução foi o justo de tal modo se unir-se aos pecadores (não pelo pecado) podendo assim assumir suas culpas.60.

A redençã

o

Por fim, nos deparamos com a chega-se à redenção mesma, que é redenção do pecado. Ora, o homem pecador ofendeu a justiça divina, que de alguma forma haveria de ser restituída. Todavia, tal restituição, não poderia se dar pelo simples castigo de um justo no lugar dos pecadores, o que acabaria sendo uma injustiça ainda maior. A solução foi o justo de tal modo se unir-se aos pecadores (não pelo pecado) podendo assim assumir suas culpas.60.

En otros términos, la transferencia de la pena no era posible sin la comunicación o solidariedad en el pecado. Pero esta solidaried no podía ser por participación en la comisión del delito, participación impossible a la inocencia y santidad inifinita del Hijo de Dios. Luego había de ser por comunión o solidariedad de naturaleza. Encarnación y solidariedad son, pues, los elementos que unidos a la justicia, constituen la base de la redención humana...61

60

A famosa teoria da satisfação de Santo Anselmo trata deste ponto. Só Cristo poderia satisfazer a gravidade do pecado cometido contra Deus (gravidade esta em grau supremo pelo fato dele – Deus – ser infinito). “Mas, mesmo concedendo tudo isso [ a validade dos pontos bíblicos e humanos em sua teoria], não se poderá negar que o sistema jurídico construído por Anselmo, perfeitamente lógico em seu aspecto divino -humano, distorce as perspectivas e pode mergulhar a imagem de Deus em uma luz sinistra, graças à sua lógica de ferro.” In: RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo, São Paulo: Herder, 1970, p. 188. 60 A famosa teoria da satisfação de Santo Anselmo trata deste ponto. Só Cristo poderia satisfazer a gravidade do pecado cometido contra Deus (gravidade esta em grau supremo pelo fato dele – Deus – ser infinito). “Mas, mesmo concedendo tudo isso [ a validade dos pontos bíblicos e humanos em sua teoria], não se poderá negar que o sistema jurídico construído por Anselmo, perfeitamente lógico em seu aspecto divino -humano, distorce as perspectivas e pode mergulhar a imagem de Deus em uma luz sinistra, graças à sua lógica de ferro.” In: RATZINGER, Joseph. Introdução ao Cristianismo, São Paulo: Herder, 1970, p. 188. 61 J. Bover, Teología de San Pablo, p. 563.

402

Com isso, tem-seos um esboço do que seria uma maneira de ver, já na concepção paulina, a encarnação como fundamento para o surgimento da Igreja como Ccorpo [Mmístico] de Cristo. A ressurreição não estaria tanto no início, como o está a encarnação, mas como termo de convergência. Tal proposta, no entanto, não é compartilhada por todos os teólogos62, uma vez que, para muitos, Paulo não dá ênfase ao “Cristo segundo a carne”.

45. B) Aa Rrelação entre os Mmembros e a Ccabeça: Ccolossenses e Eefésioss

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As cartas aos Colossenses e aos Efésios se encontram dentroo do bloco das cartas do Ccativeiro.63. Estas duas são de importância especial ao nosso estudo por focalizarem uma concepção totalmente nova e abrangente de Igreja como Corpo de Cristo, a saber, onde o acento não é mais a união entre os membros (como em 1Cor), mas sim a ligação destes, como Igreja, a Cristo, sua Cabeça.

62

L. Cerfaux, Cristo na Teologia..., p. 136. Estas cartas, que no consenso geral incluem Fl, Ef, Cl, Fm, são assim chamadas porque em todas elas Paulo afirma que escreve da prisão (Cf. Fl 1,7.12-17; Ef 3,1; 4,1; 6,12; Cl 4,3.10.18; Fm 1.9.10.13.23). 63

412

A autoria das cartas é discutida, principalmente pelo fato de apresentar uma cristologia tão desenvolvida e nova, que para muitos evidenciaria muito mais uma concepção do século II. O vocabulário das cartas parece longe do vocabulário Paulino (só em Efésios há 36 hapax). É inegável, ainda, a relação tão próxima entre ambas as cartas, de modo que para muitos Efésios é um plágio de Colossenses. Para efeito deste nosso estudo, não entraremos se assumirána questão da autoria, mas assumiremos, segundo a Tradição, serem as duas cartas de autoria paulina. Nos ateremosSerá dado atenção maior aos aspectos teológicos das cartas. Visto deste modo “a questão é meramente secundária: o essencial é pertencerem nossas duas epístolas ao Cânon das Escrituras.”64 Ao longo destas cartas, por 4 vezes a Igreja é chamada como “Corpo de Cristo” (Cl 1,24; Ef 1,23; 4,12; 5,29ss) enquanto que por 5 vezes Cristo recebe o título de “Cabeça da Igreja” (Cl 1,18; 2,18s; Ef 1,22; 4,15; 5,23). Pelo que já expomosfoi exposto até então, percebe-semos certas ênfases do apóstolo quanto à sua eclesiologia (que é, por sua vez, um tema dentro da soteriologia e da cristologia). Nas grandes cartas Paulo se refere a Igrejas particulares (locais) e, de modo especial em 1Cor, dentro da temática da Igreja particular ele se refere aos membros destas Igrejas. Já nas cartas do cativeiro, a Igreja universal é mais enfocada, prevalecendo não tanto a relação dos membros entre si, mas da Igreja com Cristo. Parece que a tão discutida predominância de aspecto de Igreja – particular ou universal - que mesmo em nossos dias assume força, se deve, em muitos casos, à qual carta paulina é assumida como ponto de partida, o que determinará a eclesiologia também assumida. Nas cartas do Ccativeiro, que agora tratamos, o pensamento Paulino claro é que a unidade, que tem seuas fatores base em Cristo, leva á à pluralidade. É o que ouvimos em Ef 4,7.11-13.

64

COTHENET, Edouard. As epístolas aos Colossenses e aos Efésios, Col. Cadernos Bíblicos - 67, São Paulo: Paulus, 1995, p. 14.

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422

Mas a cada um de nós foi dada a graça pela medida do dom de Cristo, E ele é que ‘concedeu’ a uns ser apóstolos, a outros profetas, a outros evangelistas, a outros pastores e mestres, para aperfeiçoar os santos em vista do ministério, para edificação do Corpo de Cristo, até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus , ao estado de Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo (Ef 4,7.11-13).

Um pouco antes, Paulo enumera os fatores que são princípios de unidade: Corpo, Espírito, esperança, Senhor, fé, batismo, Deus (cf Ef 4,4-6). Com isso não se afirma que Paulo deixa de reconhecer a individualidade dos membros da Igreja, reconhecimento este muito claro na primeira carta aos Coríntios. Individualidade esta que é um dom à comunidade. Mas inegavelmente sua teologia é de forte acento comunitário, provavelmente por influência de sua formação semítica, cujo substrato, como vimos, é o de um povo constituído para o seu Deus.

Primeiro existe o conjunto e depois as partes, pois, é no conjunto que as partes crescem e se desenvolvem. É esta a idéia central do pensamento paulino. Os homens são vistos como ‘unidade’ na criação (At 17,26), na queda (Rom 5,12), na redenção (Rom 5,19), no desenvolvimento de sua vida espiritual (Gal 3,28; I Cor 12), no último fim que todos procuram: o gôzo [sic] de Deus (Ef. 4,4).65

65

GARDINI, Walter. Catolicidade e Unidade em São Paulo, São Paulo: Paulinas, 1968, p. 173.

432

De fato, a primeira impressão que se tem do AT é que Deus dialoga com uma comunidade, e não com indivíduos. Tal impressão é muitas vezes fruto de uma compreensão pós-iluminismo que, por vezes, confunde individualidade com individualismo; sob este último, realmente não há relação com Deus, pois é carregado de sentido abstrato e “descompromissado”.

Quem achar, no entanto, que se pode apresentar o ethos de Israel como sendo um coletivismo extremo pontilhado de individualismo tardiamente aparecido, envolve-se num contraste que pertence ao pensamento indiferenciado do século XIX.66

Na verdade, em Israel o indivíduo recebe atenção constante. Podemos vê-lo Ele é o como objeto da lei levítica (com direitos e responsabilidade), do anúncio profético à conversão e da salvação predita nos salmos. Há ainda a leitura sapiêncialsapiencial, que por natureza é de cunho individual. Paulo, como apóstolo que é, está preocupado, pois, com a edificação de Igrejas (comunidades), nas quais se manifesta a graça do Cristo Cabeça. “‘Um apóstolo não é convertedor de almas, mas um fundador de Igrejas.’”67 Esta afirmação poderia soar como anacrônica no em nossos tempo presentes, um verdadeiro resquício da outrora proclamada “plantatio Ecclesiae”. No entanto, a Igreja, reafirmamos, é o ambiente necessário para esta

66

FÜGLISTER, Notker. Formas de Existência da Ekkesia do AT. In: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, p. 61. 67 Ibidem, p. 123.

442

relação do fiel com Deus e meio para a propagação do mistério da salvação. É claro que com isso ele objetiva a salvação de cada um, mediante um encontro com a pessoa de Cristo Jesus.

45.1. A InfluênciaBase Ggnóstica

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?

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CSe, como vimos foi visto em um primeiro momento, para alguns o Aapóstolo tem por base uma concepção estóica como ferramenta para entender a realidade (sem, no entanto, prescindir daquilo que lhe foi passado pela comunidade)., Aagora, nas cartas do Ccativeiro, a ferramenta usada, de acordo com o novo objetivo, não teria sido seria o estoicismo, mas sim o gnosticismo68, fazendo através do uso do mito do antropos, imagem do homem primeiro que

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é salvação para todos os indivíduos da história. Devido àa sua inegável formação grega, claramente manifesta em seu modo de se expressar (debate em forma de diatribe) e em seus conhecimentos dessa mesmaa cultura grega (cf. At 17,28), foi atribuído a Paulo uma grande a influência dessa mesma culturapor parte de seu meio. Há discussão entre os autores sobre se a gnose, movimento que basicamente pregava a salvação por meio do conhecimento, prescindindo assim do caráter de gratuidade da

68

Segundo alguns (entre eles Lohmeyer e W. L. Knox) Paulo segue o mito gnóstico do antropos. Um homem celeste, personalidade coletiva, desce e assume a matéria, tornando-se salvador de parcelas de si mesmo (eons) que teriam se dispersado na matéria. Tal mito se difundiu no AT, assumindo a forma do Servo de Isaías e do messias de Daniel, chegando em Paulo sob as fórmulas “segundo Adão”, “homem novo”, “homem celeste” e outras. “... supõe-se a existência de um vasto movimento de gnose, englobando todo o sincretismo grecooriental, com predominância de elementos orientais, que constituiria o terreno comum, onde nascem e se alimentam as diversas formações religiosas.” In: Cerfaux, Cristo na Teologia ..., p. 406.

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452

mesma, teve ou não influência sobre o cristianismo. O ponto primeiro da disputa está na própria datação histórica, uma vez que para uns a gnose é anterior ao cristianismo, para outros é uma derivação deste.69

No centro da sua [da gnose] especulação teológica e cosmológica está a doutrina neoplatónica da ‘emanação’, que coloca Deus, entendido como Ser Infinito, Éon Perfeito ou Abismo, como princípios de uma série descendente de éons, que forma o ‘pleroma’, a plenitude do divino (...) Deus envia outro éon, para revelar ao homem a natureza divina da alma que está nele, tonando-se por isso o ‘salvador’.70

Quanto à idéia de homem primeiro – mito do antropos –, esta é corroborada pelo paralelismo Adão-Cristo (também presente em Rm 5, 5-19; 1Cor 15,45-50), as próprias compreensões que Paulo tem do matrimônio (Ef 5,21-33) do batismo (Rm 6,1-11; 1Cor 12,13) e da Eucaristia (1Cor 10,17).71 O mito do antropos está ligado ao que se convencionou chamar na exegese de “personalidade corporativa”. Segundo tal conceito, os membros de um grupo, desde os já falecidos, passando pelos vivos e chegando aos que ainda hão de nascer, estariam representados em um único indivíduo.

O conceito de ‘personalidade corporativa’ significa, pois, duas coisas. Primeiro, pode a comunidade, que, enfim, é mais do que a mera e ocasional soma de 69 70 71

BOF, Giampiero. Teologia Católica, São Paulo: Edições São Paulo, col. Cultura Religiosa, 1996, p. 37. Ibidem, p. 38. A. Auer, La Iglesia, p. 63.

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462

pessoas individuais, ser considerada como ‘corporação’ ou ‘corpo grupal’ (...) formam (...) ‘os indivíduos e a comunidade uma única realidade física concreta’. Pode, ainda, um indivíduo representar de tal forma a comunidade, que esta como que se corporiza e realiza nele, indivíduo.72

Os salmos, principalmentede modo especial, trazem muitos exemplos da passagem do ‘eu’ para o ‘nós’ e vice versa; pronomes que tratam simultaneamente de Israel e de um ser em particular, geralmente o rei (cf. Sl 2). Jesus irá, em plenitude, sintetizar em si todas as características do povo de Israel (régia, sacerdotal e profética) e a Igreja participa destas, como seu corpo. Ora, tal relação é óbvia e, portanto, admitida por todos. Outra coisa seria ver aí uma ação gnóstica como a perpassar a história da salvação já no AT até o NT. Como dito, Outros descartam a influência helênica sobre Paulo, ou pelo menos a minimizam. O motivo para tanto seria o perigo de ver na influência helênica a origem da cristologia e da teologia paulina. Para Cerfaux, há ainda o perigo de distorcer a compreensão de um Cristo pessoal73. Ao contrário, a teologia paulina estaria baseada na “evolução do pensamento paulino tendo como ponto de partida [no tocante ao novo Adão] uma exegese do Gênese e não do rito do Anthropos ou um sucedâneo;”74 é pois uma inspiração genuinamente cristã.

Até certo tempo atrás, costumava-se atribuir a esta influência helenística em Paulo, o uso de termos, e expressões como ‘Senhor’, ‘Filho de Deus’, ‘corpo’, 72 73 74

N. Füglister. Formas de existência... in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium salutis, p. 69. L. Cerfaux, Cristo na Teologia... p. 269. Ibidem.

472

‘carne e espírito’, ‘mistério’. Igualmente atribuía-se à influência do gnosticismo helênico o uso de ‘Adão’, ‘Homem’, do mito do redentor, as noções de preexistência, de instrumentalidade na criação e assim por diante. Hoje, contudo, está demonstrado que muitas destas noções eram comuns no judaísmo palestino do 1º século, o qual não estaria completamente isolado do mundo helênico. 75

Além do mais, na carta aos Efésios (na qual muito de linguagem gnóstica teria sido encontrada) percebem-se também, como pontos contrapostos a esta doutrina, o valor da carne (de Cristo primeiramente) (2,14), o valor do sacrifício (5, 2.25) e o próprio valor do matrimônio (5, 21-32).

45.2. Oo Ccristo Ccabeça da Iigreja

Ao tratarmos se tratar do Cristo Cabeça do ccorpo, outro questionamento pode ainda surgir: de qual corpo tratamos: a humanidade como um todo (sentido coletivo) ou somente o que convencionamos foi convencionado chamar de Igreja? Devido às dimensões

75

FITZMYER, Joseph A. Linhas fundamentais da teologia paulina, col. Bíblica, São Paulo: Edições

Formatado

482

propostas para o presente estudo, nos atemosatem-se aqui à humanidade como corpo organizado, formada dos indivíduos que foram justificados por Cristo, mediante um ato formal (batismo). Cristo é aí a Ccabeça, governante do corpo. O conceito de Cristo enquanto Cabeça da Igreja pode ser compreendido de duas formas diversas, ainda que em relação. Cristo é Cabeça no sentido de ser fonte de vida para o corpo ou como modo de unificação do corpo, ou seja, de governo.76. A primeira teria fundamento em uma concepção helênica (para a medicina grega de então, a cabeça era o órgão responsável pelo crescimento do corpo), a segunda em uma concepção mais semítica.

Nas epístolas do cativeiro, para indicar sua primazia sobre todos os cristãos, Cristo é chamado Cabeça da Igreja. É pela cabeça que se faz a unificação do corpo humano. Tal idéia, mais do que a do influxo de vida proveniente da cabeça, sobressai na explanação de Cl 2,19; a metáfora é paralela à da chave de abóbada de um edifício.77

Se o Cristo Cabeça é compreendido sob o aspecto de governo da Igreja, há de se destacar que diversas são as formas pelas quais ele exercita tal governo. Cristo governa por meio de sua palavra, que é o meio por excelência para a Igreja se questionar se está ou não seguindo a vontade do Pai, até que aconteça a parusia. Cristo governa sua Igreja por sua presença na mente e coração dos fiéis, ao que podemos chamar de sensus fidei. Por fim, Cristo

Paulinas, 1970, p. 24. 76 Há ainda uma terceira maneira, à qual não nos ateremos por não ser uma questão central do nosso estudo, estando presente no hino aos Colossenses. Segundo esta, Cristo é Cabeça enquanto chefe dos Poderes celestiais. (Cf. E. Cothenet, As Epístolas..., p. 26; GOURGUES, Michel. Os hinos do Novo Testamento, col. Cadernos Bíblicos-66, São Paulo: Paulus, 1995, p. 79).

Formatado: Português (Brasil)

492

também governa sua Igreja visivelmente e de forma mediata, na pessoa do Romano Pontífice e dos bispos. Se a relação Cristo Cabeça com a Igreja é tida como emanação do princípio vital da cabeça para o Ccorpo, esta segue sempre este caminho, ou seja, a vida do Ccorpo vem da Cabeça e não o inverso; ainda que, em certo sentido, a Ccabeça possa passar a depender dos membros para formar o corpo: “Tudo ele [Deus] pôs debaixo de seus pés [Cristo] e o pôs, acima de tudo, como Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo: a plenitude daquele que plenifica tudo em tudo .”(Ef. 1,22s).” À frente trataremos será tratado

do sentido que se compreende por de

plenitude (pleroma), mas podemos pode-se já adiantar algumas linhas do pensamento que se seguirá. No sentido passivo, como veremos, o pleroma tem o significado de Deus encher a sua Igreja (consigo mesmo, com dons). Neste caso, a Igreja, é vista como um receptáculo. Já e Em sentido ativo, a Igreja completa o Cristo cabeça.

‘A cabeça não tem função alguma sem o corpo; o organismo não funciona regularmente se falta algum órgão. Da mesma forma, o Cristo sem a Igreja seria um incompleto: incompleto como Redentor, porque a graça que eêle (sic) possui para difundir, seria inativa; incompleto como segundo Adão, porque é tal somente pelo seu caráter representativo; incompleto como Cristo, porque o Cristo, mesmo em S. Paulo, é pessoa coletiva. Assim o Cristo se completa em todos em todas as formas: nos membros da hierarquia sagrada, como chefe da Igreja, nos simples fiéis como salvador e santificador.’78

77 78

L. Cerfaux, Cristo na Teologia ..., p. 334 e nota. W. Gardini, Catolicidade..., p. 160.

502

Segundo este sentido de Igreja, assim como Cristo não está limitado a um povo ou raça, mas sua plenitude a tudo alcança, o mesmo deve se dar à Igreja, que possui a plenitude de Cristo, devendo chegar, portanto, a todos (cf. Ef 1,10; 3,18).79. Poder-se-ia dizer ainda que a Igreja exercita a função de pleroma quando ela trabalha por sua edificação, tendo como fim último, é óbvio, a glória de Cristo. “Agora eu me regozijo nos meus sofrimentos por vós, e completo, na minha carne, o que falta das tribulações de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24).80 Se o Cristo é compreendido como transmitindo seu influxo ao Corpo (à Igreja), Ele o faz pela efusão do Espírito. O princípio vital do corpo é, por excelência, o Espírito de Cristo, pelo qual formamos um só corpo é formado a partir dos muitos membros (cCf. 1Cor. 12,13). O Espírito está compenetrado no corpo, lhe comunica sua índole específica (em uma palavra, santidade), é o princípio radical da vida e a raiz das operações vitais do corpo.81. No entanto, ainda assim falamos fala-se da relação do Espírito com o corpo sob o ponto de vista analógico com o princípio vital (alma) nos organismos viventes, uma vez que não devemos se deve afirmar que ontologicamente o Espírito é a alma da Igreja, como a formar uma união hipostática com esta. Sendo Cristo a Cabeça da Igreja, implica dizer que ela tem nele sua base e para ele se orienta. Pela Igreja, tem-se acesso a Cristo no céu.

Em Agostinho, percebemos que tal universalidade se realiza no amor, que vem do amor de Cristo. “El nos amó. Este amor nos renueva para ser hombres nuevos, herederos del Nuevo Testamento y cantores del nuevo cántico. Este amor, carísimos hermnanos, renovó ya entonces a losjustos de la antiguedad, a los patriarcas y profetas, como renovó despu´pes a los apóstoles, y es el que también renueva a todas las gentes; y el que de todo el género humano, difundido por todo el orbe, forma y congrega un pueblo nuevo, cuerpo de la nueva Esposa del Hijo unigénito de Dios...” (Santo Agostinho, Tratados sobre el Evangelio de San Juan, LXV, 1 in: RABANAL, Vicente (org.) Obras de San Agustin, tomo XIV, Madrid: B.A.C, 1957, p. 357). 80 Sob um veio mais místico, outra interpretação cabível seria a do Cristo que sofre em seus membros para edificar sua Igreja. 81 J. Bover, Teología de San Pablo..., p. 556. 79

512

Diz Ef 4,13ss que não atingimos de outra forma o ‘homem perfeito’, que é Cristo, senão deixando-nos co-edificar no seu Corpo, a Igreja, em direção a ele. Mas isto, enfim, só explica que a Cabeça abriu no seu Corpo o caminho para ela. 82

45.3. Visão Uso metafórico?

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a?

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Parece haver entre os teólogos ponto de discordância quanto a ser a concepção do Corpo de Cristo nas cartas do cativeiro uma metáfora ou algo real,83, do mesmo modo que houve quanto às grandes cartas, conforme já exposto.

A Igreja é o corpo de Cristo. Com isso ela não é só comparada com ele, mas é chamada assim com base no objeto. Ela é Cristo no seu Corpo. No corpo de Cristo a Igreja está presente, duma determinada maneira , o próprio Cristo. [...] Como o seu Corpo, é a Igreja inseparável dele. Mas ela não pode também se identificar com ele em sentido pleno. Ele e ela não são a mesma coisa. Mas ela é seu corpo, ou Ele no seu Corpo.84

82 83 84

H. Schlier, A Eclesiologia..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, p. 130. Cf. J. Bover, Teologia de San Pablo..., p. 600; E. Cothenet, As Epístolas..., p. 26. H. Schlier, A Eclesiologia..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, p. 130 (grifo nosso).

522

Para aqueles que vêem na relação Cristo-Igreja algo mais que uma metáfora em relação aos agrupamentos humanos, ainda que não descartem certo fundamento metafórico (baseado no princípio de solidariedade das relações humanas), a justificativa se dá no fato mesmo da união de Cristo com a sua Igreja que, por sua vez, tem sua base na união deste com os homens. Como foi vistovimos, esta união estaria na ordem da natureza. Primeiramente parece provar isso o inigualável amor de Cristo, cuja característica maior é ser eterno, de modo que este amor, paradoxalmente, não terminou com a sua morte, antes se confirmou com ela.

En los amores humanos, el desposado que se entrega a la muerte por amor a su desposada renuncia definitivamente por el mismo caso a la unión conyugal. Cristo, empero, según San Pablo, amó a la Iglesia y se entregó a si mismo por ella... a fin de hacer parecer ante sí a ala Iglesia como esposa suya y unirse com ella (Ef 5, 25-27).85

Outro ponto a se destacar é o próprio Espírito de Cristo. Enquanto que nas associações humanas há uma relação externa entre as pessoas, que se caracteriza por palavras e gestos, o Espírito de Cristo realmente se une ao nossoespírito de cada um dos batizados, participando profundamente de nossa vidade suas vidas.

45.4. Oo Hhino aos Ccolossenses86

85

Ibidem, p. 602. Não importa aqui o estudo esmiuçado deste hino, mas os termos que mais dizem respeito ao papel de Cristo em relação à sua Igreja. 86

532

“Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda criatura, porque nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades, Tudo foi criado por ele e para ele. Ele é antes de tudo e tudo nele subsiste. Ele é a Cabeça da Igreja, Que é o seu Corpo. Ele é o Princípio, O Primogênito dos mortos, (tendo em tudo a primazia), pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os dos céus, realizando a paz pelo sangue de sua cruz”(Cl 1, 15-20).

Não nos ateremos a estudar esmiuçadamente este hino, mas os termos que mais dizem respeito ao papel de Cristo em relação à sua Igreja.

45.4.1. Imagem (Cristo Novo Adão)

A Bíblia sempre foi muito “prudente” quanto ao apresentar a Deus. Para tanto, esta faz muitas vezes o uso de figuras. A compreensão que se tinha era que ver a Deus implicaria morte (dado a sua excelsa santidade). Ao mesmo tempo, buscou-se caminhos para tal revelação, não obstante toda a sua transcendência. O judaísmo tardio, mais influenciado pelo

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542

helenismo, proporá intermediários entre Deus e o mundo criado; cabe este papel tanto aos anjos, quanto a um “chefe” destes, a sabedoria.87. Há ainda a versão mais “ortodoxa” segundo a qual Moisés revela Deus ao seu povo ao revelar a sua vontade, ou seja, ao dar a Lei. Argumentando contra isto, Paulo dirá em 2Cor 4,4 que Cristo é quem dá esta revelação. O uso deste termo transporta-nos diretamente para a relação Cristo-Adão. Se aquele é a imagem de Deus, segundo Gn 1,26, este último é a plenitude e artífice da criação. A figura de Adão está centralizada como a cabeça da humanidade, mas “al encarnarse el Hijo de Dios, la capitalidad de Adán no subsiste, ni tampoco se anula, sino que se traspasa, se transfunde al Hombre-Dios, o, mejor, queda absorbida por la potencialidad avasalladora del nuevo Adán.”88 Tanto Adão como Cristo estão por natureza unidos à humanidade. Todavia, a união de Adão traz a marca da morte, enquanto que a de Cristo a da vida em plenitude; daí porque esta última é muito mais abrangente. É sabido o Sabemos do desenvolvimento que esta teologia, a qual podemos chamar de recapitulação, terá com Santo Irineu, desenvolvimento este que sobre a qual nos debruçaremos à frente será estudado. No momento, importa perceber que, como Adão foi o homem por antonomásia, assim é Cristo. Tal idéia, aliás, serve muito mais a Cristo do que a Adão, figura do primeiro. A relação Adão-Cristo não pode ser vista, como por vezes o foi, como sendo Adão o início da humanidade e Cristo o fruto desta89,, da qual derivaria dando assim como resposta ao “Cur Deus homo?” somente o resgate do pecado. Ao contrário, há de se ver, com muito mais abrangência, que Cristo é tanto o começo como o fim da humanidade, devido à sua

87 88 89

Tema desenvolvido por Fílon de Alexandria, filósofo judeu (13a.C – 40 d.C) que uniu Bíblia e platonismo. J. Bover, Teologia de San Pablo..., p. 577. Ibidem.

552

preexistência e ao plano do Pai e que há “...a necessidade de um equilíbrio entre os papéis cósmico e soteriológico de Cristo.”90

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45.4.2. Pleroma

Perpassa nestas cartas a imagem do Cristo criador (Ef 2,15) e redentor (Ef 5,23) desse seu corpo que é a Igreja. De suma importância aqui é a palavra plenitude (

“Ele é o Princípio, o Primogênito dos mortos,

(tendo em tudo a primazia), pois nele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude” (Cl 1,18b). O termo grego usado por Paulo, pleroma, tem o significado de definir aquilo que está cheio, ou seja, antônimo de vazio (); tem também o sentido de complemento, cumprimento, plenitude, totalidade, soma. Mais ainda, o termo traz consigo a idéia intrínseca de algo dinâmico, que está cheio mas que também enche. A presença de Deus no Universo não é uma novidade paulina; já no AT há textos que fazem alusão a isto (1Rs 8,11; Is 6,3; Jr 23,24; Sl 139). Tal idéia era aplicada de uma forma especial ao “Espírito do Senhor [que] enche o Universo” (Sb 1,7a).

90

RIBEIRO, Hélcion. Ensaio de Antropologia Cristã, Petrópolis: Vozes, 1995, p. 121.

562

No NT, o termo é usado mais no sentido de fim dos tempos, inaugurado com o advento de Cristo;, assim ele se encontraencontramos em Gl 4,4; Ef 1,10; Mc 1,15;, textos esses que estão em concordância com a vertente apocalíptica de Daniel 9. Em Paulo, o termo é usado em diferentes passagens além das que aqui foram citadasmos: Cl 1,19; 2,9; Ef 1,10; 1,23; 3,19; 4,13. “Se emprega a mesma palavra sob vários sentidos: plenitude dos tempos (Ef 1,10), plenitude de Cristo (Cl 1,19; 2,9; Ef 4,13), plenitude recebida pela Igreja (Ef 1,23), mas em sentido controvertido) e plenitude recebida pelo fiel (Ef 3,19).”91 Para uma primeira explicação poderia ser vistoíamos aí aqui ver novamente o fundo helenístico que considera o universo como um ser vivo cuja unidade e vida é garantida pelo espírito (pneuma) divino nele presente. O pleroma, como princípio divino, ‘enche tudo’ e

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é preenchido por tudo. Em favor deste plano anterior há o contexto cósmico de Cl 1,15s. “A ‘Plenitude do ser’, e não somente a Plenitude da divindade, se acha acumulada no Cristo.”92” Todavia, enquanto que para o pensamento helenístico o fato do universo ser “um todo organizado, um corpo, um pléroma”93 serve para testificar a unidade do mundo,

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onde este é o centro, para Paulo o uso da mesma proposição inicial serve para mostrar que Deus é a fonte da unidade do mundo e que “de Deus o pléroma vem-se (sic) fixar em Cristo,

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mais precisamente no corpo ressuscitado de Cristo ().”94

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Sendo assim, a Igreja como que “se alimenta” do pleroma de Cristo (do poder espiritual contido nele) para assim ser cheia, de modo que poderá se chamar “‘o pléroma de Cristo’; daquele cuja ‘plenitude’ se vai completando inteiramente em todos os seus membros (Ef 1,23).”95”

91

E. Cothenet, As Epístolas..., p. 28. Ibidem. p 29. 93 L. Cerfaux, Cristo na Teologia... p. 331. 94 Ibidem. 95 Ibidem. 92

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572

Neste sentido, a Igreja, como já foi dito,ssemos antes, assume as feições de um corpo glorioso e supra-terreno, à semelhança do próprio Cristo, de tal modo que “bons exegetas (...) iriam até o ponto de considerar a Igreja como um organismo espiritual e englobar os anjos.”96 Para Cerfaux, tal modo de pensar, no que se refere à redenção, é por demais abrangente, uma vez que extrapola o campo da redenção, que é redenção objetiva dos homens. O autor não nega, todavia, que o pleroma de Cristo possibilita a compreensão de que “... exerceria sua influência – de santificação para a Igreja, de domínio para as potestades – sobre o universo, os homens e as potestades. Em estilo filoniano, Cristo seria Senhor dos anjos e Deus dos cristãos.”97 Voltando à tentativa de explicação com base gnóstica, vemos nesta percebe-se aí que o Cristo recebe de Deus a plenitude de todos os bens da salvação, destinados aos homens, segundo Cl 2,3 (“no qual se acham escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento”) e Pr 8. Tal explicação está na linha do uso gnóstico de ver a unificação dos eons. Além dos pontos contrários a tal explicação já citados, este modo de pensar gnóstico teria tido sua força principalmente no século II,98,, portanto posterior ao apóstolo e, consequentemente, anacrônico.

Paulo pôde ajustar uma palavra de uso corrente a seu sistema teológico a fim de assinalar a função intermediária essencial de Cristo na ordem da santificação. Toda a força de santificação da divindade, que tende a desabrochar no mudo, veio concertar-se em Cristo, em seu corpo ressuscitado (Cl 1.19;Cl 2,9).99

96

Ibidem, p. 332. Ibidem. 98 E. Cothenet, As Epístolas..., p. 29. 99 Cf. L. Cerfaux, Cristo na Teologia ..., pp. 330-331. 97

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Para o nosso presente objeto de estudo, a relação corpo de Cristo/Igreja, é interessante notar que:

O corpo ressuscitado, ‘espiritualizado’ de Cristo pode ser considerado como o lugar onde se concentra o poder santificador da divindade. Aí concentrado, ornase o foco irradiante para o mundo. A concepção paulina do plééroma parece exprimir este esquema.100

Quer admitamos se admita ou não uma maior ou menor influência gnóstica, importa que, assim como acima dissemos foi dito que Paulo superou as idéias estóicas, do mesmo modo ele o fez quanto às concepções gnósticas “...mediante su mentalidad históricosalvífica en la que todo el acontecer es acción libre de Dios y libre recepción del hombre”.101.

100 101

Ibidem, p. 330. Ibidem, p 63.

592

45.5. A Unidade

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NIDADE

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A imagem de corpo de Cristo presente nestas cartas também traz o aspecto exortativo de levar necessariamente ao tema da unidade que, com mais ênfase que na carta aos Coríntios, é entendida como unidade da Igreja universal. O tema da unidade nestas cartas, diz respeito à situação nova da Igreja Ppovo de Deus, ou seja, de co-existirem nela duas realidades diferentes: os judeus convertidos e os que outrora pertenceram ao paganismo. O apóstolo procura mostrar que não há motivo para desunião. Paulo reconhece que os judeus são os detentores da promessa, predita para Abraão no AT e que agora, com Jesus, se faz presente. Quanto aos gentios, sua participação na Nova Aliança não provém de uma promessa passada, mas é uma dádiva totalmente nova da misericórdia divina, pois “... Cristo se fez ministro dos circuncisos para honrar a fidelidade de Deus, o cumprimento das promessas feitas aos pais; aos passo que os gentios glorificam a Deus pondo em realce a sua misericórdia...(Rm 15,8s). É sabido, no entanto, que Paulo fala de novidade em relação aos gentios, pois ele mesmo reconhece isso como um mistério da vontade de Deus escondido desde o princípio e que agora é revelado por meio dele (Ef 1,18ss; 2,1ss; 3,2ss). AAÀ partir de Cristo, já não há mais diferença entre estas duas classes sócio-culturais, justamente porque aqueles que foram incorporados a Cristo formam com Ele um só corpo onde “...não há mais grego e judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos” (Cl 3,11; cf. Ef 2,14.18-19).

602

Se antes falamos do o batismo foi apresentado como princípio de unidade, – do cristão com Cristo e com os irmãos, nas cartas do Cativeiro – paralelamente o que acontece com os indivíduos nas cartas do cativeiro acontece com a Igreja. O Espírito de Cristo age nela, levando necessariamente à unidade. Da parte que cabe aoNo que concerne ao Corpo para manter a unidade, este tem o dever de se manter unido à Cabeça (cf. Ef 2,16; 4,12.14; Cl 3,15) e observando as articulações que lhe possibilitam um são desenvolvimento, ou seja, os ministros do Evangelho (cf. Cl 2,19; Ef 4,15s). Cristo, por sua vez, jamais falta com sua parte. Ele é a perene força motriz da Igreja que, para a visão mística e utópica de Paulo, tem tudo para viver aquilo que já é, Corpo de Cristo, portanto, membros santos de uma Igreja Santa.

612

Cap. II: A IMAGEM DA IGREJA COMO CORPO DE CRISTO NOS PADRES E NA ESCOLÁSTICAA

622

1. Breve Ccontexto Hhistórico

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No capítulo I deste trabalho adentrou-seamos na teologia bíblica sobre a iImagem de Igreja como Corpo de Cristo. Assim Isso foi feito o fizemos por motivos óbvios. Primeiramente porque, como vimosvisto, tal imagem é oriunda da Palavra de Deus, mais precisamente do Novo Testamento e, dentro deste, das grandes cartas paulinas bem como de suas cartas do Ccativeiro (Efésios e Colossenses especialmente). Pesa ainda o fato de que “... o evento atestado na Escritura não representa apenas essa origem cronológica, mas uma permanente normativa (...) cujas águas vão a dimanar na torrente da história.”102 Em todo o período pós-apostólico, portanto na maior parte da história da Igreja, o que se verá é uma relação entre a Igreja e o mundo que a cerca e no qual ela se encontra. Tal relação é muitas vezes antagônica e sempre desafiadora. A Igreja já no seu início, diante da situação nova de estar entre judeus e gregos e ser ao mesmo tempo ciente de sua origem divina, começa a se expressar sobre si mesma, e irá tomando cada vez mais atitudes neste sentido. SabemosSabe-se, no entanto, que uma reflexão sistemática da Igreja sobre si mesma, com o intuito de dar a definição de quem ela é, só será levadoa a à cabo mais precisamente no Vaticano II. “... a Igreja viveu mais ou menos 1500 anos, sem muito refletir sobre sua natureza e sem procurar encerrá-la em uma definição lógica, precisa. Isso vale tanto para a Igreja do Ocidente, como para a do Oriente.” 103 Deste período até o Concílio Vaticano II, há um crescente auto-conhecimento.

102

FRIES, Heinrich. Modificação e Evolução da Imagem da Igreja. In: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, IV/2, p. 5. 103 BARTMANN, Bernardo. Teologia Dogmática, A redenção, a graça, a Igreja, vol. II, São Paulo: Paulinas, 1964, p. 415.

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Diante disso, o falar de imagem de Igreja, no caso Imagem de Corpo de Cristo, é falar em dois sentidos diversos mas complementares. A imagem é, em um primeiro momento, a idéia clara (mas não uma definição lógicosistemática) que a comunidade, principalmente a comunidade primitiva, tem de si mesma. É uma imagem que se nutre e se evidencia pela profissão de fé, pela liturgia, a espiritualidade e que, com o tempo, também se nutrirá da reflexão teológica e das expressões artísticas. Por outro lado, é também a imagem que a Igreja passa de si, ou pelo menos como é concebida, pelos que a vêem de fora, ou seja, o não crente e/ou, no período pósapostólico, os crentes “não praticantes”. Como dissemosdito, uma e outra forma de compreensão se relacionam.

A Igreja concreta se configura de vez em vez conforme a imagem que se faz da Igreja, o seu image, de sua real figura histórica e realidade concreta. Desse emaranhado inextricável de idéia e realidade resultam necessariamente certas tensões – o que não representa nenhum prejuízo para a causa da Igreja, mas antes sua expressão inevitável e sua figura a abarcar todas as dimensões.104

Em seus três primeiros séculos, a Igreja se compreendeu como mistério.

A Igreja se entendeu como mistério no sentido de se conceber em seu todo como uma comunidade chamada e reunida pelo misterioso desígnio de Deus cumprido em Jesus Cristo, pelos dons de sua palavra e de seu amor propiciado no batismo, na Eucaristia e na ressurreição dos pecados, e santificada pela participação no sagrado, realiza sua koinonia pela communio e pelos dons do Espírito.105

104 105

H. FRIES, Modificação..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, IV/2, p. 6. Ibidem, p. 7.

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A Igreja da antigüidade se fixa, com os Padres, nas imagens bíblicas. Por sua variedade, estas exprimem riqueza e vivacidade. Entre estas imagens ganha destaque a Imagem de Corpo de Cristo. Os padres a reforçam pela sua teologia da Palavra, dos sacramentos (especialmente a Eucaristia), os dons do Espírito Santo e o ágape. Assim como

vimos que Paulo se serviu de seu background judaico para

descrever sistematicamente a hhierarquia que se dá na da Igreja, também este ponto será desenvolvido pelos Padres. Santo Inácio de Antioquia, por exemplo, será categórico quanto à importância do bispo. Este é “... o centro determinante da comunidade; como expressão da caridade e unidade que a pervadem.”106 Como vistomos nas cartas paulinas, a Hhierarquia é um dom a serviço do crescimento do Corpo. Na Igreja antiga, o bispo começa a assumir uma função que foi dada a Cristo, ou seja, a de Cabeça do Corpo. Ele (o bispo), pessoa visível, faz a vez de Cristo, pessoa invisível. Tal função, como explicará a teologia dos sacramentos, é entendida segundo o conceito de Persona Christi, ou seja, da atuação de Cristo nele (o bispo), possibilitada pelo sacramento da Ordem. É óbvio que assim visto, o bispo faz aquela função de Cristo Cabeça como membro que coordena o corpo. Jamais o bispo, ou qualquer outro ministro ordenado, faria a função de Cristo Cabeça no outro sentido que este termo tem e sobre o qual já nos detemos, ou seja, a Cabeça que nutre o corpo. Tal papel é inalienavelmente de Cristo e seu Espírito. Correlacionado com o nossoeste tema está, como também já o vimos foi visto no capítulo anterior, a compreensão de Igreja como Casa de Deus (sempre entendendo oikos/oikia não no sentido de edifício, mas como os fiéis congregados). A Igreja é chamada de Casa ou Templo de Deus tomando assim o lugar que fora do Templo no AT. Onde quer que

106

Ibidem, p. 9.

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haja uma reunião de cristãos, ali há uma Casa de Deus, pois Jesus se encontra em meio a eles.107.

A imagem da Igreja como Casa e Templo de Deus reveste-se pois dum significado específico por designar de que maneiras a Igreja se realiza como Povo de Deus e Corpo de Cristo – como Povo de Deus que existe como Corpo de Cristo e no Corpo de Cristo.108

Além desta importante metáfora que é a da Casa, os Padres usaram várias outras metáforas e alegorias, tiradas tanto da Bíblia quanto da cultura helênica, em sua tentativa de compreender a Igreja, tais como: mysterium lunae, navio, Arca de Noé, nau de Pedro, paraíso, pomba, céu, túnica sem costura, rebanho, vinha, campo, rede e outras. Tudo isso se justifica pelo fato de predominar para eles a Igreja como mistério. Ora, para falar de mistério é necessário uma linguagem simbólica, pois a Igreja é um retrato de uma realidade ainda a vir, ou seja, a celeste.

A estrutura e ordem da Igreja seria, pois, a reprodução duma ordem celeste; os sinais, símbolos, sacramentos e forma de atuação da Igreja seriam em correspondência as projeções de invisíveis realidades divinas, a se manifestarem por sua vez aos homens nas formas adequadas aos seus órgãos perceptivos. 109

Desta forma, percebe-semos a ligação com o que anteriormente foi dito, ou seja, que a imagem de Igreja como Corpo de Cristo sofreu um desenvolvimento, segundo as circunstâncias precisas, desde as grandes cartas paulinas (Rm e 1Cor) até as do cativeiro (Ef e

107 108

Lembremo-nos que só após Constantino a Igreja irá começar a ter edifícios para o culto. H. FRIES, Modificação..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, IV/2, p. 9.

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Col), chegando nesta últimas a uma imagem muito mais ampla e cósmica. Será esta característica cósmica-escatológica o fio usado para a trama da eclesiologia dos Padres, que inclui a imagem do Corpo de Cristo.

2. A Imagem de Igreja como Corpo de Cristo em Santo Irineu

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Irineu foi um dos primeiros teólogos da Igreja. Defensor árduo da regula fidei, ele é da segunda geração pós apostólica, tendo tido contato com Policarpo, que por sua vez esteve com São João. Seus escritos que aqui usamos, tirados do Adversus Haereses, não são uma obra de eclesiologia, mas uma apologia. Embora a Igreja não seja o tema central, sua imagem aparece em Irineu, antes de tudo, como de detentora da verdade.

Demos a conhecer a verdade e pusemos em evidência a mensagem da Igreja, prenunciada, como dissemos, pelos profetas, levada à perfeição pelo Cristo, transmitida pelos apóstolos, dos quais a Igreja a recebe e que ela somente guarda intacta em todo o mundo e a apresenta a seus filhos.110 A pregação da Igreja é, portanto, verdadeira e firme e nela há um único e idêntico caminho em todo o mundo. A ela foi concedida a luz de Deus (...) com efeito, em todo lugar, a Igreja prega a verdade, verdadeiro candelabro de sete braços, trazendo a luz de Cristo.111

Em resposta aos hereges gnósticos, esta Igreja tem o depósito da fé que leva à salvação. Cristo se encarnou de fato, tal encarnação é garantia de salvação para Adão e seus

109

Ibidem, p. 14. Irineu. Adversus Haereses, livro V, introdução. In: Irineu de Lião, coleção Patrística, São Paulo: Paulus, 1995, p. 517. 111 Ibidem, p. 522. 110

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descendentes. Ora, o modo pelo qual o fiel haure dos frutos da redenção é em estar na verdade, ou seja, na Igreja que é o Corpo de Cristo.

Este Dom de Deus [a verdade da fé] foi confiado à Igreja, como o sopro de vida inspirado na obra modelada, para que sejam vivificados todos os membros que o recebem. É nela também que foi depositada a comunhão com o Cristo, isto é, o Espírito Santo penhor de incorrupção, confirmação da nossa fé e escada para subir a Deus. Com efeito, ‘Deus estabeleceu apóstolos, profetas e doutores na Igreja’, e todas as outras obras do Espírito, das quais não participam todos os que não acorrem à Igreja, privando-se a si mesmos da vida, por culpa de suas falsas doutrinas e péssima conduta. Onde está a Igreja, aí está o Espirito de Deus, e onde está o Espírito de Deus ali está a Igreja e toda a graça. E o Espírito é Verdade. Por isso os que se afastam dele e não se alimentam para a vida aos seios da Mãe, não recebem nada da fonte puríssima que procede do corpo de Cristo, mas cavam para si buracos na terra como cisternas fendidas e bebem a água pútrida de lamaçal; fogem da Igreja por medo de serem desmascarados e rejeitam o Espírito para não serem instruídos.112

Os gnósticos combatidos por Irineu falam a respeito de um “pleroma”, entendido como domínio de Deus. Postulam ali a existência de vários seres que são deuses. A refutação de Irineu, iniciada no livro II visa justamente estabelecer como certa a unicidade de Deus, o que ele faz propondo a unicidade da Igreja. Vimos no capítulo I deste trabalho como a imagem do Corpo de Cristo sempre teve esta função específica de salvaguardar a unidade. Esta unidade da Igreja, Irineu a encontra nos apóstolos e seus sucessores os bispos. 113

Este discípulo [quem está na verdade da Igreja] julgará também os fautores de cismas, falsos e sem amor a Deus, que visam mais à sua vantagem do que a unidade da Igreja e pelos motivos mais insignificantes e fúteis rasgam e dividem o corpo glorioso de Cristo e, no que lhes diz respeito, o matam...

112 113

Ibidem, p. 360. Cf. Ibidem, pp. 250ss.

682

A verdadeira gnose é a doutrina dos apóstolos, é a antiga difusão da Igreja em todo o mundo, é o caráter distintivo do Corpo de Cristo que consiste na sucessão dos bispos.. (.

...) a Igreja (...) envia uma multidão de mártires ao Pai (...) continuamente mutilada, logo aumenta os seus membros e readquire a integridade...114

Jesus é apresentado por Irineu como sendo a verdade, que edificou os apóstolos na verdade. A obra de Jesus foi resgatar do erro, a custa de seu Sangue, os que nele crêem.115. Temos assim a continuação da teologia paulina do Cristo que recapitula em si todas as coisas.

Se um homem não tivesse vencido o inimigo do homem a vitória não seria justa; por outro lado, se a salvação não tivesse vindo de Deus, não a teríamos de maneira segura; e se o homem não estivesse unido a Deus não poderia participar da incorruptibilidade. Era necessário, portanto, que o Mediador entre Deus e os homens, pelo parentesco entre as duas partes, restabelecesse a amizade e a concórdia...116

É difícil não ver em tal afirmação uma raiz para a teoria anselmiana da satisfação. Ora, tal teoria, como vistomos, justificaria a encarnação como já sendo o início da concepção de Igreja como Corpo de Cristo. Pode-semos assim ver na defesa que Irineu faz da encarnação o motivo, ainda que secundário, para a Igreja como Corpo de Cristo. “Ora, se ele

114 115 116

Ibidem, pp. 474ss. Cf. L. III, 5,3. Irineu. Adversus Haereses, in: Irineu de Lião, p. 334.

Formatado: Português (Brasil)

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não tivesse realmente assumido a carne, mas somente a aparência, a sua obra não seria veraz.”117 Partindo para os sacramentos, também Irineu reforça a concepção da Eucaristia que torna o cristão membro do Corpo de Cristo. Ele o faz com objetivo apologético, que é o de comprovar que Cristo se encarnou e que nossa carne é por ele santificada. Fala também dentro de um contexto escatológico, da ressurreição individual. Daí que trata da ligação, por este sacramento, do indivíduo com Cristo, formando o Seu Ccorpo, tal como as grandes cartas paulinas.

Se, portanto, o cálice que foi misturado e o pão que foi produzido recebem a palavra de Deus e se torna m a Eucaristia, isto é, o sangue e o corpo de Cristo, e se por eles cresce e se fortifica a substância da nossa carne, como podem pretender que a carne seja incapaz de receber o Dom de Deus, que consiste na vida eterna, quando ela é alimentada pelo sangue e pelo corpo de Cristo, e é membro deste corpo? ... o bem-aventurado Apóstolo (...) fala (...) da estrutura do homem verdadeiro, feito de carne, nervos e ossos, alimentados pelo cálice que é o sangue de Cristo e é fortificado pelo pão que é o seu corpo. 118

3. A Imagem de Igreja como Corpo de Cristo em Orígenes

Formatados: Marcadores e numeração Formatado

117 118

Ibidem, p. 335. Ibidem, p. 522s.

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Além de ter sido um dos que mais influenciaram a teologia antiga (às vezes nem tanto positivamente, dada a singularidade de muitas de suas idéia especulativas), Orígenes muito desenvolveu a imagem de Igreja como Corpo de Cristo. Ao analisar

É sábio tocar alguns pontos da doutrina eclesiológica de Orígenes, isto

faz-se. Fazemo-lo tendo sempre presente a compreensão de fundo de que quanto Orígenes escreveu – muitas sendo que várias coisas a título de hipótese – muito do que hoje temos temse como dogmanticamente estabelecido assim ainda não estavao era. Tendo este pressuposto, Assim fazendo não corremos não se corre o risco de “heretizá-lo” à priori.

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A teologia de Orígenes parte da preexistência dos seres em Deus. Os seres racionais (anjos, demônios e o homem) foram criados concomitantemente e de forma igual. Foi só com o primeiro pecado, que ocorreu ainda no céu e por livre arbítrio, que estes se diferenciaram. Tais seres, ou inteligências, eram conduzidos pelo pneuma e tinham corpos etéreos (a corporeidade os diferenciava de Deus). Também a título de hipótese, Orígenes propõe a existência de mundos sucessivos. Mas o que ele entende por isso? “No lo dice exactamente. De lo expuesto por él mismo se distingue primero el uno de lo inteligible (noetós), de

las ideas, razones y mesterios,

contenido en el Verbo; después el mundo actual, y, por fin, el mundo de la resurrección.”119 Em sua compreensão, o início está ligado ao fim. Com a queda das almas, há o início de um tempo para que novamente se volte à situação anterior.

Recordemos que las crieaturas racionales estaban absortas en la contemplación de Dios como lo estarán los bienaventurados en las restaruració´n final. Formabam una unidiad, una Iglesia, cuya cabeza y Esposo era Cristo en su humanidad preexistente. La caída va a dislocar esa Iglesia y poner fin a tal unidad. 120

119 120

CROUZEL, Henri. Orígenes – Un teólogo controvertido, Madrid: B.A.C., 1998, p. 288. Ibidem, p. 293s.

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A queda das almas é uma separação brusca de Deus, que é fogo e calor. Longe de tal fogo, estas se esfriam, diminuindo em fervor e caridade.

Pero esta degradación de la inteligencia implica grados en el alma porque no todas han caído al mismo nivel. De ahí proviene la diversidad de las crieaturas racionales, sus diferentes órdenes, ángeles, hombres y demonios, y dentro de cada orden su continua diversidad.121

Ora, a doutrina de Orígenes, ainda que não integralmente, tem muitos paralelos com o platonismo que, por sua vez, tem ligação com a gnose. Sabe-seemos que, segundo esta, o mundo é formado pelos eons, os quais são reunidos pelo demiurgo. Para Orígenes, “...entre las crieaturas angélicas que no pecaron, algunas se encarnaron, como Cristo, no a consecuencia de un pecado, sino para servir a los hombres y ayudar en la misión del Redentor.”122 No estado de perfeição no céu já estava a Igreja, apresentada por meio da imagem da Esposa em companhia de seu Esposo. Com a queda das almas, que assumem um corpo (homens) ou vão ao inferno (demônios), a unidade da Igreja é quebrada. No céu a Igreja é gloriosa com os anjos e os bem-aventurados. Na terra ela é peregrina. Cristo, ao se encarnar, se torna o sacramento por excelência e a Igreja, “... una sociedad humana que es el cuerpo de Cristo, y la Escritura un libro humano que expressa la Palabra de Dios.”123 A imagem da Igreja como Corpo de Cristo tem em Orígenes valor devido a sua eclesiologia descendente. “Essa única Igreja é ao mesmo tempo terrena e celeste, visível e

121 122 123

Ibidem, p. 294. Ibidem, p. 296. Ibidem, p. 309.

722

invisível, hierárquica e pneumática. Essa sua estrutura sacramental é análoga à do Logos encarnado.”124 A relação entre o Cristo Cabeça e a Igreja Corpo, está para Orígenes no fato de “...que Cristo agora participa e sofre na experiência de seus membros; que a sua alegria não estará completa enquanto seu corpo não estiver pacífica e totalmente formado na vida futura.”125 Portanto, ainda que parta de uma visão cósmica de Igreja, Orígenes não é de modo algum “sem os pés no chão”. Ao contrário, ele tira uma conclusão bem realista para a relação da Igreja com Cristo..

4. A Imagem de Igreja como Corpo de Cristo em Santo Agostinho

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Se aAté aqui tem-seos visto a profunda relação entre a iImagem de Igreja como Corpo de Cristo e a Eucaristia. Pode-se dizer que , e assim continuaremos a vê-la, podemos dizer que em Santo Agostinho tal relação assume uma ênfase ainda maior. “ Efectivamente, Agustín haá visto la eucaristia todavía más intensamente que Cipriano como Iglesia que se realiza, de tal manera que la acentuación eclesiológica se muestra aquí como la única justa..”126 Ao longo da história, a interpretação de Agostinho a respeito da Eucaristia foi mal compreendida, sendo este visto como um “simbolista” em contraposição a uma posição realista. Sabe-se, todavia, que o que ele entende por símbolo não é a compreensão atualmente

124 125

PADOVESE, Luigi. Introdução à Teologia Patrística, São Paulo: Loyola, 1999, p. 102. Ibidem..

732

difundida (como oposto de real) mas sim um “símbolo real”, ou seja, que o símbolo traz em si o que representa. A chave de compreensão eucarística em Agostinho é a chave eclesiológica. “Ele gosta de sublinhar a dimensão eclesial da eucaristia, insistindo no aspecto dinâmico de sua celebração, cheio de simbolismo e significado: a eucaristia está ordenada a construir o corpo eclesial de Cristo e é seu melhor símbolo.”127 Também para Agostinho a Eucaristia é fonte de união, e o Corpo de Cristo ao qual ela está relacionada não é somente a Cabeça ou os membros, mas a ambos. Esta unidade se faz mediante a incorporação do fiel a Cristo, por meio da Eucaristia.

...en Agustín (...) es decisiva la intención de subrayar la inserción del individuo en la unidad del cuerpo de Cristo (...) No somos nosotros los que acogemos a Cristo, sino que él nos acoge y nos hace miembros de su cuerpo. Por consiguiente, la eucaristía es inseparablemente símbolo real de Cristo y símbolo real de sua Iglesia propia y verdadera, ligada a él por la gracia y por la fe en un solo cuerpo.128

Em sua visão espiritual, Agostinho vê na pessoa de Cristo a fonte da unidade. É da Cabeça que provém as graças para a Igreja.

Muitos cristãos, um só Cristo. Os cristãos unidos a sua Cabeça, que subiu ao céu, formam um só Cristo. Não digo que ele é um só e nós somos muitos, mas que nós, sendo muitos, naquele que é um, somos um só. Por conseguinte, Cristo é um só, Cabeça e corpo. Qual é o seu corpo? Sua Igreja, conforme a palavra do Apóstolo:

126

GERKEN, Alexander. Teología de la Eucaristía, , Madrid: Ediciones Paulinas, 1973, (Biblioteca de Teologia), p. 87. 127 ALDAZÁBAL, J. A Eucarístia. In: BORÓBIO, Dionísio (org.). A Celebração na Igreja 2 – Sacramentos – São Paulo: Loyola, 1993, p. 221. 128 A. Gerken, Teología de la Eucaristia, p. 89.

742

‘Porque somos membros do seu corpo’. E: ‘Vós sois o corpo de Cristo e sois os seus membros’.129

Para Agostinho a Igreja mistiericamente sempre esteve unida à sua Cabeça, ainda que historicamente ora se veja um, ora outra; o que existe é uma união que se dá na universalidade de toda a Igreja.

Ellos [los discípulos] vieron esto; viéronle padeciente, viéronle pendiente y, tras la resurrección (...) Qué, pues, no veían? El Cuerpo, es decir, la Iglesia. Veían a ÉEl, no la veían a ella; (...) no veían la Iglesia difundirse por todo el mundo, comenzando por Jerusalén. Veían la Cabeza y creían a la Cabeza lo que les decía del Cuerpo (...) En algo nos parecemos nosotros a ellos; algo vemos nosotros que no veían ellos, y no vemos algo que ellos veían (...) La Iglesia en todas las naciones (...) A Cristo corporalmente. Así, pues, como ellos le veían a ÉEl y creían en el Cuerpo místico, nosotros, que vemos el Cuerpo, creemos en la Cabeza (...) Ellos conocieron el Cristo total lo mismo que nosotros; pero ni ellos ni nosotros le vimos totalmente. Ellos vieron la Cabeza, y creyeron en el Cuerpo; nosotros vemos el Cuerpo, y creemos en la Cabeza.130

...Por la gracia de Dios estamos en aquella Iglesia que, aunque está difundida por todo el mundo, es tan sólo un gran cuerpo de una gran Cabeza, pues su Cabeza es el mismo salvador, como dice el Apóstol (...) Por lo tanto, carísimos, mantengámonos com firmeza de pensamiento y fortaleza de corazón bajo tan excelsa Cabeza en glorioso cuerpo, pues en él somos miembros recíprocos. Por eso, aunque me separan de vosotros tan largas distancias, mantengámonos juntos en aquel de cuyo cuerpo único no debemos separarnos.131

Agostinho. Enarrationes in Psalmos, 127,3. In: Comentário aos salmos – salmos 101-150 - col. Patrísticas, São Paulo: Paulus, 1998, p. 677. 130 Agostinho. Sermones, 116, 6. In: A. FUEYO, Obras de San Agustin, tomo X, p. 573. 131 Agostinho. Carta 142, 1. In: CILLERUELO, Lope. (org.), Obras de San Agustin, tomo XI, Madrid: BAC, 1953, p. 169. 129

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Na soteriologia de Agostinho é fácil perceber a ortodoxia segundo a qual do Corpo de Cristo participam por ora tanto justos como injustos, sendo que no fim haverá a separação destes.

Con ella [a Igreja] comungamos nosotros para merecer ser miembros de Cristo, unidos con un fiel afecto de caridad a la trabazón de su Cuerpo. Todo el que viva mal en la unidad de esta Iglesia, para sí comeo y bebe su juicio, según dice el Apóstol (...) Pero vivimos solícitos unos de otros, como miembros de un Cuerpo, de manera que todos los que por la gracia de Dios pertenecemos al futuro granero hemos de tolerar entre tanto la paja de la hera, no sea que por esa paja, destinada al fuego futuro, abandonemos la hera del Señor.132

5. Corpus Eeclesiae

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Vimos que por Por mais que tenha havido influência helenística sobre Paulo, a imagem de Igreja como Corpo de Cristo é oriunda se deve muito mais a de uma concepção nova, oriunda fruto da novidade por excelência que é o cristianismo, do que a uma construção sociológica. Na Igreja de caráter mistéricomístico, como é a dos Padres, tal novidade continua sendo a base para se manter esta imagem.

132

Ibidem, 142,3.

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A partir de Constantino, no entanto, inegavelmente a Igreja parece perder um pouco da sua roupagem mistéricamística e inicia-se, na Igreja latina, um processo de união com o Império. Em pouco tempo a Igreja passará do status de perseguida à posição privilegiada de detentora da religião oficial do Império, o que se dará definitivamente sob o governo de Teodósio em (392). Não nos cabe aqui detalhar todo o processo de luta por poder que logo se desencadeará entre o Império e a Igreja, e que perdurará por longos séculos. Ora se dará um movimento de cesaropapismo, ora de hierocracia. Importa saber que “La idea religiosa de la ‘ciudad de Dios’ que Agustin había incorporado a las imágenes bíblicas de pueblo de Dios, cuerpo de Cristo, Iglesia madre e Iglesia esposa, se convirtió en la imagen modélica de la Iglesia de Roma en una forma más secularizada...”133 Assim sendo, com a construção da história, tal processo agregou um certo acento sociológico à iImagem de Igreja como Corpo de Cristo. Parece ser outro marco mais incisivo para tanto a influência do Império Germânico, já a partir do século IX.134.

... la Edad Media germánica introdujo su concepción sociológica del pueblo en la idea del cuerpo de Cristo, y aporvechando mas las ideas estoicas de 1Cor 12 habló de un corpus ecclesiae más que de un corpus Christi. En él se vio la comunidad de los creyentes organizada sobre la tierra, que lucha por la causa de Dios y por la salvación de sus miembros en el mundo.135

133

J. Auer, La Iglesia, p. 72. Esta passagem parece ser mais fácil de ser rastreada, novamente a partir de Santo Agostinho, quando olhamos para a imagem de Igreja como povo de Deus. “... a partir de Agustín el concepto jurídico-romano de populus entra en lugar del concepto histórico-salvífico de pueblo de Dios: la Iglesia es la Iglesia de todos los pueblos (cf. Agustín, In Ps 47,2; PL 36,353s) compreendidos en el imperium romanum.” ( Ibidem, p. 85s). 134 Sabe-semos que tal influência se deu em tantos outros campos, como por exemplo na liturgia; parece que o objetivo do Império, em seu relacionamento com a Igreja, a começar por Carlos Magno, era proteger a Igreja, para tanto, haveria de “estatizá-la” o máximo possível. 135 J. Auer, La Iglesia, p. 65.

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Com a passagem do Corpus Christi para Corpus Ecclesiae, muita coisa parece mudar. O fiel passa a ter uma relação próxima não tanto a Cristo, mas com a Igreja. Isto porque esta é sacramento deste. Tal idéia, é sabido,o sabemos, em si não é nova, uma vez que já os Padres fazem longa apologia a respeito da necessidade da Igreja.136. A novidade estaria na forma juridicista – bem típica da influência germânica – que começa a se implantar na teologia. “... la constitución jurídica externa apareció cada vez más como signo externo de la estructura sacramental.”137 Começava assim a querela entre simbolismo e realismo na Igreja, entre as quais é difícil até hoje encontrar um meio termo. No século XII se concebe a Igreja de forma muito espiritual (Pedro Bruys, Arnoldo de Brescia), em outros séculos exacerba-se no romantismo. Contradizendo a isto, “... desarrolló uma concepción más orgânica del Cuerpo místico de Cristo, con lo que aún debía resaltar más el caráter sacramental de la Iglesia.”138 Com tudo isso, a imagem de Corpo de Cristo acabou por cair no esquecimento, principalmente entre os séculos IV e XII, ainda que ocasionalmente seja lembrada. Por outro Uma das vozes mais fortes sobre isto é a de São Cipriano, o “Padre da unidade”: “Julga conservar a fé, quem não conserva esta unidade recomendada por Paulo? Confia estar na Igreja, quem abandona a cátedra de Pedro sobe a qual está fundada a Igreja? (...) Julga conservar a fé quem não conserva esta unidade da Igreja? Confia estar na Igreja quem se opõe e resiste à Igreja? (...) A Igreja é uma só, embora abranja uma multidão pelo contínuo aumento de sua fecundidade. (...) Ela desdobra os ramos por toda terra, com grande fecundidade; estende-se ao longo dos rios, com toda liberalidade, e no entanto é uma na cabeça, uma pela origem, uma só mãe imensamente fecunda. (...) Quem se aparta da Igreja e se junta a uma adúltera, separa -se das promessas da Igreja. Quem deixa a Igreja de Cristo não alcançará os prêmios de Cristo. (...) Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por Mãe. (...) Quem há tão ímpio e perverso, tão enlouquecido pelo delírio da discórdia que julgue poder, que ouse dividir a unidade de Deus, a veste do Senhor, a Igreja de Cristo?” (Sobre a Unidade da Igreja, in: GOMES, C. Folch. Antologia dos Santos Padres, 4ª edição, col. Patrologia, São Paulo: Paulinas, 1979, p. 182ss.). É deste mesmo Santo Padre a famosa expressão extra Ecclesiam nulla salus, que trouxe consigo grandes contendas, principalmente na Idade Média e após a Reforma. Hoje se interpreta tal afirmação sob um ponto de vista muito mais amplo. Em 1949 o Santo Ofício, em carta dirigida ao Arcebispo de Boston, interpretou tal sentença como algo que “... deve ser compreendido no sentido em que é entendido pela própria Igreja. Portanto, não será salvo aquele que, sabendo que a Igreja foi instituída por Cristo, não obstante se recusa a se submeter a ela ou a obedecer ao Pontífice Romano, que é o vigário de Cristo na terra” (cf. DENZINGER, Heinrich, HÜNERMANN, Peter. El Magistério de la Iglesia, Barcelona: Herder, 1999, n. DS, 3866; 3867). Sob um ponto de vista mais amplo ainda, poderia se dizer que “... a graça de Deus é ativa em toda a parte e em todas as pessoas humanas. E onde quer que alguém experimente as dádivas de Deus, concedidas em vista da salvação eterna, lá está a comunidade santa, a Igreja, em sua realidade espiritual interior de comubnhão com Deus. Neste caso, Extra ecclesiam nulla salus (...) é uma forma negativa da afirmação positiva ubi salus, ibi ecclesia: onde há, pela graça de Deus, salvação, lá está a Igreja de Deus.” (TAVARD, George. A Igreja, comunidade de salvação – uma eclesiologia ecumênica, São Paulo: Paulus, 1997 (Teologia Hoje), p. 295). 137 J. Auer, La Iglesia, p. 65. 138 Ibidem. 136

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lado, esta passa a assumir cada vez mais um sentido empobrecido (sacramentalista e institucionalista) tanto por verdadeiros excessos praticados em nome da mesma como por má compreensão desta. No entanto, esta é uma imagem profundamente bíblica e mística, que deve ser resgatada e purificada.

Tampoco será possible hacer fecunda, para nuestros díias, la idea bíblica del Cuerpo de Cristo, que siempre ha de ser un correctivo para todos los desarrollos ulteriores, sin el reconocimiento e incorporación del desarrollo histórico a lo largo de casi dos mil años.139

6. O conceito de Corpo de Cristo na Escola Teológica Dominicana

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Prescindimos de uma consideração da Escola franciscana, por entender que os traços principais dessa teologia se encontram na escola dominicana, ainda que, se estudarmos paralelamente o maior nome de cada escola, a saber, São Boaventura e Tomás de Aquino, veremos a diferença metodológica que os caracteriza: Tomás parte de uma teologia descendente (neste caso da relação do Cristo Cabeça com a Igreja), enquanto que Boaventura ascendente (à partir do homem Cristo, que é a Cabeça por ser homem, figura supereminente na Igreja). Alberto Magno lançou as bases da eclesiologia, de forma tão consistente que é conhecido como o pai desta disciplina (verdade que ele muito deve ao modelo de Pseudo139

Ibidem.

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Dionísio). É sua também as bases da relação entre a Igreja e o Corpo Místico, relação que atingirá seu ponto ômegaômega de desenvolvimento com a Encíclica Mystici Corporis de Pio XII. O ponto de ligamento de tal relação é para Alberto Magno a Caridade.

La eclesiologia del Cuerpo Místico reciebió de Alberto Magno impulsos muy fecundos particularmente en orden a acenturar, entre otros, los puntos siguintes: el entronque de la Iglesia com su cabeza, Cristo, cuya acción en sus miembros por la gracia es continua; la misión del Espíritu a la Iglesia como principio vital de la misma y garante de su unidad; la ordenación recíproca de Iglesia y eucaristía, que hace no pueda pensarse la una sin la otra.140

Discípulo de Alberto Magno, Tomás de Aquino não deixou um tratado sistemático De Ecclesia (provavelmente por não ter tido tempo de vida para fazê-lo). Sendo fiel ao seu pensamento teocêntrico, os aspectos de Igreja que nele aparecem são os escatológicos. Sendo assim, ele irá desenvolver a relação da Igreja com o Cristo Cabeça e com o Espírito Santo, princípio de unidade do Corpo. Concomitantemente a isto, um dos pontos fortes na eclesiologia de Tomás está em ver a Igreja como sacramento.

Sólo el pensamientoeitneo jurídico romano que se impone en el s. XII y la recepción de la metafísica aristotélica en el s. XIII hicieron que fuera desapareciendo cada vez más el hablar de la Iglesia como sacramento, aqunque el tema persistiera en los gransdes escolásticos, gracias al planteamiento cristológico, la doctrina de la gratia capitis Christi y el desarrollo de la doctrina general de los sacramamentos. Para Tomás de Aquino la Iglesia sigue siendo cuerpo de Cristo, órgano, sacramento de Cristo sobre la tierra.141

140 141

ANTON, Angel. El Misterio de la Iglesia, vol. I, Madrid-Toledo: BAC, 1986, p. 134. J. Auer, La Iglesia, p. 104.

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Tal concepção - de Igreja como sacramento - vem desde os Santos Padres, sendo que a palavra sacramento em si é muito controversa e de diversificada compreensão ao longo da história. Yves Congar dedicou todo um livro à compreensão da Igreja como Sacramento142, onde diz que tal termo foi usado, em lugar do latim mysterium porque “... Uma simples transposição para o temo mysterium encontrava (...) resistência em razão do propósito geral, no cristianismo latino, de evitar os termos em uso nos cultos pagãos...”143 De modo geral, a palavra sacramento já era usada já na patrística “...para designar a iniciação sacramental no mistério de Cristo”.144. Tais sacramentos eram por excelência a eucaristia e o batismo. Este último “...era a entrada na comunidade do Corpo de Cristo (...) por isso o sentido sacramental que o termo recebia encontrava-se ligado ao seu sentido teológico, mas num plano de validade concreta duma grande plenitude.”145 Com o tempo, semanticamente mysterium estará associado ao mistério de Cristo total, enquanto que sacramento passará a dizer mais respeito aos ritos, que por sua vez trazem presente o anterior, ou seja, favorecem a comunhão com o mistério de Cristo. Uma vez que o batismo, como vistomos, une o fiel ao Corpo de Cristo, a união com o mistério de Cristo é formadora do Ccorpo de Cristo. Ora, São Tomás irá defender a união do crente com o mistério de Cristo por meio da fé “...à qual (...) atribui sempre a função de continuatio (...) [e] sacramento da fé.”146 É falar de fé da parte do crente e fé da Igreja. Ora, a palavra de fé dita pelo crente tem uma importância toda especial.

Tal palavra não é puramente poética (...) mas já, à sua maneira, comunicação ou atualização da realidade (...) Um homem fala e procede como ministro da aliança, um homem adere e recebe na fé, mas é Deus que age soberanamente num e noutro, e na palavra, e no rito. ‘Deus’ que quer dizer? É o verbo encarnado (...) é 142

CONGAR, Yves. A Igreja, Sacramento da Salvação, São Paulo: edições Paulistas, 1977. Ibidem, pp. 54s. 144 Ibidem. 145 Ibidem, p. 53. 146 Ibidem, p. 56. 143

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Cristo glorificado, soberano celebrante de todas as celebrações da Igreja, sua Esposa e seu Corpo...147

Está claro em Tomás que os sacramentos “...contém e causam a graça...”148, no sentido de manifestar a graça que já nos fora alcançada por Cristo. Pode-seríamos dizer que Cristo é o sacramento primordial, que atua ordinariamente por meio da Igreja (sacramento principal) e seus sacramentos.149 Vimos que eEm Paulo o batismo é o modo pelo qual dá-se a de se incorporar incorporação a Cristo, enquanto que a Eucaristia sustenta tal união. Para o doutor Angélico, assim como o o batismo incorpora a Cristo150, mas também o faz a participação na Eucaristia.

Dai-me receber não só o sacramento do Corpo e do Sangue do Senhor, mas também seu efeito e sua força. Ó Deus de mansidão, dai-me acolher com tais disposições o Corpo que vosso filho único, nosso Senhor Jesus Cristo, recebeu da Virgem Maria, que seja incorporado a seu corpo místico e contado entre seus membros.151

147

Ibidem, pp. 58s. Tomás de Aquino, Suma Th, q. LXI, art. IV. 149 Ainda assim, sempre há um risco que a Igreja, entendida como sacramento, tome o lugar de Cristo. A imagem de Corpo pode corroborar para tal engano, daí a necessidade de uma outra imagem para a Igreja, a de Esposa. “Esposa e Corpo dizem dois aspectos diferentes, pois que Esposa implica alteridade e frente a frente, enquanto que corpo diz identidade e imanência.” In: Congar, A Igreja..., p. 43. “A comparação da Igreja como uma esposa tem sobre a metáfora ‘Igreja, corpo de Cristo’, a vantagem d e afastar o mais leve resquício de panteísmo, porquanto esposo e esposa, por definição mesmo, constituem duas pessoas realmente distintas. Quando afirmamos que Cristo e a Igreja formam uma só pessoa, entendemos sempre uma ‘pessoa mística’ e não uma única pessoa física. Acentuar o aspecto afetivo das relações entre Cristo e sua Igreja é uma outra vantagem do simbolismo nupcial.” In: B. Bartmann,Teologia Dogmática, p. 434. 150 Tomás de Aquino, Suma Th, q. LXIX, art. V. 151 Ooração usada em preparação para a missa e atribuída a Santo Tomás de Aquino. 148

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Ainda que pudesse parecer o contrário, a perspectiva de Tomás é muito mais abrangente do que uma união intimista entre o comungante e Cristo. A Eucaristia salva porque é sinal da união da pessoa com o Cristo total.

Neste sacramento duas coisas podemos considerar: o sacramento em si mesmo e a realidade dele. Ora, como dissemos, a realidade deste sacramento é a unidade do corpo místico, sem a qual não pode haver salvação. Pois, nenhum outro caminho há para a salvação fora da Igreja, assim como nem no dilúvio, fora da Arca de Noé, símbolo da Igreja, conforme lemos na Escritura... o alimento espiritual nos converte nele, segundo as palavras de Agostinho, onde diz que ouviu a voz de Cristo falando: Nem tu m e mudará em ti, como se fosse eu o alimento do teu corpo, mas tu é que te mudarás em mim. Podemos porém nos mudar em Cristo e com ele nos incorporarmos pelo desejo do coração, mesmo sem termos recebido a Eucaristia.152.

Assim como já fazia Paulo, Tomás usa a imagem da união dos membros com Cristo e, de modo especial, a “capitalidade” de Cristo, para justificar a necessidade da unidade na Igreja. Vai além, ao postular a Hhierarquia, de modo especial o Ssumo Ppontífice, como membro da Igreja à qual necessariamente se deve estar em comunhão.

... el pecado de cisma es un pecado especial, pues consiste en el propósito de separarse de la comunión de amor, que no se da simplemente entre las pesonas particulares, sino que une a toda la Iglesia en la unidad del Espíritu. Ahora bien, la unidad de la Iglesia consiste tanto en la comunicación (communicatio) de los distintos miembros como en la subordinación a una cabeza común (cf. Col. 2,18s) Y esa cabeza es Cristo, y su representante en la tierra el papa.153

152 153

Suma Th, q. LXXIII. Art. III. J. Auer, La Iglesia, p. 393.

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76. Igreja como Corpo Místico de Cristoo

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7.1. A Pproblemática do Ssacerdócio Mministerial

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Vimos Como visto ao longo da exposição bíblica como a Igreja é o Corpo de Cristo em dois sentidos: pela união dos membros entre si, formando o corpo e pela união de Cristo com a sua Igreja; Ele como Cabeça, ela como Corpo. Dentro desta teologia, o ministério assume a função de cooperar para o crescimento do corpo. Já no segundo século do cristianismo o ministro ordenado irá passar a ganhar um status cada vez mais claro. A ordem pouco a pouco se firma como sacramento e surgem as tentativas de compreensão dos diferentes graus dentro da mesma, bem como o específico de cada um. Em Inácio de Antioquia (†110) a hierarquia ministerial é claramente delimitada como bispo, presbítero e diácono. Tal hierarquia é posta em analogia à Trindade. O bispo é por ele comparado ao Pai, sendo princípio da unidade eclesial e juntos formam um corpo com Cristo. Com Tertuliano, o bispo assume diferenciação do presbítero por ser sumo-sacerdote.

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Começa assim o surgimento das honras do bispo, em oposição ao serviço. São Cipriano (†258) vê no bispo o fundamento da unidade e o sacerdote por antonomásia. Passada esta primeira fase, Santo Isidoro de Servilha (†636) começa a definir o sacerdócio a partir da faculdade de celebrar a Eucaristia, sendo que os bispos são pontífices, o que não é o caso dos presbíteros. Já na Alta Idade Média, Pedro Lombardo continua a ver o específico do sacerdote na capacidade de celebrar a Eucaristia, mas distingue no bispo a função de governo na Igreja, ou seja, “...un hombre de dignidad y de ofício.””.154

Tomando como punto de partida la distinción entre santificar, que afecta a la sacramentalidad, y presidir, que se refiere a una función de gobierno en la Iglesia, se comenzó a establecer la diferencia entre el presbítero y el obispo a partir de una doble comprensión de la potestad: la de orden, que quedaba vinculada al cuerpo eucarístico como al cuerpo verdadero de Cristo, al ‘corpus Christi verum’, y la de jurisdicción sobre el cuerpo místico de Cristo, es decir, sobre la Iglesia ‘corpus Christi mysticum’.155

Fica claro que o presbítero está associado à Eucaristia, enquanto que o bispo a toda a Igreja (mística). Reforça-se assim a teologia do Corpo Místico de Cristo. Tomás leva adiante tal teologia, principalmente ao enfatizar que o presbítero atua sempre in persona Christi, de modo especial quando celebra a Eucaristia (ele também atua in persona Ecclesiae, não no sentido de receber uma delegação da Igreja para atuar em seu nome, mas porque através dele a Igreja ora e professa sua fé). Já quanto ao bispo, Tomás chega a dizer que este “...es más uma dignidad que un orden.”156 Con esta formulación Santo Tomás inclinaba la balanza de su opinión hacia la corriente dominante en la escolástica que

154

ARNAU, Ramón, Orden y ministerios,– serie de manuales de Teología, Madrid: BAC, 1995, (Sapientia Fidei), p. 117. 155 Ibidem, p. 116. 156 Ibidem, p. 124.

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afirmaba la supremacía episcopal sobre el cuerpo místico de Cristo a partir de la potestad de jurisdicción.”157 Para Tomás, o presbítero está ligado, primeiramente, ao Corpus Christi verum, a saber, a Eucaristia, ainda que tenha poder de governo na Igreja quando este lhe é delegado pelo bispo. Já Enquanto que este último, está ligado, exclusivamente, ao Corpus Christi mysticum, ou seja, o poder de governo sobre a Igreja. Tal teologia, muitas vezes mal interpretada pelos teólogos seguintes, teve como consequência prática, entre outras, como consequência prática o isolamento dos bispos e, de modo especial do papa, em suas cátedras, favorecendo uma imagem de Igreja jurisdicionista. Além do mais, a Igreja passou a ser mais e mais associada quase que exclusivamente à Hhierarquia e aos clérigos, de modo que falar de Igreja era (e de certo modo continua sendo) falar destes. Temos Dá-se assim assim um desvio da Imagem inicial e bíblica: a de como Corpo de Cristo. Tal Esta eclesiologia jurisdicionista teologia foi de grande influenciate, chegando até às portas do Vaticano II. Algumas vozes isoladas, como a de até Trento e, de pois deste, até Vaticano o II. Ainda que houve vozes contrárias, às vezes ortodoxas, às vezes nem tanto (conciliarismo). Durando De São Porciano, O.P., se levantaram.por exemplo, diz:

Durando (...) propuso que para estudiar la igualdad o la desigualdad entre el presbítero y el obispo no se debíia establecer la comparación entre la potestad de jurisdicción y la de orden, sino entre la potestad de juriscición en el presbítero y en el obispo, y la potestad de ordem en el obispo y en el presbítero. 158

157 158

Ibidem. Ibidem, p. 129.

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Com o Vaticano II o sacramento da ordem é visto a partir dos bispos, que receberam de Cristo uma missão. O ministério dos presbíteros é compreendido a partir do dos bispos. Também os presbíteros estão unidos ao Cristo Cabeça, ainda que sempre em relação aos bispos.

76.2. A relação Eucaristia-Igreja na Idade Média

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Como temos visto, a iImagem de Igreja como Corpo de Cristo é constantemente associada à Eucaristia, tanto no sentido de que a Eucaristia fortifica tal corpo, como também que a participação na Eucaristia é inclusão no Corpo de Cristo, guardando o devido acento que o termo inclusão recebe quanto ao sacramento do batismo. Tanto a Igreja comunidade como a Eucaristia sacramento recebem uma compreensão própria como Ccorpo de Cristo que, por sua vez, contribui para a sua compreensão mútua. Já no período carolíngio da Idade Média, todavia, começam a surgir dissensões quanto a compreensão da Eucaristia. Não nos ateremos aos postulados de Pascaria Radberto (†851) e Ratramno (†868), versando sobre uma visão simbolista ou realista da Eucaristia e que dois séculos depois serão levados adiante por Berengário e Lanfranco. Importa de antemão estabelecer que tanto se havia perdido o real sentido de símbolo, tão usados pelos Ppadres, como se passa a acentuar cada vez mais a presença real somática, ou como dizem alguns, “...una comprensión cosificante”,159 oriunda do pensamento germânico.

159

A. GERKEN, Teología de la Eucaristia, p. 114.

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Modifica-se também, de modo decisivo, o conceito de Igreja expresso na metáfora do Corpo. A designação de ‘corpus Christi mysticum’, de uso antigo para a Eucaristia, transfere-se agora para a Igreja. Mas com isto passa para segundo plano o antigo ponto de vista cristológico e eucarístico, tão importante para a imagem da Igreja, ainda mais quando se transforma, na Idade Média, o ‘corpus Christi mysticum’ em ‘corpus ecclesiae mysticum’. E com isso perde o termo de ‘mystico’ o seu sentido mais profundo, que é o sentido sacramental. Esse termo pretende aludir, na verdade, a que se possa falar da Igreja como corpo, num ‘sentido figurado’, no sentido duma corporação.160

Para muitos teólogos161, a Igreja foi vista desde o início como o Ccorpo de Cristo por excelência, enquanto que a Eucaristia é corpo místico. Na Idade Média se invertem tais papéis: a Eucaristia passa a ser o Corpus verum e a Igreja o mysticum. A conseqüência maior virá justamente para a Eucaristia, que sofre durante os anos da Idade Média um grande reducionismo, passando a ser vista como objeto e perdendo a dimensão de mistério, que é “... la realidad dinámica en un doble plano, a través de la cual tenemos la possibilidad de acceder al espacio de Cristo y en él al espacio de Dios.”162 Pensamos que Oo problema não está em ver na Igreja um Ccorpo Mmístico, definição que será usada pelo próprio Magistério. como veremos que o próprio magistério o fará; Ttambém não é problemático o fato em si de sea distinguir caracterizar a presença real por 160

H. Fries, Modificação..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, IV/2, p. 22. Diz-seemos “muitos” (provavelmente a maioria), porque alguns teólogos parecem não fazer tal distinção entre corpo e corpo místico, onde cada termoum é aplicado isoladamente a uma realidade. Josef Wodka, por exemplo, parece dizer o contrário, onde o corpo místico é, desde o princípio, compreendido como a Igreja: “Es una ‘corporeidad concreta’, en la que la comunidad, en razón del hecho de Cristo, especialmente de su muerte redentora, haá de ser y es yua una cosa en su cuerpo (corpus eucharisticum) y como su cuerpo (corpus mysticum). Por eso también el nuevo pueblo de Dieo de los redimidos se reúne en la celebración comemorativa de la muerte sacrificial de Cristo y de la conclusión de la nueva alianza para formar una unidad constantemente renovada. De esta unidad brota el amor, y así el Cristo eucarístico viene a ser en el Cristo místico signum unitatis y vinculum caritatis (San Augustín). (...) La unidad entre Cristo eucarístico y místico es característica del ser de la Iglesia. (...) Una nueva fase de la Iglesia como cuerpo de Cristo comenzó cuando el Cristo histórico abnandonó este mundo el día de la ascensión. Y, sin embargo, Cristo había de seguir viviendo y obrando en su Iglesia hasta e l fin del mundo bajo nuevas manifestaciones., la sacramental y la mística. (...) Le confió su cuerpo [à Igreja]: su cuerpo sacramental – la eucaristia – en el ministerio sacerdotal, su cuerpo místico, fomado por ella misma, en el ministerio pastoral.” (WODKA, Josef. El Misterio de la Iglesia históricamente considerado. In: HOLBÖCK, F., Sartory, Th. El misterio de la Iglesia - fundamentos para una Eclesiologia, vol. I, Barcelona: Herder, 1966, pp. 498 ss.).

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161

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antonomásia de Jesus na Eucaristia, necessária justamente a partir do momento que se perde semanticamente o valor de símbolo. Novamente o problema se dá nas conseqüências exacerbadas que podem ser tiradas de uma e outra afirmação, principalmente, no caso da Eucaristia, a separação entre sacramento realizado (celebração)alidade e presença real (culto eucarístico) bem como a dificuldade em ver a Igreja nas pessoas concretas. A Eucaristia faz a Igreja, pois “...pela comunhão eucarística, a Igreja é consolidada igualmente em sua unidade de Ccorpo de Cristo”163, o quecomo também é nos atestado pelaa carta aos Coríntios (cf. 1Cor 10,16s). Poderia se dizer também que, em certo sentido, a Igreja faz a Eucaristia, por ser ela o locus onde Cristo se dá a nós, sem daí tirar a errônea idéia de que a Assembléia, sem a presença do ministro ordenado, o faria sacramentalmente.

...a eucaristia faz a Igreja e a Igreja faz a eucaristia. A eucaristia faz a Igreja enquanto é o lugar da irrupção do Espírito, que reapresenta a Páscoa de Cristo e reúne assim os homens na força da reconciliação por ela operada; a Igreja faz a eucaristia, enquanto é a comunidade celebrante que , em obediência ao preceito do Senhor, recolhe-se em sua articulação ministerial para celebrar o memorial da nova Aliança . Por isso a fé cristã não cessou de definir a eucaristia como o sacramentum unitatis, e de designar com o mesmo termo a eucaristia e a Igreja: ‘Corpus Christi’, o Corpo do Senhor.164

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76.3. Tais problemáticas invalidam o conceito de Igreja como Corpo Místico de Cristo?A

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Validade da Imagem de Igreja como Corpo Místico de Cristo

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162

A. Gerken, Teología de la Eucaristia, p. 121.

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Além da problemática em relação à Eucaristia, o uso da imagem de Igreja como Corpo Místico de Cristo serviu muitas vezes para justificar a hierarquia, sendo que ao longo da história podetal uso possa ter sido, em diversos momentos e sob diversos modos, exacerbado, exaltando o sacerdócio ministerial em detrimento do sacerdócio universal dos fiéis e supervalorizando o poder, especialmente o papal (teoria das duas espadas, etc). Daí a contra-reação que foi o destaque à iImagem de Povo de Deus posta oferecida pelo Vaticano II. Kaesemann também assim o vê, ao criticar o catolicismo.

Finalmente não devemos deixar de observar que o catolicismo atual está muito interessado em afrouxar os rígidos esquemas dogmáticos, que acentuam, partindo, por exemplo, do conceito de corpo de Cristo, a estrutura hierárquica da Igreja, fazendo passar para segundo plano a idéia do sacerdócio universal.165

No entanto, tal teólogo tem o prejuízo de, segundo sua formação protestante, acabar por praticamente negar a Hierarquia, ainda que antagonicamente quase reconheça a necessidade desta para que não se chegue a uma Igreja anárquica.

Somente o sacerdócio universal de todos os crentes manifesta tanto a realidade do Corpo de Cristo como a do seu título ao domínio universal. Mas, isto não levaria aos caos da anarquia religiosa? As cartas do Apóstolo mostram que esta pergunta se justifica (...) Mas isto não leva ao centro de sua doutrina e de sua ação. Este centro é constituído pelo aspecto cristológico de sua eclesiologia, no qual se unem promessa e exigência. Pode-se resumi-lo com a fórmula seguinte: todo cristão, no seu lugar, na sua condição particular, com suas qualidades e defeitos, pode e deve ser, até a morte, um representante de Cristo. Representante

163 164 165

João Paulo II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 2003, n.23. FORTE, Bruno. A missão dos leigos, São Paulo: Paulinas, 1987, pp. 71-72. E. Kaesemann, Perspectivas Paulinas, p. 122.

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902

não significa substituto, porque ninguém pode ser suplente ou substituto de Cristo.166

No fundo, está a tese do autor de que a Igreja em si nunca foi a não é nunca o objeto do pensamento paulino. Se a centralidade da Igreja é notada nas cartas do cativeiro, como o temos foi visto, que é, para Kaesemann isto se explica por não serem aquelas cartas verdadeiramente paulinas, mas pseudo-epígrafos.

...se deve sustentar que o tratado temático do conceito de Igreja não pode ser chamado de paulino. Onde a eclesiologia passa para o primeiro plano, por mais justas que pareçam as razões para isto, a cristologia deixa de ser o critério irrenunciável e perde sua importância decisiva ( ...) Foi o que aconteceu já na epístola aos Efésios (...) Na carta aos Efésios, a função da cristologia é velar pelo crescimento ordenado da Igreja (...) Deveríamos preocupar-nos com saber se este deslocamento teológico foi necessário e justificado. Mesmo que historicamente o fosse, não estaríamos desobrigados de decidir se devemos levá-lo adiante ou anulá-lo.”167

O autor vai além em suas críticas, vendo implicitamente na Igreja um desvio que remonta à carta aos Efésios, onde a imagem de Corpo místico está desvinculada da realidade histórica.

O uso que a epístola aos Efésios faz do motivo do corpo de Cristo mostra o perigo deste aspecto eclesiológico (...) induz a esquecer a história concreta da Igreja e a substituí-la pela metafísica. Por isso, aqui a comunidade cristã não só se estende pelo mundo inteiro, mas também cresce junto com seus membros em direção aos espaços celestes (...) o desvio em relação à concepção paulina (...) deve ser

166 167

Ibidem, p. 134 (grifo nosso). Ibidem, p. 136.

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912

registrado criticamente como o primeiro indício de uma interpretação errônea que perdura até hoje.168

Não podemos se pode deixar de expressar aqui o desacordo com a maior parte das proposições deste autor. Antes de tudo tem-seos em mente sua formação protestante, acéfala no sentido eclesiológico da palavra, bem como alheia à grande Tradição. É verdade que a imagem de Igreja como Ccorpo de Cristo algumas vezes tomou rumos infelizes, favorecendo a honra e não o serviço, neste sentido o autor é lúcido quando diz que “... o corpo é posto para servir e participa da glória do Senhor exaltado somente enquanto permanece seu instrumento de baixeza na terra.”169. Não é por acaso que, historicamente, a Igreja poderosa e vista como Império passará a ser questionada de mesmo a partir de dentro. Em substituição à iImagem do Cristo Rei, Francisco apresenta o Senhor chagado, vestido da pobreza. Todavia, erros cometidos não desautorizam uma realidade bíblica. É o que nos ensina o Vaticano II ao continuar a usar tal imagem e, principalmente, é o que ensina a própria Escritura, pois ainda que a carta aos Efésios não fosse paulina, é inspirada. Na Igreja há uma Hierarquia desejada pelo seu Senhor que é necessária para a unidade. O próprio Paulo fala do papel da reconciliação dado por Cristo aos Apóstolos (cf. 2Cor 5,20ss). Longe de ser a Hhierarquia um impedimento ao sacerdócio comum dos fiéis – ainda que historicamente tal tenha ocorrido muitas vezes – muito mais bem esta faz, garantindo justamente o exercício de tal sacerdócio (pelo múnus de governo/pastoreio).

168

Ibidem, p. 125.

169

Ibidem, p. 132.

922

Além do mais, dada a grande verdade que o sacerdócio universal dos fiéis precisa ser recuperado – e tal é feito pelo Vaticano II – a Igreja não abre mão da ação in persona Christi feita por seus ministros ordenados. Tal ação não é busca de poder, mas obediência ao plano do Senhor, lembrando que sempre deve ser um serviço. Além do mais, a expressão in persona Christi ‘...quer dizer algo mais do que ‘em nome’, ou então ‘nas vezes’ de Cristo. In persona, isto é, na específica e sacramental identificação com o Sumo e Eterno Sacerdote (...) não pode ser substituído por ninguém.”170 Falamos anteriormenteFoi dito anteriormente que a imagem de Esposa tem o valor de diferenciar a Igreja em relação a Cristo, em oposição à imagem de Corpo. Ora, o lado positivo desta última imagem não estaria justamente aí, no apresentar a Igreja como intrinsecamente unida ao seu Senhor, permitindo assim que a glória de Cristo seja a glória da Igreja e vice-versa? Uma Igreja que é serva, sim, mas que também já-e-ainda-não participa da glória de seu Senhor que foi Servo e agora reina (cf. Ap 5,6-14)? Assim, pois, a iImagem de Igreja como Corpo Místico de Cristo ganhou características na História, mas sempre esteve presente na Palavra de Deus. É uma Igreja que não pode olvidar ser serva, como o seu Senhor o foi, mas que não pode renunciar à dignidade que lhe foi dada por este mesmo Senhor. Dignidade esta que não consiste na gloria mundi, mas na união mesma à Sua Cabeça. No capítulo seguinte será melhor esclareceremos esclarecido os desdobramentos históricos e a compreensão de tal imagem, chegando até os dias atuais.

170

João Paulo II, Ecclesia de Eucharistia, n.29.

932

Cap. III. A IGREJA COMO CORPO (MÍSTICO) DE CRISTO: DA REFORMA ATÉ O VATICANO II

1. A Reforma Protestante

Na Idade Média, de modo especial em seu ponto alto, a Igreja se consolidou, assim como toda a sociedade (cristandade), segundo uma estrutura rígida e determinada na forma de ordo. Os poderes se encontravam bem divididos e distintos (teoria das duas espadas, sacerdócio, senhor feudal).

942

Com o despontar da ciência e a recuperação do pensamento humanista, começam a surgir vozes questionadoras a tal harmonia, que logo não só se farão ouvir na Igreja, mas que inclusive levarão esta à sua maior divisão depois de 1054. A sociedade passa a se modificar com o surgimento da burguesia. Para esta nova classe emergente não importa continuar sob idéias fechadas mas a possibilidade de uma maior expressão e, principalmente, de tomar a própria vida nas mãos, sem a necessidade da “bêenção” das autoridades. Com Descartes (†1650) está lançada a base para a independência do homem; sob seu famoso moto cogito, ergo sum, o homem se declara não só como o único certo de existir, mas também como sujeito de si mesmo. Com base nele e nos pensadores humanistas do século XV e XVI (Erasmo de Roterdan, Nicolau de Cusa, Picolo de la Mirandala e outros), que por excelência rompiam com todo “fechamento” e dogmatismo, a Reforma irá sustentar o encontro imediato do homem com Deus, sem a necessidade de intermediários (sacerdócio universal, consciência que responde tão somente a Deus, etc), um Deus presente no íntimo de cada um. Com base nos questionamentos humanistas, aliados a seus próprios questionamentos existenciais e contanto ainda com a situação vigente de escândalo na Igreja, Lutero irá levar à diante a reforma que já há séculos antes começara na Igreja ou que, melhor dizendo, sempre houve na mesma (ecclesia semper reformanda). Todavia, ainda que se sustente que de início Lutero não quisera se separar da Igreja, mas reformá-la de dentro, o que aconteceu foi a divisão desta. A Reforma irá buscar a base da Igreja pretensamente na sua essência apostólica.

... à tendência medieval de exteriorização contrapõe-se agora uma tendência de interiorização e concentração sobre os aspectos essenciais. Faz-se frente à profanização por meio da espiritualização. O perigo, em parte tornado realidade, de independência da Igreja, das instituições eclesiásticas do ministério eclesiástico é enfrentado com rigorosa funcionalização e instrumentalização da Igreja: a Igreja só tem autoridade na medida em que sua atuação corresponde ao testemunho normativo dos apóstolos e à tradição eclesial que observa esse testemunho. Todo o

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peso está não mais sobre a veiculação terrena, mas sobre a atuação divina que é a exclusiva causadora da salvação.171

Ainda que o protestantismo, à medida que se firmará, rejeitará os mediadores humanos, de modo especial abrindo ampla frente de batalha contra o papa, havia a necessidade de apoiar a Igreja sobre um mínimo de autoridade. Daí que Lutero recorre à proteção dos reis absolutistas para manter a ordem na Igreja reformada; estes “... teriam de assumir, como ‘bispos de emergência’, a cura religionis”172. Em Lutero, e depois nos demais reformadores, robustece a idéia de uma Igreja oculta entre a Igreja visível; Permanece a imagem escriturística de Igreja como Corpo de Cristo, mas sob um aspecto muito mais “místico” e abrangente; “... uma ‘Ecclesia spiritualis, abscondita’, só conhecida a Deus, prescrutador dos corações: ‘a Igreja é oculta, os santos são anônimos’”.173 Cabe à Igreja anunciar o Evangelho, sem distinção de funções, pois pelo batismo todos a isto são chamados (sacerdócio único dos fiéis).

2. A Reforma Católica

WIEDENHOFER, Siegfried. Eclesiologia – abordagem histórico dogmática. In: SCHNEIDER, Theodor, Manual de Dogmática, vol. II, Petrópolis: Vozes, 2001, p. 80. 172 H. Fries, Modificação e Evolução..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, IV/2, p. 34. 173 Ibidem. 171

Formatados: Marcadores e numeração

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Do lado católico, as pessoas à frente da Igreja não estavam preparadas para compreender

a

gravidade

do

momento,

respondendo

a

este

tardiamente

e/ou

inadequadamente. Tentou-se abafar Lutero por meio das disputas oratórias, o que se revelou ineficiente. Daí a necessidade do Concílio de Trento que não foi pura “contra-reforma” mas também uma reforma necessária nos vários campos da Igreja (formação do clero, missionariedade, formação dos leigos). Mas o Concílio se dá sob o já estabelecido cisma protestante... Nos embates que se sucedem após a segunda década do século XVI sobre a Igreja, fica cada vez mais forte a compreensão de Igreja – tanto do lado protestante como católico – como denominação (Igreja Católica, luterana, calvinista, etc); compreensão esta que se estenderá em maior ou menor grau até os dias atuais. Perde-se assim a busca do mistério em si que é a Igreja.

Lo decisivo es que ya no se plantea la esencia sobrenatural de la Iglesia, sino máas bien la estructura y los condicionamentos externos de la misma: [no caso protestante] la Iglesia está allí donde haá sido predicado el evangelio y donde se administran rectamente los sacramentos, que no son más que dos. El ministerio eclesiástico por mandato de Jesuscristo así como los sacramentos como los auténticos bienes salvíficos, junto a la palabra de Dios que todavia conserva su importancia como palabra escriturística, ya no se enfocan de manera adequada.174

Dessa fixação do problema sobre aspectos externos e ideológicos, começa a surgir como consequência uma imagem de Igreja muito mais sociológica, que se traduzirá pela afirmação de ser a Igreja uma sociedade perfeita. Roberto Belarmino (1621) assume uma concepção “hierarcológica” de Igreja ao defini-la como “comunidade de pessoas ligadas pela profissão da mesma fé e pela comunhão

972

dos mesmos sacramentos, sob o regime de legítimos pastores e principalmente do único vigário de Cristo, o Pontífice romano”.175. É uma Igreja que se define por sua visibilidade. “A teologia da Igreja torna-se em apologética da Igreja.”176 Tal ponto não é de se surpreender, pois, ante os ataques dos reformadores haveria de se fazer apologia (assim haviam feito os Padres). O problema parece residir em extrair a imagem da Igreja a partir da apologia e não o contrário.

A imagem da Igreja – eis o outro lado – não é traçada a partir de sua origem e base trinitária, cristológica e pneumatológica, nem no horizonte da história salvífica ou mediante o acervo das metáforas bíblicas. Nada disso se contesta, naturalmente, mas é suposto (...). Mas o que não é dito expressamente, periga facilmente ser tomado por não existente. Tornam-se determinantes para a imagem da Igreja os acentos que são controvertidos, bem como padrões profano-políticos e sociológicos: A Igreja é a Res publica mais bem constituída. Surge daí o perigo de tomar as diferenças por definições de essência, pelo todo. Não se coloca a pergunta por possíveis propriedades comuns na conceituação do que seria a Igreja, e ela some mais e mais da consciência das Confissões.177

Enganariamo-nosSeria um engano, no entanto, se víssemos ver em Roberto Belarmino uma teologia sem fundamentação bíblica. Suas Controvérsias tem forte base na concepção de Cristo como Cabeça da Igreja, da qual ele extrairá a compreensão da Igreja Universal.

Otra prueba implícita de la universalidad de sua concepción eclesiológica está en la impoortancia capital que haá dado Belarmino al tema de Cristo cabeza de toda la Igleasia, convencido de que para hablrar de la Igelesia era preciso hablar de Cristo, su cabeza. El parte, por tanto (...) de Cristo, a quien considera , en la linaea de Santo Tomás, no tanto en calidade de meiembro privilegiado (caput) de la 174

J. Auer, La Iglesia, p. 76. Fries, Modificação e Evolução ..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, IV/2, p. 36. 176 Ibidem, p. 37. 177 Ibidem. 175H.

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Iglesaias cuanto como principio que da y conserva dla vida del cuerpo eclesial. Esata acción mediadora de vida en lda Iglesia y en cada uno de sus miembros es ‘la idea fundamental de la eclesiología de Belarmino’ (...) Cristo es, segúun él, la hipóstasis (suppositum) del cuerpo místico que pone en acto sus potencias vitales y obra a través de sus miembros (...) Cristo es el agente principal (suppositum) del cuerpo místico. Y esta tesis no contradice la doctrina tan repetida en los escritos de Belarmino de ‘que Cristo es también cabeza de la Iglesia; ya que Cristo, en cuanto influye sobre todos los miembros, es llamado cabeza, pero, en cuatnto los sustenta y mueve a la acción, puede él ser denominado suppositum. 178

À medida que os anos passam e o diálogo entre as denominações não é alcançado, antes parece crescer cada vez mais o fossço entre estas, o racionalismo buscará propor os meios para se chegar à paz mínima. Estes passam pela busca de um denominador comum entre as denominações, anterior aos princípios de fé, e portanto válidos para todos. Tais princípios eram o homem mesmo, enquanto animal racional.

... era de recomendar se descobrisse e fizesse frutificar como força conciliadora o ethos, o comportamento, ortopraxia – praticar o amor, a reconciliação, a virtude, a tolerância, para conseguir um novo fundamento. Estabelece-se assim a conformidade com os dons e postulados mais fundamentais do Cristianismo, e com as aspirações e necessidades dos homens que não viviam, e cuja autoconsciência se expressa em termos de iluminação.179

Com isso, passam a segundo plano, quando não são rejeitadas, todas as questões mistéricas e dogmáticas que não tenham incidência prática sobre a vida. A Igreja assume a imagem de uma instituição moral, com base nos princípios naturais, para a qual Jesus ensinou o caminho de se tornar plenamente homem, como ser racional que este é. Como

178 179

A. Anton, El Misterio de La Iglesia, p. 882. Ibidem, p. 40.

992

não poderia deixar de acontecer quando a base de uma compreensão se encontra sob alicerces sociológicos, a Igreja aparece mais como uma criação humana, distanciando-se da Ecclesia como congregação convocada por Deus.

O princípio estrutural da Igreja é a duma sociedade humana, duma instituição à base de princípios de direito natural. O conceito de Corpus Chisti é entendido precisamente nessa dimensão sociológica. A missão da Igreja consiste em educar o homem à razão, à paz, e à virtude que promete bem-aventurança180.

Além da Reforma e do racionalismo, a Igreja da Idade Moderna irá se defrontar com o secularismo e com o romantismo. O primeiro se solidifica no fim do século XVIII, com a Revolução francesa. A Igreja é perseguida e se vê, muito em breve, desprovida do apoio Estatal que ainda dispunha, vivendo agora em uma sociedade secular. Os bispos se voltarão mais às questões pastorais, das quais haviam se olvidado, e também se engajarão na luta antimodernista. Chega-se ao auge de uma imagem de Igreja amplamente sociológica: no intuito de se reafirmar ante a sociedade secular, a Igreja se define como societas perfecta. Tanto sociedade perfeita como instituição moral são duas definições que, insistimos, não dizem o que a Igreja é em seu mistério, como o fazem as imagens bíblicas já abordadas ( de modo especial a de Corpo de Cristo); quando muito, estas mostram como a Igreja se apresenta e “.... las condiciones de pertencia a la misma...”181.

180 181

Ibidem, p. 41. J. Auer, La Iglesia, p. 76.

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3. Reaparecimento Resgate da Imagem de Corpo Místico pela Escola de Tubinga (séc. XVIIIX)

O romantismo é o movimento de reação a todo deísmo e iluminismoracionalismo; “... frente a la concepción ilustrada de la Iglesia como instituición educativa humana y frente a la concepción idealista (...) desarrolló unma concepción más orgânica del Cuerpo místico de Cristo...”182. Seu principal personagem no campo eclesiológico será Johann Adam Möhler (†1838). Este autor irá propor uma visão de Igreja baseada em sua Tradição e história, da qual, concluirá, aparece a imagem de uma Igreja pneumatológica, sendo que o Espírito se move nos limites de seu Corpo.

... o Espírito de Cristo, vive na comunidade dos fiéis, dos santos e opera na vida, pela fé, esperança e caridade, a unidade da Igreja. Essa unidade interior, amparada pelo Espírito, cria, para si, uma expressão consentânea com a sua natureza, na unidade do Corpo da Igreja: nos órgãos e ministérios da Igreja, que são por sua vez – antes de todos o bispo – e devem ser corporizações do interior: manifestação do Espírito em fé, esperança e caridade. Revive a idéia da Igreja como Corpus Christi Mysticum, como enunciado teológico original, modificada pela idéia de organismo própria do romantismo e pela dialética de interior-exterior, espíritocorpo (...) A razão última da visibilidade da Igreja, reside, segundo Möhler da ‘symbolik’, na encarnação do Verbo de Deus. É assim que Möhler chama a Igreja, numa formulação conhecida, mas sujeita a interpretação errônea, a encarnação permanente do Filho de Deus, o que é para ele motivo de falar da Igreja e dos fiéis como Corpo de Cristo.183

182 183

Ibidem, p. 65. Ibidem, p. 43-44.

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Em sua obra intitulada A Unidade da Igreja (1825), de Möhler apresenta, a Igreja é como a realização da vida divina assim como ela é transmitida à humanidade pelo Espírito Santo. Esse Espírito não se pode receber sem passá-lo adiante em amor. Esse EleEspírito permanece vivo e atuante somente na globalidade dos crentes,. A cuja expressão viva do Espírito Santo a vivificar a globalidade dos crentes é a Ttradição viva da Igreja.184

4. A Imagem de Igreja como Corpo Místico de Cristo no Vaticano I

Ao se aproximar o Vaticano I, a eclesiologia católica tem suas posições definidas em duas frentes principais. De um lado estão a Eescola de Tubinga (Möhler, J.M. Sailer) e a Escola Romana185 (G. Perrone, C. Passaglia, Schrader; J. B. Franzelin) enquanto que de outro o ultramontanismo. A escola de Tubinga apresenta a Igreja como a iImagem de Corpo de Cristo, um organismo vivo. Neste sentido, a Igreja é um mistério da salvação, apoiada em uma estrutura sacramental que emana de sua profunda ligação com o Verbo encarnado. Neste organismo vivo que é a Igreja, o princípio da vida é o Espírito. O ultramontanismo se apresenta como reação às forças que naquele preciso momento histórico se opõem à Igreja: o naturalismo, racionalismo e o Estado liberal. A

184

W. Siegfried. Eclesiologia, in: T. SCHNEIDER, Manual de Dogmática, II, p. 84.

1022

insistência desta corrente, se dará na potestade da Igreja, daí que a definição de Igreja será a de Sociedade Perfeita. A ênfase se dá sobre o poder papal. O reflexo de tal teologia estão em Gregório XVI (Encíclica Mirari vvos contra os erros dos iluministas) e em Pio IX (encíclicas

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Qui pluribus e Quanta cura).

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Para los ultramonstanistas, la Iglesia era una institución social, por naturaleza pública, constituida por un conjunto de medios de salvación (verdade revelada, sacramentos, jerarquía) que Cristo le ha dado, para que sean adminstrados segun voluntad de su Fundador en un orden independiente y soberano. La Iglesia es presentada en la eclesiología ultramontana como una instituición mediadora de verdad y de gracia de salvación para el creyente, y, al mismo tiempo, como sujeto público de derechos y de poderes.186

Os diversos Concílios regionais que se dão no período iminente ao Vaticano I, em sua maioria tratam da Igreja sob a definição de sociedade perfeita, ainda que os Concílios alemães (Baviera, Colonia, Utrecht) continuam a mencionar a Imagem de Igreja como Corpo Místico de Cristo187.

En resumen: en la eclesiología de los concilios provincialies que preceden inmediatamnte al Vvaticano I, prevalecen los temas de la Iglesia sociedad perfecta y de su autoridad como maestra de la verdade revelada. Esta aparece conm las características de una sociedad visible, pero está animada por la acción interna de Cristo-cabeza y de su Espíritu. El Señor la instituyó sobre los apóstoles y tiene como propriedad el ser una, santa, católica y apostólica (...) Es obvio que esta temática eclesiológica influyera de modo decisivo en los trabajos y descusiones del Vaticano I.188

185

Os teólogos desta Escola irão beber de Möhler o conceito de Igreja mística, somando a isto uma reflexão mais aprofundada de Tradição, vista como a transmissão do Evangelho de Cristo no Espírito Santo por meio da Igreja (cf. G. Bof, Teologia Católica, p. 176). 186 A. Anton, El Misterio de La Iglesia, II, p. 322. 187 Ibidem, p. 326-327. 188 Ibidem, p. 327-328.

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No primeiro esquema – Supremi pastoris – apresentado aos Padres Conciliares sobre a Igreja, feito pelo teólogo Schrader189, esta é tratada justamente como Corpo Místico de Cristo. O primeiro capítulo era intitulado Ecclesiam esse corpus Christi mysticum. “En el punto mismo de partida del esquema 1º aparece la Iglesia como el coronamiento de la obra redentrora de Cristo dirigida, el en plan divino de salvación, a construir el cuerpo místico en el cual los hombres llegan a aser los unos miembros de los otros.”190 Ainda que o autor da escola romana tenha justaposto à tal imagem a noção de São Belarmino de Igreja como Sociedade perfeita, o esquema foi rechaçado por alguns Padres conciliares que não reconheceram toda a força necessária para a noção de Corpo místico de Cristo, vendo na expressão “Corpus Christi mysticum” um tom por demais protestante e com brechas a este, uma vez que tenderia a uma Igreja invisível.191.

... obscura e imprecisa, tambiénm abstracta y mística, y, como tal, más propia de un tratado espiritual que de un documento conciliar. Reconocem que la Iglesia es el cuerpo místico de Cristo y no venm mal que esta doctrina sea mencionada de pasada, pero no quieiren que se la ponga como cento o punto de partida del esquema.192

Um segundo esquema foi feito por Kleutgen. Observando o texto final aprovado pelos Padres conciliares ficará claro que este prevaleceu nas votações do Vaticano I. “Kleugten accedió tambiénm a la propuúesta hecha por varios Padres sobre que el nuevo

189

Este teólogo, membro da Escola Romana e influenciado por Möhler, representa a conquista desta perspectiva de Igreja como Corpo místico, graças também ao contato com os Padres (cf. G. Bof, Teología Católica, p. 176). 190A. Anton, El Misterio de La Iglesia, II, p. 346. 191 MÜLLER, Gerhard Ludwing. La Comprensión Trinitaria de la Iglesia en “Lumen Gentium”. In: RODRIGUEZ, Pedro (dir.). Eclesiología 30 años después de “Lumen Gentium”, Madrid: Ediciones RIALP, 1994, p. 23. 192 A. Anton, El Misterio de La Iglesia, II, p. 348.

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esquema partiese de una definición de Iglesia más precisa y completa que la del cuerpo místico”193.

El esquema de Kleutgen, sin embargo, significó un progreso respecto del esquema 1º de Schrader. La doctrina sobre jerarquía y sobre sus diversos grados es ciertamente más completa y coherente (...) Kleutgen adoptó posiciones muy afines a las de los teóloglos Newmana y Scheeben em sus esfuerzos por una justa valoriación del sensus fidei de todos los creyentes. Aquí se echaban los fundamentos para una verdaderia teología del laciado (...) El esquema de Kleutgen, com todo , era poco bíblico...194

5. A Imagem na Mystici Corporis Christi

5.1. Precedentes à Encíclica

Embora o Vaticano I não tenha assumido definir a Igreja segundo a imagem de Corpo (Místico) de Cristo, tendo os Padres Conciliares optado por uma definição de sociedade

193 194

Ibidem, p. 352. Ibidem, p. 354-355.

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perfeita, o desenvolvimento desta primeira imagem não caiu em desuso na eclesiologia pósconciliar. Antes, se desenvolveu a tal ponto que alguns chegaram a afirmar serem os anos entre 1920 e 1943 caracterizados como o “movimento eclesiológico del cuerpo místico de Cristo”.195. Tal movimento será coroado justamente com a publicação da Encíclica Mystici Corporis Christi de Pio XII em 1943.

El entusiamos por esta idea del cuerpo místico de Cristo fue por los años treinta incontenible, habiendo ya invadido no sólo la eclesiología en sus aspectos bíóblicos, payrtrísticos, históricos y especulativos (...) sino también la cristología, la moral y la pastoral. Precisamente este su sentido múltiple y sus profundas raíces cristológicfas y ecleisiológias movieráneireno a E. Mersch a proponer el concepto de cuerpo místico de Cristo como centro y como fundamento para la inteligignenicia de lsos demás misterios criirsitinanos, ya que el Cristo místico es el objeto propio de la teología.196

O pontificado de Pio XII foi um dos mais longos da história (02/03/1939 – 09/10/1958), do qual foram emanadas importantes catequeses para toda a compreensão eclesiológica. Antes de apresentar a imagem de Igreja como Corpo místico de Cristo, Pio XII já havia aberto importante precedente para esta com a Encíclica Divino Afflante Spiritu (1943), que deu um impulso decisivo ao movimento bíblico. Há, ao longo de tal Magistério, insistência na unidade entre a criação e a redenção, que se espelha e ganha sentido na encarnação do Verbo, segundo o sentido paulino de Cristo como princípio e fim que foi expresso na carta aos Colossenses (cf. Col 1,15ss). Esse Cristo encarnado é perfeito homem, que, por assim o sê-lo, une cada homem a si, á sua natureza, dando sentido e remissão a cada um e a toda a história humana.

195 196

Ibidem, p. 563. Ibidem, p. 564.

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Mérito cierto de la doctrina cristológica de Pio XII es haber enfocado el tema de la encarnación de Cristo en el horizonte más amplio de la creación y de la historia humana, que en ella adquieren su sentido pleno. Acentuando, pues, la unidad entre la creación y la redención, asienta Pío XII la premisa básica para plantear con acierto la relación Iglesia-mundo y definir su misión de salvación entre los hombres.197

Para Pio XII, a Igreja é fruto direto da encarnação de Cristo. Ela está vinculada ao evento histórico desta como também continua a mesma na história como evento soteriológico.

La vinculación histórica de la Iglesia con Cristo no se reduce a un acto fundacional por parte del Jesús histórico y del Señor resucitado, sino que está basada en el evento global del misterio del Verbo hecho carne desde su encarnación hasta la comunicación de su Espíritu al grupo de creyentes en la mañana de Pentecostes.198

Na Encíclica estará presente, como consequênciaconseqüência de ser a Igreja o Corpo místico de Cristo, a compreensão da Igreja como sacramento de salvação, pois assim ela perpetua a obra de Cristo, visando a salvação integral do homem. “La vinculación de la Iglesia con Cristo se da, sobre todo, em la identidad de una única misión, realizada por Cristo en su vida mortal y confiada a su Iglesia para que se continúe en ella y a través de ella hasta su venida al fin de los tiempos”.199. Tal missão é levada adiante pelo próprio Cristo, que exerce seu ministério sacerdotal na ação litúrgica da Igreja por meio do seu Espírito, que é o Espírito do Ressuscitado. “Cristo

197 198

Ibidem, p. 567. Ibidem, p. 568.

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è in mezzo a noi! (...) È il Dio umanato e risorto, che in lei si celaper revivivare perennemente e intimamente l’umanità, comunicando a chi crede in Lui la sua verità, la sua gratia, la sua pace”.200.

Cuando la Iglesia se llama sacramentum salutis, se está pensando en ‘toda la salvación’, cuya misrteriosa esencia intentaba ya exponer la encíclica sobre el cuerpo místico, al referirse al misterio de la consumación de la salud en la contemplación de Dios.201

A Encíclica Mystici Corporis Christi contemplou dois objetivos principais: além de ser eco do já mencionado desenvolvimento da eclesiologia do Corpo de Cristo, salientando seus pontos positivos e amenizando a guinada sociológica-juridicista da definição de sociedade perfeita, ela também teve o objetivo de frear certa tendência errônea em tal imagem no tocante à compreensão da união mística dos membros entre si e com o Cristo-C0cabeça. As tendências errôneas de compreensão da relação dos membros do Corpo de Cristo entre si e com Cristo mesmo advinham justamente da teologia elaborada entre 1920 e 1943 que fazia um uso muito abrangente do adjetivo “místico”. A principal crítica dos teólogos contrários a tal monopolização foi o perigo de um monofisismo eclesiológico202,, identificado pela presença somática de Cristo no cristão e na Igreja. De fato, a Encíclica fará aceno a problemas reais surgidos de tal modo de compreensão, tais como a alegação da não necessidade de se confessar pecados veniais, uma vez que o sacerdote faz uma preparação antes de cada celebração (cf. DH 3818) e também a 199

Ibidem. Pio XII, mensagem pascal de 10 de Abril de 1945: AAS 47 (1945). 201 J. Auer, La Iglesia. p. 111. 202 O monofisismo, originariamente cristológico, foi a heresia defendida pelo monge Eutiques que professava apenas uma natureza para Cristo, a divina, pois sua natureza humana teria sido absorvida por aquela. Tal heresia foi condenada no Concílio de Calcedônia (451). Em seu aspecto eclesiológico, o perigo estaria portando na identificação de Cristo com a Igreja e com os fiéis. 200

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afirmação de não se rezar diretamente a Cristo, mas somente por meio Dele ao Pai (cf. DH 3820). Associava-sem a tal crítica os excessos de uma linguagem por demais romântica, que poderia dar margem à muitas falsas compreensões, bem como o fato de Paulo não ter usado o adjetivo “místico”. Para M.D. Koster, por exemplo, “... la noción de courpo de Cristo es una denominación de la Iglesia entre muchas otras”.203. Enfim,

“El monopólio que em el

movimiento eclesiológico de el curpo místico se da a esta noción, no está jusitificado em absoluto, así como es inadmisible elevarla a uma definición de la Iglesia en sentido estricto.”204. Em seu pano de fundo, aA Encíclica faz eco tanto à Escola Romana como à Encíclica Satis Cognitum de Leão XIII, identificando a Igreja “... sociedad visiíble y orgánica fundada por Jesucristo y vivificada por él a través de la comunicación de su Espíritu.”205. “En otras palabras, la misión del Espíritu y la función jurídica de los pastores en la Iglesia se perfeccionan mutuamente como en el hombre el alma y el cuerpo, y proceden del único y mismo Redentor.”206.

5.2. Conteúdo da Encíclica

Um dos objetivos da Encíclica é, pois, conter os abusos biologicistas ao dizer que a Igreja é o Corpo Místico de Cristo, não respeitando as diferenças entre o criado e o incriado,

203A.

Anton, El Misterio de La Iglesia, II, p. 622. Ibidem, p. 565. 205 Ibidem, p. 565. 206 Ibidem, 565-566. 204

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bem como o “... falso racionalismo eclesiológico (...) que acaba por reduzir a la Iglesia a un mero producto humano...”207. Quando fala da relação entre o criado e o incriado, o Papa tem em mente ‘cuantos consideran unidos y amalgamados en una misma persona física al Redentor divino a los miembros de la Iglesia..., al atribuir a los hombres cosas divinas y someter a Jesucristo a errores y dbebilidades humanas’.208. Ao refutar uma eclesiologia por demais juridicista, Pio XII não deixa de reafirmar na Encíclica a necessidade da comunhão com o bispo de Roma: “Si trovano quindi in un

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pericoloso errore coloro i quali ritengono di poter aderire a Cristo, Capo della Chiesa, pu non aderendo fedelmente al suo Vicario en terra‘cometen, por tanto, um error peligroso cuantos piensam poder adherir a Cristo, cabeza de la Iglesia, aun rehusando someterse fielmente a sua vicário em la tierra”.’209. Sobre este ponto reside novas crítica à Encíclica, uma vez que esta não menciona o conceito de povo de Deus, que por sua vez já aparecia na teologia210 bem como não soube dar um passo adiante, no como explicar a união dos fiéis entre si e com o Cristo Cabeça, limitando-se a reafirmar “...la más estricta identificación del

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Cuerpo místico con la Iglesia católico-romana”.211. Para alguns212, no entanto, tal identificação é por demais correta e salvaguarda da ortodoxia, uma vez que ao assim fazê-lo, o papa tanto refuta o veio protestante - com sua tendência de separar carisma e Instituição - como o seu lado oposto, ou seja, a pura imagem sociológica. De um lado essa Igreja nasce do mistério, de outro ela é visível e “paupávelpalpável”.

207

Ibidem, p. 627. PIO XII, CARTA ENCÍCLICA Mystici Corporis Christi: ACTA APOSTOLICAE SEDIS AAS 35, vol. X (1943), n. 7 – apêndice, p.17.. In: A. Anton, El Misterio de la Iglesia, II, p. 627. 209 Ibidem A. Anton, El Misterio de La Iglesia, II, p. 627. 210 Cf. A. Anton, El Misterio de la Iglesia, II, p. 628. 211 Ibidem, p. 565. 212 G. Muller, La Comprensión ... in: P. Rodriguez, Eclesiología..., p. 25. 208

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As três teses principais da Encíclica213 partem da afirmação de que a Igreja é um Corpo, daí avançando a dizer que tipo de corpo, ou seja, o Corpo de Cristo e, finalmente, o Corpo Místico de Cristo, onde se dá a união dos membros com Cristo e entre si; há, portanto, uma teologia explicativa dos três temas da afirmação Corpus Mysticum Christi.

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“Por cuerpo se entiende aquí la comunidad indivisa, visible, orgánica y jerárquicamente cosnstiutuida que abraza determinados miembros y de la cual no están excluídos los pecadores”.214. Com isso, o Papa refuta toda distinção entre uma Igreja espiritual e outra institucional, distinção esta que desde o montanismo (século II d.C) foi um constante perigo cismático na Igreja. Esse corpo tanto tem o seu fundamento mistérico no Verbo encarnado, como também ‘... se percibe com los ojos’215. É, portanto, um corpo visível e orgânico. “Entende a encíclica por ‘Corpus’ a unicidade, a indivisibilidade, a visibilidade, a figura orgânica e hierarquicamente estruturada da Igreja, cujos membros podem por isso ser claramente determinados.”216. Ao afirmar que a Igreja é o Corpo de Cristo, o fundamento está tanto no fato de que a Igreja foi fundada por Cristo, como o de que ela promulga o mistério da encarnação de Cristo (ainda que a fórmula como tal, aberta a interpretações errôneas, não tenha sido usada).

... tal denominación cuerpo de Cristo no solamente proviene de que Cristo deve ser cosiderado Cabeza de su cuerpo msistico, sino también de que el de tal modo sustenta a su Igresia, y en cierta manera vive en ella, que ésta subsiste como un Segunda persona de Cristo...217

213

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214

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Cf. A. Anton, El Misterio de la Iglesia, II, p. 630. Ibidem, p. 630. 215 Pio XII, Mystici Corporis, 199. In: A. Anton, El Misterio de la Iglesia, II, p. 630. 216 H. Fries, Modificação e Evolução ..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, IV/2, p. 50. 217 DENZINGER, Heinrich, HÜNERMANN, Peter. El Magistério de la Iglesia, Barcelona: Herder, 1999, n. DH 3808 (a partir daqui citaremos por DH).

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Sendo Cristo a Cabeça da Igreja, ele a governa por meio dos bispos e estes em união com o Romano Pontífice..218. Assim, subsiste a afirmação dogmática do Vaticano I que apresenta o Romano Pontífice como meio de unidade. Todavia, sob um outro aspecto, ou seja, este não é de per si meio de unidade, mas “representante” de Cristo. “A ordenação desse Corpo a Cristo é dada pelo fato de ser Cristo o Criador, a Cabeça, o Redentor e o Conservador da Igreja; o Primado do Papa não suprime a qualidade de Cristo de ser Cabeça, mas antes representa-a”219. Quanto ao termo “místico”, este é aplicado à Igreja porque esta não é um corpo natural, mas diferente do corpo humano, “... en la Iglesia hay una multitud de miembros com personalidad propia (...) [e] su finalidad se ordena al bien y a la salvación de todos y de cada uno de los miembros que la formanm”.220 . Não é tampouco um corpo social que tem sua ligação por um fim comum compartilhado (ligação moral); sua unidade é dada pelo Espírito Santo. “... a este Espíritu de Cristo, como principio invisible, hay que atribuir también que todas las partes del cuerpo estén intimamente unidas tanto entre si como con su excelsa Cabeza...”.221.

... pasemos a explicar (...) cómo haá de ser llamdado místico el cuerpo de Cristo, que es la Iglesia ... No hay sólo un motivo para usar aquel término, pues , por una parte, él hace que el cuerpo social de la Iglesia (...) se pueda distinguir de su cuerpo físico, que nacido de la Virgen Madre de Dios, está sentado ahora a la diestra del Padre y se oculta bajo los velos eucaríisticos; y por otra parte, hace que se pueda distinguir (...) de todo cuerpo natura, físico o moral.222

218

Cf. Ibidem, 3804. H. Fries, Modificação e Evolução ..., in: J. Feiner; M. Loehrer, Mysterium Salutis, IV/2, p. 50. 220 A. Anton, El Misterio de la Iglesia, II, p. 636. 221 DH 3808. 222 Ibidem, 3809. 219

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Com o adjetivo “místico”, portanto, tanto se refuta uma união meramente naturalista dos membros, segundo a qual tal união é fruto da vontade humana, quanto o perigo de se igualar o Ccorpo de Cristo a um corpo físico, pois tanto Cristo como os membros da Igreja mantém suas respectivas personalidades.

El adjetivo místico indica la unidad profunda de los miembros del cuerpo eclesial con Cristo, que ser da a un nivel del misterio y tranciende todo outro tipo de unidad entre personas en el orden de otras asociaciones humanas. Si beien la encíclica se esfuerza por ilustrar la naturaleza mistérica de la Iglesiaaid en sua relació´n a Cristo y al Espíritu, por tratrarse de un misterio, no menos explícita es cuando excluye falsas interpretaciones de la unidad entre Cristo y la Iglesia en el sentido tanto misticista como naturalista.223

O fim último da união dos membros entre si e com Cristo é a santificação de cada um, para a glória de Deus. Tal fim se dá na Igreja por meio da cooperação de seus membros; “... esta cooperación de sus miembros debe manifestarse externamente en la profesión de una misma fe, en la participación de los mismos sacramentos y en la sumisión a su vicario en la tierra...”.224. Esta união dos membros se encontra implícita no termo “místico” também na medida em que a obra soteriológica de Cristo se dá na História pela participação dos membros do Corpo.

Misterio certamente tremendo, nè mai abbastanza meditato: che cioè la salvezza di molti dipenda dalle preghiere e dalle volontarie mortificazioni, a questo scopo intraprese dalle membra del mistico Corpo di Gesù Cristo e dalla cooperazione dei Pastori e dei fedeli (...) in collaborazione col divin Salvatore.verdaderamente tremenod y que jamás se meditará bastante, el que la salvación de muchos dependa de las oraciones y voluntaris mortificaciones de los miembros del curpep místico de Jesucristo, diriigidas a ese objeto, y de la cooperación que pastores y

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A união dos membros com o Cristo Cabeça é verdadeira, mas “... han de rechazar (...) toda forma que haga a los fieles traspasar de cualquier modo el orden de las cosas creadas e invadir erróneamente lo divino, sin que ni un solo atributo, proprio del sempiterno Dios, pueda atríbuirsele como proprio.”226

6. A Imagem de Igreja como Corpo (Místico) de Cristo no Vaticano II

O Concílio Vaticano II foi em diversos aspectos inovador. Há de se destacar, desde o início, que foi um concílio propriamente sobre a Igreja, legando à posteridade documentos chaves sobre esta, tais como a Constituição Lumen Gentiumm. O objetivo do Concílio foi

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pastoral e não dogmático-apologético como foram os objetivos de Trento e do Vaticano I. Mais ainda, o Vaticano II foi antes de tudo um Concílio sobre a Igreja, no qual ela busca se apresentar ao homem de hoje, na medida em que ela mesma procura se conhecer, sob a regra do “aggiornamento”.

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De fato, este representa, como é sabemossabido, a afirmação da Igreja como Povo de Deus, uma verdadeira “revolução copernicana”, onde a Hhierarquia não mais aparece isolada e autárquica, mas como parte deste povo.

223

A. Anton, El Misterio de La Iglesia, II, p. 637. Ibidem, p. 638. 225 Pio XII, Mystici Corporis Christi, AAS 35, p.19. p. 213 in: J. Auer, La Iglesia, p. 96. 226 DH 3814. 224

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Mas, ainda que a imagem de Povo de Deus seja a mais apresentada (ocupa todo o da LG), novamente volta à cena a de Corpo (Místico)227 de Cristo. Para tanto, o Vaticano II fruto, de modo especial, da renovação bíblica, patrística e litúrgica – resgata muito daquilo que foi o desenvolvimento de tal imagem, conforme o temos visto. Amalgama-a com tantas outras, principalmente a já mencionada Povo de Deus e também a de Templo do Espírito Santo228,, para assim apresentar a Igreja como ela é: mistério.

6.1. Lumen Gentium G 7

Basta uma leituraa atenta dos documentos conciliares para se perceber que muitas são as passagens onde a iImagem de Igreja apresentada, direta ou indiretamente, é a de Corpo de Cristo. Todavia, é no número 7 da Constituição LG – Constituição que por excelência “define” a Igreja – onde aparece o texto de maior relevância para nosso estudo. O texto traz reflexos do pensamento patrístico e magisterial, mas, principalmente, é fruto de busca na teologia bíblica do NT. Daí o seu caráter de continuação e renovação com o desenvolvimento desta imagem.

Usa-seremos, a partir deste ponto, o adjetivo “místico” entre parêntese devido à nova compreensão que este recebe. De fato, se de um lado o Vaticano II representa uma continuação da teologia do Corpo Místico de Cristo, por outro lado, devido à sua profunda fundamentação bíblica, este é também um aperfeiçoamento desta, incidindo isto diretamente sobre o uso deste polêmico adjetivo que, como vimos, era usado de início (Patrística) para a Eucaristia e não para a Igreja. Sem romper totalmente com a tradição estabelecida, o Vaticano II dirá que Jesus fez “... de Seus irmãos, chamados de todos os povos, misticamente os componentes de Seu próprio Corpo” (LG 7). “... el texto final de LG 7 es mucho más sobrio puesto que expone en síntesis los fundamentos de la noción paulina de Cuerpo de Cristo y, por outro lado, renuncia la desarrollo sistemático y conceptual próprio de la encíclica [Mystici Corporis], y por esto se centra más en la teología del Nuevo Testamento sobre el Cuerpo (A. Anton, El Misterio de La Iglesia, II, p. 637).. 228 Cf. LG 17. 227

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...el texto final de LG 7 (...) expone en síntesis los fundamentos de la noción Cuerpo de Cristo y, por outro lado, renuncia al desarrollo sistemático y conceptual la encíclica [Mystici Corporis], y por esto se centra más en la teología del Nuevo sobre el Cuerpo.229

Passemos aoDada a importância do texto para o presente estudo este é transcrito.

O filho de Deus, na natureza humana unida a si, vencendo a morte por Sua morte e ressurreição, remiu e transformou o homem em nova criatura (cf. Gal 6,15; 2 Cor 5,17). Ao comunicar o Seu Espírito, fez de Seus irmãos, chamados de todos os povos, misticamente os componentes de Seu próprio Corpo. Nesse corpo difunde-se a vida de Cristo nos crentes que, pelos sacramentos, de modo misterioso e real, são unidos a Cristo morto e glorificado. Pelo batismo configuramo-nos com Cristo: “Com efeito em um só Espírito fomos batizados todos nós para sermos um só corpo” (1Cor 12,13). Esse rito sagrado representa e realiza a união com a morte e ressurreição de Cristo: “Com ele fomos sepultados pelo batismo para [participarmos] da morte”; mas se “fomos feitos uma coisa com Ele na semelhança de sua morte, sê-lo-emos igualmente na de sua ressurreição” (Rom 6,4-5). Participando realmente do Corpo do Senhor na fração do pão eucarístico, somo elevados à comunhão com Ele e entre nós. “Sendo um só o pão, todos os que participam deste pão único formamos um só corpo” (1Cor 10,17). Assim tornamo-nos todos membros deste Corpo. (cf. 1Cor 12,27), “cada um, membros uns dos outros” (Rom 12,5). Mas como todos os membros do corpo humano, embora muitos, formam, contudo um só corpo, assim também os fiéis em Cristo (cf. 1Cor 12,12). Também na edificação do Corpo de Cristo há diversidade de membros e de funções. Um só é o Espírito que, para utilidade da Igreja, distribui Seus vários dons segundo suas riquezas e as necessidades dos ministérios (cf. 1Cor 12, 1-11). Entre estes dons avulta a graça dos Apóstolos à cuja autoridade o próprio Espírito submete até os carismáticos (cf 1Cor 14). O mesmo Espírito, unificando o corpo por si e sua força e pela conexão interna dos membros, produz e estimula a caridade entre os fiéis. Por isso, se um membros sofre, todos os membros padecem com ele; ou se um membros é honrado, todos os membros se regozijam com ele (cf. 1Cor 12,26). A cabeça deste corpo é Cristo. Ele é a imagem de Deus invisível e n'Ele foram criadas todas as coisas. Ele é antes de todos. E todas as coisas nele Subsistem. Ele é a cabeça do corpo que é a Igreja. Ele é o princípio, o primogênito dentro os mortos, de maneira que tenha a primazia em todas as coisas (cf. Col 1,15-18). Pela grandeza de Seu poder domina as coisas do céu e da terra. E por Sua

229

C.O’Donnell; S. Pié-Ninot, Diccionario de Eclesiología, p. 264.

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supereminente perfeição e operação enche todo o corpo das riquezas de Sua glória (cf. Ef 1,18-23) È necessário que todos os membros se conformem com Ele, até que Cristo seja formado neles (cf. Gal 4,19). Por isso somos inseridos nos mistérios de sua vida com Ele configurados, com Ele mortos e com Ele ressuscitados, até que com Ele reinemos (cf. Fil 3,21; 2Tim. 2,11; Ef 2,6; Col 2,12; etc.). peregrinando ainda na terra, palmilhando em seus vestígios na tribulação e na perseguição, associamonos às suas dores como o corpo à Cabeça, para que, padecendo com Ele, sejamos com Ele também glorificados (cf. Rom 8,17). Dele “todo o corpo, alimentado e ligado pelas juntas e ligaduras, aumenta no crescimento dado por Deus” (Col 2,19). Ele mesmo distribui continuamente os dons dos ministérios no seu corpo que é a Igreja, através dos quais, pela força derivada d’Ele, nos prestamos mutuamente para a salvação, de tal forma que, vivendo a verdade na caridade, em tudo cresçamos n’Ele que é a nossa Cabeça (cf. Ef 4,11-16 gr.). Para que n’Ele incessantemente nos renovemos (cf. Ef 4,23), deu-nos de Seu próprio Espírito, que, sendo um só e o mesmo na Cabeça e nos membros, de tal forma vivifica, unifica e move todo o corpo que seu ofício pode ser comparado pelos santos Padres com a função que exerce o princípio da vida ou a alma no corpo humano. Cristo ama a Igreja como Sua esposa, tornado modelo do marido que ama a sua mulher como o seu próprio corpo (cf. Ef 5, 25-28); mas a Igreja está sujeita à sua Cabeça (ib.23-24). “Porque n'Ele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Col 2,9), enche com seus dons divinos a Igreja que é Seu corpo e Sua plenitude (cf. Ef 1, 22-23), para que ela se desenvolva e chegue à completa plenitude de Deus (cf. Ef 3,19).230

O ponto de partida da Lumenm Gentium, para afirmar que a Igreja é o Corpo

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(Místico) de Cristo está na encarnação do Verbo, pela qual Cristo une a si a humanidade. Este Cristo é a Cabeça do Corpo, em dois sentidos complementares: por estar acima do Corpo e por infundir a vida neste.

Segundo a Constituição, o princípio do Cristo, chefe da Igreja, apresenta-se em quatro aspectos diferentes: como cabeça, ele torna os membros conformes a si; anima o crescimento vital da Igreja; por seu Espírito, ele a renova e unifica

230

Constituição Dogmática Lumen Gentium n. 7. In: KLOPPENBURG, Boaventura (org.). Compêndio do Vaticano II – Constituições, Decretos, Declarações, 29ª edição, Petrópolis: Vozes, 2000.

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enfim, como cabeça e esposo, ele ama aquela que é o seus corpo e ao torna perfeita, a fim de fazê-la atingir a plenitude de Deus.231

Todo este n. 7 da LG além de apresentar a Igreja segundo a imagem de Corpo (Místico) de Cristo, põe as bases teológicas e espirituais para que a seguir – LG 8, UR 3 – a Igreja possa ser vista como sacramento da salvação.

Só como a cópia configurada ao ‘Filho’ ée que a Igreja ganha a figura básica que lhe é própria: ser o espaço histórico e social do amor doador receptivo, ouvinte e responsorial. Ela se torna assim a ‘configuração de resposta , garantida pelo Filho, ao configurar-se de Deus no mundo que sucedeu em Jesus Cristo. Essa original ‘conformidade a Cristo’, que faz da Igreja parábola da relação trinitária e histórica do ‘Filho’ com o ‘Pai’, está na base de todo agir eclesial salvífico e libertador (na martyria, liturgia e diakonia) e o conforma.232

Ao se falar em sacramento, salta também aos olhos o paralelo com a LG 3, onde aparece a função dos carismas na Igreja. Entre suas muitas funções específicas, Paulo apresenta os carismas em função da edificação do Corpo (Místico) de Cristo e da unidade; tais serão as funções apresentadas também aqui. Em meio a toda a polêmica na tentativa de compreensão do que de fato são os carismas, o Vaticano II optou pela apresentação dos carismas não como dons extraordinários – dados a poucos e em situações particulares – mas como dons ordinários, a serviço das

PHILIPS, G. A Igreja e Seu Mistério no II Concílio do Vaticano – história, texto e comentário da Constituição Lumen Gentium, tomo I, SP: Herder, 1968, p. 126. 232 KEHL, Medard. A Igreja – uma eclesiologia católica, São Paulo: Loyola, 1997, p. 80. 231

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funções do Corpo e de seus membros.233. Daí uma grande novidade do Vaticano II: os leigos, pela união a Cristo pelo batismo e pela confirmação estão capacitados e chamados à missão. Supera-se o pensamento do Vaticano I, segundo o qual os dons do Espírito – que servem à edificação do Corpo – passariam quase que exclusivamente por meio da Hierarquia. No Vaticano II, o Espírito supre o Corpo (místico) de Cristo “mediante os

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diversos dons hierárquicos e carismáticos”.234. A estrutura hHierárquica está à serviço do Espírito, sendo também ela um produto deste, um dom do Espírito à Igreja. Tudo isso é possível porque fazendo eco à Mystici Corporis, e indo além desta, o Concílio trouxe de volta à Igreja uma recuperação da pneumatologia, unindo à imagem de Corpo de Cristo a ação do Espírito que é, por assim dizer, o ligame de Cristo à sua Igreja.

En efecto, el Vaticano II ha evitado una eclesiología unilateralmente cristológica, entroncando elo misterio de la Iglesia com las dos misiones trinitarias del Hijo y del Espíritu Santo. El Vaticano II no haá empleado la categoría cuerpo de Cristo como la definición de la Iglesia (...). La conexión entre Cristo y la Iglesia no es directa, sino mediata y asegurada por el Espíritu Santo. La Iglesia es, sí, el cuerpo de Cristo, que la nutre y edifica de manera incessante, pero hace esto enviándole su Espíritu. El Vaticano II tiene una verdadera pneumatología. Cuando compara la constituición de la Iglesia al Verbo encarnado, lo hace atribuyendo al Espíritu Santo papel análogo al que corresponde a la Segunda persona en el misterio de Cristo.235

Os membros do Corpo, por sua vez, são santos não na medida que vivem uma piedade individualizante – que, por sua vez, pode ter sido apresentada por muitos séculos como modelo – mas na medida em que suas vidas contribuem para o crescimento do Corpo.

O lugar teológico da veneração dos santos está, conforme isso, no ponto de interseção de eclesiologia e escatologia. Não devem, pois, estar no primeiro plano 233 234 235

Cf. C. O’Donnell; S. Pié-Ninot., Diccionario de Eclesiología, p. 129-134. LG 4. DOMÍNGUEZ, José Arturo. Las Interpretaciones posconciliares. In: P. Rodriguez, Eclesiología..., p. 66-67.

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a exemplaridade individual e a perfeição ética dos santos (sem que por isso devam ser desprezadas), mas sim o seu significado para a única communio da Igreja (...) assim a Igreja venera os seus santos sobretudo porque pode ver neles de maneira concreta e pessoal a chegada-ao-alvo e a beleza, finalmente isenta do pecado, de sua própria santidade. É aquela santidade que lhe é dada por Cristo primeiramente como comunidade eucarística do seu corpo e, então, se configura de maneira muito pessoal nos fiéis individuais.236

Por fim, torna o Corpo unido e fortalecido o sacrifício da Eucaristia, norma de fé esta que sempre foi ressaltada, nos diversos tempos, quando se fala da Igreja como Corpo (místico) de Cristo.

Exerce-se a obra de nossa redenção sempre que o sacrifício da cruz, pelo qual Cristo nossa Páscoa foi imolado (1Cor 5,7), se celebra sobre o altar. Ao mesmo tempo a unidade dos fiéis que constituem um só corpo em Cristo (cf. 1 Cor 10,17) é significada e realizada pelo sacramento do pão eucarístico. Todos os homens são chamados a esta união com Cristo, que é a luz do mundo...237

6.2. Pluralidade de Imagens

Como já dito anteriormente, a Igreja é apresentada na Lumen Gentium segundo

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uma série de imagens, produto de uma hercúlea síntese histórico-dogmática do desenvolvimento da eclesiologia. O fato de apresentar uma variedade de imagens e metáforas,

236 237

M. Kehl, A Igreja, p. 120. LG. 3.

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não é de modo algum algo isolado ou uma incapacidade de se apresentar uma melhor síntese. Antes, visa justamente mostrar que o mistério da Igreja não se reduz a uma só delas, donde a necessidade de uma leitura includente das mesmas.

‘Pueblo de Dios’ o ‘Cuerpo de Cristo’ no son, por tanto, dos conceptos fundamentales alternativos. Deben ser, antes bien, contemplados desde la perspectiva de una mutua referencia y a la luz de la autocomunicaaición históricosalvífica del Dios tinitario. Tan sólo por medio de la encarnación del Hijo y de la venida del Espíritu Santo tenemos acceso a Dios Padre (cf. Ef 2,18). El camino hacia Él tan só´lo permanece abierto gracias al Hijo y al Espíritu Santo (Jn 14,6). Y solamente por la revelación históridca del Hijo y del Espíritu se llega a la inhabitación de Dios en el corazón del hombre. Tan sólo así puede la comunidad de los discípulos estar unida en sí misma según el modelo del Dios trinitario, y ser un sigino de la presencia salvífica de aqeuella comunidad que , en Disos, constituyen Padre, Hijo y Espíritu (...) Sólo porque la Iglesia es Pueblo del Padre gracias al la unidad por la gracia con el Cuerpo de Cristo, es también Templo del Espíritu (1Co 3,16; 6,19). Solamente si el Espíritu del Señor (1 Co 3, 11) llena la Iglesia, la cual se remonta hasta su actuar histórico, con su vida, de la msisma manera que el alma vivifica un cuerpo, puede la Iglesia como Esposa de Cristo, salir al encuentro de su Esposo, Cristo, hacia la eteerana unión esponsorial con Él, con Dios, y exclamar con la fuerza del Espíritu: ‘Ven, Señor Jesús’ (Ap 22, 17).238

Percebe-se, nNo entanto, indubitavelmente que tem havido, no período pósconcíliar, uma demasiada ênfase na definição da Igreja como Povo de Deus, em detrimento das demais imagens que a complementam.239

Ahora bien, el período posconciliar ha conocido una excesiva concenrtración en torno a la noción de pueblo de Dios, en la que se ha llegado a contemplar (...) la categoría eclesiológica representativa del Vaticano II. De hecho, la repercusión que en la eclesiología del posconcilio han tenido los números 6 (sobre la varias

238

G. Müller, La Comprensión ... in: P. Rodriguez, Eclesiología, p. 30-31. Uma das imagens mais olvidadas é a de Templo do Espírito Santo, o que faz eco ao esquecimento da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade na teologia latina – já anterior ao Concílio, o que levou a se chamar o Espírito de “grande desconhecido”. 239

1212

figuras de Iglesia) y 7 (sobre la Iglesia como Cuerpo místico de Cristo) de la Constitución Lumen Gentium hay sido muy escasa, por no decir nula.240

Como conseguênciaconsequênciaconseqüência disto, sempre há o perigo de uma visão demasiada sociológica de Igreja, o que seria uma volta a problemas já há muitos enfrentados pelo Magistério. Desde o montanismo permanece viva a tendência a opor Instituição e Carisma. A Reforma ressaltará tal tentativa, vendo na Igreja com forte acento sociológico o locus por excelência da manifestação da verdadeira Igreja, por meio dos carismas e dos carismáticos. A Igreja perde muito de seu papel de intermediária entre Deus e os homens, assim como também os demais sacramentos. Para o protestantismo, só se pode dizer que a Igreja é o Corpo de Cristo enquanto se refere àqueles que existencialmente vivem sua fé e não meramente a professam ou a ela estejam ligados por ritos de iniciação,241,, ou seja, uma exclusão dos pecadores; tal pensamento, como vimos, não foi aceito pela própria Mystici Corporis e tão pouco pelo Vaticano II. Tal Igreja, assim concebida, não é a relação Deus-homem (sendo que o homem está enxertado no Homem-Jesus), mas está tão somente focalizada em seu aspecto humano; nada há de metafísico nela. O pensamento protestante acaba, portanto, professando um monofisismo eclesiológico às avessas, ou seja, só a “natureza” humana (leia-se o elemento humano) da Igreja se apresenta, perdendo esta o que a LG 7 chama de modo “misterioso e real” de união a Cristo.

240

G. Müller, La Comprensión ... in: P. Rodriguez, Eclesiología..., p. 30-31. Cf. MEYER, Harding. La Eclesiologia de la Reforma Protestante. In: P. Rodriguez, Eclesiología..., p. 270271. 241

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1222

A própria Igreja Católica, na qual subsiste a Igreja de Cristo242 tem que cuidar para que tal problemática, ou algo semelhante a esta, não venha a se infiltrar também dentro de si.

... según el Vaticano II, ni la noción de pueblo de Dios ni niunguna outra imagenm de la Iglesia pueden entenderse de modo correcto si se prescinde de su vinculación esencial al misterio, es decir, a la ‘disposición totalmente libre y misteriosa de la sabiduriía y bondad del Padre’ de salvar a todos los hombres por medio de su Hijo en el Espíritu Santo (...) ‘sin la interpretación eclesiástica de lo que la Iglesia quere decrir cuando se lhama así misma ‘pueblo de Dios’, la expresión podria dar ocasión a graves malentendidos’ (...) en el período posconciliar (...) la noción de pueblo de Dios ha sido con frecuencia trampolin para el salto a una Iglesia del pueblo (...) Iglesia entendida como fruto de la libre iniciativa de los hombres que se agrupan para seguir en el mundo la ‘causa’ de Jesús y que es apresentada como alternativa a la Iglesia ‘oficial’. Si conn la expressión Iglesia del pueblo se entiende una Iglesia que tiene en los pobres los destinatários preferenciales de su acción evangelizadora, nada hay que oponer a su uso.243

242 243

Cf. LG 8. Domínguez, Las Interpretaciones Posconciliares, in: RODRIGUEZ, Eclesiología..., p. 50-51.

1232

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CONCLUSÃOO

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Ao longo de seus dois mil anos de história, a Igreja , desafiada poelas por suas vozes internas e em si e pelo mundo à suas volta, se setntiusentiu impleidaimpelida a definirse e compreender-se. Para tanto, não seria eficiente frutífero o uso de conceitos fechados e “áridos”, mesmo porque tal cmodocomo modo de compreensão não é aprteparte da cultauracultura bíblico-oriental da qual ela nasceu. A Igreja deveria, pois, fazer uso de uma linguagem que lhe permitisse se expressar na História humana salvaguardando, ao mesmo tempo, sua característica mística. expressão do mistério na âmbito humano que é a história. Diriginda pelo Espírito , a Igreja fez us o de imagnesnimagens e metáfierasmetáforas

em

sua

tentativa

de

auto-compreensãoautocompreensão

e

posivoonamentoposicionamento. Uma das Entre estas imagnesnimagens que se, destaca-se m é a de Corpo (místico) de Cristo. De fato, tal Tal imagneimagem tem seu surgimento e desenvolvimento é de força inegável nos escirtosescritos paulinos, tanto nas grandes cartas – ( Romanos, 1 e 2 Coríntios e Romanos –) como em algumas das nas assim chamadas cartas do cativeiro: (Efésios e, Colossenses). O fato de Paulo cunhar uma imagem nova e

aplica-la à Igreja tem um

fundamento clarosentido teológico profundo. Paulo é hebreu e, como tal, teria toda razão para usar a imagem de Ppovo de Deus (ou uma definição semelhante a esta: raça eleita, por exemplo etc.). De fato ele o faz, mas sempre em referência ao AT (cf. Rm 9,25; 2 Cor. 6,16). Todavia, em resposta a devido ao seu contexto histórico-pastoral, coube-lhe a tarefa de explicitar a novidade soteriológica apresentada pelo Evangelho da realidade.

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A imagem de Ppovo de Deus (ou outra semelhante), se aplicada por Paulo, traria em seu bojo um forte acento etnico-racial que poderia apresentar-se de forma insuportável para os gentios. Poderia acontecer que, retrocedendo ao período anterior a Jesus, aqueles que viessem a crer no Evangelho deveriam também aceitar a Lei; em outras palavras, manter a continuidade com a raça eleita., ou seja, a continuidade com o povo escolhido , o povo judeu. Ainda que de modo algum fosse o interesse de Paulo desdenhar tal continuidade – que é testemunha da fidelidade de Deus à Ssua promessa –

importa-lhe apresentar o

novo: em Cristo todos são chamados à Boa Nova. A fé, e não mais a raça, é o fator de pertença ao novo Povo de Deus. Paradoxalmente tal assertiva teve de ser feita sob outra imagem.. Nas grandes cartas a imagem de Corpo de Cristo solidifica os fundamentos para a relação dos fiéis entre si. Estes são membros do Corpo e , pelos vários dons carismáticos que lhes são distribuídos pelo Espírito, contribuem para a edificação do mesmo (a imagem de Corpo de Cristo e de “edifício” caminham aqui em paralelo). Pelo batismo, cada um dos fiéis se une a Cristo, ou melhor, a Ele enquanto que também está ligado ao por ligação ao Seu Corpo que é a Igreja, de modo que há uma dependência mútua entre os membros. Nas já citadas cartas do Cativeiro o que é apresentado não é tanto a ligação dos fiéis entre si, mas sua ligação com Cristo e, bem como, ainda mais enfaticamente, a ligação de todo o Corpo, ou seja, da Igreja, com a sua Cabeça. O Cristo agora apresentado, tomando-se em conta que tais cartas foram escritas após as grandes cartas,passadas aproximadamente três décadas após sua ressurreição, é o Cristo Cósmico, que sintetiza em si todo o universo, ao mesmo tempo que o preenche e governa (pleroma). Tanto nas grandes cartas, quanto na cartas do cativeiro, há a possibilidade de se ver uma influência da filosofia de então sobre Paulo, a saber, o estoicismo (corpo social) e o

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gnosticismo (mito do antropos que une os eons dispersos), respectivamente. No entanto, ainda

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que assim o tenha acontecido, Paulo faz verdadeira teologia eao enfatizar a gratuidade da ação divina, e bem como seu poder; é uma , mais, como dissemos uma teologia fontal, produto da inspiração, onde a Trindade e, particularmente, Cristo, é o centro. Fica ainda claro, em ambas as cartas, o seu uso apologético parenético em torno do tema da unidade comum, possibilitado por tal imagem: a unidade. A unidade é uma “exigência” teológica “uma vez que um só é o Senhor, umas só é a fé, um só é o ddispensador dos dons, um só é objetivo dos dons recebidos: a edificação do corpo. Também a Hierarquia, o que se torna mais claro nas cartas do cativeiro, aparece em Paulo como um serviço à

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unidade, sendo um Dom do Espírito. A partir da fundamentação bíblica, teremháos um longo e intrincado caminho do dsesenvolvimentos da imagem de Igreja como Corpo (místico) de Cristo. Os Padres, geração sucedânea aos apóstolos, primeiros a “ruminar” a Palavra e expo-la à Igreja, e que também fizeram teologia (talvez não nos moldes que a compreendemos hoje) irão dar continuidade ao modo de se referir à Igreja fazendo uso de metáforas e imagens. Neles, a Igreja é essencialmente um mistério e . aA imagem de Corpo de Cristo facilita adentrar em tal mistério. Em Orígenes a Igreja é atemporal, de certo modo existindo antes da queda e caminhando para a unidade). Embora seja mística, a Igreja não é abstrata, e, para demonstrálo, tanto que muitos Padres associarão a pessoa doo bispo à sua Cabeça (Cristo). Partindo da Hierarquia, Irineu expõe a prova da unidade da Igreja. Também os sacramentos são muito valorizados pelos Padres (a Igreja é sacramento). A Eucaristia, de modo especial, é a chave de união a Cristo. No entanto, é ainda nos tempo dos Padres, com o início da Idade Média, que a característica mística da Igreja começa a ser olvidada. A conversão de Constantino no século IV e, mais tarde, a passagem do cristianismo ao status de religião oficial do Império irá

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aproximar este à Igreja e favorecer uma visão juridicista desta última. Séculos mais tarde a ligação da Igreja com outro Império – o germânico – irá fortalecer ainda mais tal concepção. A Igreja medieval tenderá a se definir, pois, pelo aspecto corporativo- jurídico, deixando a imagem de

e assim também é compreendida a imagem de Corpo de Cristo sem

espaçorelegada a um segundo plano. SeráFoi ainda na nesta mesma Idade Médiaépoca que o adjetivo místico apareceé é acrescentado à proposiçãosentença bíblica Corpo de Cristo. A Eucaristia passa a ser o Corpo de Cristo por excelência, enquanto que a Igreja é o Corpo Místico de Cristo. À primeira está ligado o presbítero, à segunda o bispo (função de governo). Com a influêencia humanista, seguida da Reformaevolução protestante, toda a Igreja vê suas estruturas desafiadas. será balançada. A Reforma repugna ao máximo as normativas para o encontro do homem com Deus. Para esta, ela fé o homem já está unido a Cristo pela fé, ainda que mas a verdadeira Igreja Corpo de Cristo é a Igreja dos santos. Séculos depois, o positivismo iluminista cobra definitivamente a separação entre Igreja e Estado, ao mesmo tempo que cobrademanda uma Igreja de caráter educativo e altruísta, bem como desmistificada. Ante tais desafios, a principal vertente resposta dna Igreja será se o fechamento em torno da categoria de r como denominação, fazendo da apologética seu carro chefe. A definição predominante é pois a de sociedade perfeita. Novamente aA imagem Corpo de Cristo é desdenhada, por dar muita margem a mal entendidos. O movimento romântico dentro da Igreja, impulsionado por Möhler resgatará no século XIX a imagem esquecida. Mais tarde este é auxiliado pela e, mais tarde, a Eescola Romana, até que,, começam a dar novas aberturas ao uso de tal imagem. Será entre as décadas de 1920 e 1940, que pulula a compreensão da Igreja como Corpo Místico de Cristo. Em reflexoComo necessária resposta à eclesiologia em ebulição (trazendo em si “prós” e

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“contras”) a isto, Pio XII escreveu a Encíclica Mystici Corporis Christi; nesta o Santo Padre

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tanto tira a Igreja de uma visão juridicista, como corrigi o perigo de um monofisismo eclesiológico. Pela Encíclica se entende que aA Igreja que como Corpo Místico de Cristo nasce da encarnação do Verboe Cristo e, com a ida de Jesus ao Pai, nela Ele este continua agindo na Igreja por meio do Sseu Espírito, de modo especial na liturgia. Esta Igreja, embora mística, é também visível no mundo, ainda que não seja do mundo, sendo que tal visibilidade se dá de modo especial por meio de seus pastores e, de modo ainda mais claro, pelo Romano Pontífice. De uma forma didática a Encíclica expõe porque a Igreja é o Corpo Místico de Cristo: pelo fato de que ela é uma comunidade visível (corpo), na qual Cristo age e a sustenta (Corpo de Cristo) e cuja unidade não é puramente sociológica ou moral, mas dada pelo Espírito (místico). Após tão longo caminho, a imagem de Corpo de Cristo chegou ao Vaticano II carregada de interpretações. O Concílio, por sua vez, fez uma volta à teologia bíblica e patrística haurindo dali um rico acervo de imagens e metáforas (cf. LG 6) onde sobressai uma Igreja que espelha a Trindadedonde necessariamente emerge as imagens lá usadas e uma Igreja Trinitária. Entre tantas imagens e metáforas, o Vaticano II parece privilegiar três: Povo de Deus, Corpo de Cristo e Templo do Espírito Santo (cf. LG 17). No entanto, o ensinamento nas entrelinhas dos textos conciliares é que jamais pode haver o monopólio de uma só imagem, o que levaria a uma compreensão distorcida do que é a Igreja. embora que se perceba certa tendência a isto. Uma Igreja entendida somente como Povo de Deus traria como conseqüência uma visão por demais sociológicao sociologismo, bem como o e o conseqüente desvio do significado primordial do conceito ecclesia, ou seja, aassembléia convocada por um Outro. Se a Igreja for entendida somente como Ttemplo do Espírito Santo há sempre o perigo

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da volta ao montanismo, caracterizado pela contraposição entre , contrapondo carisma e Instituição, onde a última não é a aceita.. Por fim, se entendida só como Corpo de Cristo (o Vaticanoa LG não usa o termo “místico” mas se refere a “misticamente componentes de Seu próprio Corpo”) o maior perigo seria um monofisismo eclesiológico, com a conseqüente absolutização da mesmaIgreja e o esquecimento de que esta é formada de pecadores. A Igreja àà qual estamos misticamenteericamente unidos é pois o Corpo Cristo. Nascida da vontade de Deus, nela nos unimos a Cristo pelo batismo e somos alimentados pelo seu Corpo Eucarístico. Um Corpo onde os membros agem impulsionados pelo Espírito e cujo fim destinado é o escatológico no qual os membrosestes não perderão sua individualidade mas estarão definitivamente com Cristo (cf. Fil. 1,21ss).

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Abreviaturas (pôr? no início)

AAS DH LG NT STh UR

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