O desenvolvimento de tecnologias sociais em um centro de pesquisas científicas no sul de Minas

June 15, 2017 | Autor: Guilherme Garrido | Categoria: Social Construction of Technology
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O desenvolvimento de tecnologias sociais em um centro de pesquisas científicas no sul de minas

Guilherme Leite Garrido Silva Universidade Federal de Itajubá

Adilson da Silva Mello Universidade Federal de Itajubá

RESUMO A intenção desse trabalho é observar a realidade da pesquisa científica desenvolvida na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG, em Maria da Fé, por meio de construção de uma rede de interações sociais advinda da Sociologia das Ciências. A base teórica proposta por Bruno Latour será o referencial para seu desenvolvimento. Para tal exercício, foram utilizados os métodos de observação, descrição, coleta de informações e desenho de associações baseadas na Teoria Ator-Rede (TAR). Foi possível identificar, em um primeiro momento, os atores componentes dessa rede híbrida, que se fazia por meio de humanos e inumanos, sendo esses últimos dispostos em formas de organização, instituição, objetos do cotidiano e os cenários sociais aos quais era apresentada essa rede. Em uma segunda etapa, as articulações entre esses atores foram essenciais para que fosse possível o entendimento de como as forças não humanas e atores humanos dirigem a pesquisa científica nessa instituição. Por fim, o apontamento dos objetos inscritores, dos actantes, e dos contextos se faz como meio para elaboração da rede de relacionamentos, associações e afetações sob a perspectiva da Teoria Ator-Rede, a qual possui como amálgama a inserção da Tecnologia Social no município de Maria da Fé, Minas Gerais.

PALAVRAS-CHAVE: EPAMIG; Teoria Ator-Rede; Tecnologia Social.

ABSTRACT This paper intends to observe the reality of scientific research developed at Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais – EPAMIG, at Maria da Fe, by means of construction of a net of social interactions coming from Sociology of Sciences. The theoretical basis purposed by Bruno Latour will be the reference for its development. For such exercise, some methods have been used as observation, description, data gathering and design of associations based on Actor-Network Theory (ANT). It was possible to identify in a first moment the actors from this hybrid net, which was composed by humans and non humans, being the last one disposed in organizations, institutions, daily objects and social scenarios which were presented in this network. In a second stage, the articulations among these actors were essentials for the understanding of how non human forces and human actors lead the scientific research in this institution. Lastly, the notation of objects, actants, and contexts are a path for elaboration of a relationship, association and affectation network under the perspective of Actor-Network Theory, which has as amalgam the insertion of Social Technology in the city of Maria da Fé, Minas Gerais.

KEY-WORDS: EPAMIG; Actor-Network Theory; Social Technology.

Área do Conhecimento: Ciências Humanas. Curso: Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade. Nível: Mestrado.

INTRODUÇÃO A tradição no cultivo agropecuário é questão inexorável para algumas regiões brasileiras. A quebra dessa tradição e a inserção de novas práticas e tipos de cultivos se dão como uma dissociação da cultura e das representações sociais desse cenário. Essas afetações se fazem desde a mudança da cultura dos indivíduos dessa sociedade, passando pela viabilidade econômica até o estágio de desenvolvimento de tecnologias que tornem possíveis e eficazes os esforços de adição de novos métodos cultivo. A contextualização da pesquisa possui um olhar histórico no qual é possível elucidar a tradição que cerca a cidade de Maria da Fé, ao sul do estado de Minas Gerais, no cultivo da batata (ALVES et al., 2012). Após a crise desse mercado e a quebra dos potencias batateiros na região, motivada por diversos fatores econômicos e logísticos, sobretudo a produção concorrente no estado do Paraná, surge a necessidade de exploração de novas opções de cultivares para que houvesse a reconstrução do aspecto agropecuário da região. Responsável pelas pesquisas em tecnologia rural, a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG) desenvolve seu trabalho na cidade de Maria da Fé, Minas Gerais, em uma fazenda experimental situada em perímetro urbano há meio século proporcionando aos produtores locais, e de outras regiões, avanços consideráveis no cultivo, colheita, incrementos tecnológicos e produção de diversos produtos agropecuários. Em um trabalho conjunto com outras fazendas/unidades da EPAMIG e de outras instituições de pesquisa e ensino, é possível pontuar os benefícios gerados pelas pesquisas realizadas durante todo seu tempo de existência, bem como a construção em rede de associações entre atores humanos e não humanos, baseando essa construção na Teoria Ator-Rede (LATOUR, 1994). A unidade de Maria da Fé possui dois pesquisadores os quais, juntamente com sua equipe de colaboradores, provê aos interessados diversas pesquisas no cultivo de produções agrárias que abrangem desde frutíferos até tubérculos e oleaginosas. Essa última, como pesquisa mais importante da instituição neste momento, é representada pela oliveira. A adaptação de diversas espécies da mesma planta ao solo e ao clima da cidade de Maria da Fé foi essencial para que se abrisse uma gama de possibilidade de plantio e

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comercialização por parte dos produtores locais, mesmo que esse comércio extrapolasse a região explorada. O papel do pesquisador, baseado em Bruno Latour, nesse contexto, é identificar os atores presentes nesse cenário e estruturar uma rede de relações com a identificação das forças diretas e indiretas que recaem sobre o tema principal da pesquisa.

1. REVISÃO DE LITERATURA Atualmente o Brasil apresenta 100% de dependência da importação do azeite de oliva (SILVA et. al., 2012), já que a produção nacional deste item agropecuário não possui volume, expressividade, nem tecnologia suficiente para que possa competir com os concorrentes internacionais. O consumo global do azeite de oliva se faz principalmente nas culinárias regionais (NUNES et. al., 2013) e possui demanda de práticas que tornem viáveis os investimentos em produção nacional. Ocorrem mundialmente esforços para o fomento de práticas de cultivo sob a influência de produtos não tóxicos como forma de alternativa às práticas tradicionais de diversas formas de cultivo. Paralelamente, são de conhecimento as políticas de difusão da saúde pública na sociedade. Porém, é de grande dificuldade a inter-relação entre as áreas descritas. (AZEVEDO E PELICIONI, 2011). De acordo com Azevedo e Pelicioni (2012), desde a década de 1970 políticas de inserção da comunidade como ator na efetivação de resultados é incentivada como um item importante de participação na promoção de saúde. Esses esforços condizem com a necessidade de desenvolvimento e fomento de práticas e técnicas, as quais podem ser consideradas em alguns casos empíricas, que auxiliem na qualidade de produções agrárias visando a um bem maior social. Para isto, se torna necessária a planificação de todo o cenário que engloba a produção agrária local com a sociedade, partindo desta sistematização para a construção de uma rede de associações e influências, determinadas ou não por ações provindas de indivíduos atuantes, como solução para o entendimento da inserção destas tecnologias sociais nos meios de produção agrária na localidade de Maria da Fé. Este rastreamento torna possível a identificação de eventuais pontos de resistência à adaptação de novas práticas (LATOUR, 1997), as possíveis justificativas dessa resistência, as forças inicialmente ocultas com capacidade de moldar as ações dos atores e o cenário como um todo, bem como a comprovação ou não da eficiência dessas práticas de tecnologia social sobre a comunidade que a cerca.

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Esse estudo se fará acompanhando as pesquisas em cultivo e beneficiamento da oliveira na EPAMIG – Maria da Fé. De acordo com Latour (1997), o acompanhamento do pesquisador de forma imparcial no cotidiano de um laboratório de pesquisas científicas se faz pela identificação dos atores correspondentes, dos inscritores e das forças de relação ocultas naquele grupo social em particular. Ao longo do tempo na história humana a tecnologia toma o lugar de importante fato que ordena, direciona e redireciona o comportamento e as capacidades potenciais do ser humano. Atualmente a tecnologia ainda possui sua importância de transformação e ela difere dos tempos remotos quanto à velocidade de suas transformações e quanto ao impacto que pode exercer sobre determinada sociedade (SEN, 2010). As diversas classificações de tecnologia são responsáveis pela adaptação de como entendemos, agimos e como pensamos o mundo e a sociedade. Premebida et al. (2011) entendem que “a ciência envolve uma socialização, uma execução rotineira de aprendizado formal e informal”. Com isto é agregado à ciência um caráter social, que deve ser desenvolvido em prol das necessidades explicitadas pelo social. Porém, este é um dos questionamentos possíveis quando à origem destas necessidades. O que pode ser tomado como indicador de necessidade em uma sociedade? E quais consequências podem ter essas necessidades no desenvolvimento de tecnologias sociais? Propõe-se então a busca por embasamentos que respondam a esses questionamentos.

1.1 A TECNOLOGIA DO SOCIAL Desde a década de 1970, autores buscam formas de entender as relações existentes entre tecnologia e sociedade, já com a premissa de que o desenvolvimento das ciências não é autônomo, bem como a proposição de relações que não se mostram tão explícitas quanto aquelas identificadas logo de início. Um dos autores que abordaram a temática da tecnologia social foi Latour (2004), quando traçou a importância da tecnologia em diversos sentidos do social, extrapolando sua abrangência aos estudos da antropologia. Há a necessidade de que os estudos científicos estejam alinhados com o benefício central de seus resultados e com direcionamentos de aplicação na sociedade. A criação de métodos, esquemas, sistemáticas e conceitos não devem gerar uma miopia do cientista quanto às carências sociais, as quais, por sua vez, não estão sempre explícitas. E é desta obscuridade de informação e de indicadores sociais que a reformulação das construções sociais e o estudo de suas conexões se faz necessário. Ainda há uma dificuldade de identificação de consequências provenientes de tecnologias inseridas na sociedade, principalmente em grupos sociais de maior complexidade, em que o rastreamento das ações e consequências se faz em necessariamente minuciosos (PREMEBIDA et al., 2011).

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Dagnino (2006) propõe que de todas as apropriações sociais referentes a esforços de políticas públicas, as de fonte na ciência e tecnologia são as que mais retratam a aceitação e adequação social, nesse caso para os pesquisadores. Isso comprova que há desejos políticos de incentivo à ciência e tecnologia, as quais devem trabalhar conjuntamente de forma a devolver ao social suas devidas contribuições e receber do mesmo as indicações de demandas, mesmo que não explícitas de aprimoramentos. É importante o estudo apropriado dos processos e movimentos que compõem a produção tecnológica. Desta forma é possível o entendimento das razões do surgimento de determinada tecnologia. Assim, também será possível criar uma diferenciação da tecnologia social de outras formas de tecnologia que podem ser identificadas em uma sociedade (BARBIERI, 2008). De acordo com Barbieri (2008) a definição que cabe ao termo tecnologia social é aquela que engloba a inserção de uma prática tecnológica na sociedade, conforme sua metodologia, conceitos e premissas, como forma de auxílio às carências sociais, mas que também está suscetível a mudanças estruturais visando à colaboração participante do social na construção da tecnologia. Ainda, as tecnologias sociais possuem o objetivo principal de incremento na qualidade e nas condições de vida do meio social em que estão inseridas. É relevante que seja dada atenção quanto às modificações que uma mesma tecnologia pode sofrer quando inserida em diferentes meios sociais, pois cada cenário pode conter traços inerentes que reagem de modos diferenciados em cada um dos casos de aplicação. Para Barbieri (2008) a construção de uma tecnologia social é produto resultante de fatos e questionamentos os quais se citam: a) a razão de ser da Tecnologia Social; b) o processo de tomada de decisão; c) o papel da população; d) a sistemática; e) a construção do conhecimento; f) a sustentabilidade na visão da tecnologia; g) aplicação de escala. Cada uma dessas diretrizes é parte atuante na identificação dos problemas sociais a serem solucionados pela tecnologia social, na criação e planejamento de um método para seu desenvolvimento, na forma como a sociedade reagirá a esta tecnologia, como esta tecnologia se sustentará e qual seu potencial de abrangência.

1.2 RECRIAÇÃO DE ASSOCIAÇÕES Indivíduos se relacionam socialmente movidos por desejos, necessidades e interesses. Muitas dessas características apresentam raízes pessoais e intrínsecas ao ser, porém a preexistência destas características é proveniente de fatores extrínsecos, por exemplo, o desejo material. Com isso, a busca pela reformulação dos conceitos sobre seres que

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compõem as relações humanas é necessária para o entendimento de como vêm acontecendo essas relações e para qual direção elas caminham atualmente. Como descrito no item anterior, uma mesma tecnologia será observada por pontos de entendimento diferentes em meios sociais distintos. Para Carrara (2002), as reações sociais devem ser observadas e identificadas coerentemente para que não se confundam com afetações tão especificadas que atinjam campos de estudo antropológicos. Já Latour (1997) propõe o desmembramento das construções sociais preestabelecidas e a reorganização, ou seja, a reassociação dos componentes do social como forma de identificar individualmente cada uma das conexões existentes, a origem e causas destas conexões e como suas existências afetam a construção de outras conexões, criando, desta forma, uma rede de conexões capaz de ser ao mesmo tempo concreta quanto à sua existência, mas também sensível quando uma mudança ocorre em determinado ponto da observação. O autor também afirma que existe um item de alta complexidade quanto a este rastreio que é a característica fluida do social. Ou seja, sua grande flexibilidade e rápida resposta às mudanças que possam ocorrer nele mesmo ou em torno dele. Isso exige do pesquisador uma atenção especial para que não sejam reconstruídas conexões de forma errônea (LATOUR, 1997). Da mesma forma que a sociedade não estabelece uma rigidez de comportamento, o autor entende a ciência com sua devida “liquidez”, pois suas transformações também são velozes e ocorrem de acordo com os movimentos proporcionados pela sociedade em seus componentes híbridos, ou seja, não necessariamente composta apenas de humanos. No sentido prático da pesquisa em relação às práticas de agroecologia, serão necessários os rastreamentos das conexões preexistentes entre tecnologia, ciência e sociedade, para que possa ser desenvolvida, num segundo momento, uma nova reassociação de atores com suas respectivas consequências e ajustes quando à primeira classificação de relações sociais.

1.3 A PERSPECTIVA DE BRUNO LATOUR O engendramento de conexões sociais possui fundamentação nos sociólogos clássicos, com sua forma predefinida e rígida de classificação, em que uma ação social, mesmo que com traços diferentes da teoria, é forçadamente classificada sem que haja uma métrica mais flexível e precisa para sua rotulagem. De acordo com Latour (1994) a necessidade de reformulação das conexões acontece pelo fato de que quando ocorre uma observação e um estudo intenso da origem de determinadas relações, é possível esbarrar em outras áreas que não a Sociologia, como a Psicologia e a Antropologia. Partindo dessa complexidade de rastreamento, Latour propõe

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a criação da Teoria Ator-Rede (TAR ou ANT em Inglês), na qual ele denota o aparecimento de atores humanos e não humanos, os quais são responsáveis pelo papel de promotores e/ou resultantes das interações sociais. O foco de sua teoria é “vocalizar” os inumanos abrindo espaço a eles no cenário de atuação social, já que não há construção social sem a presença de inumanos. Latour (1997) exemplifica a relação existente entre o social e as ciências, as quais sofrem influências diretas do primeiro aqui apresentado, como no caso da Economia, Psicologia e Administração. Essas, como outras ciências que podem ser descritas, apresentam fontes diretas com o meio social, sendo assim, manipuláveis de acordo com os movimentos de interações sociais daqueles que a elas dizem respeito. Um dos exemplos para justificação de suas afirmações dado pelo autor é a conexão que pode surgir num cenário imaginado onde fatores biológicos, associados a reações sociais prévias, fazem com que um juiz se posicione favorável ou contrário a uma decisão judicial de grande complexidade. A mesma volatilidade do cenário também é abordada por Escossia (2005) quando relata a preocupação de Latour quanto à classificação clássica realizada por outros autores quanto ao estabelecimento de classificações que segregam o saber do objeto, e estes do indivíduo. De acordo com a Teoria Ator-Rede, não é possível que seja observada apenas uma ou duas destas classificações como combustíveis para a movimentação das conexões sociais, pois o simples descarte de uma das classificações produziria uma lacuna na busca das raízes da criação desta associação propriamente dita. Com isso, Latour difere atores humanos de não humanos, mas não descarta nenhum deles como parte importante na construção das interações sociais. O referido autor, para que possa ser feita uma reagregação das conexões e interações entre humanos e não humanos, discrimina cinco questões iniciais como forma de encontrar controvérsias que possibilitem a desconstrução das já conhecidas conexões sociais. Latour (2005) busca inicialmente as contradições nas seguintes formas: - Grupos: onde é encontra a identidade real do grupo, desfazendo os grupos predefinidos; - Ações: as quais são responsáveis pelos acontecimentos e distorções dos objetivos principais e originais das coisas; - Objetos: os quais são partes responsáveis pelas interações e não são considerados em forma fixa e socialmente inerte; - Fatos: da relação controversa entre ciência e social; - Ciência do Social: ao procurar a origem, as realizações e a classificação empírica ou não empírica das pesquisas. A atuação dos objetos para Latour possui tal importância que sua classificação original de ator não poderia ser aceita. Então os termos actante ou atuante são tomados como apropriação conceitual. Ingold (2012) entende que a participação de objetos ou

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de fatores considerados não humanos possui tal importância que ocorre uma extensão de conexões entre estes próprios não humanos que pode ser responsável por criação de interações entre eles mesmos. Além da importância devida aos objetos, Latour (1997) ressalta a relevância das forças que moldam as ações e as relações dos atores. E para que seja possível a identificação efetiva dessas forças, há a necessidade de acompanhamento do microcotidiano, das relações formais e informais presentes no campo de pesquisa. O processo de observação de discriminação dos pontos relevantes e referentes ao híbrido final de uma pesquisa só se faz quando há um princípio de simetria (LATOUR, 1997) no qual a presença, relevância e livre movimentação do pesquisador se igualam ao objetivo principal da pesquisa observada. A partir desse princípio é possível que se faça uma descrição epistemológica, a fim de atingir os pontos cruciais para a existência da pesquisa, a importância dos dados coletados, a relevância de um pesquisador e o impacto de uma nova tecnologia na sociedade em que se faz presente.

2. METODOLOGIA Mesmo que não evidenciada uma metodologia por Latour (1997) quanto à observação do cenário de pesquisa, seus traços investigativos e descritivos nortearam essa pesquisa. Partindo da experiência provida pelo autor em Latour (1997), a imersão no laboratório de pesquisas agropecuárias de Minas Gerais, mais precisamente da Fazenda Experimental de Maria da Fé, foi feita para que as descrições do ambiente e dos atores pudessem ser feitas. Também foi utilizada a Teoria da Descrição Densa proposta por Geertz (2008), a qual interpreta a descrição de um meio social como a investigação dos fatores não aparentes que levam aos comportamentos de um grupo social e moldam a cultura do mesmo. Baseado nesses dois parâmetros, para desenvolvimento da pesquisa, foram utilizadas anotações em cadernos de campo mediante observação não participante, entrevistas não estruturadas com atores da instituição de pesquisa e com atores presentes na rede liderada pela instituição. Os traços investigativos oferecidos por Latour (1997) foram aliados à Teoria da Descrição Densa de Geertz (2008) com finalidade de construção de uma trama de atores híbridos e rastreio de relacionamentos enquadrados na Teoria Ator-Rede de Latour (1994). Uma primeira etapa foi iniciada pela realização de entrevistas não estruturadas com os atores identificados na EPAMIG, como forma de visão geral do sistema ali presente e desenvolvido por eles mesmos. A entrevista não estruturada proporcionou liberdade

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ao entrevistado quanto à descrição e divulgação de suas impressões pessoais frente ao cenário de desenvolvimento de pesquisas na produção de oliveira na região e no Brasil. Isso também possibilitou o surgimento de atores inicialmente ocultos no cenário, porém que desenvolvem papel relevante na rede. Os relatos históricos compilados em Alves et al. (2012) ofereceram um posicionamento etnográfico das questões de formação da instituição, sobretudo de sua alocação na cidade de Maria da Fé, combinando suas práticas de pesquisa com as possibilidades de cultivo agronômico no município supracitado. Posteriormente à realização das entrevistas não estruturadas, a observação investigativa proposta em Latour (1997) se fez presente ao tornar possível a identificação dos atores e inscritores que compõem a instituição de pesquisa. Após serem também identificados os atores de fora da EPAMIG, entrevistas e observações foram postas em prática, seguindo a mesma metodologia inicialmente desenvolvida, para que houvesse equivalência e verossimilhança na observação desses cenários subsequentes. Por fim, a construção de uma rede de relacionamentos entre atores e de forças presentes no sistema foi possível nas etapas finais dessa pesquisa.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1 EMPRESA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA DE MINAS GERAIS (EPAMIG) - MARIA DA FÉ A unidade de Maria da Fé da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais foi doada por um casal de fazendeiros, no ano de 1927, e desde então vem desenvolvendo trabalhos de pesquisa em diversos cultivos, inclusive em oliveiras. A partir de 2008 a unidade de Maria da Fé foi denominada Fazenda Experimental de Maria da Fé (FEMF) (ALVES et. al., 2012). O dia 29 de fevereiro 2008 é um marco importante para a FEMF, e para a EPAMIG de forma geral, já que foi a data da primeira extração do azeite de oliva extravirgem proveniente de cultivares próprios. A partir dessa data a FEMF se tornou referência nacional nas pesquisas e no cultivo de oliveira, trazendo consigo uma bagagem de atores que variam desde a população local até instituições de grande porte como construção de um sistema sócio-político-econômico. A Fazenda Experimental de Maria da Fé difere de outras unidades da EPAMIG pela

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grande proximidade com a sociedade. Diversos fatores influenciam nessa característica, dentre eles a proximidade da fazenda da cidade, já que a FEMF está situada a cerca de oitocentos metros do centro da cidade de Maria da Fé, a receptividade dos funcionários e pesquisadores e a geração de um fluxo turístico acerca da oliveira. Devido a essas características, o objetivo final da unidade, o qual era apenas esforço em pesquisa agropecuária, se desdobrou ao abranger o campo da extensão rural. Pequenos e médios produtores regionais, e até mesmo produtores de outras regiões do país, procuram a FEMF através de visitas técnicas, e-mails e consultorias buscando novas técnicas de cultivo, novas práticas de beneficiamento e novos resultados de pesquisas decorrentes para suas próprias produções.

3.2 COTIDIANO DA FAZENDA EXPERIMENTAL DE MARIA DA FÉ Em meio a visitantes que constantemente frequentam a FEMF, o grupo composto de dois pesquisadores, um gerente, uma técnica administrativa e seis funcionários de campo, divididos entre safristas e profissionais permanentes, desenvolvem suas atividades diárias mesclando os processos burocráticos exigidos pelo sistema com ações não programadas, para que possam aliar o atendimento aos visitantes com as tarefas de pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias agropecuárias. As instalações da FEMF na antiga casa da fazenda tornam o local propício para o turismo. Essa constante construção de relacionamento com os visitantes deixa claro os benefícios advindos dessa fama acerca da FEMF. Referência constante nas citações em periódicos agropecuários e em revistas técnicas no ramo do agronegócio em todo o território nacional, a FEMF também é notória perante a população local. No livro de visitantes constam dados de pessoas de todas as regiões do país que possuem interesses no turismo agropecuário, na busca de novas técnicas, na solução de problemas pertinentes ao cultivo e na continuidade dos trabalhos da FEMF, por meio de doações.

3.3 UNIDADE EPAMIG LAVRAS Outra unidade importante da EPAMIG e que se faz actante nesse cenário é a unidade de Lavras, que também é a unidade regional a qual a FEMF se reporta durante os processos burocráticos. Por estar situada dentro da Universidade Federal de Lavras (UFLA), a unidade gera um grande número de visitantes/estudantes os quais buscam foco em pesquisas agropecuárias. O estreito relacionamento entre as unidades da EPAMIG de Lavras e de Maria

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da Fé proporciona diversos perfis de trocas, entre eles a abertura das instalações para visitas técnicas, a oportunidade de estágio na área de agronomia, o envio de resultados de pesquisas mútuas, a troca de materiais e equipamentos de laboratório, bem como de conhecimentos desenvolvidos em cada uma das unidades.

3.4 PREFEITURA MUNICIPAL DE MARIA DA FÉ Os vínculos entre EPAMIG e prefeituras municipais de diversas cidades são próximos devido ao trabalho conjunto que as duas instituições realizam em todo o Estado de Minas Gerais. Na cidade de Maria da Fé, o relacionamento entre esses dois atores não é diferente. Os esforços de cooperação entre EPAMIG e Prefeitura se iniciaram em 1974, com a criação da EPAMIG e desde então a colaboração de ambas as instituições na provisão de recursos de diversas características de forma mútua acontece frequentemente. A Prefeitura de Maria da Fé promove desde o ano de 2008 o Festival de Inverno, o qual agrega os trabalhos artesanais de diversos produtores locais, comerciantes regionais e também o azeite de oliva produzido na FEMF. O evento é de grande importância para o município, já que compõe com o turismo a lista de atividades de embasamento econômico da cidade. De acordo com a Prefeitura Municipal de Maria da Fé, o festival do ano de 2014, o sexto até então, gerou uma movimentação econômica em torno de R$ 200.000,00 e um número aproximado de 10.000 visitantes nos seus seis dias de duração. Além do Festival de Inverno promovido pela Prefeitura, há também desde 2010 o Festival Gastronômico de Maria da Fé, também conhecido popularmente como a Festa do Azeite, o qual oferece ao município considerada atenção no cenário nacional pelo desenvolvimento e divulgação dos avanços obtidos anualmente na produção, extração, beneficiamento e comércio do azeite de oliva extra virgem brasileiro.

3.5 POPULAÇÃO DE MARIA DA FÉ Com uma população estimada em 14.534 habitantes para o ano de 2014 (IBGE), a cidade de Maria da Fé se caracteriza economicamente como provedora de extrações vegetais, silvicultura e ainda cultivo da batata. Parte dessa produção de extrações vegetais se faz no cultivo de oliveiras. É possível identificar no comércio local os impactos resultantes das produções de oliveira e da extração de seu óleo. Muita da produção de azeite de oliva beneficiado na FEMF é comprada pelos comerciantes locais e revendida em seus estabelecimentos para os turistas. É mister também ressaltar o significante aumento da demanda do azeite de

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oliva extra virgem nos períodos de maior movimentação turística na cidade, tanto pelos turistas que visitam e compram diretamente da EPAMIG, quanto pelos habitantes da cidade que abastecem seus estoques para aqueles turistas que circulam apenas durante atrações promovidas na cidade. Visando maior movimentação turística no próprio comércio local, a população mariense tem importante papel na divulgação do produto gerado pela Fazenda Experimental de Maria da Fé, bem como daqueles produzidos em fazendas particulares da região.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Partindo da intenção de construir uma rede de relacionamentos não composta essencialmente apenas por atores humanos, a utilização da abrangência proposta em Latour (2005), com a inserção de atores não humanos na compreensão do social, foi possível identificar os agentes produtores e as instâncias passivas da geração de tecnologia na sociedade. O surgimento da possibilidade de cultivo de oliveiras na cidade de Maria da Fé se fez como meio de sustento substituindo a dependência econômica da cidade no cultivo da batata. A EPAMIG – Maria da Fé realizou papel crucial na otimização do plantio, colheita e processamento da oliveira para que o azeite extraído e outros componentes dessa planta se transformassem em novas fontes de renda para a população regional. Com a interação de diversos atores compondo essa rede de relacionamentos, sob a ótica da Teoria Ator-Rede, foi possível identificar os desdobramentos que levaram a cidade de Maria da Fé a ser atualmente referência nacional na produção e beneficiamento de oleaginosas. Além dos impactos no ramo de azeite de oliva nacional, a produção de oliveiras em Maria da Fé também movimentou o comércio local, a produção de artigos de cosméticos, o turismo rural e o turismo gastronômico na cidade e na região sul mineira.

5. AGRADECIMENTOS Agradecemos à Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, em especial a Fazenda Experimental de Maria da Fé, a qual proporcionou completa abertura dos dados e das práticas de pesquisa para que fosse desenvolvido esse trabalho. Também agradecemos à Prefeitura Municipal de Maria da Fé pela disponibilização de dados para realização dessa pesquisa e também aos entrevistados que expressaram suas impressões acerca do tema, as quais compuseram a estrutura desse trabalho.

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