O desenvolvimento histórico da teoria geral da relatividade. Roberto de Andrade Martins

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XI Semana de Física da UFSCar

“O desenvolvimento histórico da teoria geral da relatividade”

Roberto de Andrade Martins Professor aposentado do IFGW da Unicamp Pesquisador visitante do IFSC-USP (FAPESP) e do PPGCTS da UFSCar 1

A relatividade geral é, essencialmente, uma teoria relativística da gravitação, que foi proposta um século atrás e ainda tem grande aceitação. Sabemos que ela é incorreta, pois é incompatível com a conservação da energia e não pode ser diretamente conciliada com a mecânica quântica; mas tem sido muito útil no estudo de fenômenos astronômicos e cosmológicos.

Roberto de Andrade Martins

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De acordo com a versão popular da história da física, o grande gênio Albert Einstein criou sozinho, em 1905, a teoria da relatividade especial e, em 1915, a teoria da relatividade geral; e essas teorias teriam sido logo depois confirmadas e aceitas por todos os físicos.

Roberto de Andrade Martins

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Roberto de Andrade Martins

Esta palestra mostrará que a história não é bem essa; a relatividade geral (como também a especial) foi o resultado de um trabalho coletivo, recebendo contribuições importantes de muitos pesquisadores.

Poincaré

Nordström

Minkowski

Abraham

Einstein

Hilbert

von Laue

Lorentz

Grossmann

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Schwarzschild

Roberto de Andrade Martins

Einstein precisou da ajuda de seu amigo Marcel Grossmann para aprender a matemática necessária (geometria diferencial), que já estava sendo utilizada por outros pesquisadores, e para dar os primeiros passos na relatividade geral.

Poincaré

Nordström

Minkowski

Abraham

Einstein

Hilbert

von Laue

Lorentz

Grossmann

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Schwarzschild

Roberto de Andrade Martins

Partes importantes (e até essenciais) da teoria foram desenvolvidas por diversos físicos e matemáticos. Einstein cometeu erros graves em seu trabalho, que foram identificados por outras pessoas.

Poincaré

Nordström

Minkowski

Abraham

Einstein

Hilbert

von Laue

Lorentz

Grossmann

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Schwarzschild

As equações básicas da teoria da relatividade geral foram estabelecidas independentemente por Albert Einstein e por David Hilbert em novembro de 1915 – e Hilbert as apresentou primeiro. As duas teorias não eram iguais; a de Hilbert tinha demonstrações mais rigorosas e era mais ampla, pois permitia deduzir tanto as equações básicas da gravitação quanto as leis do eletromagnetismo.

David Hilbert 7

Roberto de Andrade Martins

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Pouco depois de ser proposta, a teoria da relatividade geral foi testada... e um dos efeitos previstos não foi encontrado (desvio gravitacional para o vermelho). Outra previsão da teoria foi confirmada por um famoso teste astronômico em 1919. No entanto, ela não conseguiu explicar diversos fenômenos astronômicos não-Newtonianos que eram conhecidos no início do século XX.

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Alexander Friedmann

As aplicações mais importantes da teoria da relatividade geral não foram produzidas por Einstein: • Solução exata de Karl Schwarzschild e Johannes Droste para um campo gravitacional com simetria esférica, aplicável a estrelas sem rotação e que abriu o caminho para o estudo de buracos negros • Teorias cosmológicas relativísticas com universo em expansão (Friedmann, Lemaître, Eddington, Robertson, Walker, Tolman) 9

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O que vou apresentar não é uma novidade; já foi estudado por diversos historiadores da física: • MEHRA, Jagdish. Einstein, Hilbert, and the theory of gravitation. Dordrecht: D. Reidel, 1974. • EARMAN, John; GLYMOUR, Clark. Lost in the tensors: Einstein’s struggles with covariance principles, 19121916. Studies in the History and Philosophy of Science, 9 (4): 251-278, 1978. 10

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Meu objetivo não é criticar um indivíduo e sim esclarecer, através desse exemplo, que a ciência NUNCA é produzida por uma pessoa isolada; a crença no “grande gênio” é uma ilusão pueril.

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A teoria da relatividade geral foi desenvolvida por uma combinação de dois motivos: • busca de uma alternativa à teoria clássica da gravitação, por causa de problemas teóricos e experimentais; e • tentativa de ampliação da relatividade especial.

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A teoria da gravitação de Newton teve enorme sucesso, desde sua proposta no século XVII até meados do século XIX. No entanto, no final do século XIX, surgiu um desconforto com relação à teoria Newtoniana da gravitação: • Fenômenos em conflito com a teoria; • Busca de uma compreensão física da força gravitacional. 13

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Fenômenos em conflito com a teoria O aumento de precisão das observações e cálculos dos movimentos dos planetas e cometas levou à detecção de inconsistências entre teoria e observações. • Movimento do cometa de Encke • Precessão anômala dos periélios de Mercúrio e de Marte • Movimento anômalo dos nós de Vênus e Mercúrio • Flutuações irregulares no movimento da Lua 14

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Busca de uma compreensão física da força gravitacional Os sucessos da teoria eletromagnética de Maxwell, baseada na hipótese de um éter (teoria de campo) sugeriram que a gravitação também pudesse ser explicada por um éter (campo). Surgiram também sugestões de que a gravitação pudesse ser produzida por partículas cósmicas de grande velocidade (teoria do tipo Le Sage) ou por ondas gravitacionais. 15

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As anomalias astronômicas podiam ser explicadas por diversas hipóteses: • Presença de matéria ainda não detectada, no sistema solar (planeta intra-mercuriano; anel de matéria escura circundando o Sol) • Expoente de R ligeiramente diferente de 2 M .m F  G 2 R

F  G

M .m R 2, 000.000.16

• Atenuação da gravidade, por absorção M .m F  G 2 R

M .m R F  G 2 e R

• Ligeiro achatamento do Sol • Alguma teoria completamente nova??? 16

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A respeito desses problemas e das tentativas de solucioná-los, na passagem do século XIX para o século XX, ver: • MARTINS, Roberto de Andrade. Estudos experimentais sobre gravitação no início do século XX. Pp. 393-401, in: VI Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia. Anais. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de História da Ciência, 1987. • MARTINS, Roberto de Andrade. Alguns aspectos da teoria da gravitação. Perspicillum 4 (1): 9-15, 1990.

https://uepb.academia.edu/RobertoMartins 17

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• MARTINS, Roberto de Andrade. The search for gravitational absorption in the early 20th century. Pp. 3-44, in: GOEMMER, H., RENN, J., & RITTER, J. (eds.). The expanding worlds of general relativity (Einstein Studies, vol. 7). Boston: Birkhäuser, 1999. • MARTINS, Roberto de Andrade. Majorana’s experiments on gravitational absorption. Pp. 219-238, in: EDWARDS, Matthews R. (ed.). Pushing Gravity: New Perspectives on Le Sage’s Theory of Gravitation. Montreal: Apeiron, 2002. 18

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Independentemente disso, houve a criação da teoria da relatividade especial, de que participaram Voigt, Larmor, Lorentz, Poincaré, Einstein, Minkowski e muitos outros pesquisadores. Não vou descrever essa história, que abordei em um livro recente. MARTINS, Roberto de Andrade. A origem histórica da relatividade especial. São Paulo: Livraria da Física, 2015. 19

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Também não será possível explicar a própria teoria da relatividade neste seminário. Sobre a relatividade especial, pode-se consultar: MARTINS, Roberto de Andrade. Teoria da relatividade especial. São Paulo: Livraria da Física, 2012. 20

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Para compreender DE FATO a história da relatividade geral é necessário conhecer a própria teoria da relatividade geral. É claro que isso não pode ser feito em uma palestra de uma hora; são necessárias cerca de 60 horas para aprender as bases da relatividade geral e seu formalismo. 21

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Os pontos mais importantes que vamos precisar abordar são estes: • A relatividade geral utiliza um formalismo matemático chamado “geometria diferencial”, ou “cálculo tensorial” (para os físicos) • O espaço-tempo é descrito pelo tensor métrico gmn  • O intervalo relativístico ds²=dx²+dy²+dz²-c²dt² da teoria restrita se transforma em: ds² = S gmndxmdxn = gmndxmdxn 22

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• A métrica do espaço-tempo é influenciada pela presença ou proximidade de matéria, energia e tensões: a fonte do campo gravitacional é o tensor de energia-momentum-tensão

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• A derivada covariante de um tensor é calculada utilizando os símbolos de Christoffel

• As leis de conservação relativísticas (energia e momentum) são descritas a partir do tensor de momentum-energia-tensão

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• O espaço-tempo é caracterizado por diversos outros tensores relacionados com o tensor métrico Tensor de Riemann-Christoffel

Tensor de Ricci Escalar de Ricci (escalar de curvatura) 25

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• Uma métrica importante é a de Schwarzschild, que tem simetria esférica e que se aplica de forma aproximada às estrelas e planetas

• O movimento de uma partícula no campo gravitacional é descrito por uma generalização da lei da inércia – movimento geodésico

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• Segundo a relatividade geral, a métrica do espaço-tempo é determinada indiretamente pelo tensor de momentum-energia-tensão, através da equação fundamental:

• A relatividade geral se reduz à relatividade especial quando não há campo gravitacional; neste caso, a métrica é a de Lorentz.

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Está bem, aprender relatividade geral fica para depois...

Mas vamos ver de onde ela saiu e como se desenvolveu, historicamente. 28

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A relatividade especial havia surgido principalmente pelo estudo de fenômenos eletromagnéticos e não tinha, inicialmente, relação com gravitação. Porém, no seu trabalho fundamental de 1905-1907, Henri Poincaré a aplicou, pela primeira vez, aos fenômenos gravitacionais. Ele mostrou que ela previa uma precessão do periélio de Mercúrio, mas que o valor calculado era incorreto.

Henri Poincaré

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Hermann Minkowski

O matemático Hermann Minkowski deu grandes contribuições à teoria da relatividade especial (em 1907-8), incluindo o formalismo espaçotempo em quatro dimensões (já iniciado por Poincaré),com o uso de quadrivetores e invariantes. Criou também uma versão tetradimensional do eletromagnetismo, com um “vetor de segundo tipo” (tensor) antissimétrico 4x4 para representar os campos elétrico e magnético. 30

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Max Abraham, em 1908-9, contribuiu para o desenvolvimento da teoria relativística do eletromagnetismo nos meios materiais, também com uma abordagem tetradimensional, porém discordando de Minkowski em vários pontos. Einstein não aceitou e criticou esses trabalhos, por usarem matemática muito complexa.

Max Abraham

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Arnold Sommerfeld

A partir dessa época, vários pesquisadores que se dedicavam aos fenômenos relativísticos começaram a utilizar um formalismo matemático avançado, com quadrivetores e tensores. Arnold Sommerfeld, em 1910, apresentou uma versão geral desse formalismo, generalizando os operadores diferenciais. Einstein não acompanhou essa tendência. 32

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A dinâmica relativística de sistemas extensos (incluindo a dinâmica de fluidos) foi iniciada por Max Planck (1907-1908) e completada por Max von Laue (1911). Eles estabeleceram que a relação E=mc² só vale em casos especiais. Von Laue criou o tensor de momento-energia-tensão, que descreve as propriedades dinâmicas de um meio material contínuo, na teoria da relatividade especial. 33

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Von Laue tomou como ponto de partida o tensor de Voigt que descreve um meio contínuo na física clássica e por isso generalizou o nome “tensor” para as grandezas que introduziu na relatividade especial. Os matemáticos não utilizavam essa nomenclatura. Posteriormente, Einstein manteve o nome “tensor”. Max von Laue publicou em 1911 o primeiro livro sobre relatividade especial, que foi utilizado intensamente pelos pesquisadores por muitos anos. 34

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Einstein publicou seu primeiro trabalho sobre relatividade especial em 1905. Em algum momento entre 1905 e 1907 ele tentou aplicar a relatividade especial ao movimento de uma partícula em um campo gravitacional e chegou a um resultado inesperado: a aceleração gravitacional dependeria da componente horizontal da velocidade do projétil, tendendo a zero quando a velocidade tendia a c. g’ = g(1-v²/c²) Ele não publicou esse resultado, que entrava em conflito com o princípio de Galileo e Newton de que a aceleração gravitacional é igual para todos os corpos. 35

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Preferindo manter a constância da aceleração, em 1907 Einstein propôs um “princípio de equivalência” entre referenciais acelerados e campos gravitacionais uniformes; e entre um referencial em queda livre e outro parado, sem campo gravitacional. Observação: só vale em regiões infinitesimais.

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A relatividade especial estuda apenas referenciais inerciais, em movimento relativo uniforme. Se um referencial em queda livre (acelerado) num campo gravitacional uniforme é equivalente a um referencial parado (inercial) em um local sem campo, deve ser possível aplicar a relatividade especial a esses referenciais acelerados.

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Neste trabalho de 1907 Einstein indicou três efeitos da gravidade: • influência do potencial gravitacional na frequência de relógios, n’ = n(1+F/c²), acarretando o “desvio para o vermelho” do espectro solar, que avaliou como D/=0,000.002; • a deflexão da luz em campos gravitacionais; e • a contribuição da energia para o peso dos corpos (já indicada antes, por Planck). 38

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A deflexão da luz em campos gravitacionais seria devida à dependência da velocidade da luz em relação ao potencial gravitacional, ou seja, a velocidade da luz não seria mais constante num campo gravitacional: c = c0(1+F/c²) O encurvamento da luz seria análogo ao que ocorre na atmosfera terrestre, por causa de um índice de refração variável.

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c = c0(1+F/c²) No seu artigo seguinte sobre gravitação, quatro anos depois (1911), Einstein utilizou essa hipótese como o ponto fundamental de sua abordagem da gravitação e calculou um desvio da luz, ao passar perto do Sol, igual a 83 segundos de arco (a metade do valor que consideramos correto).

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Um dos postulados da relatividade especial é a constância da velocidade da luz. No ano seguinte (1912), Einstein chegou a admitir que as próprias transformações de Lorentz teriam que ser abandonadas, na presença da gravidade, já que a velocidade da luz é variável.

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Max Abraham

Max Abraham, que deu grandes contribuições ao estudo da dinâmica do elétron e ao eletromagnetismo relativístico, começou a se interessar pela teoria da gravitação em 1911. Utilizou a abordagem tetradimensional de Minkowski. Deduziu uma nova relação entre a velocidade da luz e o potencial gravitacional: c²-c0² = 2(F-F0) 42

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Abraham sugeriu a introdução de um intervalo relativístico no qual a velocidade da luz seria variável, dependendo do potencial gravitacional. ds²=dx² + dy² + dz² - c(f)²dt² Essa foi a primeira tentativa de generalizar o intervalo relativístico de Minkowski e de criar uma métrica associada ao campo gravitacional. Abraham propôs também uma generalização da equação clássica (Poisson) do campo gravitacional, utilizando as quatro coordenadas x, y, z, u=ict

 2F  2F  2F  2F  2  2  2  4G 2 x y z u 43

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Houve um debate entre Einstein e Abraham a respeito de suas teorias de gravitação, cada um deles negando a validade do trabalho do outro. Até este momento, Einstein não havia adotado a abordagem de Minkowski e Abraham o criticou por esse motivo. Em 1912 Einstein, provavelmente inspirado pelo trabalho de Abraham, começou a pensar sobre um intervalo relativístico com coeficientes variáveis, dependentes do campo gravitacional.

Max Abraham

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Albert Einstein

Em 1912, Gunnar Nordström propôs uma abordagem relativística da gravitação, na qual a massa de uma partícula dependeria do potencial gravitacional

m  m0 e

F / c²

Porém, a velocidade da luz seria constante, permitindo assim manter as equações da teoria da relatividade especial.

Gunnar Nordström 45

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Nordström adotou a generalização de Abraham para a equação de Poisson,  2F  2F  2F  2F  2  2  2  4G 2 x y z u

indicando que esta equação tinha como consequência a propagação de mudanças do campo gravitacional com a velocidade da luz. Foi a primeira previsão teórica de ondas gravitacionais.

Gunnar Nordström 46

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 2F  2F  2F  2F  2  2  2  4G 2 x y z u

Neste trabalho de 1912 Nordström considerou, pela primeira vez, que , a fonte do campo gravitacional, não podia ser apenas a densidade de massa (ou de energia); deveria levar em conta o tensor de momento-energia-tensão de Max von Laue, introduzindo uma nova grandeza escalar  que representasse suas propriedades.

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Gustav Mie

Em 1912-1913, Gustav Mie publicou trabalhos a respeito da estrutura dos elétrons, procurando combinar o eletromagnetismo com a teoria da gravitação. Na teoria de Mie, o potencial gravitacional não possui nenhuma influência direta sobre os fenômenos físicos, ao contrário das teorias de Einstein, Abraham e Nordström. 48

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A proposta de Gustav Mie era uma generalização da relatividade especial e empregava o formalismo utilizado por Minkowski e por Sommerfeld. Nos anos seguintes (1913 e 1914) a teoria de Mie foi estudada e desenvolvida por Max Born, que a formulou utilizando o cálculo tensorial. O trabalho de Max Born fez com que David Hilbert, seu colega de Göttingen, se interessasse pelo assunto.

Max Born 49

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Marcel Grossmann e Albert Einstein

Até 1912, o trabalho de Einstein sobre gravitação utilizava matemática elementar, sem empregar os recursos avançados desenvolvidos por Minkowski, Sommerfeld e outros pesquisadores. Ele se convenceu de que precisava aprender cálculo tensorial para avançar em sua pesquisa. Para isso, pediu ajuda a um amigo do tempo de estudante em Zurich, o matemático Marcel Grossmann. 50

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A partir de julho de 1912, Grossmann mostrou a Einstein que a estrutura matemática necessária já havia sido desenvolvida por Riemann, Christoffel, Ricci, Levi-Civita e outros, que haviam estudado espaços curvos com o uso de coordenadas generalizadas, criando os operadores e “tensores” (sem esse nome) mais importantes.

Georg Friedrich Bernhard Riemann

Elwin Bruno Christoffel

Gregorio Ricci-Curbastro

Tullio Levi-Civita 51

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Carta de Einstein para Sommerfeld, 29 de outubro de 1912: "Estou agora ocupado exclusivamente com o problema gravitacional e acredito que posso superar todas as dificuldades com a ajuda de um amigo matemático daqui [de Zurich]. Mas uma coisa é certa, nunca antes em minha vida eu me preocupei tanto com algo e adquiri um grande respeito pela matemática, cujas partes mais sutis eu considerava até agora, em minha ignorância, com um luxo inútil. Comparado com este problema, a teoria da relatividade original [especial] é infantil." 52

Roberto de Andrade Martins

Com a ajuda de Grossmann, Einstein começou a tentar utilizar a geometria diferencial (ou cálculo tensorial) para o estudo da gravitação. Mesmo dispondo dessa ferramenta matemática, não era fácil adivinhar como seria possível criar uma generalização da teoria da relatividade especial. 53

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A partir de anotações de Einstein, sabe-se que Grossmann o aconselhou a utilizar os tensores de Riemann e de Ricci; e Max von Laue o aconselhou a utilizar o tensor de momento-energia-tensão. Einstein tentou combinar essas ferramentas com a ideia de uma teoria válida em qualquer referencial ou sistema de coordenadas – sem sucesso.

Georg Friedrich Bernhard Riemann Gregorio Ricci-Curbastro

Lmn = k.Tmn ? 54 Roberto de Andrade Martins

Em 1913, Einstein e Grossmann publicaram um trabalho contendo um “Esboço de uma teoria da relatividade generalizada e uma teoria da gravitação”, geralmente conhecida como “Entwurf”. A parte física foi assinada apenas por Einstein e a parte matemática apenas por Grossmann, embora fosse um trabalho conjunto. 55

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Neste trabalho, Einstein apresentou corretamente o princípio do movimento geodésico como generalização do princípio de inércia (o que já era conhecido desde o século XIX). Propôs uma equação de campo que era matematicamente absurda, pois um dos lados era representado por um tensor e o outro lado não era:

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Nesta época, Einstein se convenceu de que era impossível criar uma teoria do campo gravitacional que fosse totalmente covariante (válida em todos os sistemas de referência e coordenadas). A teoria esboçada no trabalho de 1913 tinha graves problemas, de muitos tipos (físicos e matemáticos) e foi criticada por Tullio Levi-Civita e outros. Em 1914 Einstein e Grossmann publicaram uma segunda tentativa de desenvolver uma teoria relativística da gravitação, que também não levou a bons resultados. Roberto de Andrade Martins

Tullio Levi-Civita

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Em 1913, Einstein obteve o apoio do astrônomo Erwin Freundlich, que se propôs testar a previsão da deflexão da luz das estrelas ao passar perto do Sol (a previsão ERRADA de 1911). As observações estavam programadas para serem realizadas em 21 de agosto de 1914, quando ocorreria um eclipse total do Sol que poderia ser observado no sul da Rússia. A expedição foi organizada e Freundlich foi para a Rússia com alguns outros colegas, mas o início da Primeira Guerra Mundial, no princípio de agosto, fez com que ele fosse preso; as observações não foram realizadas. 58

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Uma outra previsão de Einstein era o desvio para o vermelho das raias espectrais do Sol, comparadas com fontes terrestres. Existiam medidas anteriores que mostravam uma certa diferença e, em 1914, Erwin Freundlich analisou os dados existentes. Os resultados eram todos menores do que a previsão teórica. Nos anos seguintes foram feitas diversas medidas por diferentes pesquisadores e todas deram resultados muito menores do que as previsões de Einstein. 59

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Hendrik Antoon Lorentz

Einstein contou também com a ajuda informal de Hendrik Antoon Lorentz, a quem admirava muito e que visitava anualmente, na Holanda. Discutiam todos os avanços da teoria da gravitação. Nesta época, Lorentz propôs que a nova teoria deveria ser deduzida de um princípio variacional; Einstein não seguiu seu conselho. 60

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Marcel Grossmann

A partir de 1915, Einstein dispensou a ajuda de Grossmann. Em uma carta para Arnold Sommerfeld em julho de 1915, Einstein escreveu: "Grossmann nunca vai alegar ser um co-descobridor [da relatividade geral]. Ele apenas ajudou me guiando através da literatura matemática, mas não contribuiu nada de substancial para os resultados." 61

Roberto de Andrade Martins

No entanto, os historiadores consideram que o passo fundamental para o sucesso da nova teoria que Einstein começou a elaborar em 1915 foi retornar a sugestões que Grossmann havia apresentado desde 1912 e que Einstein havia rejeitado por razões físicas que lhe pareciam irrefutáveis. Apesar de sua grande contribuição, Grossmann acabou sendo deixado de lado e não é reconhecido pelos físicos.

Marcel Grossmann

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Desde o século XIX, alguns matemáticos já estavam interessados na possibilidade de desenvolver uma teoria da matéria e da gravitação utilizando a geometria diferencial. O próprio Riemann já havia sugerido isso, e William Clifford em 1876 propôs o uso da geometria riemanniana para explicação da gravitação e da própria existência da matéria.

William Kingdon Clifford 63

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David Hilbert

O matemático David Hilbert se interessou pelo trabalho de Einstein e o convidou para apresentá-lo em Göttingen, em meados de 1915. Na época, Einstein ainda lutava para tentar produzir uma teoria adequada. Em uma carta, Hilbert comentou que qualquer garoto de Göttingen conhecia geometria diferencial melhor do que Einstein. 64

Roberto de Andrade Martins

Para quem não conhece: David Hilbert (1862-1943) foi um dos mais importantes matemáticos do final do século XIX e início do século XX. Foi um dos criadores da teoria de invariantes e dos métodos de axiomatização da matemática e da física. Formulou a teoria dos espaços de Hilbert, que teve depois grande importância na mecânica quântica. 65

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Foi colega e amigo de Hermann Minkowski e de Emmy Noether. Orientou Hermann Weyl e John von Neumann, que deram grandes contribuições à relatividade e teoria quântica. Em 1899, Hilbert apresentou uma axiomatização da geometria em que substituía a formulação de Euclides por uma outra muito mais rigorosa. Em 1900, propôs um conjunto de 23 problemas matemáticos não resolvidos até a época, que ajudaram a orientar a pesquisa durante o século XX. 66

Roberto de Andrade Martins

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Hilbert começou a se interessar pela física por influência de seu amigo Hermann Minkowski, em torno de 1905. A partir de 1912, dedicou-se intensamente à física, pesquisando a teoria cinética dos gases, a teoria da radiação e a estrutura molecular da matéria. Minkowski Hilbert

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Em 1915 Hilbert começou a se interessar pela teoria da gravitação, por causa de seus aspectos matemáticos. Em novembro de 1915 Einstein apresentou quatro trabalhos sobre a teoria da gravitação; no último deles chegou à equação de campo que consideramos correta.

Na mesma época, independentemente, Hilbert publicou um trabalho sobre os fundamentos da física, em que deduziu a equação de campo a partir de um conjunto de axiomas e de um princípio variacional. I = 0 68

Roberto de Andrade Martins

Até o dia 18 de novembro de 1915, Einstein utilizava uma equação do campo gravitacional errada:

No dia 20 de novembro, Hilbert apresentou a equação correta:

Einstein também apresentou a equação correta no dia 25 de novembro. 69

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Seguindo as propostas de Riemann, Clifford e Mie, David Hilbert elaborou em 1915 uma teoria mais ampla do que a de Einstein, na qual tanto as equações do campo gravitacional quanto as equações de Maxwell eram deduzidas a partir dos mesmos princípios. Esse tipo de teoria de campo unificado (gravitação + eletromagnetismo) foi depois desenvolvido por Hermann Weyl e pelo próprio Einstein; mas não proporcionou novos resultados.

Hilbert e Hermann Weyl 70

Roberto de Andrade Martins

Einstein tentou introduzir um tensor para descrever a energia do campo gravitacional, a fim de estabelecer uma lei de conservação da energia. No entanto, só conseguiu criar um pseudotensor. Hilbert percebeu que a solução de Einstein estava errada e estimulou Emmy Noether a estudar o problema. Ela provou a impossibilidade de estabelecer uma lei de conservação da energia na relatividade geral.

Emmy Noether 71

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Roberto de Andrade Martins

Karl Schwartzschild

Nos seus trabalhos de 1915, Einstein não conseguiu obter uma solução exata do campo gravitacional com simetria esférica (planetas, Sol, estrelas); só obteve uma solução aproximada. Karl Schwartzschild e, independentemente, Johannes Droste, estabeleceram em 1915 a solução exata com simetria esférica, que depois se tornou a base para a discussão sobre buracos negros. 72

A partir de sua teoria, Einstein calculou três efeitos: a precessão anômala do periélio de Mercúrio; o desvio gravitacional para o vermelho; e a deflexão da luz em campos gravitacionais. É curioso notar que essas previsões foram obtidas ANTES que ele chegasse às equações da relatividade geral que consideramos corretas. A confirmação desses efeitos poderia corroborar uma teoria ERRADA. 73

Roberto de Andrade Martins

O cálculo da precessão anômala do periélio de Mercúrio estava de acordo com os dados já conhecidos (43 segundos de arco por século, além do efeito explicado pela teoria newtoniana). A relatividade geral não tentou explicar outras anomalias dos movimentos dos planetas e da Lua que eram conhecidas desde fins do século XIX.

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John Evershed

O desvio gravitacional para o vermelho das raias espectrais do Sol já havia sido estudado antes de 1915 e não estava de acordo com a teoria. Medidas mais precisas feitas depois de 1915 por John Evershed e por Charles Edward St. John continuaram a dar resultados contrários às previsões de Einstein.

Charles St. John

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Roberto de Andrade Martins

A deflexão da luz das estrelas ao passar perto do Sol prevista inicialmente por Einstein era de 83 segundos de arco, igual ao valor calculado por uma teoria corpuscular da luz com a física de Newton. Na teoria de 1915 a previsão passou a ser de 1,75 segundos de arco (o dobro do valor clássico). O teste observacional, coordenado por Arthur Eddington durante um eclipse do Sol em 1919, deu resultados semelhantes à previsão da relatividade geral. Dados de Sobral (Brasil): Df = 1,98  0,12 Dados de Príncipe (golfo da Guiné): Df = 1,61  0,31 Roberto de Andrade Martins

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A confirmação da teoria da relatividade geral em 1919 foi divulgada amplamente por Eddington e tornou Einstein famoso em todo mundo (antes, era pouco conhecido).

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Roberto de Andrade Martins

Roberto de Andrade Martins

A relatividade geral NÃO EXPLICOU outras anomalias conhecidas do sistema solar: • Movimento anômalo dos nós de Vênus e Mercúrio (intersecções entre a órbita do planeta e o plano da eclíptica) • Flutuações irregulares no movimento da Lua, comparado à previsão teórica

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As anomalias do movimento da Lua haviam sido explicadas por Kurt Bottlinger (1912) com a hipótese de absorção da gravidade pela matéria; esse efeito foi confirmado experimentalmente por Quirino Majorana (1919-1920). Tal fenômeno era incompatível com a teoria da relatividade geral.

Bottlinger

Majorana 79

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Em 1919, Einstein tentou explicar as flutuações do movimento da Lua atribuindoas a irregularidades da rotação da Terra devidas às marés. O trabalho de Einstein foi criticado por Albert von Brunn, que mostrou que o efeito seria 30 vezes menor do que o calculado por Einstein; logo depois, este admitiu o seu erro e não tentou mais explicar esse fenômeno. 80

Roberto de Andrade Martins

O problema “desapareceu”, depois, através de uma mudança da medida de tempo astronômico (o “tempo das efemérides”) que se baseava no próprio movimento da Lua. Esta e outras anomalias do sistema solar foram esquecidas, com o tempo, sem serem explicadas. Mais informações sobre esse episódio: MARTINS, Roberto de Andrade. The search for gravitational absorption in the early 20th century. Pp. 3-44, in: GOEMMER, H., RENN, J., & RITTER, J. (eds.). The expanding worlds of general relativity (Einstein Studies, vol. 7). Boston: Birkhäuser, 1999. 81

Roberto de Andrade Martins

Roberto de Andrade Martins

A relatividade geral se tornou depois muito importante no estudo da cosmologia, com os modelos do universo em expansão que foram criados por Friedmann, Lemaître, Eddington, Robertson, Walker, Tolman e outros. Einstein não deu contribuições significativas para o desenvolvimento dessas teorias.

82

Roberto de Andrade Martins

Como disse desde o início, meu objetivo não foi criticar um indivíduo e sim esclarecer, através desse exemplo, que a ciência NUNCA é produzida por uma pessoa isolada; a crença no “grande gênio” infalível é uma ilusão pueril.

Poincaré

Nordström

Minkowski

Abraham

Einstein

Hilbert

von Laue

Lorentz

Grossmann

83

Schwarzschild

Muito obrigado pela atenção!

https://uepb.academia.edu/RobertoMartins Roberto de Andrade Martins

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