O Design Brasileiro Durante a Ditadura Militar

July 28, 2017 | Autor: Fernanda Arantes | Categoria: Design de Produto, Ditadura Militar, Industrialização
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Descrição do Produto

O design brasileiro durante a Ditadura Militar The Brazilian design during the Military Dictartoship Fernanda Cristina Rossato Arantes, Cristina do Carmo Lucio

Palavras-chave: Ditadura Militar, Design de Produto, Industrialização. Durante a Ditadura Militar (1964-1985), o Brasil passou por um período de crescimento da indústria e incentivo às pesquisas científicas por um lado, mas também por um período de censura artística e cultural por outro. Este estudo visa analisar as duas faces deste período e averiguar se este foi benéfico ou maléfico para a evolução do design de produtos brasileiro.

Keywords: Military Dictartoship, Product Design, Industrialization During the Military Dictatorship (1964-1985), Brazil has past in one hand for a period of industry growth and encouragement of scientific research, but also for a period of artistic and cultural censorship on the other hand. This study aims to analyze the both sides of this period and ascertain whether this was beneficial or harmful for the evolution of Brazilian product design.

Introdução A Ditadura Militar iniciou no Brasil em 1964 com um golpe de estado no dia 31 de março de 1964 e durou até 1985 (ANDRADE NETO et al. 2010; BARBOSA, 2009; BRANCO, 2005; MEDEIROS et al. 2010). Dentro da Ditadura, houve o período do “milagre econômico” e o período de extrema censura, com a implantação do AI-5 em 1968 (BRAGA, 2010; CARDOSO e CASTRO, 2010). O “milagre econômico” trouxe o crescimento do setor de bens de consumo em 11%, juntamente com fusões de empresas, consolidando suas posições no mercado (BRAGA, 2010; CARDOSO e CASTRO, 2010). Apesar deste período ter demonstrado forte crescimento econômico e aumento da indústria, pouco se desenvolveu no design (CARDOSO e CASTRO, 2010). As empresas estrangeiras que se consolidaram no país utilizavam o mesmo design de seu país de origem, nascendo assim um fenômeno chamado “tropicalização do produto”, em que o produto importado sofria pequenas mudanças para se adaptar ao público brasileiro (CARDOSO e CASTRO, 2010). Para essa adaptação, era usado o trabalho de engenheiros, não de designers (CARDOSO e CASTRO, 2010). A partir dessa premissa, pretende-se analisar este período histórico e averiguar se esta afirmação pode ser tida como verdadeira ou equivocada, criando uma base de dados para pesquisas futuras.

Propósito O presente trabalho tem como objetivo averiguar se houve ou não crescimento na área do design durante o período referente à Ditadura Militar e gerar uma base de dados acerca do assunto.

Metodologia Para este estudo foi utilizada pesquisa de natureza bibliográfica, com uso de livros e artigos científicos. Ao final desta, os dados encontrados foram analisados a fim de chegar a uma conclusão para a realização do seu propósito.

Resultados A Ditadura Militar iniciou-se no Brasil em 1964 com um golpe de estado no dia 31 de março de 1964 e durou até 1985; durante este Governo, foi estabelecido um plano de crescimento, para que o Brasil superasse a condição de Terceiro Mundo (embora essa expressão originalmente se referisse aos países politicamente neutros na Guerra Fria, mais tarde acabou ganhando o estigma de países pobres) (ANDRADE NETO et al. 2010; BARBOSA, 2009; BRANCO, 2005; COELHO e OLIVEIRA [2007?b]; MEDEIROS et al. 2010). Tal iniciativa acabou em uma espécie de corrida para o desenvolvimento industrial e combate à inflação e à crise econômica, criando um clima favorável ao investimento de empresas estrangeiras, o que levou à chegada das multinacionais em território nacional (BARBOSA, 2009; MEDEIROS et al. 2010). Para passar a imagem de uma economia crescente, os generais que estavam no comando reduziram os direitos políticos e sociais e os salários dos trabalhadores não qualificados fazendo com que muitas empresas fechassem ou mudassem o foco de seus produtos (ANDRADE NETO et al. 2010). Por exemplo, em 1964 no Rio Grande do Sul, a fábrica de acordeons Todeschini, vendo que a falência era iminente, contratou os designers José Carlos Bonancini e Nelson Petzold para mudar o foco dos seus produtos (ANDRADE NETO et al. 2010). A empresa então passou de fabricante de acordeons para fabricante de móveis modulares para cozinha, um conceito novo no Brasil, mas que rapidamente se tornou popular devido à constante redução e verticalização das residências (ANDRADE NETO et al. 2010). Assim como nos Estados Unidos da América e os países europeus durante a Belle Époque, o país aparentava uma situação de crescimento e modernidade, mas estava em crise financeira (BRAGA, 2010). Para aumentar o consumo de bens e serviços, o Governo estimulou o crédito, permitiu prazos de financiamento mais longos e combateu os juros, o que fez crescer tanto a demanda quanto a produção de produtos industrializados (BRAGA, 2010). Houve, então, o período do “milagre econômico” (1968-1973), em que o setor de bens de consumo cresceu 11% (BRAGA, 2010; CARDOSO e CASTRO, 2010). Juntamente a este fenômeno, houve as fusões de empresas, principalmente de eletrodomésticos, consolidando suas posições no mercado (BRAGA, 2010). Apesar deste período ter demonstrado forte crescimento econômico e aumento da indústria, pouco se desenvolveu no design (CARDOSO e CASTRO, 2010). A entrada de empresas estrangeiras, que utilizavam o mesmo design do seu país de origem, e o sistema alfandegário protecionista fizeram com que nascesse um fenômeno chamado “tropicalização do produto”, em que o produto importado sofria pequenas mudanças para se adaptar ao público brasileiro (CARDOSO e CASTRO, 2010). Para essa adaptação, era usado o trabalho de engenheiros, não de designers (CARDOSO e CASTRO, 2010). Em 1968, o Ato Institucional 5 (AI-5) oficializou a censura prévia no plano cultural, o que repercutiu negativamente no plano artístico e intelectual do país (CARDOSO e CASTRO, 2010; COELHO e OLIVEIRA [2007?b]; COELHO e OLIVEIRA [2007?c]). Devido à essa censura, pequenos empresários locais não demonstraram interesse na contratação de designers, sendo as multinacionais e grandes empresas as únicas a contar com este tipo de profissional (CARDOSO e CASTRO, 2010). Depois de um tempo de repressão ao design por parte dos empresários, começou a surgir a preocupação com os benefícios que o uso do design poderia proporcionar, dando origem às primeiras discussões teóricas sobre design, promovidas pelo Governo (CARDOSO e CASTRO, 2010). Essas discussões geraram iniciativas concretas, como a implantação do Instituto de Desenho Industrial (IDI), em 1968, criado pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ) (BERTASO e BRAGA, 2010; CARDOSO e CASTRO, 2010). O IDI realizou projetos de móveis escolares com pesquisas antropométricas, e foi o órgão responsável pela união do design à sustentabilidade no Brasil (BERTASO e BRAGA, 2010; MEDEIROS et al. 2010). Karl Heinz Bergmiller, alemão vindo para o Brasil em 1958, coordenou o IDI, gerenciando as exposições apresentadas pelo museu e, em 1972, foi implantado na cidade de Belo Horizonte o Centro Tecnológico de Minas Gerais (CETEC) (BARROSO NETO, 1998; BERTASO e BRAGA, 2010; CARDOSO e CASTRO, 2010). Enquanto o IDI fazia trabalhos de divulgação e pesquisa, o CETEC incentivava as empresas a contratarem designers (CARDOSO e BRAGA, 2010).

Nos anos 1970, José Mindlin assumiu a Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo e, para promover a ligação do design com a indústria, criou o Prêmio da Boa Forma, além de promover vários estudos sobre o design nacional e internacional (CARDOSO e CASTRO, 2010; LEAL, 2002). A Fiesp, por sua vez, sob direção de Dilson Funaro, José Mindlin e Luiz Villares, criou o Núcleo de Desenho Industrial (NDI), com Joice Joppert Leal na chefia (LEAL, 2002). Este núcleo em pouco tempo se tornou no Departamento de Tecnologia (Detec) e teve importante papel na disseminação do design brasileiro entre o público geral (LEAL, 2002). Essa época, inclusive, foi de grande importância no cenário do design nacional, pois surgiram vários escritórios de design, e a ergonomia se popularizou entre os empresários, que ansiavam por móveis mais confortáveis (LEAL, 2002). A Volkswagen abriu espaço para a criação de novos automóveis em sua fábrica brasileira, para o público brasileiro, latino americano, africano e asiático (ANDRADE NETO et al. 2010). Então surgiu a Brasília, primeiro automóvel de projeto brasileiro e de autoria do designer Márcio Piancastelli, abrindo espaço para a criação de novos modelos brasileiros, inicialmente para o mesmo público alvo (ANDRADE NETO et al. 2010; LEON, 2005). A Embraer fabricou as aeronaves Bandeirantes e Ipanema para o mercado agrícola, mostrando a grande capacidade que o país possuía tanto em criação, quanto em produção (ANDRADE NETO et al. 2010). Em 1973, a fim de incentivar o design, o Ministério da Indústria e do Comércio lançou um programa de padronização para as embalagens das indústrias têxtil, cafeeira, de autopeças, de louças, laranjeira, de suco e de geléia; em 1978, foi instituída a Associação Profissional de Desenhistas Industriais de Nível Superior (APDINS), como reação de desacordo com a ABDI, e, em 1989, foi fundada a Associação de Designers Gráficos (ADG) (ANDRADE NETO et al. 2010; CARDOSO, 2004). No ano de 1977, o Serviço Social do Comércio (Sesc), apesar de ser voltado para os comerciantes, incentivou em alto grau o design brasileiro inaugurando o Sesc Pompéia, que realiza, desde então, inúmeras ações para a divulgação do design no Brasil, como a exposição “O Design no Brasil”, organizada pelo, então na época, diretor do Masp, Pietro Maria Bardi (LEAL, 2002). Em seguida vieram as exposições “Mil Brinquedos para a Criança Brasileira” e “Caipiras, Capiaus: Pau-a-Pique” (LEAL, 2002). Em março 1984, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), juntamente com a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (FIESC) e o próprio Governo do Estado de Santa Catarina, criou o Laboratório Brasileiro de Desenho Industrial (LBDI) (BARROSO NETO, 1998; CARDOSO e CASTRO, 2010; MEDEIROS et al. 2010; LEAL, 2002; LEON, 2005). Inicialmente, seu nome era Laboratório Associado de Desenvolvimento de Produto/Desenho Industrial de Santa Catarina, somente com seu crescimento que passou a se chamar Laboratório Brasileiro de Desenho Industrial (BARROSO NETO, 1998). Este laboratório foi criado com o intuito de difundir e estimular a prática do design na região sul do país, apoiando as empresas nacionais, aumentando a competitividade e auxiliando no desenvolvimento dos seus produtos (BARROSO NETO, 1998; CARDOSO e CASTRO, 2010; MEDEIROS et al. 2010; LEAL, 2002). Para isso, foi utilizada a premissa de preparar tanto a demanda, quanto a oferta: Partia-se da premissa que estimular a demanda sem preparar adequadamente a oferta poderia constituir-se em elevado risco devido as notórias deficiências do sistema acadêmico, maioritariamente desvinculado da realidade produtiva. Por outro lado de nada adianta qualificar os recursos humanos se não existisse um incremento da demanda que fosse capaz de absorver parte significativa da oferta (BARROSO NETO,1998, p.6).

Pouco tempo depois iniciou-se uma política de descentralização das ações federais, então o CNPq criou três Laboratórios Associados de Design Industrial em Florianópolis (SC), São Carlos (SP) e Campina Grande (PB) (BARROSO NETO, 1998; CARDOSO e CASTRO, 2010; MEDEIROS et al. 2010; LEAL, 2002). Esses laboratórios deveriam atuar em atividades de pesquisa, capacitação de recursos humanos, atendimento às indústrias e divulgação de dados relacionados ao desenho industrial (BARROSO NETO, 1998). Os centros tecnológicos e as universidades já realizavam todas essas tarefas, a proposta do CNPq era, portanto, realizá-las em um espaço de tempo menor e com menos burocracia (BARROSO NETO, 1998).

No ano de 1985, a Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio, incluiu o design como tema prioritário no Programa Brasileiro de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico, destinando recursos para a criação do Núcleo de Informação Tecnológica em Design, instalado na Fiesp e coordenado pelo professor José Rincon Ferreira (LEAL, 2002). Como pode-se ver, muito foi realizado para o design, seja de produtos ou gráfico, nesse período histórico, favorecendo a ampliação e o aumento da qualidade do design nacional.

Conclusões Pode-se então concluir que, apesar de ter-se obtido pouco na produção de produtos, muito foi feito com relação às pesquisas científicas, com melhores incentivos e estruturas físicas para os alunos e profissionais. Portanto, a afirmação de Cardoso e Castro (2010) pode ser considerada como equivocada.

Referências ANDRADE NETO, Mariano Lopes de; CAMPOS, Lívia Flávia de Albuquerque; LANDIM, Paula da Cruz; PASCHOARELLI, Luis Carlos; SILVA, José Carlos Plácido da. Industrialização Brasileira: implicações no design hoje. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 9., 2010, São Paulo. Anais... São Paulo: Anhembi Morumbi, 2010. CD-ROM. BARBOSA, Caio Fernandes. Olhares sobre a Capes: ciência e política na ditadura militar (1964-1985). Revista de História da Universidade Federal da Bahia, Salvador, n.1, p. 99-109, 2009. BARROSO NETO, Eduardo. Laboratório Brasileiro de Design – uma história que não terminou (1984 a 1997). Florianópolis, 1998, 45p. Disponível em: . Acesso em 14 fev. 2010. BRANCO, Edwar de Alencar Castelo. Caminhando contra o vento: História, Cotidiano e Arte no Brasil dos anos sessenta. Revista História Hoje, São Paulo, n, 282, p. 02-20, 2005. BERTASO, Maria Stella Tedesco; BRAGA, Marcos da Costa. Sistemas expositivos projetados por Bergmiller. O caso do MAM RJ. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 9., 2010, São Paulo. Anais... São Paulo: Anhembi Morumbi, 2010. CD-ROM. BRAGA, Marcos da Costa. O Design brasileiro de produto nas indústrias de eletrodomésticos dos anos 1960: o caso da Consul. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 9., 2010, São Paulo. Anais... São Paulo: Anhembi Morumbi, 2010. CD-ROM. CARDOSO, Rafael. Uma Introdução à História do Design. 2ª ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2004. CARDOSO, Juliana; CASTRO, Maria Luiza A. C. de. Políticas públicas de design: a construção da relevância do tema no Brasil. In: CONCRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 9., 2010, São Paulo. Anais... São Paulo: Anhembi Morumbi, 2010. CD-ROM. COELHO, Frederico; OLIVEIRA, Ana de. Identisignificados: contexto. Tropicália, [2007?b]. Disponível em: . Acesso em 05 abr. 2011. COELHO, Frederico; OLIVIRA, Ana de. Identisignificados: cronologia. Tropicália, [2007?c]. Disponível em: . Acesso em 05 abr. 2011.

LEAL, Joice. Joppert. Um olhar sobre o design brasileiro. São Paulo: Objeto Brasil; Instituto Uniemp; Imprensa Oficial do Estado, 2002. LEON, Ethel. Design Brasileiro: quem fez, quem faz. Rio de Janeiro: Viana & Mosley, 2005. MEDEIROS, Maria Carolina; PEREIRA, Lívia Marsari; SILVA, José Carlos Plácido da. Laboratório Brasileiro de Design – uma revisão da sua importância histórica para o Design brasileiro. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM DESIGN, 9., 2010, São Paulo. Anais... São Paulo: Anhembi Morumbi, 2010. CD-ROM.

Sobre as autoras Fernanda Cristina Rossato Arantes, graduanda em Design, UEM: graduanda do quarto ano de Design com habilitação em Projeto de Produto, participou de um projeto de iniciação científica com o tema Influência dos EUA e URSS no design brasileiro durante a Guerra Fria. [email protected]

Cristina do Carmo Lucio, professora assistente, UEM: bacharel em Desenho Industrial, UNESP (2004), Mestre em Desenho Industrial, linha de pesquisa em Ergonomia, UNESP (2007) e Doutoranda em Design, linha de pesquisa em Ergonomia, UNESP (desde 2010). Professora Assistente do Curso de Design de Produto, da UEM desde 2007. [email protected]

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