O design e a rua

May 23, 2017 | Autor: Noni Geiger | Categoria: Streetscape Design, Interventions In the Public Space
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PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO SUBSECRETARIA DE PATRIMÔNIO CULTURAL, INTERVENÇÃO URBANA, ARQUITETURA E DESIGN CENTRO CARIOCA DE DESIGN - CCD

LIVRO DESIGN E/É PATRIMÔNIO

O design e a rua

Rio de Janeiro, fevereiro, 2012

O design e a rua

Introdução Esse artigo visa contribuir para a ampliação da noção do campo de atuação do design que ainda é visto por muitos como uma atividade que consiste em conceber, desenvolver, produzir e inserir objetos no mundo. É na direção dos ‛papéis’ de agente da informação, da análise e da crítica em design, tendo como cenário o espaço urbano do Rio de Janeiro, que “O design e a rua” pretende apresentar um panorama diferenciado e expandido do campo. A partir de três trabalhos acadêmicos de caráter experimental, realizados por alunos da ESDI Escola Superior de Desenho Industrial1 como projetos individuais de final de curso de graduação, que destacamos aqui entre muitos outros de interesse, são introduzidas formas inéditas de aproximação do design para a vocação da cidade do Rio como patrimônio cultural local, nacional e global – afirmativa nossa –, em seus múltiplos aspectos. A ESDI, desde o início de suas atividades regulares, em 1963, mantém uma estrutura curricular em regime seriado e sua proposta pedagógica implica no engajamento do aluno, durante o seu último ano acadêmico (compreendidos dois semestres), num projeto de design formulado por si próprio, que seja considerado relevante, no sentido de trazer uma efetiva contribuição para o campo da pesquisa teórica e/ ou prática em design2. Devemos, contudo, esclarecer que esse artigo não trata de colocar em perspectiva uma abordagem ou promover uma discussão sobre métodos de ensino de design, mas contextualizar as circunstâncias em que se deram tais trabalhos. Isso porque é nossa a prerrogativa de que a universidade representa um agente fundamental que venha a contribuir para uma sociedade que deseja implantar uma política – ou políticas – públicas, que reconheçam a importância do seu patrimônio cultural.

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Fundada em dezembro de 1962, é considerada a primeira instituição no Brasil a oferecer um curso de design de nível superior. Integrada às unidades de ensino da UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, desde 1975, a ESDI permanece no mesmo endereço, na Lapa. Enfatizamos a informação sobre esta localidade por acreditarmos no papel que desempenha na própria mentalidade da Escola. Mas este é um outro assunto... 2

Ao longo dos últimos anos, diversos professores participaram das bancas de orientação e avaliação desses projetos, como Elianne Jobim, Freddy van Camp, Gustavo Goebel Weyne, Noni Geiger, Pedro Pereira de Souza, Roberto Verschleisser, Rodolfo Capeto, Silvia Steinberg, entre outros.

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“Muro cotidiano”, de Clarissa de Oliveira (2011); “2011, Praça Mauá”, de Rafael de Vasconcelos Barboza (2011); e “7” [sete], de Guilherme Schneider (2001), se caracterizam por suas estratégias singulares de compreensão e de intervenção no espaço urbano do Rio de Janeiro. “Muro cotidiano” resulta da experiência rotineira da aluna ao perceber quão inóspita é a ‘paisagem’ do percurso realizado de casa para a faculdade, e vice-versa, em veículo de transporte coletivo, sobretudo no longo trecho percorrido da avenida Brasil. A partir de observações sistemáticas e documentadas, atentas às relações espaço/ tempo, cogita-se produzir algum tipo de intervenção nessa paisagem, sem, contudo, dotar-lhe de uma função estetizante a priori. O muro que cerca a área de uma escola pública municipal situada na avenida Brasil, em Irajá, com 50 metros de extensão e 2,10m de altura será o território a ‛ser ocupado’. A validação posterior desse projeto, realizada junto à comunidade da Escola – compreendidos alunos, professores, funcionários e familiares –, além da transformação desse muro numa espécie de interface de comunicação entre a autora do projeto e os seus espectadores, irá trazer indicadores surpreendentes que repropõem novas reflexões. “2011, Praça Mauá” restaura a ideia e a possibilidade de flanerie no Rio de Janeiro, localizando-se num espaço-protótipo, determinado por um perímetro definido por um pentágono imaginário, riscado sobre e a partir da transversalidade de determinadas ruas na região da Praça Mauá. Nesse sítio urbano ‘ameaçado pelo progresso’, a partir de referências arquitetônicas e de design, em seus âmbitos também vernaculares, camadas de significados e sua aura são registrados numa publicação conduzida pela literatura de Charles Baudelaire, Hélio Oiticica, Ítalo Calvino, João do Rio, Lima Barreto, Walter Benjamin, entre outros ‛anônimos’, residentes desse cenário. “7” [sete] é o título emblemático para um trabalho que opera sobre múltiplos desse número matriz. Ao longo de sete semanas, diferenciados a cada semana, conjuntos de sete cartazes idênticos são afixados nas paredes de sete localidades de grande circulação da cidade do Rio. Essas séries de cartazes lambe-lambe, colados de forma clandestina na madrugada, chamam a atenção dos transeuntes por suas características gráficas e seu conteúdo semântico tão distintos dos padrões recorrentes e habituais. Quase exclusivamente tipográficos, os cartazes

trazem meta-mensagens

que intrigam seus

espectadores e depoimentos

completamente variados são capturados num vídeo documental. Noni Geiger_“O design e a rua”_artigo_edital Design e/ é Patrimônio

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Espaço/ tempo Uma vez que é o uso que qualifica o espaço e o ambiente terrestre, só há distância e, portanto “quantidade” (geofísica) a percorrer graças a um movimento (físico) mais ou menos durável, o cansaço de um trajeto onde o vácuo só existe através da ação empreendida para atravessá-lo. [VIRILIO, p. 118] “Muro cotidiano” parte da observação de um espaço urbano que faz parte do trajeto diário de Clarissa, tornado consciente a partir de um exercício acadêmico proposto, que consiste em descrever determinados aspectos de seu trajeto de casa até a faculdade: “dentre os vários locais e bairros por onde passo diariamente, sem dúvida a avenida Brasil é o mais significativo deles”. A avenida Brasil compreende 58 quilômetros de extensão e passa por 27 bairros da cidade do Rio de Janeiro: São Cristóvão, Caju, Benfica, Manguinhos, Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Cordovil, Vigário Geral, Parada de Lucas, Jardim América, Irajá, Acari, Coelho Neto, Barros Filho, Guadalupe, Deodoro, Ricardo de Albuquerque, Realengo, Padre Miguel, Bangu, Vila Kennedy, Santíssimo, Campo Grande, Paciência e Santa Cruz. Todos os dias, mais de 250 mil veículos de todos os tamanhos e potências passam por essa via de trânsito rápido. Pessoas de todas as classes sociais, e diversos níveis intelectuais passam por ela, mas em sua grande maioria são pessoas de classes C e D, que se deslocam em direção ao Centro e à Zona Sul da cidade, para o trabalho. Em geografia, esse movimento poderia se assemelhar ao chamado movimento pendular: simples fluxos populacionais que não correspondem verdadeiramente a migrações, pois não são realizados com intuito de mudança definitiva, estando embutida na saída do indivíduo a idéia concreta do seu retorno ao local de origem. Ou seja, todos os dias, milhares de pessoas percorrem por volta de 50 quilômetros, o equivalente a 1 hora e 30 minutos até 3 horas, dependendo do fluxo do trânsito, para chegar ao seu local de trabalho, e da mesma forma, para retornar a sua casa. De acordo com Lynch, para muitas pessoas, as vias são os elementos predominantes em sua imagem da cidade. À medida que se locomovem pelas avenidas, ruas, viadutos, linhas de trem, os outros elementos ambientais se organizam e se associam. Contraditoriamente, a visão cotidiana da mesma paisagem “degradada, feia e suja”, irá estimular esta usuária do transporte urbano público, que passa grande parte do seu tempo diário neste trajeto, a cogitar a realização de um projeto cujo principal objetivo é o de fazer Noni Geiger_“O design e a rua”_artigo_edital Design e/ é Patrimônio

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uma interferência num muro da avenida Brasil, proporcionando ao espectador uma experiência diferente, inusitada e submetida à efemeridade do tempo. São também objetivos deste trabalho: deflagrar uma discussão no âmbito público sobre o estado desses muros e da avenida Brasil; constituir-se num meio para reflexão também nas redes sociais, através de compartilhamentos; trazer uma discussão sobre arte na escola onde a intervenção no muro foi feita, tanto para alunos como para professores e funcionários, mostrando que a arte pode estar inserida na vida das pessoas de forma prática e simples, e que arte e design não devem ser artigo exclusivo de uma elite. A partir de um meticuloso mapeamento da avenida, da documentação fotográfica, e do levantamento de trechos passíveis de uso, um muro localizado em Irajá parecia interessante sob diversos aspectos – tratava-se do muro exterior de uma escola pública do município do Rio, esquina com a rua Molière, que tinha um ponto de ônibus em sua frente (na avenida Brasil). Tais características se mostraram muito positivas e agregadoras ao trabalho. Por ser um muro de uma escola, ali se potencializava um agente modificador e reflexivo para a comunidade discente e docente. “(...) a força da imagem aumenta quando o marco coincide com uma concentração de associações”. [LYNCH, p. 113] Em decorrência de sua localidade e das características de movimentação do entorno, designou-se para o projeto o muro da Escola Municipal Conde Pereira Carneiro, situada na rua Molière, número 10, esquina com a avenida Brasil, em Irajá, com o consentimento e o entusiasmo de sua equipe de direção. A escola tem 730 alunos, 36 professores e 18 funcionários, atendendo do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, funcionando no primeiro e segundo turno. Durante a noite, a escola também funciona oferecendo Ensino Médio, mas administrada pelo Governo do Estado. Muitas comunidades de baixo poder aquisitivo como o Amarelinho, Acari, Coelho Neto, Fazenda Botafogo, Pedreira e Bairro Araújo são atendidas pela escola. O muro da escola é um lugar muito visto pelos alunos e é seu maior ponto de referência do lado de fora. Ao receber essa intervenção, a escola estaria sendo valorizada e em decorrência disso, a auto-estima do aluno. Isso porque os alunos têm um alto nível de identificação com sua escola, pois é onde passam a maior parte de sua vida, aprendendo sobre tudo, formando seus conceitos e valores. Ou seja, olhar para o muro é ao mesmo tempo olhar para o aluno.

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O projeto foi desenvolvido a partir da ideia de se criar padrões visuais que, aplicados a superfícies de grandes extensões pudessem ser percebidos, sobretudo pelos sujeitos em trânsito. O conceito de padronagem, que traz consigo a possibilidade de modulação e de programação é um recurso que, aliado à técnica do stencil, isto é, o uso de moldes planos que funcionam como gabaritos ou templates, mostra-se bastante eficaz, permitindo a produção de um elemento de repetição fácil e rápida. A pintura em stencil foi executada com tinta spray, pincéis e rolos de diferentes bitolas. A escolha temática, orientada pela linha de fé da aluna, conduziu-lhe a uma livre interpretação do livro do Gênesis, caracterizado pelos eventos descritos em cada um de seus sete dias. Serviram-lhe de referência algumas obras emblemáticas de grandes artistas da Pop Art, como Andy Warhol. “Muro cotidiano” tornou-se um perfil de Twitter para catalizar opiniões3. Reproduzimos algumas delas: @Andreneverdie: @murocotidiano sou de João Pessoa-PB ai eu tava vindo pra cá e passei na av. Brasil e vi um trabalho de vcs em uma escola! achei legal :) @annabraz: @murocotidiano Tempo é luxo. Obrigada por adicionar beleza em meu cotidiano! @olheosmuros: @murocotidiano olá! bom saber que existem mais olhos por aí olhando os muros! vai ser uma boa parceria essa! :) @cacofonias: @murocotidiano salve, vim por indicação da @emanoelleoname parabens @emanoelleoname: @murocotidiano Estou no ônibus agora! Acabei de ver o muro e achei lindo! Parabéns pela iniciativa! @leonardodms: Av. Brasil, Irajá. Olhe pela janela e aprecie o @murocotidiano =) @ViniLadeira: recomendo a galera do @murocotidiano que embelezou minha rotina. Depois de realizado, este projeto já recebeu alguns convites de outras escolas municipais que podem contar, para isso, com recursos do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), um projeto do Ministério da Educação. A ideia da aluna é continuar com as pinturas nas escolas, ministrando workshops para professores e estudantes sobre a técnica de stencil, promovendo possibilidades de transformação nos espaços urbanos, reflexão na sociedade e no poder público.

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Dentre as opções de redes sociais, a autora do projeto escolheu esta por ser mais rápida e assim permitir que as pessoas comentem livremente.

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Tempo/ espaço “2011, Praça Mauá” é um livro-registro da Praça Mauá e seu entorno, e o que estava lá para ser visto neste ano de 2011. O que estará lá amanhã, não se sabe – esse livro é um convite a quem o lê, para que se aventure por essa região e que vá descobrir o que está lá agora, ou poderá estar amanhã, ou ainda encontrar pistas do que já esteve. O espaço é mutável, e sempre mostrará novidades a quem procurar por elas. O designer pode compor esse espaço através de sua formatação, informando, dando forma. Ele pode não apenas inserir objetos num local, mas também pode estar presente reinterpretando esse local, utilizando ferramentas para reunir o que a princípio não está reunido, ligar o que não está ligado e criar novas leituras. Em vez de colocar coisas, o designer pode retirar coisas, ou rearranjá-las, dar a elas novo uso e novo significado. O espaço, por sua vez, é o exemplo de objeto vivo, que não tem um final – sua forma atual é o limite de atualização no tempo, é a forma que ele tem agora, neste exato instante. A mudança é constante, e não é resultado do agir de apenas uma pessoa, mas de todas as que estão ali. Parece haver uma imagem pública de qualquer cidade que é a sobreposição de muitas imagens individuais. Ou talvez exista uma série de imagens públicas, cada qual criada por um número significativo de cidadãos. Essas imagens de grupo são necessárias sempre que se espera que um indivíduo atue com sucesso em seu ambiente e coopere com seus concidadãos. [LYNCH, p. 51] A região da Praça Mauá e o seu entorno, compreendendo também o bairro da Saúde4, é uma região singular de interseção urbana, onde convergem muitos elementos que indicam outras ideias de Rio de Janeiro existentes em épocas diferentes. Além disso, as obras do Porto Maravilha, projeto de governo que pretende reformar a região portuária da cidade irá, mais uma vez, produzir alterações com vistas à reformulação da ideia de cidade que o poder público quer para o Rio. Assim, trata-se de ocasião para pensarmos as questões de evolução e de permanência no espaço urbano, dos elementos que chegam até nós, vindos de outros tempos, e que nos mostram que pouco permaneceu como era, assim como as obras atuais provavelmente não 4

O espaço pesquisado se inscreve no polígono formado pelas avenidas Presidente Vargas, Rio Branco, Rodrigues Alves e Barão de Tefé, e a rua Camerino. As ruas que o limitam são fronteiras entre regiões urbanas – a Camerino e a Barão de Tefé, uma rua só, separam a Saúde da Gamboa; a Rodrigues Alves separa o continente do mar; a Rio Branco dá início ao contorno da Praça, e a Presidente Vargas separa toda essa região da grande região comercial da cidade.

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permanecerão fiéis ao plano original daqui a alguns anos. Como nos diz Argan, esses objetos, construções, hábitos, atividades seriam como “furos” na camada mais atual da cidade, que deixam entrever camadas inferiores que já estiveram ali e que hoje estão em processo de contínua recontextualização, assim como tudo de novo que venha a ser inserido naquele local. Evitem dizer que algumas vezes cidades diferentes sucedem-se no mesmo solo, e com o mesmo nome, nascem e morrem sem se conhecer, incomunicáveis entre si. Às vezes, os nomes dos habitantes permanecem iguais, e o sotaque das vozes, e até mesmo os traços dos rostos; mas os deuses que vivem com os nomes e nos solos foram embora sem avisar e em seus lugares acomodaram-se deuses estranhos. É inútil querer saber se estes são melhores do que os antigos, dado que não existe nenhuma relação entre eles, da mesma forma que os velhos cartões postais não representam a Maurília do passado, mas uma outra cidade, que por acaso também se chamava Maurilia. [CALVINO, pp. 30-31] Do ponto de vista arquitetônico, também todas as épocas estão representadas neste polígono. As construções coloniais do início da ocupação nos morros do entorno; o casario oitocentista do Morro da Conceição; o ecletismo inspirado em Paris das reformas de Pereira Passos representado pelo Palácio D. João VI; o reflexo da arquitetura americana na construção do primeiro arranha-céu da cidade – o edifício A Noite; o estilo duro e opressivo do prédio da Polícia Federal, construído durante o governo Vargas; o modernismo da rodoviária Mariano Procópio; a estrutura envidraçada ‘contemporânea’ do RB15. O livro-registro “2011, Praça Mauá” propõe ao leitor ressignificações deste determinado espaço protótipo, também revelando pulsações e vocações diferenciadas ao longo das 24 horas e dos dias da semana, mas, sobretudo encoraja cada um de nós à revisão e ao aguçamento de nossa percepção diante de percursos em que nos tornamos indiferentes.

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Prédio localizado na avenida Rio Branco, número 1.

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Tempos/ espaços “7” subverte e investiga conceitos de comunicação em design através da desconstrução de uma série de códigos de linguagem, apresentados em seqüências de cartazes afixados em espaços públicos da cidade do Rio. Cartazes de rua – peças gráficas que há muito veiculam publicidade, campanhas políticas, panfletagem –, se tornam incomuns ao suporte e ao meio quando a mensagem não se enquadra nas categorias conhecidas. A partir da observação da permanência e da integração/ camuflagem na paisagem de cartazes ‛comuns’ em locais, muros ou tapumes da cidade, este projeto não pretendeu tornar-se inédito por meio da inauguração do uso de um novo espaço ainda ‛desapropriado’, preservado, mas produzir um fato naqueles ambientes indiferenciados6. (A infração seria relativa desta forma?) Uma outra decisão da natureza do projeto consistiu em predeterminar a variável “tempo”, tanto no marco sistemático do dia da semana para o seu ‘surgimento’ no ambiente como o período exclusivo7 de uma única semana de sobrevivência para cada uma das séries destes cartazes, resgatando “a estética do aparecimento dos objetos ou das pessoas que se destacam no horizonte aparente das unidades de tempo e de lugar da perspectiva clássica (...)”.[VIRILIO, p. 102] Na base 7, portanto, sete séries diferentes foram formadas por sete conjuntos de sete cartazes, cada. A periodicidade e a deliberada dissonância entre meio e mensagem, acabou por criar uma espécie de pacto com o espectador. O primeiro cartaz exibe uma receita culinária, referência a fato histórico conhecido: durante a ditadura militar, quando reportagens eram censuradas, seus editores publicavam receitas para ocupar o espaço, numa maneira engenhosa de dizer aos leitores que algo importante havia sido proibido de lhes ser dito8. Selecionou-se o “Bolo de frutas econômico”, encontrado em livro da época (de Ligia Junqueira) pela ambigüidade de significado semântico de sua expressão. Como todos os cartazes das séries, a impressão, em serigrafia, consiste de uma única cor de tinta – neste caso, branca – sobre papel vermelho. O uso deliberado de recursos de produção gráfica limitados integra a própria concepção do projeto, contribuindo para os aspectos 6

Rua Jardim Botânico, na altura da rua Lopes Quintas; rua Muniz Barreto, em frente à FACHA; rua Nelson Mandela, próximo à estação do metrô Botafogo; rua das Laranjeiras, perto do túnel Santa Bárbara; rua Evaristo da Veiga, próxima à Cinelândia; rua do Passeio, no portão traseiro da ESDI; e rua Pareto, perto da Praça Saens Peña. 7

O casal de artistas Christo e Jeanne-Claude sempre adotaram o módulo de tempo de duas semanas para a permanência de seus projetos de instalação. 8

Em 1970, Cildo Meireles utilizou as páginas de classificados de jornal para produzir algumas das suas “Inserções em circuitos ideológicos”. Noni Geiger_“O design e a rua”_artigo_edital Design e/ é Patrimônio

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desejados de seu caráter efêmero e da agilidade de produção, corroborados pelo formato industrial e comercial das folhas de papel 2B, medindo 66 x 96cm, que prescindem de corte e de acabamento. No segundo cartaz, impresso em preto sobre papel branco, um rosto bastante ampliado, em pontos bem grandes de retícula, cujos contornos excedem os limites do campo, pode sugerir limitação técnica. Esse rosto graficamente tornado anônimo será visualmente percebido de forma diferente quando o observador estiver a 30 centímetros ou a 1 metro, ou a 10 metros. Contudo, trata-se de um jogo que encobre um paradoxo, pois não é aí, num plano de gestalt, que se encontra o nível de controle do designer sobre a recepção mesma da mensagem. Neste cartaz acrescenta-se ainda uma outra dimensão física – uma mordaça feita de papel preto que ocupa toda a largura é presa com fita adesiva. Ao final do ciclo deste cartaz, todas as tarjas de papel haviam sido arrancadas. O 11 de setembro de 2001 havia ocorrido justamente uma semana antes, o que afetou de forma determinante os depoimentos captados. A esta, sucederam-se mais cinco séries e o conjunto dos depoimentos tomados nos próprios site specific foram reunidos num filme documentário que se constitui no próprio projeto de final de curso de graduação.

Design e/ é patrimônio Esses três trabalhos têm em comum o objetivo final de incutir no cidadão o papel de observador, estimulando-o a olhar para a sua cidade, aumentando a sua atenção, enriquecendo a sua experiência, aperfeiçoando seus sentidos, formando um público crítico. Através desses estudos de caso, “O design e a rua” cogita promover e incrementar o debate sobre as perspectivas da função do design, notadamente em sua relação e inserção na paisagem, e a transformação das superfícies de contato e fricção com a arte e a arquitetura.

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Algumas referências bibliográficas ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ––––––. Projeto e Destino. São Paulo: Ática, 2004. BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1989. BARBOZA, Rafael de Vasconcelos. 2011, Praça Mauá. Tese de graduação. Rio de Janeiro: ESDI/ UERJ, 2011. BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1994. Coleção Obras escolhidas, volume 1. ––––––. Rua de mão única. São Paulo: Brasiliense, 1987. Coleção Obras escolhidas, volume 2. ––––––. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989. Coleção Obras escolhidas, volume 3. CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2003. GONÇALVES, José Reginaldo Santos. “Autenticidade, memória e ideologias: o problema dos patrimônios culturais”. In: Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro, 2007. Coleção Museu, memória e cidadania. ––––––. “Os museus e a cidade”. In: Antropologia dos objetos: coleções, museus e patrimônios. Rio de Janeiro, 2007. Coleção Museu, memória e cidadania. LATOUR, Bruno. “A Cautious Prometheus? A few steps toward a Philosophy of Design (with Special Attention to Peter Sloterdijk)”. In: Networks of Design, Design History Society, 2008. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens transformações e perspectiva. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 4ª edição. OLIVEIRA, Clarissa de. Muro cotidiano. Tese de graduação. Rio de Janeiro: ESDI/ UERJ, 2011. SCHNEIDER, Guilherme. 7 [sete]. Tese de graduação. Rio de Janeiro: ESDI/ UERJ, 2001. SIMMEL, Georg. “A metrópole e a vida mental”. In: Octavio Velho (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. 3a edição. VIRILIO, Paul. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993. Noni Geiger_“O design e a rua”_artigo_edital Design e/ é Patrimônio

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“Muro cotidiano”, imagens de referência

“Muro cotidiano”, projeto de graduação de Clarissa de Oliveira, ESDI/ UERJ, 2011, orientado por Noni Geiger. Muro da Escola Municipal Conde Pereira Carneiro, rua Molière n° 10, Irajá. Vista da avenida Brasil.

Idem, ponto de ônibus em frente ao muro.

Detalhe do muro antes da intervenção.

Detalhe do muro caiado. Noni Geiger_“O design e a rua”_artigo_edital Design e/ é Patrimônio

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Muro sendo pintado, primeiro painel.

Muro sendo pintado, último painel.

Muro sendo pintado.

Planejamento dos sete painéis de “Muro cotidiano”, 2,10 x 50 metros.

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Spread do livro “2011, Praça Mauá”, projeto de graduação de Rafael de Vasconcelos Barboza, ESDI/ UERJ, 2011, orientado por Noni Geiger.

Idem.

Idem.

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