O DESPERTAR DA SENSIBILIDADE: A EDUCAÇÃO SOMÁTICA NO ENSINO-APRENDIZADO EM ARTES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.

June 7, 2017 | Autor: Katharinna de Sá | Categoria: Academic Writing
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA ARTE - ICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES ESPECIALIZAÇÃO EM EJA-ARTES-AMAZÔNIA

HELLEN KATIUSCIA DE SÁ

O DESPERTAR DA SENSIBILIDADE: A EDUCAÇÃO SOMÁTICA NO ENSINO-APRENDIZADO EM ARTES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.

Belém-Pará 2015

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HELLEN KATIUSCIA DE SÁ

O DESPERTAR DA SENSIBILIDADE: A EDUCAÇÃO SOMÁTICA NO ENSINO-APRENDIZADO EM ARTES NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.

Monografia submetida ao Programa de PósGraduação em Artes da Universidade Federal do Pará, para obtenção do Grau de Especialista em Artes na Educação Profissional de Jovens e Adultos na Amazônia/ PROEJA-ARTE-AMAZÔNIA. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Ana Azevedo de Oliveira.

Belém/PA 2015

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Aos meus avós, Benedito Benício de Sá e Raimunda Ferreira de Sá, (In Memoriam).

Para Pietro, meu amor e inspiração.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Energia Maior que rege o Universo, pela força de vontade, foco e serenidade que consegui reunir para superar os inúmeros percalços até o término deste curso. Agradeço à tia Célia e tia Maria, pelo apoio moral e material ao longo desta caminhada. Agradeço também às professoras e colegas de turma Daniele Queiroz e Ivanilde Silva, pela confiança nos trabalhos executados nas duas intervenções; e principalmente pelo caráter amigo que ambas dispensaram à minha pessoa nas inúmeras vontades impetuosas de desistência do curso face às ocasiões de extrema aflição de ordem pessoal. Agradeço enormemente à competência, sobriedade, precisão, sutileza e atenção de Prof.ª Dr.ª Maria Ana Azevedo de Oliveira, na regência de minha orientação acadêmica. E por fim, agradeço imensamente a Pietro Milan (a quem também dedico este trabalho) devido sua constante presença. Agradeço pelo apoio, e pelos momentos ímpares de amizade e conversação ao longo desse período, que me alicerçaram e me acalmaram incontáveis vezes, ajudando-me a seguir em frente.

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“No fundo da imagem, há a imaginação

e,

no

fundo

da

imaginação, há o outro, a visão do outro, ou seja, a visão sobre o outro e o outro como aquele que foi visto – que se abre, portanto, como outro da visão, não visão previdente. O outro está diante de mim e se mostra, assim, como o outro. A imagem é primeiramente outra e do outro, alterada e alterante. Ela apresenta o outro em função do qual ele pode ser mostrado” (Jean-Luc Nancy).

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RESUMO

Esta monografia versa sobre a adaptação e aplicabilidade dos seis Padrões Neurológicos Básicos (PNB) – exercícios da Educação Somática, desenvolvidos por Laban/Bartenieff, como recurso pedagógico psicomotor para atender o caráter interdisciplinar do conteúdo programático executado dentro do projeto de intervenção na qual este trabalho se apoia. O referencial teórico utilizado foi Ciane Fernandes (2006), Tomas Hanna (1972), Merleau-Ponty (1999), Isabel Marques (2006), Bolsanello (2008) e Sylvie Fortin (2005). O foco central desta pesquisa objetiva-se apresentar uma possível proposta pedagógica interdisciplinar como auxílio a educadores e educandos no processo de ensino-aprendizagem das disciplinas de Artes na modalidade da EJA. Os dados obtidos são provenientes de duas intervenções pedagógicas numa turma de 2ª etapa/EJA na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Duque de Caxias” (Belém/Pa) durante o mês de junho de 2014. A metodologia utilizada foi uma adaptação de exercícios já existentes em Somática buscando sempre a interdisciplinaridade com base no conteúdo trabalhado conforme a disciplina Artes; observação comportamental e relatos dos participantes. Os resultados obtidos foram favoráveis ao objetivo central proposto: relaxamento e sensibilização dos alunos, bem como a apresentação de uma proposta pedagógica pautada nos exercícios de Educação Somática.

Palavras-chave:

Educação

Somática;

ensino-aprendizagem

sensibilização cognitiva; Educação de Jovens e Adultos/EJA.

em

Artes;

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ABSTRACT

The present paper concerns the adaptation and applicability of the six Basic Neurological Patterns (BNP) exercises of Somatic Education, developed by Laban/Bartenieff as psychomotor educational resource to cater the interdisciplinary character of the program content implemented within the intervention project in which this work is based. The theoretical framework used was Ciane Fernandes (2006), Tomas Hanna (1972), Merleau-Ponty (1999), Isabel Marques (2006), Bolsanello (2008) and Sylvie Fortin (2005). The central focus of this research aims to present a possible interdisciplinary pedagogical proposal as an aid to teachers and students in the teaching-learning courses of Arts in the EJA modality. The data obtained in this study comes from two educational interventions in a class of 2nd degree/EJA in the State School “Duque de Caxias” (Belém/Pa) during the month of June 2014. The methodology used was adapting existing exercises in Somatic always seeking interdisciplinarity based on the contents worked in the discipline of Arts; behavioral observation and reports of the attendees. The results were favorable to the proposed central goal: relaxation and awareness of students as well as the presentation of a guided educational proposal in the exercises of Somatic Education.

Keywords: Somatic Education; teaching and learning in Arts; cognitive awareness; Education Youth and Adult/EJA.

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LISTA DE FOTOS

Foto 01: Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Duque de Caxias” .......... 26

Foto 02: Jogo de Tabuleiro ........................................................................................... 35

Foto 03: Jogo de cartas ................................................................................................ 37

Foto 04: Jogo Emoticons .............................................................................................. 40

Foto 05: Exercício contralateral .................................................................................... 49

Foto 06: Alunos e professora Daniele Queiroz executando o 6º PNB ..........................50

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Sumário

1.

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10

2.

EDUCAÇAO SOMÁTICA: CAMINHOS E POSSIBILIDADES ................................... 15

2.1. EDUCAÇÃO SOMÁTICA: O QUE É? ........................................................................... 15 2.2. A COMPREENSÃO HOLÍSTICA DO SER HUMANO ................................................ 19 2.3. ABORDAGENS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO SOMÁTICA .............................. 22 3.

ESCOLA, EJA E PREPARAÇÃO PARA SOMÁTICA ................................................. 26

3.1. ESCOLA: O DESPERTAR DA EJA ............................................................................... 26 3.2. PREPARAÇÃO PARA O DESPERTAR – DIAGNOSE .............................................. 35 4.

O DESPERTAR DA SENSIBILIDADE .......................................................................... 42

4.1. VIVÊNCIA SOMÁTICA NA EJA ..................................................................................... 42 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 56 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 58 APÊNDICES .............................................................................................................................. 60

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1.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é resultado de uma intervenção ocorrida na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Duque de Caxias”, localizada no bairro da Marambaia, na cidade de Belém do Pará, nos dias 02/ 09/ 16/ 23/ 25 de junho de 2014, na turma da 2ª etapa da Educação de Jovens e Adultos - EJA, onde foram utilizadas abordagens pedagógicas provenientes da Educação Somática. A escolha da utilização dessa abordagem teve como proposta facilitar ao aluno da EJA, a associação dos conhecimentos derivados do campo Teatral e Cinematográfico (conforme o conteúdo programático elaborado por mim e pela minha equipe desta Especialização, para a referida intervenção). Meu contato com a Educação Somática aconteceu em 2012 enquanto aluna pesquisadora do Projeto de extensão “Diversidade Cultural e Educação Somática na Dança”, na Escola de Teatro e Dança da UFPA, sob a coordenação do então prof.º doutorando da UFRJ Saulo Silveira. Em paralelo a este período, fui pesquisando e experimentando os exercícios de Educação Somática para outras áreas artísticas, que não fosse a Dança ou para a preparação do Ator, e sim como estratégias pedagógicas de ensino das artes em geral. Compreendi que os exercícios dessa área servem, sobretudo, para resgatar o ser humano ao que se refere à sua sensibilidade e desenvolvimento cognitivo, interferindo de sobremaneira para o incremento intelectual do indivíduo, bem como coordenação espacial e compreensão holística da Vida como um todo. A pesquisa objetivou aplicar os exercícios referentes aos Padrões Neurológicos Básicos

(PNB),

desenvolvidos por Laban/Bartenieff

para

despertar a sensibilidade estética e contribuir para o processo de ensinoaprendizagem, a partir de experimentações sensório-cognitivas. Os exercícios visavam promover aos educandos um nível de relaxamento para que os mesmos pudessem estabelecer conexões outras e interagir melhor com o conteúdo programático ministrado em sala de aula durante este período. Esta intervenção contou com a participação das professoras Daniele Queiroz e Ivanilde Silva, também alunas da Especialização ProEJA-Arte na Amazônia/ turma 2013. O tema do conteúdo trabalhado foi “Ensino e

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aprendizagem do teatro a partir da experiência com a luz”, idealizado pela Prof.ª Ivanilde Silva. Assim, pensei como seria a repercussão dos exercícios dos seis Padrões Neurológicos Básicos da Educação Somática aplicados aos alunos da EJA dentro da disciplina Artes? Como eu poderia desenvolver a interdisciplinaridade pedagógica entre duas abordagens tão diferentes? Quais adaptações eu deveria executar, para intercalar o assunto trabalhado na disciplina Artes com os exercícios somáticos? Mediante estas inquietações, resolvi intercalar esta abordagem de cunho holístico junto aos alunos da EJA, como motivador maior para o aperfeiçoamento cognitivo e sensível, ora adormecido, ora em estado latente para potencializar o ensino-aprendizagem na disciplina Artes, através de enfoques lúdicos e sensórios. Utilizei a abordagem qualitativa do tipo exploratório-explicativa. Lancei mão da observação e diagnose como instrumentos de coleta, através de registros fotográficos dos exercícios somáticos sendo aplicados em sala de aula; realizei entrevistas com as duas professoras que também participaram da intervenção; e colhi relatos espontâneos dos alunos em sala, logo após cada aula-sessão, assinalando o procedimento metodológico como pesquisa participante, que: [...] caracteriza-se pela interação entre pesquisadores e membros das situações investigadas. [...] envolve a distinção entre ciência popular e ciência dominante. [...] envolve posições valorativas, derivativas, sobretudo do humanismo cristão e de certas concepções marxistas. [...] mostra-se bastante comprometida com a minimização da relação entre dirigentes e dirigidos e por essa razão tem-se voltado, sobretudo para a investigação junto a grupos desfavorecidos, tais como constituídos por operários, camponeses, índios, etc. (GIL, 1991).

Como referenciais teóricos, recorri a Ciane Fernandes (2006), Thomas Hanna (1972), Merleau-Ponty (1999), Isabel Marques (2006), e Sylvie Fortin (2005). Sendo o tratamento dos dados Análise contextual, estrutural e descritiva. Especificamente, sobre os padrões neurológicos básicos utilizei o livro O corpo em movimento: o sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas, de Ciane Fernandes, observando como a aplicação dos seis Padrões Neurológicos Básicos (PNB) afetaria a sensibilização dos educandos

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no momento em que os mesmos entrassem em contato com o conteúdo proposto para ser estudado em sala de aula. Além disso, utilizei o livro Corpos em Revolta: uma abertura para o pensamento somático, de Thomas Hanna, atrelados a alguns conceitos extracurriculares explicados no livro Documentos de Identidade: uma Introdução às Teorias de Currículo, de Tomaz Tadeu da Silva, com pesquisas voltadas para o campo de ensino e aprendizagem para Educação de Jovens e Adultos, também foram considerados. O tratamento dos dados obtidos em sala de aula aconteceu entre os meses de outubro a dezembro de 2014. A realização das entrevistas com as duas professoras que fizeram parte da intervenção, ocorreu no mês de novembro do mesmo ano; as anotações acerca dos exercícios com os alunos e como eles se comportavam no decorrer das alas, foram feitas de forma simultânea logo em seguida ao término da aplicação dos exercícios somáticos referentes à minha etapa dentro da dinâmica de intervenção. O processo de intervenção realizou-se em duas etapas. A primeira consistiu na diagnose, para que detectássemos o tipo de abordagem a ser aplicada na turma de EJA. Esse período aconteceu durante dois dias consecutivos dentro dos cinco dias que tínhamos disponíveis com a turma. Após várias reuniões com o grupo de trabalho, Daniele Queiroz, Ivanilde Silva e eu elaboramos conjuntamente o conteúdo programático, sendo que cada uma ficou responsável por adaptar seu campo de atuação conforme a interdisciplinaridade exigida pelo procedimento em sala de aula. Cada professora deveria adequar seu conteúdo de acordo com o resultado da diagnose. A diagnose estava sujeita a detectar aspectos sócio econômicos, cultural, comportamental e afetivo dos educandos. Esses dados seriam elencados aos debates dos conteúdos, desse modo poderíamos agregar os valores dos alunos nas discussões, ajudando-os a tecer correlações com a realidade de seu entorno junto ao conteúdo trabalhado em sala, bem como abrir espaço para eles mesmos tecerem o significado de Arte e protagonizarem o assunto. Após a diagnose, foram feitos os recortes necessários, pois a resposta obtida nessa preliminar nortearia a próxima parte de nossa interversão. Isso nos forneceu subsídios para a aplicabilidade do conteúdo conforme nossos campos específicos de atuação, dialogando com o material que tínhamos

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elaborado, e na adequação dos procedimentos metodológicos para as abordagens no segundo momento de intervenção, (observar também o conteúdo programático, anexado em “Apêndices”). A parte referente à minha abordagem com os educandos estava focada no início das atividades, onde eram aplicados exercícios de respiração e de relaxamento utilizados em Educação Somática. Foram trabalhados dois dos seis Padrões Neurológicos Básicos – desenvolvidos por Laban/Bartenieff, conforme a referência bibliográfica de “O Corpo em Movimento: o sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênica,” de Ciane Fernandes, que será amplamente apresentada na quarta sessão desta monografia. A pesquisa justificava-se em um ponto abandonado do universo do ensino de Artes no contexto do ensino publico no País: a sensibilização e humanização do aluno pelo viés artístico. A partir desta constatação, esta monografia

pretende

apresentar

uma

possível

proposta

pedagógica

interdisciplinar; proporcionar aos educandos da EJA (e quem sabe de outras modalidades de ensino regular) uma experiência estética dentro da sala de aula através da disciplina Artes; apresentar uma prática pedagógica que auxilie educadores e educandos no processo de ensino-aprendizagem das disciplinas de Artes na modalidade da EJA, conforme apontam os tópicos deste trabalho. Na segunda sessão, intitulada EDUCAÇAO SOMÁTICA: CAMINHOS E POSSIBILIDADES é apresentado ao leitor um pouco do universo deste recente campo de pesquisa teórico-prático, perpassando desde seu surgimento, trazendo à tona a compreensão holística do ser humano através das possíveis abordagens pedagógicas que circundam a Somática. A sessão seguinte denominada ESCOLA, EJA E PREPARAÇÃO PARA SOMÁTICA, relata como surgiu a vontade de adaptar e experimentar os exercícios dos seis Padrões Neurológicos Básicos (PNB), com o objetivo de auxiliar professor e aluno no processo de ensino-aprendizagem da disciplina Artes, para o público específico da EJA. Passamos

então

para

a

última

sessão:

O

DESPERTAR

DA

SENSIBILIDADE, onde são apresentados os exercícios adaptados e utilizados na segunda etapa da referida intervenção, e como eles repercutiram nos

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educandos e nas próprias professoras que me acompanharam durantes essas aulas.

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2.

EDUCAÇAO SOMÁTICA: CAMINHOS E POSSIBILIDADES

2.1.

EDUCAÇÃO SOMÁTICA: O QUE É?

No final da década de 60 do século XX, Thomas Hanna – professor PhD estadunidense e filosofo da Universidade da Flórida, dedicou seus últimos trinta anos de vida a compreender os novos dados sobre o funcionamento do corpo humano, levando em consideração uma abordagem holística já aberta pelos reformadores do movimento1. Por meio do seu conhecimento e sensibilidade proveniente de sua formação em Filosofia, ele se apoiou em teorias e pensamentos de outros filósofos, biólogos, sociólogos, etnólogos, psicólogos, teólogos, como Darwin; Marx; Nietzsche; Kierkegaard; Piaget; Freud; e muitos outros pensadores do século XX que igualmente revolucionaram a forma de compreender os problemas do Homem contemporâneo. Em seu livro Corpos em Revolta: uma abertura para o pensamento somático, Thomas Hanna explica o caminho aberto pela humanidade até chegarmos a uma nova forma de percepção, que ele denominou de “Educação Somática”. O pensamento filosófico norteador deste campo de estudos veio ao conhecimento público em 1983 através de um artigo de sua autoria, na revista cientifica Somatics. Neste artigo ele afirmava que a Educação Somática é “a arte e a ciência de um processo relacional interno entre a consciência, o biológico e o meio-ambiente. Estes fatores vistos como um todo agindo em sinergia”. (HANNA, 1983, p.7). Entretanto: [...] historicamente, os métodos de Educação Somática começam a ser estruturados na Europa e em seguida na América do Norte, um pouco antes da Primeira Guerra Mundial. Seus criadores são, em sua maior parte, cientistas e artistas. Os métodos são criados por ocidentais para ocidentais. Uma primeira diferença: embora o campo da Educação Somática postule que o homem é um ser total – corpo, mente e espírito – e que o corpo é indissociável da consciência, nenhum dos métodos é ligado a um sistema religioso em particular como o hinduismo, a vedanta ou o taoismo. Uma das especificidades da Educação Somática é que nenhum de seus métodos pede do 1

Reformadores do Movimento: Termo utilizado pela professora doutora Márcia Strazzacappa em um de seus artigos, quando a mesma se refere aos pioneiros nomes de referencia que desenvolveram algumas abordagens e técnicas em Somática utilizadas na atualidade.

16 aluno a maestria da forma. A tônica das aulas de Educação Somática é uma exploração dos movimentos propostos e não o aperfeiçoamento de posturas ou coreografias fixas. (BOLSANELLO, 2008, p. 2-3).

Ainda segundo Bolsanello (2005, p.100) a Educação Somática “é um campo teórico e prático que se interessa pela consciência do corpo e seu movimento”. E como uma área que promove a consciência corporal através da reeducação do movimento do indivíduo enquanto observador de si mesmo, a Somática vale-se de diferentes técnicas como as desenvolvidas por Pilates; técnica de Mathias Alexander; Laban/Bartenieff; Feldenkrais; Ginástica Holística; Antiginástica; Body Mind Centering®, Yoga, etc, sendo que cada uma possui seus próprios princípios e estratégias pedagógicas, objetivando a reeducação do movimento, promovendo a subjetividade, a inteligência do gesto e a singularidade do corpo em sua individualidade. Cada técnica tem sua própria abordagem e aplicabilidade pedagógica, conforme a finalidade e objetivos a serem trabalhados pelo professor de Educação Somática, como observa Ciane Fernandes em seu artigo: [...] a prática é, em si mesma, o método de pesquisa, seu eixo principal e meio de organização. Nesse contexto, o impulso criativo é bem mais importante para delinear o desenvolvimento da pesquisa do que a hipótese ou o problema. Mas a prática como pesquisa difere da pesquisa feita unicamente como parte de um projeto artístico ou da coleta e troca de materiais para juntar informações e criar uma rede de práticas, por exemplo. Prática como pesquisa é uma forma de pesquisa acadêmica em que se busca descobrir e estabelecer novos conhecimentos através da prática, com resultados, muitas vezes, em formas simultaneamente práticas e teóricas. Através de abordagens exploratórias práticas, estabelecem-se os percursos, desdobramentos e escolhas da pesquisa (inclusive aqueles relacionados à coleta de dados, construção de rede de informações e criação de obras artísticas). (FERNANDES, 2015, p. 26)

Desde seu surgimento o campo da Somática foi embasado e trabalhado junto à Filosofia, Psicologia, Medicina e Artes Cênicas. Porém, com o passar do tempo e com outras pesquisas na área da educação, novas abordagens pedagógicas de aplicação combinando prática e teoria em diferentes áreas do conhecimento vem se desenvolvendo. Desse modo, a Somática surge como um poderoso caminho para reflexão de conteúdos e ideias acerca do macro e micropolíticas em diferentes níveis de informações.

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Quando Thomas Hanna propôs explicar e apresentar ao mundo essa nova concepção de viver e compreender o ser humano e tudo à sua volta, este professor pesquisador nos fez ver que as mudanças externas provocadas pela própria sociedade em curso, refletiam em nós de maneira a nos conduzir inconscientemente às ações e sentimentos condicionados, pré-fabricados e/ou mecanizados; isso vem acontecendo de forma mais evidente durante o período em que nos encontramos agora, devido ao forte apelo massivo para o consumo de bens materiais; consumo da informação através dos meios de comunicação, sobretudo, ocasionado pela volaticidade do tráfego de notícias através da Web; pela banalização da violência; pela superexposição da autoimagem em sites de relacionamentos, etc. A essas comunidades atuais Hanna chamou de “sociedade póstecnológica”.

Segundo

o

raciocínio

e

observações

dele

acerca

do

comportamento dos jovens do final dos anos 60 e no decorrer da década de 1970 do século XX, o que ele pôde observar é que nunca antes esteve tão em evidencia o conflito entre gerações visando a queda de comportamentos e pensamentos hegemônicos, com eclosões de protestos sociais, onde a população jovem reivindicara maiores direitos de expressão, repudio aos valores morais ultrapassados, (re)inventando novos padrões comportamentais, linguísticos e culturais, tudo acontecendo em uma velocidade assustadora. Ainda segundo Hanna, pelo fato de estarmos agora “livres” de atividades que antes nos deixavam centrados em movimentos fixos e repetitivos, o corpo humano está “solto” e a mente absorvida em novos ambientes virtuais, que nos remetem instantaneamente ao nosso interior, aos nossos pensamentos, emoções e imaginação. O que estamos experimentando na atualidade é nossa readaptação a essas mudanças drásticas ocorridas no meio em que inventamos para viver e nos relacionar uns com os outros. Por isso mesmo, valores morais, de comportamento e atividades culturais também estão sendo modificados através da influência e conduta das novas gerações, convidando as anteriores a experimentarem essa nova forma de ver e sentir o mundo que nos rodeia. Hanna explica em seu livro Corpos em Revolta: uma abertura para o pensamento somático, o que significa um pensamento-comportamento – ações motivadas exclusivamente pelo desejo de mudança – que vem sendo passado

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de geração em geração e entrado em choque com os padrões morais estabelecidos, que esse choque de ideias, de emoções, e de sensações novas está fazendo com que o homem do século XXI se volte mais para si, não como um comportamento individualista, mas com uma visão individual de si mesmo, ou seja, muitas pessoas estão num processo coletivo de autoconhecimento porque agora têm “tempo livre” para isso. As tarefas mais corriqueiras que antes eram feitas e assimiladas de forma mecanicista, agora prescindem de um “sentido” para que sejam realmente desempenhadas. Este é o aspecto maior explorado em Educação Somática através de seus exercícios e abordagens. Percebi que tal fator vem ao encontro com a proposta pedagógica para o ensino de EJA, pois o aluno desta modalidade prescinde fazer conexões entre seu dia-a-dia e com o conteúdo estudado em sala de aula para que o trabalho do professor atinja o esperado: trazer de volta o interesse e envolvimento do educando para o cotidiano escolar, comprometimento este que antes fora abandonado por esse aluno, devido diferentes fatores pessoais. É importante observar que o público da EJA já tem uma “bagagem” cultural e visão de mundo formada a partir de experiências fora do ambiente estudantil (muitas vezes relacionadas ao trabalho e ao convívio social e cultural que não mais se restringe ao círculo e regras escolares), e normalmente esses dados não são aproveitados nas dinâmicas de ensino-aprendizagem pela escola tradicional, fazendo com que o aluno não estabeleça links entre o conteúdo estudado e seu cotidiano. As propostas e abordagens de ensino-aprendizagem na EJA procuram resgatar esse aluno através de uma dinâmica pedagógica que parte do conhecimento do educando. Sendo assim, muitos alunos da EJA precisam de estímulos para se colocarem em sala de aula, para se sentirem parte do que está sendo abordado. No entanto, o que pude observar com nossa intervenção pedagógica foi que os exercícios de Educação Somática proporcionaram essa abertura de estímulos visando a interação dos educandos com o conteúdo pedagógico trabalhado em sala a partir de seus próprios pontos de vista, como será explicado em detalhes na terceira seção.

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2.2.

A COMPREENSÃO HOLÍSTICA DO SER HUMANO

Durante séculos, o Homem fora norteado pelo sistema de medidas cartesiano. Esse aspecto em muitos momentos ajudou a humanidade no desenvolvimento da manifestação coletiva e manutenção do status quo nas sociedades crescentes. Porém, com o passar do tempo essa forma de compreender a vida engessou o comportamento coletivo na rígida visão do pensamento

binário,

visão

não

muito

adequada

para

aplicar-se

na

compreensão dos refinamentos da alma e nas novas percepções subjetivas que os seres humanos desenvolveram ao longo de sua evolução até o momento atual. Desse modo o pensamento binário, principalmente a partir do período pós-moderno, vem ocasionando atritos entre conceitos tradicionais e alguns conceitos mais flexíveis, fulminando na eclosão de conflitos principalmente oriundos de segmentos sociais que defendem comportamentos e pensamentos de alguns nichos, como por exemplo: os direitos dos homossexuais; dos negros; igualdade trabalhista entre mulheres e homens; liberação da maconha; a questão do aborto; da eutanásia; pena de morte; dentre outros, sendo que estas novas formas de compreensão da realidade se chocam com o pensamento binário e rígido sobre a manutenção das normas sociais e compreensão das coisas. Já sob a ótica holística, o ser humano pode ser compreendido através de um emaranhado perceptivo, cujos caminhos se entrelaçam e se completam, como explica o termo: Holismo (do grego holos que significa inteiro ou todo) é a ideia de que as propriedades de um sistema, quer se trate de seres humanos ou outros organismos, não podem ser explicadas apenas pela soma dos seus componentes. O sistema como um todo determina como se comportam as partes. O princípio geral do holismo pode ser resumido por Aristóteles, na sua Metafísica, quando afirma: O todo é maior do que a simples soma das suas partes. A palavra foi criada por Jan Smuts, primeiro-ministro da África do Sul, no seu livro de 1926, Holism and Evolution. [...] vê o mundo como um todo integrado, como um organismo. É também chamado nãoreducionismo, por ser o oposto do reducionismo e ao pensamento cartesiano. Pode ser visto também como o oposto de atomismo ou mesmo do materialismo. De uma forma ou de outra, o princípio do holismo foi discutido por diversos pensadores ao longo da História. Nomeadamente pelo primeiro filósofo que o instituiu, para

20 a ciência, que foi o francês Augusto Comte (1798-1857) ao sobrepor a importância do espírito de conjunto (ou de síntese), sobre o espírito de detalhes (ou de análise), para uma compreensão adequada da 2 ciência em si e de seu valor para o conjunto da existência humana.

A prática holística observada em Educação Somática tem como base os estudos positivistas do filósofo Merleau-Ponty, que em seu livro Fenomenologia da Percepção, revisa o conceito de sensação e sua relação com o corpo e com o movimento do mesmo, levando em consideração a interação do indivíduo com o meio, para que o próprio Ser se compreenda e seja percebido por si em sua totalidade. Na versão dos positivistas, a ciência considera que a sensação difere da percepção, embora ambas se relacionem pela causalidade estímuloresposta. Segundo a Fenomenologia, a sensação é o instrumento que traz luz à consciência de algo observado pela percepção da pessoa. Perceber é o ato, a sensação é o instrumento para que o ato torne-se consciente. Para a Gestalt a percepção não funciona como algo exaustivo e total dos dados, e sim uma compreensão provisória e incompleta dos fenômenos sensoriais. Assim, a compreensão fenomenológica da percepção é amparada por conceitos da Psicologia (Gestalt) dialogando com as Artes. Para se compreender como a percepção funciona, antes é preciso entender como a sensação atua em nós de maneira corpórea: A sensação não é nem um estado ou uma qualidade, nem a consciência de um estado ou de uma qualidade, como definiu o empirismo e o intelectualismo. As sensações são compreendidas em movimento. [...] Na concepção fenomenológica da percepção a apreensão do sentido ou dos sentidos se faz pelo corpo, tratando-se de uma expressão criadora, a partir dos diferentes olhares sobre o mundo. (NÓBREGA, 2008, p. 142).

Por isso, os indicativos dos exercícios em Educação Somática estão centrados no despertar do corpo através do estimulo dos sentidos. Suas técnicas e abordagens metodológicas estão focadas, a priori, para a reeducação corporal pessoal, resgatando a unidade e identidade da pessoa, a partir de um paradigma interno do sujeito. As abordagens são voltadas não para gerar um padrão estético homogêneo entre os praticantes, e sim para 2

http://pt.wikipedia.org/wiki/Holismo

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ajudar na compreensão de que as diferenças devem ser respeitadas e mantidas como uma espécie de identidade individual de cada ser humano, pois existem várias formas de perceber o mundo à nossa volta, e uma interfere na outra. Assim, a visão cientifica e filosófica da Somática considera o ser humano em sua totalidade (mente, corpo, espírito, sentimentos, subjetividade, consciência), sugerindo que as experiências pessoais são o veículo de entrada e saída para que o sujeito compreenda a si mesmo e ao meio ambiente e social. Essa nova atitude de reagir ao mundo ativa o senso crítico ao fazer a pessoa entender às causas dos fenômenos que a levaram a determinada interação através de suas ações com os fatos cotidianos e coletivos, Na Fenomenologia da percepção, Merleau-Ponty esboça uma fenomenologia existencial na qual vislumbramos a descrição de um sujeito que se encontra sempre em “situação” em meio a um mundo concreto. A percepção nos conduz a um mundo anterior ao conhecimento e aos prejulgamentos que dele se possa fazer e, assim, desvela-nos um mundo carregado de sentido. Nesse mundo originário, ser significa, sobretudo, ser com o corpo. O filósofo promove uma mudança de enfoque, a passagem de um “espectador desinteressado” para um “homem que percebe” e, assim, para um homem que experimenta a verdade no intervalo entre si mesmo e o mundo, entre si mesmo e o outro. (MARQUES, 2006, p. 79).

Para que essa visão do ser humano seja articulada, os fragmentos devem validar-se desde que sejam percebidos através do todo, por isso a Fenomenologia trabalha com a interdisciplinaridade, atribuindo conceitos tanto das Ciências Exatas, quanto das Humanas, especialmente da Psicologia (Gestalt), rejeitando de vez o pensamento binário do cartesianismo, para aproximar-se o máximo possível da compreensão holística do Ser. Segundo o conceito de corpo em Merleau-Ponty, a percepção adquire o caráter de mobilidade quando o autor propõe que o conhecimento é gerado e modificado através do movimento físico – que engloba também os atributos ocultos (alma, pensamento, emoções) – como dados importantes no ato de perceber o mundo, conforme observa Nóbrega (2008): [...] a percepção do corpo é confusa na imobilidade, pois lhe falta a intencionalidade do movimento. Os movimentos acompanham nosso acordo perceptivo com o mundo. Situamo-nos nas coisas dispostos a habitá-las com todo nosso ser. As sensações aparecem associadas a

22 movimentos e cada objeto convida à realização de um gesto, não havendo, pois, representação, mas criação, novas possibilidades de interpretação das diferentes situações existenciais. NÓBREGA (2008, p. 142).

Daí os exercícios em Somática voltarem-se primordialmente para esse aspecto, pois qualquer mudança estrutural interna reflete-se no exterior do sujeito, onde o fator pensamento/imaginação está amplamente associado ao movimento corporal durante os exercícios; assunto que será abordado no tópico seguinte.

2.3.

ABORDAGENS PEDAGÓGICAS DA EDUCAÇÃO SOMÁTICA

Atualmente existem algumas técnicas de Somática patenteadas e formadoras específicas do profissional que as usam, e que também influenciaram, ou que posteriormente foram agregadas a novas técnicas de Somática, gerando outras abordagens metodológicas. Podemos citar: técnica de Alexander; técnica de Feldenkrais; Body-Mind Centering®; Sistema Laban/Bartenieff, etc. Preferi não descrever em detalhes as técnicas dos métodos citados, pois não é o foco deste trabalho. Porém, já existe acervo considerável na área acadêmica à disposição para quem desejar aprofundar-se neste tema. Todas as abordagens pedagógicas em Somática basicamente estão pautadas, a priori, para promover a consciência corporal, contribuindo em potencial para a reabilitação física do indivíduo e/ou para processos de criação artística, sendo que esta última engloba os processos de criação teatral e de dança em sua maioria, atribuindo espaços de relação continua entre o corpo cotidiano e o corpo cênico dos artistas da cena que se utilizam das técnicas da Somática, como um recurso a mais para seus processos criativos e de manutenção física, pois ao se trabalhar a consciência corporal: É de natureza desse corpo-soma a capacidade de oscilar entre os dois modos de percepção. Ele tanto pode perceber-se a partir das informações internas, como um observador de si mesmo, quanto a partir do que Hanna chama de “[...] ponto de vista da terceira pessoa”

23 (1979, p. 4), ou seja, como um objeto entre outros objetos no mundo. Por isso, posso dizer que eu tenho um corpo ou que sou um corpo [...] Sob esse ponto de vista, podemos inferir que, ao trabalhar através de uma abordagem somática em aula, estamos proporcionando ao estudante uma possibilidade de perceber-se como agente de seu processo de aprendizagem e, por conseguinte, sujeito que interfere ativamente em seu meio a partir de ações conscientes. (GRAVINA, 2015, p.5-6)

Essa característica ajuda o aluno a perceber-se como agente de seu próprio processo de aprendizagem, recorrente na Educação Somática, que dialoga com as práticas pedagógicas emancipatórias das quais acredito e desenvolvo em sala de aula, como uma proposta onde prevalece o desenvolvimento humanístico do educando, uma abordagem pedagógica cujo professor de EJA possa abrir espaços para se trabalhar os conteúdos a partir do sentido afetivo (“do afetar”) pelo viés da corporeidade do educando fazendoo compreender que seu pensamento, ação, reação interfere no modo como ele absorve as informações e dialoga com elas, convidando o jovem e/ou adulto a comportar-se como protagonista do saber na sala de aula. Para que esse “estado de afeto” seja acessado nos alunos, recorri aos seis Padrões Neurológicos Básicos – PNB’s (Respiração Celular; Irradiação Central; Organização Espinhal; Homólogo; Homolateral; e Contralateral). Os PNB’s fazem parte dos 10 Princípios do Movimento desenvolvidos por Irmgard Bartenieff (1900-1982) – discípula de Rudolf Laban –, e sua aluna Bonnie Bainbridge Cohen (fundadora da School for Body-Mind Centering®). Escolhi trabalhar com os PNB’s principalmente porque os exercícios são combinados e acionados por associação de imagens (o que explicarei mais adiante), de fundamental importância para o trabalho de ensino-aprendizagem proposto neste projeto de intervenção para EJA, e também porque os PNB’s resgatam a organização neuromotora do indivíduo: O termo Padrões Neurológicos Básicos (PNB) implica na modificação simultânea dos sistemas nervoso e muscular rumo à complexidade. Pouco a pouco, o bebê vai de uma posição de repouso com pouca habilidade de locomoção até ser capaz de deslizar, transferir o peso de partes alternadas do corpo ao sentar, engatinhar, até manter-se de pé com apoio de um adulto ou de objetos, até sustentar-se nas duas pernas e caminhar. Esse não é um processo linear, mas em espiral, onde sempre se “volta” ao anterior, porém modificado pela descoberta. (FERNANDES, 2006, p. 56).

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Segundo os estudos de Laban/Bartenieff essa organização motora e fisiológica que o ser humano “descobre” e desenvolve na fase em que ainda é um bebê, irá influenciar sua capacidade individual de mover-se no mundo (implicando não apenas a parte estrutural/organizacional/postural de seu corpo, como também aspectos subjetivos do ser: seu modo de relacionar-se com suas emoções e com o mundo). Isto acontece devido estarmos todos à mercê dos conhecimentos filogenéticos (herança genética e subjetiva de nossos ancestrais, de acordo com a evolução para a sobrevivência da espécie) e dos conhecimentos ontogenéticos (adquiridos ao longo de nossa vida através da interatividade com os

acontecimentos

culturais,

interpessoais,

experiências

outras,

etc.,

assimilados e interagidos de maneira individual), desde nosso nascimento. Partindo desse pressuposto, a aplicabilidade dos seis PNB’s proporciona ao indivíduo uma “revisitação” a esses estágios primeiros da organização motora e fisiológica através de estímulos cognitivos que os exercícios acionam, ajudando a organização corporal e subjetiva do sujeito alcançar uma harmonia, abrindo caminhos para que o indivíduo próprio localize seus ‘bloqueios’ emocionais e/ou posturais, e os corrija de maneira consciente, de certo que: A cognição depende da experiência que acontece na ação corporal. Essa ação vincula-se às capacidades sensório-motoras, envolvidas no contexto afetivo, social, histórico, cultural. O termo significa que os processos sensoriomotores, percepção e ação, são essencialmente inseparáveis da cognição [...] A cognição é inseparável do corpo, sendo uma interpretação que emerge da relação entre o eu e o mundo, nas capacidades do entendimento [...] A mente não é uma entidade dessituada, desencarnada ou um computador; a mente também não está em alguma parte do corpo, ela é o próprio corpo. Essa unidade implica que as tradicionais concepções representacionistas enganam-se ao colocar a mente como uma entidade interior. O pensamento é insuficiente e a estrutura mental é inseparável da estrutura do corpo (NÓBREGA, 2008, p. 146).

Desse modo, as imagens mentais experimentadas durante os exercícios dos seis PNB’s, também têm como finalidade auxiliar o educando a compreender e estabelecer links com o assunto que será abordado após os exercícios motores, pois: Quando nos movimentamos, há uma circularidade entre os acontecimentos do meio ambiente e os acontecimentos no próprio corpo, ocorrendo aprendizagem, ou seja, uma nova interpretação

25 desses acontecimentos. De certa forma, esses movimentos tornam-se “automáticos”, ou seja, tão logo os tenhamos aprendido, não precisamos mais “pensar sobre eles” para os executarmos. O corpo sabe! No entanto, não podemos realizar dois movimentos idênticos, pois, mesmo sem nos darmos conta, o nosso corpo e sua estrutura perceptiva (sensório-motora) estão o tempo todo se reorganizando ou se auto-organizando, gerando sempre novas interpretações para o movimento, novas emergências, micro processos. No macro, aos olhos do observador, parece não haver novidades, mas no micro há sempre novas emergências, tudo se renova constantemente. Ação e pensamento não são fenômenos que ocorrem separadamente. (NÓBREGA, 2008, p. 146).

São essas “reorganizações” ou “auto-organizações” que atuarão no processo interdisciplinar interno do educando, causando no aluno a disposição sensório-motora para absorver cognitivamente elementos sutis trabalhados dentro do tema proposto. Quando me refiro às imagens mentais dos exercícios, refiro-me à facilidade delas em servirem também para expandir o campo sensível do aluno, quando se pede para o educando acionar conjuntamente sua ação corporal associada a uma imagem mental construída por ele. Para que eu pudesse trabalhar interdisciplinarmente com os exercícios de Somática atrelados ao tema do conteúdo programático indicado por esta intervenção, pensei em utilizar imagens mentais de suas próprias vivencias que os remetiam à lembrança e/ou associação com a luz (seja artificial, de vela, o fogo, faróis de carros, etc), justamente devido o foco do assunto tratado no conteúdo interdisciplinar proposto pela minha equipe de trabalho, ter como fio sensível condutor a luz (“Ensino e aprendizagem do teatro a partir da experiência com a luz”). Logo, os alunos já ficavam mais susceptíveis à abordagem pedagógica apresentada pelas arte-educadoras nas etapas seguintes da aula, bem como o próprio tema em si.

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3.

ESCOLA, EJA E PREPARAÇÃO PARA SOMÁTICA

3.1.

ESCOLA: O DESPERTAR DA EJA

No ano de 2014, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Duque de Caxias, situada à Rua Raul Soares, s/n, no bairro da Marambaia, Belém-PA, mantinha apenas duas turmas de EJA (2ª e 3ª etapas), ambas somente pelo turno da noite. Os alunos desta modalidade tinham disponíveis: uma biblioteca circular com acervo de literatura brasileira; alguns livros técnicos e outros relacionados às disciplinas do desenho curricular; jogos de cunho pedagógico; livros de Arte e outros. Esta biblioteca disponibilizava este conteúdo para empréstimos aos alunos matriculados, caso houvesse interesse dos educandos.

Foto 01: Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Duque de Caxias”.

Fonte: https://www.google.com.br/maps

Havia também uma sala de multimeios (com aparelho de TV, DVD e caixa e som); uma cantina que oferecia merenda fornecida pela escola, além

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de uma pequena lanchonete particular, caso os funcionários e/ou os alunos preferissem outra espécie de alimentação (salgadinhos, lanche completo, e afins). Além dessas áreas, havia uma espécie de espaço de convívio – o pátio, que era central, tendo ao lado a cantina da escola, um pequeno palco à frente, e ao fundo a já citada lanchonete. A arquitetura da escola era feita de forma a distribuir bem esses lugares. Havia pequenos espaços para jardins, separando os corredores e as salas de aula, do conjunto da cantina e da direção. De modo que a escola era bem ampla e aberta internamente, favorecendo a iluminação natural, bem como circulação de vento, e a mobilidade pelo espaço. O interior da escola mostravase um local agradável. Como havia estes espaços de circulação, uma das estratégias sugeridas pela Prof.ª Ivanilde como extensão da diagnose foi que nós três transitássemos por alguns momentos na área de convívio, antes que estivéssemos na sala de aula junto aos alunos da EJA. Desse modo, todos os dias, eu e ambas as professoras preferíamos nos instalar à mesa comum que ficava no pátio da escola, com a finalidade de ver a movimentação social da mesma, e com isso conversarmos com os alunos sobre diversas coisas que iam desde o funcionamento administrativo interno, até atividades multidisciplinares extraclasse que os professores promoviam em acontecimentos como gincanas e/ou datas comemorativas do calendário escolar, e se eles próprios interagiam com estas atividades e o que achavam delas. Todo nosso foco voltava-se para: como a disciplina Artes na EJA estava sendo assimilada pelos educandos? Como ela acontecia dentro do contexto interdisciplinar juntamente com as outras matérias do desenho curricular? Se os alunos faziam ligações entre Arte e demais disciplinas ou com o que acontecia no bairro onde moravam. Se achavam importante essa disciplina para sua formação cidadã. Outra estratégia de diagnose adotada pelo grupo, também de caráter extracampo, foi conversarmos com a orientadora pedagógica da escola a respeito de como era a relação dos alunos da EJA junto à biblioteca da instituição. Averiguamos que raramente iam ao espaço não se interessando pelo acervo que lá era oferecido, e havia alunos que sequer sabiam onde

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ficava. Além desse dado, soubemos ainda que até mesmo a maioria dos professores não a utilizava como recurso didático, junto às atividades desenvolvidas em sala de aula em suas disciplinas. Esses dados reforçam o que ao longo do tempo vem se confirmando acerca da historia da Educação de Jovens e Adultos no Brasil desde sua criação, de que em algumas regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos inexiste e/ou ainda é bastante inadequada as práticas pedagógicas desenvolvidas para este publico. Vejamos alguns calcanhares de Aquiles dentro do contexto histórico da EJA, que corroboram para a dificuldade do processo de ensino-aprendizagem nesta modalidade: 1) A especificidade cognitiva do alunado, que não é mais criança. Geralmente o público é formado por jovens, adultos trabalhadores e idosos, requerendo estratégias pedagógicas que os contemplem em relação ao tempo de assimilação e aprendizagem do conteúdo; 2) Professores não capacitados para lidarem com as especificidades desse público (normalmente ignoram e/ou não sabem relacionar em sala de aula fatores socioeconômicos e culturais, que o aluno da EJA traz para conversa extraclasse, referente ao conteúdo apresentado no desenho curricular); 3) A organização do currículo escolar que não contempla assuntos locais, desconectando o cotidiano do educando junto ao conteúdo programático, fortalecendo com isso seu desinteresse pelas aulas; 4) Escolas com uma gestão escolar ainda muito rígida e clássica demais para incentivar professores a adotarem métodos de ensino inovadores

e

lúdicos,

ou

abrir

espaço

para

uma

efetiva

experimentação pedagógica interdisciplinar; 5) Falta de uma política pública estruturada e sistematizada para abarcar definitivamente as deficiências desta modalidade de ensino no Brasil (em termos de infraestrutura social, pedagógica e material); 6) Interferências ideológicas e interesses velados de relações de dominação entre classes sociais e gestão administrativa que influenciam os governos à implantação e manutenção da EJA, pautada pelas necessidades do mercado e não para uma formação humana do cidadão através da educação;

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7) Uma visão “compensatória” da EJA quando se refere às diretrizes educacionais do País, que por décadas se comporta de maneira dúbia enquanto ao direito à alfabetização de todos os cidadãos, independente de estarem ou não em idade escolar “adequada”; 8) Falta de formação continuada especifica para professores que atuam na EJA;

Enfim, há mais itens a serem elencados, contudo, esses já nos fazem perceber que desde o início a educação de jovens e adultos esteve intimamente ligada ao sistema de relações econômicas do País. Recordemos que o primeiro registro histórico sobre educação (de crianças, jovens, adultos e idosos) data da época da colonização do Brasil. Era feita pelos padres Jesuítas, sobretudo, para fins catequéticos, e também “educar” o gentio como mão-de-obra barata para manutenção econômica das colônias. Ao darmos um pequeno salto histórico, ainda na época do Brasil colônia, quando a Corte portuguesa se instala no País, a educação da população foi amplamente deixada de lado como estratégia de manutenção social, haja vista que os Jesuítas já haviam sido expulsos do Brasil, e a mão de obra agora era a escrava. Tinham acesso à educação escolástica e científica apenas os “fidalgos” que estudavam no exterior. A população em geral, não necessitava de estudos escolares para executar atividades de artífices, como o exemplo de padeiros, engraxates, alfaiataria, cozinheiros e afins. Com a Proclamação da República, o governo já esboça algum discurso sobre “escola para todos os cidadãos”, porém, quase nenhum cidadão tem acesso a ela. Por questões monetárias de sobrevivência, era preferível aprender um oficio de pai para filho e trabalhar logo para seu sustento, do que “perder” tempo estudando num banco de escola. As necessidades do grosso da população eram mais urgentes e imediatas do que aprender a ler e escrever. Esse pensamento e conduta perduraram por bastantes décadas no Brasil. Em termos específicos de educação regular e formal direcionada para formação de jovens e adultos, voltemos à década de 1930 do século XX para poder juntar o quebra-cabeça. Esta década foi importante para a modernização do País em termos de industrialização. Daí, o governo acionar uma política

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educacional que se limitava apenas a dar o básico para o cidadão em idade produtiva, visando-o como mão-de-obra para ser absorvido pelas então fábricas implantadas no País. O mínimo de conhecimento era necessário, enfatizando sempre o conteúdo técnico do que o humano. Conforme argumenta Sampaio (2009), Para Beisiegel, a oferta oficial de educação para o povo se adiantava às reivindicações populares, impulsionada pelo pensamento liberal, por questões econômicas e espelhada em influências estrangeiras, e porque havia um projeto do Estado: desencadear um processo “civilizador” na sociedade brasileira; delimitar o lugar das classes populares para sua função social; e atender a necessidades econômicas escolarizando para a atuação no mercado de trabalho que se modernizava. O pensamento que vai guiar e limitar as iniciativas de educação popular pelos governos é a ideia de que a educação forma as classes populares para transformá-las em elemento de produção. (SAMPAIO, 2009, p. 19).

Aqui já se percebe a mecanização caracterizando o ensino público no Brasil. Mesmo protegido como direito amparado pela Constituição, o encargo pelo ensino público no Brasil foi retirado do Estado pelo então golpe militar na época de Getulio Vargas. Seu discurso de 1937 impetra ao Estado Novo a proposta de uma nova Carta Magna para a Constituição Federal, onde a exime da responsabilidade para com a educação pública, ficando o governo apenas numa posição subsidiária. Em termos políticos e estratégicos, nesse contexto, era preferível uma população sem muita instrução e senso crítico, para facilitar sua manipulação como massa de manobra nas mãos do Golpe Militar, tendo a frente o então presidente Vargas. O máximo que se investia era na formação técnica e profissionalizante para suprir as demandas específicas de mão de obra para as fábricas em todo País. Outra estratégia política do Estado Novo estendeu-se à década seguinte. Em 1940, o governo já assume a autoria de alguns programas para educação de jovens e adultos, porém com o foco nas eleições, pois segundo a Constituição Federal desse período, apenas homens alfabetizados tinham o direito ao voto. Mulheres ainda não tinham acesso à participação de pleitos. Nesse contexto podemos citar a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, criada em 1947, cuja iniciativa fora financiada pelo Estado Novo com apoio da sociedade civil organizada. A partir daqui já começa

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a se delinear as características da EJA, bem como seu registro ao longo da história recente do País. Campanhas voltadas para a diminuição do analfabetismo adulto também estavam de acordo com o contexto mundial desta década. Com o planeta ainda sob o impacto da Segunda Grande Guerra, o surgimento da UNESCO e do seu discurso a favor da educação e cultura como formas civilizatórias, o Estado Novo brasileiro tenta usar isso ao seu favor. Ao término do primeiro mandato da era Vargas, foi criado o Fundo Nacional de Ensino, para organizar e viabilizar o repasse de verbas aos estados, oferecendo o ensino básico primário para crianças e adultos, até a implantação definitiva da Lei de Diretrizes e Bases da Educação n° 4.024/61, que amparava iniciativas sociais, não governamentais, municipais, estaduais e federais acerca da alfabetização de jovens e adultos. Deste contexto em diante surgiram, por exemplo, ações como o Supletivo e o MOBRAL. Uma década depois da LDB de 1961, impetrou-se um capítulo inteiro totalmente voltado para a alfabetização de jovens e adultos, estamos falando da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, LDB nº 5.692/71, estabelecendo a obrigatoriedade dos estados e municípios em oferecer educação gratuita do ensino fundamental básico ao médio.para a população. Após a LDB de 1971, seguiram-se alguns decretos e parágrafos extras em anos posteriores, reforçando e/ou ajustando a legislação voltada para as medidas educacionais do ensino profissionalizante no País, como por exemplo: Lei n 9394/96, art. 39; e Decreto Federal nº 2.208, de 17 de abril de 1997. Até que em 2010 surge a Resolução nº 3, de 15 de Junho de 2010, que: Institui Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos nos aspectos relativos à duração dos cursos e idade mínima para ingresso nos cursos de EJA; idade mínima e certificação nos exames de EJA; e Educação de Jovens e Adultos desenvolvida por meio da Educação a Distância (EAD), a serem obrigatoriamente observadas pelos sistemas de ensino, na oferta e na estrutura dos cursos e exames de Ensino Fundamental e Ensino Médio que se desenvolvem em instituições próprias integrantes dos Sistemas de Ensino Federal, Estaduais, Municipais e do Distrito Federal. (CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2010).

Ao longo de quase setenta anos, notadamente, a educação de jovens e adultos vem buscando suprir lacunas que o ensino público deixou escapar em

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termos de alcance e eficácia, assim a EJA veladamente também adere a si qualidades reparadoras e equalizadoras, como explica Sampaio (2009), A função reparadora significa um avanço em relação à ideia de supletivo que sempre acompanhou a EJA com o sentido de resgatar um tempo perdido ou suprir uma carência de escolarização na chamada idade própria (um conceito impróprio, se levarmos em consideração o direito à educação em qualquer período da vida). O reconhecimento da educação como direito do cidadão e da cidadã ao longo de sua existência desloca a ideia de compensação para a de reparação de um direito que lhe foi negado. A função equalizadora da EJA diz respeito à possibilidade dos jovens e adultos voltarem a frequentar ou frequentarem pela primeira vez a escola. Cury (2000, p. 38) considera que a volta ao sistema educacional requer a abertura de “mais vagas para estes “novos” alunos e “novas” alunas, demandantes de uma nova oportunidade de equalização”. Hoje ainda carecemos de investimento público para oferta dessas vagas com a qualidade de ensino que toda a população tem direito. Uma qualidade que, entre outros elementos, está também relacionada à formação de professores e professoras para trabalhar com a EJA. (SAMPAIO 2009, p. 23-24).

Agora que fizemos uma breve apresentação da trajetória da EJA no Brasil, foquemos na disciplina Arte, em como ela se caracterizava e dialogava dentro da grade curricular no ensino público, ao longo da história. Vimos que o ensino oferecido pelo governo no Brasil, durante quase todo século XX, tinha como finalidade exclusivamente formar mão de obra para o

mercado

de

trabalho,

assim

todo

o

conteúdo

programático

era

preferencialmente técnico-profissionalizante. Durante o Brasil colônia, a intenção das Artes à época dos Jesuítas, era de cunho mecanicista e representativo. O desenho e a carpintaria eram ensinados aos gentios com o objetivo de copiar: retratar e reproduzir imagens sacras de quadros e escultura de santos para decoração das igrejas. Salta aos olhos o caráter técnico e automático deste ensino-ofício, sem abertura para falar sobre a História da Arte e/ou espaço para experiência estética ou experiência criativa através da Arte. Ainda neste período, o mais próximo que se chega à Literatura são os textos bíblicos adaptados para o Teatro, encenados para fins catequéticos. Podemos citar também que transversalmente o Teatro dessa época era o que mais se aproximava de uma atividade corpórea, muito embora, bastante distanciada do enfoque sensório-cognitiva.

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Durante o Brasil Império, com o advento dos poucos Liceus, sobretudo na atual cidade do Rio de Janeiro, o Desenho é a figura central do ensino de Arte dentro do conteúdo programático, fortalecendo-se como disciplina de fato, nas escolas públicas, em meados do inicio da década de 30, onde é adotado de vez o conceito do Desenho Industrial e Decorativo para fins de mercado. Esse pensamento de que “arte” na escola é apenas decorativo e imitativo atravessou décadas, resistindo até os dias atuais na maioria das escolas públicas. Mesmo com a recente proposta aprovada pela Câmara de Deputados Federal, que altera a LDB nº 9.394/96, com o Projeto de Lei 7032/2010, tornando obrigatória a inserção do Teatro, Dança, Artes Plásticas e a Música, como disciplinas autônomas e linguagens artísticas distintas, o entrave dentro das gestões escolares ainda dificulta essas novas práticas pedagógicas. É comum, no entanto, presenciarmos professores de educação física dando conta de atividades relacionadas à Dança e/ou ao Teatro, enquanto o professor de Artes se restringe basicamente ao conteúdo de Artes Plásticas, e com a hora/aula em desvantagem, se comparado com as demais disciplinas. Foi essa realidade que nos deparamos na escola “Duque de Caxias”, ao sermos abordadas pelas pedagogas da escola em um episódio isolado, elas perguntaram se eu e minhas colegas gostaríamos de ajudar as professoras de artes na decoração da escola para uma data comemorativa, naquele período em questão. Recordo que o mesmo pensamento e discurso aconteceram comigo quando trabalhei em uma ONG desempenhando o papel de arteeducadora. Mesmo com os esforços da LDB em apresentar as modalidades artísticas como linguagens distintas entre si, e faculdades formando profissionais da área, na maioria das escolas da rede publica de ensino, a matéria Artes carece de credibilidade, metodologia própria, e respeito por parte do corpo administrativo pedagógico, desqualificando o professor de artes. Tal postura da categoria dos professores para com o docente que trabalha com a disciplina Arte, desabilita as próprias faculdades formadoras desse profissional. Ainda nos impactou a fala de uma das alunas, logo na segunda aula em que aplicávamos a diagnose através de um jogo que abordava conceitos de arte com os participantes. Resolvemos utilizar essa metodologia, pois já

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queríamos fazer com que os educandos tivessem contato com a ludicidade e experiência estética a partir do primeiro momento. Eis que a aluna muito surpresa com nossa abordagem exclama: “mas professora, isso também é arte?” O recurso do jogo abria as portas para iniciar logo a abordagem focada na percepção e sensibilidade dos alunos, pois esse era o carro-chefe de nossos enfoques individuais. A sensibilidade como meio de aprendizado costurava todos os tópicos do conteúdo que organizamos para trabalhar com a turma de EJA, dentro da disciplina Artes. Queríamos tirar do lugar comum o ensino “regular” desta disciplina, trazendo para dentro das discussões elementos do universo dos próprios alunos e fazê-los refletir sobre a arte no seu dia a dia, no seu bairro, na sua vida. Esse enfoque na sensibilidade seria mais bem trabalhado na segunda etapa da intervenção, com os exercícios provenientes da Educação Somática abrindo as aulas, (explicado em detalhes na quarta sessão). Após a verificação do espaço disponível para realizarmos nossas tarefas, tive que fazer algumas adaptações dos Padrões Neurológicos Básicos (PNB’s) para que pudéssemos atender às necessidades dos alunos. A seguir descreverei as dificuldades encontradas. É certo que as instalações das escolas públicas no Brasil apresentam-se de forma padronizada correspondendo ao ensino clássico e regular (carteiras ordenadas em fileiras, quadras para atividades físicas, refeitórios, biblioteca, e por fim sala “multimeios” – quando tem), e foi uma dessas que nos disponibilizaram para realizarmos nossas atividades com os alunos. Porém, era bastante visível para nós, que esta sala era raramente utilizada pelos próprios professores que compunham a Escola “Duque de Caxias”. Para as atividades que pretendíamos desempenhar, as instalações da multimeios eram um pouco inadequadas: a sala era úmida, havia goteiras e alagamento parcial no assoalho – de modo que não dava para utilizar todo o espaço da sala, a não ser quando afastávamos as carteiras que estavam quase sempre empilhadas. A iluminação falhava, e por mais que chegássemos cedo planejando preparar o ambiente para recepcionarmos os alunos, e estarmos prontas para iniciarmos nossas atividades, (mesmo contando com a extrema cooperação e boa vontade da vice-diretora e das técnicas da escola

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que nos amparavam no que precisássemos), a pessoa responsável pelas chaves do multimeios sempre protelava..., de modo que só tínhamos acesso ao lugar quando os alunos já se amontoavam na porta. Isso dificultava muito nosso trabalho, pois eu e as outras professoras tínhamos que organizar o material, afastar as carteiras, checar a TV e a caixa de som em cima da hora. Com todos esses percalços, tínhamos menos de 45 minutos de aula. Era insuficiente. Sempre alguma tarefa ficava para a aula seguinte. Isso também era um problema, pois tínhamos acesso à turma apenas uma vez por semana. A lentidão dos acontecimentos e o comportamento sazonal dos educandos também dificultavam a fruição das aulas. Tínhamos de nos adequar a esse aspecto também.

3.2.

PREPARAÇÃO PARA O DESPERTAR – DIAGNOSE

O

que

pretendíamos

nesse

primeiro

momento

era

utilizar

transversalmente recursos lúdicos aplicados no Teatro e na Dança, bem como alguns procedimentos das Artes Plásticas, associando-os interdisciplinarmente através de um jogo de tabuleiro elaborado em conjunto por nós, de acordo com nossas experiências e informações enquanto artistas e arte-educadoras.

Foto 02: Jogo de Tabuleiro

Fonte: Arquivo pessoal de Katiuscia de Sá, 2014.

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Através desse recurso como método para a diagnose, pretendíamos fazer com que os alunos se sentissem a vontade para responder questões de seu cotidiano. Queríamos que isso se desenrolasse de forma espontânea, daí procuramos soluções e caminhos mais lúdicos. Recorremos às nossas vivências provenientes do teatro e também como arte-educadoras, porém com o foco especifico voltado para a EJA, posto que: As técnicas de Dinâmica de Grupo, em qualquer de suas especificações, não devem ser aplicadas apenas para criar um modelo novo ou diferenciado de ensino. Devem ser aplicadas quando se busca estabelecer em bases definitivas uma filosofia formativa que se pretende imprimir na escola ou empresa; quando se descobre, nas pessoas envolvidas no processo, um estado de espírito para aceitarem uma inovação como resposta à necessidade e ao desejo de se conhecerem melhor; e finalmente, quando se acredita que uma técnica, seja ela qual for, não representa uma “opção mágica” capaz de educar e alterar comportamentos, mas somente de estratégia educacional válida na medida em que se insere em todo o processo, com uma filosofia amplamente discutida e objetivos claramente delineados (ANTUNES, 2002. p. 17).

Após várias conversas entre nós três, o procedimento originou o jogo com dado e cartas, e o adotamos como recurso. Escolhemos três eixos de investigação: socioeconômico, convivência interpessoal e vivência escolar. Mediante estes eixos, elencamos as perguntas que gostaríamos que pudessem ser respondidas e depois as transformamos em tópicos para cada fase do jogodiagnose. O formato de jogo foi proposto por mim. No início professora Ivanilde não acreditou muito nesse recurso exploratório, porém a cada encontro para discutirmos o formato, ela foi cedendo devido aos meus argumentos e exemplos de como poderíamos utilizar um reurso dessa natureza com os alunos da EJA, ao nosso favor. Pensei logo sobre o visual dele, e estrategicamente elenquei ícones das redes sociais com uma cartela de emoticons para que os jovens se identificassem através do primeiro contato visual, gerando empatia com nossa proposta pedagógica, posto que esses ícones fazem parte do universo da maioria desse publico.

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Foto 03: Jogo de cartas

Fonte: Arquivo pessoal de Katiuscia de Sá, 2014.

Essa relutância aconteceu devido à questão que levantávamos sempre nas conversas de elaboração do conteúdo para a primeira fase da intervenção pedagógica, se esse jogo deixaria os alunos da EJA se sentirem infantilizados. Então recorremos às palavras de Fortuna (2000), que nos deu base para seguirmos com nossa ideia do jogo-diagnose: A sala de aula é um lugar de brincar se o professor consegue conciliar os objetivos pedagógicos com os desejos do aluno. Para isto é necessário encontrar o equilíbrio sempre móvel entre o

38 cumprimento de suas funções pedagógicas – ensinar conteúdos e habilidades, ensinar a aprender – e psicológicas – contribuir para o desenvolvimento da subjetividade, para a construção do ser humano autônomo e criativo -– na moldura do desempenho das funções sociais – preparar para o exercício da cidadania e da vida coletiva, incentivar a busca da justiça social e da igualdade com respeito à diferença. (FORTUNA, 2000. p. 09).

Nesse sentido focamos no conteúdo, e fizemos os recortes sobre que assuntos levantaríamos pelo viés da ludicidade. Logo no primeiro momento, nossas reflexões deixavam claro tratar-se de questões do universo adulto. Para isso primeiramente elencamos as perguntas por blocos:

*PERGUNTAS RELACIONADAS À DIAGNOSE DE CAMPO:

a) em relação à escola: Sobre a estrutura da escola para o ensino de arte? Como funciona a gestão na escola? Nível de escolaridade? Como está estruturado? Quantas turmas têm? Quantos alunos por turma? Qual a faixa etária dos educandos? Há na turma alunos especiais? Levantamento dos anos anteriores. Amostragem. Permanência com sucesso (quantos matriculados, quantos concluintes?). Qual o motivo da evasão?

Observamos que nem todas as perguntas acima elencadas foram respondidas, devido ao fato da escola não fornecer todos os dados, contudo, no dia-a-dia, circulando na área de convívio da escola, como foi mencionado em parágrafo anterior; através das conversas informais com as técnicas da escola e em conversa com a vice-diretora e alunos, algumas lacunas foram sanadas.

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*PERGUNTAS RELACIONADAS AO JOGO-DIAGNOSE DO TABULEIRO: b) em relação aos educandos – e possíveis abordagens lúdicas:

História de vida Painel (com perguntas encobertas): se sua mãe/pai fosse um bicho, qual seria e por quê?

Onde vivem Que mudança você gostaria de ver no seu bairro? (associado ao desenho – como era antes e depois, como você quer que seja agora?). O que você prefere em seu bairro? Uma biblioteca ou uma quadra de esportes?

Os educandos trabalham? Qual é a profissão? (jogo de mímica: representa o que faz e depois o que gostaria de fazer).

Qual a importância da arte na sua vida? Perguntar como se veste para ir a tal lugar, onde (cinema, baile, teatro, etc), associado ao jogo “Vestir o Boneco” (na cartolina) – esse item também pode ser associado a qualquer pergunta do baralho.

O que você gostaria de saber sobre seu colega? Pergunta da casa do jogo: cada participante fala do seu maior problema – juntar em dupla e ambos comentam um para o outro o porquê da escolha e dar um exemplo – juntar com outra dupla e dramatizar o problema mais forte ou uma cena em que cada problema seja envolvido.

Foto self do grupo montando uma imagem viva sobre um filme ou novela que represente sua vida/família. (após a imagem fotografada perguntar a cada um porque associou essa imagem à sua vida)

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(sobre relação interpessoal) Cartela com vários emoticons – Jogo do humor/painel temático – pedir pra o aluno marcar três carinhas que representem sua variação de humor em um dia e perguntar por quê. Qual o melhor horário de seu dia, e porque? / Que atividade você gosta de realizar? Porque? (entra no jogo de cartas).

ALFABETO SOLTO: escreva uma palavra que represente a sua família.

Foto 04: Cartela de Emoticons

Fonte: Arquivo pessoal de Katiuscia de Sá, 2014.

Após esse período de diagnose, a rotina de nossas abordagens metodológicas acontecia da seguinte forma: os trabalhos do dia sempre seriam abertos com a aplicação dos PNB’s. A finalidade dos exercícios estava voltada para trazer relaxamento aos educandos, bem como criar um ambiente de

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cumplicidade entre o conteúdo e as emoções dos participantes, para que os mesmos criassem um envolvimento cognitivo com o assunto a ser trabalhado em sala de aula. A diagnose havia-nos revelado a carência de experiências estéticas na vivência desses educandos; a falta de contato maior com os variados tipos de manifestações artísticas e principalmente o fator tensão/estresse em que eles chegavam à sala de aula. Assim, o tema gerador para minhas abordagens focalizou o aconchego, o relaxamento e a busca do estado “aqui agora” dos educandos. E motivada pela falta de espaço, resolvi intercalar apenas a Respiração Celular e a Organização Contralateral, ou seja, o primeiro e o sexto PNB’s, condensando-os da melhor maneira possível para os trabalhos desenvolvidos em sala de aula, que será melhor explicado na próxima sessão.

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4.

O DESPERTAR DA SENSIBILIDADE

4.1.

VIVÊNCIA SOMÁTICA NA EJA

Para que os seis Padrões Neurológicos Básicos (PNB), desenvolvidos por Laban/Bartenieff conforme os estudos de Ciane Fernandes (2006), pudessem ser trabalhados em sala de aula, resolvi adaptá-los da seguinte forma: a) Primeiro adequando as imagens mentais ao conteúdo principal que seria tratado ao longo de toda a intervenção: a história do teatro pelo enfoque da luz. Logo, assim toda figura associada aos movimentos corporais, à lembrança afetiva dos educandos, e à respiração celular, seria sempre acionado pelo foco de luz (seja de fósforo, uma lâmpada, uma vela, um farol de carro, etc.). Esse aspecto do exercício serve como ponte para os assuntos seguintes direcionados pela Prof.ª Ivanilde, conforme nosso conteúdo programático. b) A adequação dos PNB’s se restringiu enquanto à forma de execução dos mesmos, permanecendo, porém, a essência dos princípios funcionais – o conceito. Por exemplo, para o PNB contralateral, os educandos não tendo espaço para executá-lo em deslocamento pela sala, o mesmo era executado no chão apenas, reduzindo o raio de ação dele, sem com isso, desconfigurá-lo de seu original objetivo. Sendo o cruzamento dos hemisférios superior e inferior do corpo trabalhados em alternância, porém, apenas no plano baixo, dando sempre liberdade para que os educandos compreendessem seus corpos e limitação dos mesmos ao executarem o movimento, deixando-os soltos para que cada um encontrasse o caminho para executá-lo. O mesmo aconteceria aos demais PNB’s. Portanto, é mister conhecer a execução dos exercícios originais, para poderem ser executados em escala mais reduzida (ou ampliada), intima (ou expansiva), caso o espaço seja mínimo e impeça o deslocamento (ou conforme o objetivo do educador). O importante é a permanência da utilização das imagens-mentais e dos princípios dos movimentos dos PNB’s em todo caso, bem como a criação de um ambiente aconchegante que gere segurança emocional e sentimento de coletividade nos participantes.

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Deixando claro que são as imagens-mentais que fazem adequação da utilização funcional dos PNB’s para as finalidades pedagógicas dos conteúdos a serem trabalhados pelas matérias de Artes, no caso. Por exemplo, se o assunto estudado pelo professor de Artes for aspectos da dança regional. As imagens mentais e a música que acompanha os exercícios podem estar associadas aos sons, imagens, animal, planta e cheiros locais, e assim por diante. Para o educador que pretenda valer-se da aplicação dos PNB’s como ferramenta didática e de sensibilização no processo de ensino-aprendizagem da disciplina Artes em EJA, deve entender primeiramente a importância e alcance da parte cognitiva dos exercícios para poder extrair o máximo de conexões possíveis com o assunto de seu conteúdo programático. Como explica Fernandes (2006), que o desenvolvimento embrionário do bebê

(ontogenético),

pode

ser

associado

à

evolução

das

espécies

(filogenético), desse modo os primeiros anos de vida a criança move-se de acordo com suas percepções táteis e perceptivas sobre o ambiente, desencadeando um desenvolvimento neuromuscular do simples ao mais complexo, onde o bebê gradativamente sai de sua posição de repouso, transfere seu peso de uma posição à outra (deslizando, se arrastando, engatinhando, levantando a região do tórax do chão, etc., pelo espaço), até manter-se de pé com auxilio de objetos e/ou de adultos. Lembrando que essa evolução dos movimentos não ocorre linearmente. E segundo Hackney (1998), todos nós passamos por estágios de desenvolvimento nos primeiros anos de vida, de modo que se a criança for privada de algum desses estágios, na sua vida adulta haverá o reflexo dessa lacuna, de modo subjetivo aparecerá em suas ações, maneira de falar e pensar, interagir, etc. Nosso organismo humano recebe a ordem fisiológica para completar algumas tarefas de movimento nos primeiros anos de vida [...] sedimentando padrões em todo o organismo, inclusive no sistema neuromuscular [...] e influenciando a capacidade do individuo para ser e mover-se no mundo. Se a pessoa não completou esses padrões corporais o desenvolvimento será impedido. Na progressão dos PNB, cada estágio prévio apoia sublinimarmente cada estágio subsequente. Cada estágio é necessário. Enquanto adultos, é benéfico relembrar cada estágio. Ter disponível as habilidades de cada estágio favorece a integração, isto é, o uso oportuno de acordo

44 com o contexto. (HACKNEY, 1998, p. 42 apud FERNANDES, 2006, p. 56).

Por isso, na fase adulta é interessante revisitar esses padrões, ajudando o indivíduo a resgatá-los na sua memória celular. A seguir os PNB’s originais e sua aplicabilidade nos alunos da EJA, levando em conta os fatores que me nortearam para as adaptações. Esclarecendo que o esquema simbólico adotado para representar os seis PNB’s, conforme o proposto por Ciane Fernandes em seu livro, é oriundo do universo da Dança. O ícone que representa o corpo humano e sua organização (lados, partes, movimentos) é um “oito”, imagem associada à Fita de Möbius (ou Moebius)3, Isto porque todo o corpo estrutura-se física e funcionalmente dentro da Banda de Moebius. Todos os ossos são tridimensionais e neles se poderia facilmente encaixar a figura oito. [...] As estruturas corporais relacionam-se num desenho de figura oito, ligamentos e músculos amarrando-se tridimensionalmente ao redor dos ossos [...] O alinhamento dessas estruturas é também na interdependência da figura oito [...] Na pesquisa em Artes Cênicas, a Banda de Moebius permite um formato cientifico-artistico, em que nem teoria nem a prática se antecipam uma à outra, mas se desafiam e se recriam continua e mutuamente num processo de escrevendançado. (FERNANDES, 2006 p. 29).

1. Respiração Celular: é o movimento de inspiração (enchimento) e expiração (esvaziamento) da célula, atingido através do ato da respiração do individuo. O exercício ocorre no chão, com o sujeito deitado e devidamente relaxado, com os braços e pernas em “X”. Nesse exercício o foco é o todo, sendo que o individuo não tem consciência de suas partes do corpo (inferior e superior; esquerda e direita). Esta respiração está presente nos seres monocelulares e também no bebê, quando ele está no estágio inicial de sua gestação. Este PNB estará sempre presente nos demais.

3

Uma Fita de Möbius ou Banda de Möbius é um espaço topológico obtido pela colagem das duas extremidades de uma fita, após efetuar meia volta numa delas. Deve o seu nome a August Ferdinand Möbius, que a estudou em 1858 [...] tendo em vista a obtenção de um prêmio da Academia de Paris sobre a teoria geométrica dos poliedros. A importância do estudo deste objeto, na época, prendia-se à noção de orientabilidade [...] Möbius introduziu também a noção de triangulação no estudo de objetos geométricos do ponto de vista topológico. (Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fita_de_M%C3%B6bius).

45

A adaptação ocorrida nesse exercício deveu-se ao fato de termos entrado na sala multimeios e visto que estava fora de questão fazer com que os alunos deitassem no chão. Além do que não havia espaço para isso. Muitas carteiras amontoadas no espaço e o chão realmente sujo. A solução foi deixar os alunos sentados nas carteiras o mais confortável possível, descalços, de olhos fechados e com os braços e pernas dispostos ao longo do corpo, para que calmamente Iniciassem o exercício de inspiração e respiração. Sendo que a imagem mental nesse caso era um foco de luz, cuja cor ficava a escolha do educando. O comando era que durante a inspiração, a intensidade da imagem mental da luz e irradiação dela pelo espaço diminuísse. A primeira inspiração do exercício, o comando era para que o ar inspirado trouxesse vida a uma luz imaginada pelo educando. Uma luz que a partir de agora se alojava no interior do corpo do aluno, ou seja, era como se o educando imprimisse força para um foco de luz produzido dentro de si, a partir do centro (região do umbigo), através do movimento da respiração celular. E durante a expiração, essa luz aumentava, irradiava e se propagava para fora, inundando todo o ambiente. O exercício se repetia pelo menos cinco vezes, até o comando final para que o educando, na última expiração, deixasse que a luz imaginária se propagasse por todo ambiente, ligando ele próprio ao exterior do ponto de partida da luz, ou seja, ele próprio e todos os alunos participantes estavam

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conectados entre si e com tudo a sua volta. Os exercícios dos PNB’s aplicados eram acompanhados com a execução de uma música. Atentando para a escolha da melodia, pois ela também influencia o emocional do educando. Normalmente prefiro musica instrumental com bastante incidência de instrumentos como piano, xilofone, violino, intercalando sons da natureza; ou musicas alegres e de temperatura melódica que nos remete à infância, ludicidade. Essa delicadeza fica a cargo do ritmo e construção melódica impressa no compasso musical. Esse ponto também deve ser bastante estudado pelo professor na hora da escolha do acompanhamento musical para execução dos exercícios. 2. Irradiação Central: aqui o sujeito deitado no chão em forma de “X” inspira e expira, e em determinado momento ao expirar, inicia o movimento de encolherse para algum lado (esquerdo ou direito), sendo totalmente motivado pela região umbilical. É o equivalente ao deitar-se de “conchinha”, porém, todo o movimento obedece ao ato de inspirar e expirar sendo irradiado da região umbilical para as extremidades do corpo. O mesmo movimento retorna à posição inicial através do comando da inspiração/expiração. Repetindo tudo para o lado oposto que foi feito.

Não foi possível a utilização deste PNB, devido à falta de espaço adequado disponível.

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3. Irradiação Espinhal ou Cabeça-Cauda/Cóccix: a partir da irradiação central, de bruços o indivíduo concentra-se na cabeça e na parte inferior do corpo, a partir do movimento pélvico. Cada passo do movimento obedece à inspiração e expiração.

Não foi possível a utilização deste PNB, devido à falta de espaço adequado disponível.

4. Homólogo ou Superior-Inferior: aqui é o estagio mais avançado do PNB anterior, porém dando mais ênfase nas partes superior e inferior do corpo, através da inspiração e respiração.

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Não foi possível a utilização deste PNB, devido à falta de espaço adequado disponível.

5. Organização Homolateral: neste PMB, o indivíduo de ainda de bruços estabelece a movimentação ao mesmo tempo de sua parte inferior e superior esquerda, em quanto a parte direita fica em repouso. Depois altera sempre motivado pelo ato de inspirar e respirar.

Não foi possível a utilização deste PNB, devido à falta de espaço adequado disponível.

6. Organização Contralateral: o indivíduo deitado de costas, em movimentos com os lados cruzados: superior direito e inferior esquerdo/ superior esquerdo e inferior direito, executa movimentos, a partir da inspiração e expiração. Esse estágio engloba todos os demais, em maior ou menor grau.

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Aqui a adaptação aconteceu da seguinte forma: os alunos deitados de costas, alternavam a perna direita com o braço esquerdo; e a perna esquerda com o braço direito. Ao final zeravam os movimentos e eu dava um comando para que eles se lembrassem de algum momento feliz em suas vidas e associassem a um foco de luz de determinada cor, cuja intensidade fosse de acordo com a importância da lembrança escolhida.

Foto 05: Exercício contralateral.

Fonte: Arquivo pessoal de Ivanilde Silva, 2014.

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Para a execução deste PNB, escolhi uma musica que remetesse à infância, ludicidade, alegria, leveza. O final do exercício era surpreendente observar o semblante dos participantes. Todos os educandos indistintamente carregavam no rosto uma face serena, um corpo descansado e um leve sorriso pelo fato de terem revisitado uma lembrança feliz. A finalidade principal era que os alunos se abrissem para a experiência lúdica seguinte e se mantivessem conectados com a proposta da aula que seria executada pela professora Ivanilde Silva. As falas dos alunos que se manifestavam espontaneamente ao final de cada encontro, eram semelhantes. Diziam-se mais calmos, tranquilos, relaxados e também atentos a cada etapa, com vontade de estudar e se envolver com o assunto abordado. Outros se sentiam revitalizados. Um dos alunos (foto 5), que chegou depois de ter iniciado este exercício, se juntou aos demais e ao final da aula disse: “eu acho legal esse tipo de abordagem, porque é diferente e mais interessante do que apenas ficar sentado na carteira ouvindo o professor falar”.

Foto 06: Alunos e professora Daniele Queiroz executando o 6º PNB

Fonte: Arquivo pessoal de Ivanilde Silva, 2014.

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Os fatores que concorreram para estas adaptações dos PNB’s foram: a) O tema e abordagens pedagógicas para o conteúdo programático do projeto de intervenção; b) O fator interdisciplinaridade; c) O espaço físico da escola “Duque de Caxias”; d) A realidade socioeconômica e afetiva dos educandos;

Ao analisar a execução dos exercícios, percebi que a abordagem somática proporcionava transversalmente a experiência estética aos alunos, e a abordagem utilizada pelas professoras Ivanilde e Danielle davam margem para a experiência artística na vivência dos educandos. A primeira proporciona ao aluno uma via de acesso a informações sutis ao tocante da alma, no campo dos sentidos, informações que seriam impossíveis de se alcançar por outras vias, senão esta. Quando, no exercício somático o sentimento, a sensação corporal e imaginativa é tocada em algum grau, mexendo com os campos cognitivos do educando através da lembrança com a imagem-luz (que foi solicitada nos exercícios aplicados) é “materializada” juntamente com o gesto executado por ele durante os exercícios, o aluno estabelece um laço afetivo não só com o ambiente mútuo que está sendo criado por eles com a participação de todos a sua volta, como também constrói coletivamente o conceito de arte e de cultura quando participa dos exercícios e discussões da professora Ivanilde Silva e Daniele Queiroz. Desse modo a imagem-luz sai da condição puramente simbólica, para que o aluno transforme essa imagem mental em algo tangível em seu próprio corpo. Através do movimento percebidos pelos sentidos, o “pensar” estabelece a conexão para alguma experiência estética imediata, isto acontece normalmente porque A experiência estética amplia a operação expressiva do corpo e a percepção, afinando os sentidos, aguçando a sensibilidade, elaborando a linguagem, a expressão e a comunicação. Considerando o pensamento de sua época, os primeiros cinquenta anos do século XX, Merleau-Ponty diz que o mundo sensível e o mundo da expressão afetam o ser e a subjetividade, mas o ser humano ainda é definido pelo seu poder de atribuir significados, apelando-se à consciência. Para o filósofo, o caminho do mundo sensível ao mundo da expressão caracteriza-se como uma trajetória perceptiva, na qual a motricidade e

52 as funções simbólicas não estão separadas pelo entendimento, mas entrelaçadas na reversibilidade dos sentidos, na dimensão estética. (NÓBREGA, 2008, pg. 147).

Então, essa ‘informação simbólica’ (no caso, a imagem-luz) é reconhecida por todo o corpo do sujeito, partindo primeiramente da percepção sensível (da alma) para o concreto, o ‘aqui agora’ em sala de aula. Justifico a importância de proporcionar ao aluno, não só da EJA, mas qualquer educando, a experiência estética em sala de aula, pelo fato dela equilibrar na vivência dele, meios para o desenvolvimento humano, sensível e emocional, em contrapartida aos aspectos econômicos e competitivos inerentes ao ‘currículo oculto’ e padronizado, existente no modelo de ensino público regular da atualidade em termos de Brasil, onde se observa que o foco central é somente a formação profissional do ser humano como mão-de-obra capaz de competir, produzir e contribuir monetariamente para a manutenção e crescimento do sistema capitalista vigente, em detrimento a uma educação sensível do sujeito, onde a ele não são dadas ferramentas para o desenvolvimento de sua inteligência emocional. E para nós esse era o tocante, como explica a professora Ivanilde Silva, em entrevista: Quando a gente vai pensar na disciplina, eu penso muito: o currículo pede isso, mas eu quero trabalhar essa outra face, que é a sensibilização. Pra mim é muito mais importante que ao final da disciplina os alunos possam ao menos estabelecer essa conexão interdisciplinar que no currículo comum é negada, devido ao mecanicismo com o qual ela é trabalhada em sala de aula. Nesse sistema tu acabas não trabalhando a criatividade, tu acabas não fomentando a relação interdisciplinar e interpessoal entre eles, porque eu tenho um currículo que eu tenho que cumprir e o aluno tem que aprender aquilo, não abre espaço para que ele possa experimentar outras coisas.

A professora continua seu comentário, agora em relação aos exercícios aplicados: Quando eu olho para o exercício com o olhar da Educação Somática, eu olho para o individuo como um ser inteiro. Foi essa a diferença que deu um salto no nosso trabalho. Isso aconteceu a partir da segunda experimentação. No primeiro momento eles ainda estavam assim, reconhecendo a gente, estabelecendo aquele primeiro momento. Eu acho que da segunda experiência eu senti eles mais participativos e a gente conseguiu perceber isso mais profundamente, que o exercício da Educação Somática foi mexendo mais profundamente com eles.

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Mediante estes relatos, não digo que a finalidade do modelo regular educacional do Brasil seja de todo ruim, porém descompensada quando se deixa de lado e/ou não se abre espaços para a fruição da subjetividade do individuo. Isso gera em longo prazo, pontos de angustias; sentimentos reprimidos; depressões aparentemente ‘inexplicáveis’; isolamento; síndrome do pânico; agressividade; vícios; intolerância racial/religiosa; comportamentos explosivos que agravam a violência social, etc. (as chamadas doenças da alma). Exemplos não faltam. Muitas vezes a sociedade se depara com surpreendentes histórias protagonizadas por pessoas abastadas e “bem de vida”, que teve educação em escolas caras; que tem um excelente emprego; produz renda; é engajado na sociedade, têm um bom padrão de vida, etc..., porém, é infeliz ou esboça algum tipo de angústia ou desequilíbrio emocional que não sabe explicar. Temos exemplos contundentes nos Estados Unidos de jovens que por não saberem lidar com essas pressões sociais “invisíveis” inerentes ao sistema, compram uma arma pela Internet, invadem espaços públicos e se voltam contra a sociedade, justamente por não saberem dialogar ou expor essas angústias para serem trabalhadas e superadas de forma sadia. No Brasil também há exemplos. O que dizer do comportamento do casal de classe média alta que compactuou em jogar a filhinha de quatro anos pela janela do sexto andar, pelo fato de não saberem lidar com um acidente doméstico, onde a madrasta bateu na criança de forma a deixá-la desacordada. Achando que pudesse ter matado a menina, a moça então teve a ideia de jogá-la pela janela do apartamento simulando um acidente onde eximiria sua culpa? Que tipo de pensamento/comportamento é esse, se questionarmos a falta de inteligência emocional na madrasta “bem de vida” que teve meios para uma ‘boa educação’? Onde estão os chamados valores morais? O senso da preservação pela vida? A educação ecológica? A ética? A educação emocional? Esse é um dado considerável na atualidade, muito discutido quando levantamos

os

resultados

quantitativos

e

qualitativos

referentes

ao

desenvolvimento per capta do País. Esses dados ocultam as mazelas sociais geradas por um modelo de sociedade altamente competitivo, deixando de lado

54

o acesso e compreensão da importância da qualidade de vida como manutenção do bem-estar emocional da população. Esse fator pode ser corrigido e/ou resgatado através da experiência estética, onde o individuo invoca sua sensibilidade como um meio de pensar-sentir os problemas sob outro prisma, que não apenas o da competitividade, do medo, da intolerância. Aqui se abrem precedentes para a compreensão holística comentada na segunda sessão. E justificando que qualidade de vida não está somente em possuir bens materiais e meios para usufruí-los; está também na manutenção sadia da psique humana, fazendo o individuo compreender seu direito e importância ao acesso à cultura e lazer, para seu desenvolvimento como cidadão capaz de dialogar com o sentido do Belo, tanto no âmbito individual quanto no sentimento ecológico, contribuindo para a formação moral dele próprio e coletivo, em saber dar o devido valor ao aspecto humano ao invés às coisas materiais. Compreender que o “ser” é mais importante do que o “ter”. Como o tema do conteúdo trabalhado foi “Ensino e aprendizagem do teatro a partir da experiência com a luz”, idealizado pela Prof.ª Ivanilde Silva, elaborei todo o esquema das imagens mentais que seriam geradas a partir dos exercícios somáticos, para estarem ligados a esse assunto. Desse modo os estímulos sensórios dos exercícios acionariam a cognição dos alunos para o momento em que Prof.ª Ivanilde introduzisse o conteúdo. Contudo, esse raciocínio e abordagem em sala de aula não é muito abordado, de acordo com o relato de professora Daniele: No primeiro momento pra mim foi difícil. Eu não sabia o que era, nunca tive contato com a Educação Somática. Não conhecia, não tinha nenhuma referencia. Eu aprendi junto com os alunos, apesar de ter lido um pouco do material que você mandou, mas uma leitura breve. O que eu posso dizer é a partir da vivência, foi uma coisa surpreendente. Observar um outro campo que era distante da minha realidade e que se aproximou em vários momentos do conteúdo do tema que a gente fez em sala de aula, e que a meu ver contribuiu grandemente pra gente construir, digamos assim, seria mais um tijolinho no muro que a gente quer construir. É mais uma peça que juntando com as outras, vai fazer uma construção bem bacana, uma coisa bem bonita. Eu acho que a percepção deles (alunos) foi próxima do que eu também tive. Foi essa surpresa do descobrimento da Educação Somática. Quando a gente chegou com a proposta da intervenção, de se trabalhar com três pontos (o Cinema, o Teatro e a Educação Somática), eles ficaram muito impactados e surpresos, perguntando “mas isso também é Arte?” Isso também é Arte. Acabou

55 que foi muito positivo o resultado porque isso motivou muito esses alunos, incentivou bastante eles participarem, instigou, aguçou a curiosidade deles e fez com que eles quisessem estar ali naquele momento.

Portanto, a escolha pela utilização dos seis Padrões Neurológicos Básicos (PNB), desenvolvidos por Laban/Bartenieff conforme os estudos de Ciane Fernandes (2006), para serem trabalhados em sala de aula durante esta intervenção junto aos alunos de EJA, esboça-se como uma estratégia pedagógica diferente, que privilegia corporeidade e a sensibilidade como via de aprendizagem envolvente, para que o educador promova o protagonismo do educando, onde este possa compreender-se também como um construtor do conhecimento em sala de aula, através de uma vivencia estética combinada com uma experiência lúdica e sensório-cognitiva. Posso concluir que os seis PNB’s são flexíveis de ser adaptados e levados para dentro da sala de aula do ensino regular da EJA, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem da disciplina Artes tanto para a vivência dos professores quanto dos alunos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Através desse processo de intervenção pedagógica, conclui que o ato de aprender (ensinar; aprender a ensinar; ensinar aprendendo; aprender ensinando) está em constante movimento de (des)/(re)construção onde o educador deve aproveitar toda informação do universo do aluno para trazê-lo para perto do conhecimento que está dentro dele próprio; oferecer ferramentas ao educando para ele conseguir exprimir suas ideias e sentimentos acerca do conteúdo estudado em sala de aula; favorecer a construção de um ambiente de afeto intelectual e social para que todos possam participar conforme suas individualidades e características próprias de expressão e assimilação, pois cada sujeito é um universo de possibilidades, de diálogo, de experiência para si e para o outro dentro do processo de ensino-aprendizagem. Cada sujeito é um agente ativo-reflexivo no ambiente escolar, o que para uma abordagem que envolve conteúdos de Artes, é de fundamental importância para se estabelecer links e insights conforme o próprio caráter interdisciplinar que o circunda, pois quando Merleau-Ponty Reforça a teoria da percepção fundada na experiência do sujeito encarnado, do sujeito que olha, sente e, nessa experiência do corpo fenomenal, reconhece o espaço como expressivo e simbólico. A teoria da percepção em Merleau-Ponty (1945/1994) também se refere ao campo da subjetividade e da historicidade, ao mundo dos objetos culturais, das relações sociais, do diálogo, das tensões, das contradições e do amor como amálgama das experiências afetivas. Sob o sujeito encarnado, correlacionamos o corpo, o tempo, o outro, a afetividade, o mundo da cultura e das relações sociais. (NÓBREGA, 2008, p. 142).

E justamente esse caráter deve ser observado com especial atenção, pois ao se falar sobre a dificuldade de planejamento para trabalhar com o “público flutuante” da EJA com esse tipo de abordagem/dinâmica, é fazer valerse da sensibilidade de observação (e trabalho) em sala de aula considerando os diferentes níveis de dificuldades e assimilação que uma turma de EJA apresenta ao educador, para que este profissional encontre meios para adequação dos comandos aos alunos com necessidades especiais (se houver), com o cuidado de promovê-lo, juntamente com os demais, como protagonista dentro e fora da sala de aula.

57

Para tanto aponto os seguintes resultados obtidos junto aos alunos da EJA com esse tipo de abordagem apresentado neste trabalho: o corpo sensorial e físico dos alunos em alerta voltados para a participação em todo o decorrer da aula; formação de laço afetivo e atenção ao conteúdo estudado; construção de elo entre o cotidiano do aluno com o conteúdo trabalhado em sala de aula; maior interesse e envolvimento do educando junto ao conteúdo trabalhado em sala de aula; participação verbal nos debates do conteúdo ao final da aula como o processo de avaliação diária. Esses pontos alcançados junto aos alunos da EJA perpassam os aspectos que são amplamente promovidos em Somática, enquanto pesquisa educativa realizada pelo professor investigador que transita nesse campo de estudos teórico-prático, conforme palavras de Schwandt, citado por Sylvie Fortin (2005): Seres humanos não encontram ou descobrem o conhecimento, mas geralmente o constroem. Inventam conceitos, modelos, esquemas para termos sentido da experiência e continuamente testamos e modificamos essas construções à luz de novas experiências. (Schwandt, 200, p. 197 apud: FORTIN, 2005, p. 11).

Desse modo, pode-se inferir que o conhecimento somático é “o conhecimento sensível de si próprio que se desenvolve conduzindo a uma consciência que permite estabelecer relacionamentos mais significativos com o mundo” (Heshusius, 1994 p. 18 apud: FORTIN, 2005, p. 14). Para mim, esta é a importância maior que a Educação Somática deixou-me como legado, e que procuro sempre adotar nas diversas situações de meu cotidiano. Falar em Somática é falar de uma mudança estrutural profunda que o ser humano é convidado a experimentar. As práticas Somáticas nos oferecem caminhos para uma vida mais integral, saudável, em equilíbrio, em conexão com nosso interior (sentimentos) dialogando com o exterior (ações), nos permitindo escolher viver cedendo aos níveis de pressão social ou não. Eu escolhi viver em equilíbrio, e a Somática me ensinou que equilíbrio é algo flexível, em permanente mudança, e compartilhar com demais indivíduos esse pensamento e atitude perante a vida, também é uma escolha generosa e consciente.

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APÊNDICES

a) Plano de Aula – Projeto de Intervenção Pedagógica: “Ensino e aprendizagem do teatro a partir da experiência com a luz” Escola: DUQUE DE CAXIAS (Marambaia/Belém-PA) Professoras: Daniele de Queiroz Cardoso Ivanilde Santos da Silva Katiuscia de Sá Período: 02/06 á 30/06/2014 TEMA: Luz, Câmera, Ação.

OBJETIVOS: Objetivo geral: Proporcionar ao aluno da EJA a associação dos conhecimentos provenientes do campo Teatral, Cinematográfico e da Educação Somática para despertar a sensibilidade estética e contribuir para o processo de ensino-aprendizagem, a partir de experimentações sensório-cognitivas. Objetivos Específicos:  Estimular o maior entrosamento imaginativo e sensível durante os exercícios propostos pela educação somática.

   

Realizar experimentos com luz estimulando a sensibilização estética associada ao ensino da luz no teatro. Estimular o desenvolvimento das habilidades de observação, percepção e criação dos educandos. Relacionar o experimento ao estudo da história da iluminação no teatro e da fotografia no cinema. Registrar as sensações observadas acerca dos processos desencadeados pelas atividades desenvolvidas. 1º Dia 02/06/2014

DESENVOLVIMENTO DO TEMA: Atividades: Acolhida dos educandos fora da sala de trabalho, repasse de informações sobre o projeto de mediação pedagógica, objetivos, características do projeto. RESPIRAÇÃO CELULAR

61 EXPERIMENTO LUZ - Luz de fósforo. VÍDEO SOBRE PRINCÍPIOS DA FOTOGRAFIA Roda de conversa: Contar um pouco da nossa experiência individual, o que nos juntou e reforçar os objetivos do projeto. Sentir a turma como está recebendo as primeiras atividades. Jogo de sensibilização: Divisão de grupos. Orientar que cada grupo escolha objetos pessoais. Orientar a manipulação do objeto e sua ressignificação em cena. Individual e coletiva.

RECURSOS DIDÁTICOS: Colchonete, palito de fósforo, Televisão e Dvd

AVALIAÇÃO: Todos constroem um painel com uma trilha. Cada dia a gente pode pedir que os educandos escrevam palavras, desenhos, frases que marcaram, coisas que aprenderam em cada quadro da trilha. Podemos depois transformar as atividades realizadas num jogo de trilha onde os quadros serão os tópicos trabalhados. OBS: Solicitar que tragam latas para a experimentação do 2º dia. 2º dia 09/06/2014

TEMA: Na trilha da Arte

OBJETIVOS: Objetivo geral: proporcionar ao aluno da EJA a associação dos conhecimentos provenientes do campo Teatral, Cinema e da Educação Somática para despertar a sensibilidade estética e contribuir para o processo de ensino e aprendizagem, a partir de experimentações sensório-cognitivas. Objetivos Específicos:    

Sensibilizar os educandos ao seu processo de reeducação espacial interno ajudando na associação e assimilação do dispositivo a ser estudado durante toda a oficina. Estabelecer o contato com a luz e a sombra e reconhecê-las como instrumento na construção de cenas, através de sua manipulação. Relacionar o Experimento Luz ao estudo da história da iluminação no teatro. Estimular o contato interpessoal a partir da apropriação das técnicas propostas (jogos teatrais e luz)

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DESENVOLVIMENTO DO TEMA: IRRADIAÇÃO CENTRAL REALIZAÇÃO DO EXPERIMENTO LUZ (luz de velas) ASSISTIR AO VÍDEO DO “Momix”

RECURSOS DIDÁTICOS: Colchonete, cabos de extensão, objetos iluminantes, lanternas, led’s, celular com lanterna, brinquedos com luz, velas, isqueiro, Televisão e Dvd.

AVALIAÇÃO: Numa roda de conversa lúdica e descontraída vamos propor que os alunos atribuam suas notas, que tentem expressar isso corporalmente, de modo que a turma e as professoras tentem adivinhar o que o colega está tentando dizer. OBS:  

Orientar que os educandos tragam objetos e peças de figurino para a atividade do 3º dia (lenços, chapéus, roupas, óculos, acessórios, etc) Solicitar que tragam objetos iluminantes, lanternas, led’s, celular com lanterna, brinquedos com luz, velas, isqueiro, etc

3º dia 16/06/2014

TEMA: Pantomima X oralidade

OBJETIVOS:

Objetivo geral: proporcionar ao aluno da EJA a associação dos conhecimentos provenientes do campo Teatral, Cinema e da Educação Somática para despertar a sensibilidade estética e contribuir para o processo de ensino e aprendizagem, a partir de experimentações sensório-cognitivas.

63 Objetivos Específicos:



Apresentar o funcionamento e a estrutura interna do cinema e do teatro, construindo um vocabulário técnico sobre as duas categorias artísticas.



Explorar as múltiplas ressignificações do objeto luz preparando-os para as diversas situações de improviso, que irão lhe aparecer na prática.



Manipular os objetos nas experimentações cênicas.



Estimular a partir do objeto luz a criatividade dos jogadores na elaboração e experimentação de cenas livres.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA: CABEÇA-CAUDA ou Corpo em Organização Espinhal

ASSISTIR AO VÍDEO DO GRUPO “Etc e Tal”

REALIZAR O EXPERIMENTO LUZ - manipulando luz em cena

RECURSOS DIDÁTICOS: Colchonete, cartolinas, barbante, tarjetas adesivas, cabos de extensão, objetos iluminantes, lanternas, led’s, celular com lanterna, brinquedos com luz, velas, isqueiro, Televisão e Dvd.

AVALIAÇÃO: Momento “confort”: Se a turma se sentir à vontade para fazer uma avaliação da atividade através que foi trabalhado, será bem legal, assim, eles colocam em prática o jogo feito no momento anterior, podemos então avaliar como cada um se sai e se comporta, observaremos a disponibilidade dos alunos para com a oficina. Eles podem também atribuir avaliação aos colegas, se assim acharem que já têm condições de fazê-lo.

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4º dia 23/06/2014

TEMA: O Artista que mora em Nós

OBJETIVOS: Objetivo geral: proporcionar ao aluno da EJA a associação dos conhecimentos provenientes do campo Teatral, Cinema e da Educação Somática para despertar a sensibilidade estética e contribuir para o processo de ensino e aprendizagem, a partir de experimentações sensório-cognitivas. Objetivos Específicos: 

Estimular a turma a encenar esquetes, cenas curtas.



Explorar o improviso e a aptidão natural de cada aluno para que ele se sinta confortável na atividade proposta

DESENVOLVIMENTO DO TEMA:

RESPIRAÇÃO HOMÓLOGA ou Superior-Inferior Vídeo “Açaí com Jabá” ou “Brega S/A” Atividade: Teatro-Jornal

RECURSOS DIDÁTICOS: Colchonete, cartolinas, barbante, tarjetas adesivas, cabos de extensão, objetos iluminantes, lanternas, led’s, celular com lanterna, brinquedos com luz velas, isqueiro, Televisão e Dvd.

AVALIAÇÃO: A turma pode usar o tetro do oprimido para atribuir sua própria nota e para

65 o colega; ele também pode contestá-la.

5º dia 25/06/2014

TEMA: Vamos fazer um filme?

OBJETIVOS: Objetivo geral: proporcionar ao aluno da EJA a associação dos conhecimentos provenientes do campo Teatral, Cinema e da Educação Somática para despertar a sensibilidade estética e contribuir para o processo de ensino e aprendizagem, a partir de experimentações sensório-cognitivas Objetivos Específicos: 

Estimular a turma a construir seu próprio processo, apresentar o funcionamento e a estrutura interna do cinema e do teatro, construindo um vocabulário técnico sobre as duas categorias artísticas.



Explorar as múltiplas ressignificações do objeto luz preparando-os para as diversas situações de improviso, que irão lhe aparecer na prática.

DESENVOLVIMENTO DO TEMA: RESPIRAÇÃO HOMOLATERAL CONSTRUIR: um Flip book4, um taumatrópio5 ou uma câmera obscura6 para observação.

4

Flip Book consiste em desenhar em sequência objetos que tenham gradual variação de movimento, a intenção é que se consiga dar movimento ao desenho. 5

Câmera obscura, experimento que observa e como funciona uma câmera fotográfica por dentro, podemos observar como se dá o processo de impressão da imagem no papel. Exatamente como uma câmera fotográfica. 6

Taumatrópio Objeto de duas feces que tem a função de enganar a vista, com um desenho em cada lado do papel e guiado por um barbante, se tem a sensação de que o que está no desenho se movimenta.

66 JOGOS TEATRAIS MOBILIZADORES DE DRAMATIZAÇÃO. Jogos cantados, Jogo do balão7, Jogo “A grande viagem” 8, Jogo construindo a cena9. Construção de vídeos.

AVALIAÇÃO: A turma Decidirá como será feita a avaliação final

7

Cada um recebe um balão depois de enchê-lo todos jogam o balão ao alto e deve-se mantê-lo no alto o maior tem possível, enquanto isso cada um resgata uma memória de uma situação significativa da semana. 8

ao som da música, seguir o comando do educador com situações e características de personagens, climáticas e sentimentais, realizar as representações individualmente, em duplas e em grupo; Para se seguir na viagem é preciso realizar as ações solicitadas pelo educador. 9

Em grupo, se escolhe um tema e propõe a realização de uma cena com a construção de quadros, um entra e monta um quadro(uma posição, ou diz uma fala, um trecho de poesia...), o próximo entra e continua a cena buscando dar sentido e coerência ao tema.

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b) Bandeira Pessoal (método de diagnose)

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