O Dever de Motivação das Decisões Judiciais

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Sumário

Prefácio .................................................................................................... 19 – Flávio Luiz Yarshell Apresentação .................................................................................................. – Eduardo Talamini Introdução §1º Delimitação do tema.............................................................................. §2º Desenvolvimento da obra ................................................................... §3º Nomenclatura adotada: motivação x fundamentação ............ Capítulo I Estado de direito, segurança jurídica e processo ...................... 1. Estado de Direito e o controle do poder estatal .......................... 1.1. As origens do Estado de Direito moderno: proteção da liberdade, jusnaturalismo e segurança jurídica ........... 1.2. A ascensão do positivismo radical e o esvaziamento do conceito do Estado de Direito.............................................. 1.3. O desenvolvimento do rule of law na Inglaterra do século XIX ..................................................................................... 1.4. A retomada do conteúdo substancial do Estado de Direito após a Segunda Guerra Mundial e o declínio da expressão ...................................................................................... 1.5. Estado de Direito formal e Estado de Direito substancial ......................................................................................... 1.6. As críticas ao Estado de Direito................................................. 1.6.1. Expressão inútil e pleonástica ...................................... 1.6.2. Pluralidade de significados: expressão meramente retórica .................................... 1.7. O “conteúdo mínimo” do Estado de Direito: proteção da liberdade e da segurança jurídica ...................................... 2. A segurança jurídica: atributo e finalidade do Estado de Direito......................................................................................................

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2.1. A trilogia dos objetivos do Direito: segurança jurídica, justiça e progresso social ............................................................. 2.2. Segurança jurídica pelo Direito e segurança jurídica do Direito ............................................................................................ 2.3. Ainda sobre as relações entre segurança jurídica e justiça ................................................................................................ 2.4. O conceito de segurança jurídica .............................................. 3. A jurisdição e o processo no Estado de Direito: o devido processo legal .......................................................................... 3.1. O processo como instrumento de racionalização do poder .............................................................................................. 3.2. Processo justo e devido processo legal ..................................

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Capítulo ii O dever de motivar as decisões judiciais como garantia inerente a um Estado de Direito .......................................................... 77 1. O dever de motivar as decisões judiciais ........................................ 77 1.1. Conceito ............................................................................................... 78 1.2. A natureza normativa do dever de motivação .................... 80 1.2.1. A obrigatória motivação das decisões judiciais é uma “regra” jurídica....................................................... 80 1.2.2. A importância de se conceber o dever de motivação como regra, e não como princípio ........ 85 1.2.3. A imponderabilidade do dever de motivação ........ 87 2. A consolidação do dever de motivação como garantia fundamental após a Revolução Francesa e panorama contemporâneo ......................................................................................... 88 2.1. Controvérsia sobre a motivação das decisões judiciais no Direito Romano e seu suposto papel de controle da atividade judicial em relação à aplicação das leis imperiais ............................................................................. 90 2.2. A inexistência de motivação das decisões germânicas ... 94 2.3. A formação de uma jurisprudência dos tribunais europeus medievais ....................................................................... 96 2.4. A recomendação de que o juiz, por prudência, não deveria motivar suas decisões .......................................... 98 2.5. O declínio da motivação das decisões judiciais no início do absolutismo e seu renascimento no Século XVI..................................................................................... 100

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2.6. A contribuição da Revolução Francesa para o dever de motivar as decisões judiciais..................... 2.6.1. O período francês pré-revolucionário ....................... 2.6.2. O legado da Revolução Francesa.................................. 2.7. A influência imediata dos ideais revolucionários na motivação das decisões judiciais no Século XIX........... 2.8. Panorama atual ................................................................................ 3. Motivação das decisões judiciais e Estado de Direito ............... 3.1. A legitimação da atividade jurisdicional ............................... 3.2. O controle da atividade jurisdicional ...................................... 3.2.1. Controle em relação aos fatos: livre convencimento racional e motivado à luz dos autos ..................................................................... 3.2.2. Controle em relação ao Direito..................................... 3.2.3. O controle das decisões judiciais pelas partes e pelos tribunais ................................................................. 3.2.4. O controle das decisões judiciais pela sociedade ... Capítulo III Ainda sobre as relações entre motivação das decisões judiciais e Estado de Direito: natureza, estrutura e conceito .................................................................................... 1. A natureza declaratória da motivação das decisões judiciais... 1.1. A motivação das decisões judiciais possui natureza declaratória e retrospectiva ........................................................ 1.2. Sobre as teorias de que o juiz cria o Direito ........................ 1.2.1. Teoria interpretativa: críticas ....................................... 1.2.2. Teoria mista: críticas ........................................................ 1.2.3. Teoria da eficácia vinculante dos precedentes: críticas ......................................................... 2. A estrutura da motivação das decisões judiciais: o silogismo judicial e a argumentação jurídica............................ 2.1. O modelo lógico-dedutivo............................................................ 2.2. As críticas ao modelo lógico-dedutivo e o desenvolvimento de modelos “antiformalistas” ................ 2.2.1. O modelo indutivo ............................................................. 2.2.2. A inaptidão do modelo indutivo como modelo de raciocínio judicial ......................................................... 2.3. O modelo argumentativo .............................................................

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2.3.1. A teoria standard da argumentação judicial .......... 2.3.2. A teoria de Jerzy Wróblewski – justificação interna e a justificação externa da motivação........ 2.3.3. A teoria de Neil MacCormick – necessária conciliação entre o Estado de Direito e a argumentação jurídica .............................................. 2.3.4. A teoria de Robert Alexy – as regras do discurso prático e do discurso jurídico ....................................... 2.3.5. A teoria de Aulis Aarnio – racionalidade e aceitabilidade da motivação....................................... 2.4. A conjugação entre lógica e argumentação: as teorias de Ricardo Luis Lorenzetti e Pierluigi Chiassoni ............... 2.4.1. A teoria de Ricardo Luis Lorenzetti – diferentes modelos para a decisão de casos fáceis e casos difíceis ..................................................................... 2.4.2. A teoria de Pierluigi Chiassoni – a reconstrução silogística da argumentação judicial.......................... 2.5. Lógica e argumentação: a estrutura da motivação das decisões judiciais .................................................................... 3. A motivação das decisões judiciais: exposição e justificação – o referencial do Estado de Direito ..................... 3.1. A motivação é uma exposição de razões ............................... 3.2. A motivação é uma justificação formal do exercício da atividade jurisdicional ............................................................ 3.3. Sobre a dissociação entre a motivação e as razões de decidir ........................................................................................... 3.3.1. A motivação não é a justificação de uma decisão intuititva ................................................................ 3.3.2. Críticas à teoria de que a motivação é uma fonte de indícios – a racionalidade e a aceitabilidade da motivação ........................................................................ 3.3.3. A motivação e as razões de decidir – a regra da sinceridade ..................................................

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Capítulo IV Delineamentos processuais do dever de motivação ................ 207 1. O dever de motivação como instrumento de realização de garantias processuais ....................................................................... 207

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1.1. Motivação das decisões judiciais, contraditório e ampla defesa .................................................................................. 1.2. Inércia jurisdicional e princípio dispositivo ........................ 1.3. Poder de ação e pluralidade de demandas ........................... 1.4. Coisa julgada...................................................................................... 1.5. Duplo grau de jurisdição .............................................................. 1.6. Imparcialidade do órgão julgador ............................................ 2. Requisitos mínimos do dever de motivação ................................. 2.1. Clareza ................................................................................................. 2.2. Coerência ............................................................................................ 2.3. Completude ........................................................................................ 2.3.1. Completude fática .............................................................. 2.3.2. Completude jurídica.......................................................... 2.3.3. Ainda sobre o entendimento de que o juiz não precisa se manifestar a respeito de todas as alegações das partes: críticas e a disciplina do NCPC ..................................... 2.3.4. A completude da motivação e as decisões sujeitas a recursos ............................................................. 2.3.5. A motivação implícita ....................................................... 2.4. A motivação per relationem e a motivação aliunde .......... 3. Decisões imotivadas, decisões mal motivadas e suas consequências ............................................................................................ 3.1. As decisões judiciais e os planos da existência, validade e eficácia: considerações iniciais ........................... 3.1.1. Plano da existência ............................................................ 3.1.2. Plano da validade ............................................................... 3.1.3. Plano da eficácia ................................................................. 3.1.4. Decisões judiciais inexistentes, nulas e ineficazes ............................................................................ 3.2. Decisões inexistentes por “falta de motivação” ou motivação incongruente ........................................................ 3.2.1. Inexistência por “falta de motivação” ........................ 3.2.2. Inexistência por incongruência entre a motivação e a causa de pedir ......................... 3.3. Decisões nulas por falta de motivação ou motivação inadequada ............................................................ 3.4. Meios de ataque à decisão imotivada ou mal motivada....

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Capítulo V Motivação das decisões judiciais e segurança jurídica: a formação dos precedentes e a ratio decidendi......................... 1. Motivação das decisões judiciais e segurança jurídica: o precedente judicial ............................................................................... 1.1. A segurança jurídica como fundamento básico do respeito aos precedentes ....................................................... 1.1.1. A estabilidade do Direito ................................................ 1.1.2. A previsibilidade do Direito: sistematicidade e coerência ............................................................................ 1.1.3. Segue: homogeneidade .................................................... 1.1.4. Segue: acessibilidade ........................................................ 1.2. O conceito de precedente judicial ............................................ 1.2.1. Precedentes são razões ................................................... 1.2.2. Precedentes não são razões fáticas ............................ 1.2.3. Precedentes são razões jurídicas de uma decisão: o atributo da universalidade ....... 1.2.4. Precedentes são razões jurídicas determinantes ao dispositivo da decisão: a ratio decidendi ............ 1.2.5. A relevância das razões jurídicas da decisão e o conceito de precedente............................................. 1.2.6. Os precedentes e o caso concreto ............................... 1.2.7. Os precedentes e a motivação implícita ................... 1.3. A eficácia dos precedentes ......................................................... 1.3.1. Precedentes obrigatórios: a regra do stare decisis ..................................................................... 1.3.2. Precedentes persuasivos................................................. 1.3.3. Precedentes verticais ....................................................... 1.3.4. Precedentes horizontais.................................................. 2. A ratio decidendi e o obiter dictum na motivação das decisões judiciais .............................................................................. 2.1. A importância da distinção ......................................................... 2.2. Teorias elaboradas para distinguir a ratio decidendi do obiter dictum ............................................................................... 2.2.1. O teste de Eugene Wambaugh ...................................... 2.2.2. A desconsideração da motivação jurídica e os fatos materiais de Arthur Goodhart .................. 2.2.3. A ratio decidendi prescritiva e a ratio decidendi descritiva de Julius Stone ................................................

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2.2.4. Ratio decidendi como razão jurídica necessária ou suficiente – as propostas de Rupert Cross e de Neil MacCormick ....................................................... 2.2.5. O conceito de Michael Abramowicz e Maxwell Stearns .............................................................. 2.2.6. A adequação da ratio de decidendi à realidade brasileira por Luiz Guilherme Marinoni – solução de questões e não de casos ........................ 2.2.7. A proposta de Pierluigi Chiassoni – a necessária reconstrução silogística da decisão judicial para a determinação das rationes decidendi........... 2.2.8. Observações conclusivas.................................................. 2.3. O obiter dictum .................................................................................... 2.4. A não aplicação de um precedente: a distinção (distinguishing) ................................................................................ 3. A experiência brasileira ........................................................................ 3.1. As súmulas ......................................................................................... 3.1.1. Conceito.................................................................................. 3.1.2. As Súmulas e a doutrina de precedentes: os enunciados sumulares são rationes decidendi............................................................... 3.2. A Súmula vinculante ...................................................................... 3.3. Decisões monocráticas amparadas em entendimento jurisprudencial consolidado e “súmula impeditiva de recursos” ....................................................................................... 3.4. Os “recursos repetitivos”.............................................................. 3.5. O efeito vinculante dos acórdãos prolatados em controle concentrado de constitucionalidade........................ 3.5.1. Eficácia vinculante de decisão proferida em ADPF...................................................................................... 3.5.2. A “objetivação” do controle de constitucionalidade difuso e a da transcendência dos motivos determinantes .... 3.6. Resolução liminar de demandas repetitivas: o art. 285-A do CPC/73 e o NCPC .............................................

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Capítulo VI A motivação das decisões judiciais e a proteção da confiança legítima do jurisdicionado ........................................ 323

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1. O princípio da proteção da confiança legítima ............................ 1.1. Conceito ............................................................................................... 1.2. Origem.................................................................................................. 1.3. Fundamentos .................................................................................... 1.3.1. Confiança legítima e segurança jurídica objetiva .. 1.3.2. Boa-fé ....................................................................................... 1.4. A eficácia normativa do princípio no Brasil – o art. 927, §4º, do NCPC ........................................................... 1.5. Pressupostos de aplicação do princípio da confiança ..... 1.5.1. O fundamento da confiança ........................................... 1.5.2. A confiança legítima ......................................................... 1.5.3. O exercício da confiança .................................................. 1.6. A violação do princípio da confiança (a frustração da confiança) ..................................................................................... 2. A jurisdição e a violação da confiança legítima do jurisdicionado ...................................................................................... 2.1. Os precedentes judiciais como fundamento da confiança ....................................................................................... 2.1.1. Dois exemplos de violação da confiança do jurisdicionado pela jurisdição ................................ 2.2. Sobre a natureza da atividade jurisdicional e a (ir)retroatividade da jurisprudência ............................... 2.3. Mudança jurisprudencial, evolução do Direito e confiança legítima do jurisdicionado .................................. 2.4. Requisitos para que os precedentes sirvam como fundamento da confiança ................................................ 2.4.1. A eficácia do precedente ................................................. 2.4.2. Segue: a aparência de legitimidade do precedente ...................................................................... 2.4.3. Segue: baixo grau de modificabilidade do precedente ...................................................................... 2.4.4. Segue: permanência no tempo do precedente ...... 2.4.5. Segue: indução do precedente ...................................... 2.5. A legitimidade da confiança do jurisdicionado .................. 2.5.1. Precedentes e jurisprudência ....................................... 2.5.2. Segue: a divergência jurisprudencial......................... 2.5.3. Ilegalidade manifesta: ponderações .......................... 2.5.4. O parâmetro do “advogado bem informado” .........

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2.6. O exercício da confiança legítima do jurisdicionado........ 3. A proteção da confiança legítima do jurisdicionado ................. 3.1. Limites às mudanças jurisprudenciais................................... 3.2. A mudança jurisprudencial prospectiva ............................... 3.3. Duas regras básicas de utilização da técnica de revogação prospectiva de precedentes ............................ 3.3.1. Prevalência dos interesses do particular sobre os do Estado (ou interesse público secundário)... 3.3.2. Ponderação entre os interesses dos particulares envolvidos ................................................... 3.4. Críticas formuladas à revogação prospectiva de precedentes – e suas respostas ........................................... 3.4.1. Aplicação de um precedente já superado – descumprimento da função jurisdicional ............ 3.4.2. Necessária previsão legislativa .................................... 3.4.3. Desestímulo à busca por decisões mais justas ...... 3.4.4. Majoração indevida dos poderes dos juízes ........... 3.5. A responsabilidade do Estado pela violação da confiança legítima do jurisdicionado ...............................

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Conclusão .......................................................................................................... 379 Referências bibliográficas....................................................................... 383

Prefácio Flávio Luiz Yarshell*

“No momento de sentenciar, o juiz primeiramente intui quem tem razão e, em seguida, busca e explicita fundamentos para justificar o que intuiu”. Lembro-me de ter ouvido (e depois lido) a afirmação por mais de uma vez ao longo desses anos dedicados ao estudo do Direito Processual. Não há qualquer garantia quanto à respectiva literalidade. A ideia ali contida – que não encerra propriamente uma novidade – foi sustentada por mais de um notável jurista, daqueles que não se limitaram ao estudo teórico, mas com intensa experiência na judicatura ou na advocacia. Portanto, as aspas empregadas não garantem exatidão das palavras, mas apenas indicam a origem de terceiros. Certamente, na primeira vez em que a ouvi era um jovem acadêmico e advogado. Recordo-me de que a assertiva provocou íntimo e convicto inconformismo, pelo que então julguei ser a enunciação de uma arbitrariedade: se o destino das pessoas que litigam, afinal de contas, dependeria da intuição de quem julga; e se intuir é o mesmo que pressentir, ou que ter conhecimento sem recorrer ao raciocínio, então o julgamento não seria fruto da razão. Nesse contexto, a motivação – paradoxalmente festejada como forma de controle do poder, pelas partes e até por terceiros – não passaria de um discurso para justificar resultado pré-concebido; que, apenas ocasionalmente, ajustar-se-ia a elementos objetivos, como a prova dos autos e o direito objetivo. A motivação seria, em suma, um escudo para a consagração do subjetivismo e da irracionalidade. Com o passar dos anos, com o aprofundamento dos estudos (que me levaram, dentre outros, a conhecer a clássica página que Calamandrei já escrevera a respeito) e diante da experiência profis-

(*) Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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sional granjeada, confesso que o tema continua a me intrigar. De um lado, permanece a aversão ao enunciado, ao qual não aderi – não ao menos integralmente – nem mesmo quando do exercício da magistratura eleitoral. A judicatura naquele âmbito, aliás, foi um excelente banco de provas, porque se a intuição pessoal é de alguma forma influenciada pela “coletiva”, então no terreno da política, dos partidos e das disputas eleitorais seríamos levados a acreditar que, em regra, todos os partícipes são desonestos... Isso significaria dizer que o trabalho de um juiz eleitoral seria o de buscar fundamentos para condenações generalizadas, não exatamente voltadas a sujeitos de carne e osso em situações concretas, mas com genéricos objetivos didáticos, de repressão ao indesejável estado de coisas em que nos encontramos. Nunca acreditei que isso fosse correto. De outro lado, contudo, o amadurecimento levou à constatação de que pretender julgamentos humanos pautados exclusivamente por rígidos critérios objetivos é simplesmente impossível. Para além da constatação de que o Direito é norma, fato e valor (Reale), é inegável que a atuação do juiz é marcada pela respectiva carga axiológica. Já se disse com sabedoria ser inviável divorciar o juiz de suas “circunstâncias”. Se isso não significa dizer que o juiz decide com base em elementos irracionais, significa que a experiência de quem julga – consciente ou inconscientemente – acaba por interferir na decisão; ainda que ela seja pautada por dados como o objeto do processo e da controvérsia, a prova dos autos, o direito aplicável e sua interpretação pela jurisprudência. Dessa candente questão – que rendeu esse relato autobiográfico cuja relevância só está no tema de direito referido – e de outras que integram o tema da motivação se ocupou RODRIGO RAMINA DE LUCCA. Ele o fez com talento e competência, com lastro em pesquisa séria e consistente, que soube expor de forma sistemática e crítica – inclusive para elegantemente repudiar a tese de que a sentença seria apenas a justificativa de um ato de intuição. Conquanto o tema (da motivação) já tenha sido objeto de clássica doutrina que a ele já se dedicou com profundidade, os desafios se renovam e parecem se tornar cada vez mais complexos, especialmente no contexto dos conflitos típicos da sociedade de produção e de consumo de massa. Isso foi bem captado pelo autor que, partindo

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da inserção do dever de motivar no Estado de Direito e da segurança jurídica, analisou com proficiência as dificuldades surgidas ao ensejo de um sistema processual que se vale, cada vez mais (e nem sempre de forma adequada), de precedentes. Digna de nota e de aplauso é sua preocupação com as mudanças jurisprudenciais abruptas, que colocam em risco um dos pilares da vida democrática, que é a confiança legítima. O resultado do trabalho é muito mais do que um estudo teórico, com mero interesse acadêmico. Pelo contrário, ele será de relevante utilidade para todos os profissionais do Direito, especialmente àqueles a quem foi outorgada a capacidade de decidir e de impor decisões, isto é, aos agentes do poder – especial, mas não exclusivamente, no âmbito jurisdicional. A obra se alinha, em excelência, a outras com que nos brindaram outros juristas paranaenses que, por sorte nossa, honraram-nos com sua presença no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Que essa rica convivência, que o autor só tornou ainda mais intensa, possa ter vida longa, porque dela certamente resultarão outras obras que nos ajudarão a trabalhar pelo aperfeiçoamento do processo civil brasileiro. São Paulo, 21 de agosto de 2013.

Apresentação Eduardo Talamini*

Rodrigo Ramina de Lucca não teme desafios – e esta obra reflete essa sua qualidade. Graduou-se na Universidade Federal do Paraná, destacando-se como aluno e desde logo mostrando seu interesse pelo – e seu talento para – o processo civil. Nessa mesma instituição ele poderia ter prosseguido com seus estudos de pós-graduação. Mas não se acomodou. Foi buscar uma vaga na Faculdade de Direito do Largo São Francisco – a única vaga então existente com o professor que ele desejava que o orientasse, o Prof. Titular Flávio Yarshell. Conseguiu-a após ser bem sucedido nas diversas etapas de provas de seleção. Destacou-se na pós-graduação, contribuindo para o estabelecimento daquilo que o próprio Prof. Yarshell, ao prefaciar obra de outro orientando seu com histórico parecido, chamou de “escola paranaense no Largo de São Francisco”. Sua dissertação para obtenção do título de mestre, que lhe rendeu aprovação com elogios por qualificada banca, é a base deste livro. Por outro lado, tão logo se formou, Rodrigo decidiu também dedicar-se à carreira de advogado. Numa época em que poucos aventuram-se na advocacia por verdadeira opção, ele o fez do modo mais difícil, constituindo seu próprio escritório. Hoje, ainda muito jovem, já é um profissional reconhecido por sua competência e dedicação. E esse não é dado de menor importância. Para quem pretende dedicar-se ao exame científico do processo, o domínio da atividade prática é requisito elementar (ainda que, por si só, insuficiente para se fazer ciência). Aos seus alunos que se perdiam em divagações in(*) Livre-docente pela Universidade de São Paulo. Professor da Universidade Federal do Paraná.

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frutíferas, Carnelutti costumava mostrar-lhes os autos de um processo e perguntar-lhes: “o que é isso?” O tema da fundamentação das decisões judiciais constitui um grande desafio, sob pelo menos dois aspectos. Por um lado, na doutrina nacional e estrangeira já se escreveram obras profundas e completas a esse respeito. Há espaço para um trabalho que acrescente algo, que não constitua simples recapitulação desses estudos anteriores? Por outro lado, há o enorme risco de se cair no discurso meramente teórico, despido não apenas de utilidade prática, mas da própria aptidão de ser cotejado com a realidade. Não são poucos os ensaios e monografias sobre o tema, alguns deles justamente festejados por sua qualidades teóricas, que não conseguem escapar dessa armadilha. O trabalho de Rodrigo Ramina de Lucca supera com brilho essas duas dificuldades. Por um lado, retoma questões clássicas do tema para aplicá-las a problemas novos – por exemplo, aqueles surgidos com a significativa mudança de feição por que tem passado o processo civil brasileiro, com a ampliação do alcance e intensidade das decisões de controle direto de constitucionalidade e os incidentes de resolução de causas repetitivas. Mais do que isso, identifica questões antes nem sequer cogitadas em outro contexto. Por outro lado, o trabalho procura apresentar subsídios relevantes no âmbito da teoria geral e da filosofia do direito sem escapismos retóricos nem a vacuidade da mera resenha – na medida objetivamente necessária para o estabelecimento de bases sólidas para se enfrentar problemas concretos. Enfim, tem-se aqui um belo livro de processo. E isso não é pouco. Curitiba, 23 de setembro de 2013

Introdução

Até muito recentemente, pouco se escrevia no Brasil a respeito da motivação das decisões judiciais. Um ano antes da promulgação da Constituição de 1988, em trabalho que propôs justamente a previsão constitucional expressa do dever de motivação, José Rogério Cruz e Tucci observou: “Verifica-se, entretanto, que, diversamente da doutrina alienígena, entre nós, pouca atenção tem-se dado a essa relevantíssima temática”.1 Alçada à categoria de norma constitucional, a motivação das decisões judiciais continuou a ser pouco tratada, o que foi constatado no ano de 1990 por José Augusto Delgado: “A abordagem do tema referente à obrigatoriedade do Juiz motivar os atos decisórios não tem merecido, entre nós, ao contrário do que acontece na doutrina estrangeira, a devida atenção”.2 Nas duas décadas seguintes, apesar de publicadas algumas excelentes obras dedicadas ao instituto, o cenário pouco mudou.3 Enquanto isso, proliferavam-se decisões judiciais imotivadas ou mal motivadas, sempre amparadas no equivocado entendimento jurisprudencial de que o juiz não precisa dar resposta a todas as alegações das partes; basta que apresente as razões de sua decisão, independentemente do que foi alegado e provado nos autos, ou mesmo do que determina o Direito. A situação era agravada pela ampla utilização de modelos padrões de decisões que nem sempre serviam para dar uma resposta adequada às pretensões formuladas pelas partes e, com espantosa frequência, nem mesmo tinham pertinência ao caso concreto. Tratava-se de um círculo vicioso, pois a omissão doutrinária contribuía para o descaso judicial com a garantia; e o descaso judicial implicava uma prestação jurisdicional arbitrária e ilegítima.

1. 2. 3.

TUCCI, José Rogério Cruz e. A Motivação das Decisões Judiciais. p. 5. DELGADO, José Augusto. A sentença judicial e a constituição federal de 1988. p. 3740. Merece destaque a excepcional obra de Antonio Magalhães Gomes Filho, publicada em 2001 sob o título de A Motivação das Decisões Penais.

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Diante desse patológico cenário, o Novo Código de Processo Civil buscou dar nova dignidade à garantia ao estabelecer, de forma bastante detalhada, o que é motivar adequadamente uma decisão judicial (art. 489, §1º). A opção legislativa foi louvável por três razões. Em primeiro lugar, o dever de motivação é pressuposto do Estado de Direito, constituindo um necessário instrumento de controle da atividade jurisdicional. É pela motivação que o juiz presta contas do exercício do poder jurisdicional, demonstrando às partes, aos tribunais que lhe são hierarquicamente superiores e à sociedade de modo geral que aquela era a decisão correta a ser tomada, pois congruente ao que foi narrado e provado pelas partes e congruente ao Direito produzido democraticamente pelo povo e para o povo. Em segundo lugar, o dever de motivação é fundamental para a promoção da segurança jurídica. A jurisdição desempenha relevantíssima função de esclarecimento, integração e homogeneização do Direito, dissolvendo antinomias, buscando soluções sistemáticas para eventuais omissões legislativas e definindo a forma pela qual o Direito deve ser interpretado e compreendido. Em terceiro lugar, o dever de motivação é, muito possivelmente, a mais importante de todas as garantias do devido processo legal. Não só porque a motivação é indispensável ao controle e à legitimação da atividade jurisdicional – e o devido processo legal é instrumento precípuo de controle e legitimação da atividade jurisdicional –, mas também porque a motivação é a última das garantias processuais. Se a inércia jurisdicional é indispensável para conferir imparcialidade ao julgamento, a motivação impede que o pedido seja julgado a partir de uma causa de pedir que não consta da petição inicial (constituindo uma demanda distinta da proposta, portanto); se a coisa julgada é necessária para dar estabilidade a situações jurídicas já consolidadas, promovendo a paz social, a motivação é fundamental para que se saiba quais são os seus limites; e se a observância do contraditório e da ampla defesa são condições essenciais de qualquer processo, transformam-se em garantias vazias se não houver uma resposta judicial racional e expressa a tudo aquilo que as partes alegaram e provaram; e assim por diante. O dever de motivação adquire ainda mais relevância quando constatados três movimentos relativamente recentes, consolidados

O dever de motivação das decisões judiciais

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pelo Novo Código de Processo Civil, que se interlaçam com as relações existentes entre motivação, Estado de Direito, segurança jurídica e devido processo legal: a) crescem os poderes atribuídos ao juiz tanto para a condução do processo quanto para a interpretação do direito material; b) o valor e a eficácia dos precedentes judiciais são majorados; e c) os precedentes judiciais (leia-se, motivações jurídicas de decisões judiciais pretéritas) ampliam sua influência na tomada de decisões do jurisdicionado. Em relação ao primeiro movimento, é bastante comum que os defensores do chamado ‘ativismo judicial’ (processual ou material) invoquem o contraditório como garantia fundamental à proteção das partes contra o arbítrio; seria o contraditório, portanto, que legitimaria os crescentes poderes dos juízes, seja para guiar o processo, seja para interpretar cláusulas gerais e conceitos indeterminados ou ponderar princípios. Mas não é bem assim. O instrumento legitimador da atividade jurisdicional não é o contraditório, mas a exposição clara, coerente e racional das razões pelas quais a decisão foi tomada. Independentemente do que foi alegado e provado pelas partes no processo, o juiz deve atuar dentro de limites jurídicos rígidos e muito bem estabelecidos. O simples fato de autor e réu debaterem sobre o significado de uma cláusula geral não autoriza o juiz a interpretá-la de forma contrária ao sistema jurídico, aos precedentes dos tribunais superiores e aos valores da sociedade em que está inserido. A legitimidade da atuação jurisdicional, seja ela ampla ou restrita, vem da demonstração de que os poderes foram exercidos pelo Estado-juiz com racionalidade e de acordo com o Direito. Por isso, quanto maiores os poderes atribuídos ao Estado-juiz, maior têm que ser a profundidade e a completude da motivação das decisões. Quanto ao segundo movimento, é notório o fato de que o Direito brasileiro já vinha dando mais valor e eficácia aos precedentes judiciais, seja de maneira formal, com o surgimento das súmulas vinculantes e da cláusula impeditiva de recursos, p.ex., seja de maneira informal, com o crescente respeito dos juízes ao entendimento dominante de um tribunal hierarquicamente superior. O NCPC consolida definitivamente essa tendência ao impor aos tribunais o de-

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ver de “uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”, (art. 926), bem como o dever de respeito a determinados precedentes (art. 927). Na medida em que precedentes são rationes decidendi, quer dizer, razões jurídicas pelas quais uma decisão pretérita foi tomada, a motivação das decisões judiciais precisa ser valorizada e compreendida para que também a teoria dos precedentes possa ser compreendida e corretamente aplicada. Por fim, o necessário respeito a precedentes majora a função desempenhada pela jurisdição de definir a interpretação que deve ser dada ao Direito, estabelecendo, como consequência, diretrizes de comportamento aos jurisdicionados. A motivação de uma decisão judicial, portanto, torna-se uma referência de conduta às pessoas, que agirão não de acordo com o que entendem ser juridicamente correto, mas de acordo com o que os tribunais dizem ser juridicamente correto a partir da interpretação que deram ao Direito. Não é por acaso, portanto, que o NCPC tenha possibilitado, corretamente, a modulação dos efeitos de determinada mudança jurisprudencial (art. 927, §§1º e ss). Sendo assim, o objetivo deste trabalho é reafirmar o papel da motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao Estado de Direito, demonstrando a sua imprescindibilidade tanto para o controle e a legitimação da atividade jurisdicional quanto para a promoção da segurança jurídica e realização do devido processo legal.

§1º DELIMITAÇÃO DO TEMA O escopo desta obra é delinear o dever de motivação das decisões judiciais como garantia do Estado de Direito, o que implica reconhecê-lo como instrumento de promoção da segurança jurídica e garantia ínsita ao devido processo legal. Sendo assim, não serão estudados institutos processuais intimamente relacionados com a motivação, mas que com ela não se confundem. É o caso, p.ex., da coisa julgada, da vinculação do assistente à justiça da decisão, do contraditório e da ampla defesa, das provas, dos recursos cíveis, incluindo embargos de declaração, da distinção entre error in iudicando e error in procedendo, da preclusão para o juiz etc. A menção que será feita a vários deles ao longo do texto terá sempre como objetivo o desenvolvimento do tema proposto.

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Também é importante ressaltar que a motivação será tratada neste trabalho sempre do ponto de vista jurídico. Ainda que o instituto comporte análises psicológicas e sociológicas, importa aqui o que a motivação deve ser e não o que ela eventualmente pode ser ou é na prática forense.

§2º DESENVOLVIMENTO DA OBRA Esta obra é dividida em seis capítulos, cada um subdividido em três tópicos. O Capítulo Primeiro apresenta a fundação de todo o trabalho, estabelecendo as premissas que nortearão as conclusões apresentadas nos Capítulos subsequentes. É nele que serão definidos os conceitos de Estado de Direito, segurança jurídica e devido processo legal, expressões largamente utilizadas com os mais diversos significados, e que serão assentadas concepções a respeito da função do Direito, dos valores que ele busca realizar, das interações entre segurança jurídica e justiça e da função exercida pelo devido processo legal no sistema jurídico brasileiro. O Capítulo Segundo é voltado especificamente para o posicionamento da motivação como garantia inerente ao Estado de Direito, definindo a sua natureza normativa e o papel por ela desempenhado na legitimação e no controle da atividade jurisdicional. O ponto que trata do desenvolvimento histórico da motivação é fundamental para que seja compreendida a importância do instituto e a relação que possui com a liberdade do indivíduo, a racionalidade do poder jurisdicional e a segurança jurídica. O Capítulo Terceiro dá continuidade ao Capítulo Segundo ao defender uma natureza jurídica, uma estrutura e um conceito de motivação que sejam compatíveis com o ideal do Estado de Direito. Também são apresentados os atributos mínimos de racionalidade da motivação. O Capítulo Quarto foca em aspectos endoprocessuais da motivação, traçando brevemente algumas das interações existentes com outras garantias do devido processo legal, e apresentando os requisitos mínimos de clareza, coerência e completude das razões apresentadas, bem como as consequências jurídicas decorrentes de decisões imotivadas ou mal motivadas.

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Encerrado o Capítulo Quarto, o objeto de estudo passa a ser a relação existente entre motivação e segurança jurídica. O Capítulo Quinto busca demonstrar que a motivação é fundamental para promover a segurança jurídica objetiva, identifica a motivação com os precedentes judiciais, distinguindo ratio decidendi e obiter dictum, e aponta sucintamente alguns dos institutos processuais brasileiros voltados à valorização e ao respeito dos precedentes. Por fim, o Capítulo Sexto dedica-se a demonstrar que a motivação das decisões judiciais influencia a tomada de decisões do jurisdicionado e, por isso, deve ser encarada como fundamento do exercício de uma confiança legítima que deve ser sempre tutelada.

§3º NOMENCLATURA ADOTADA: MOTIVAÇÃO X FUNDAMENTAÇÃO Para designar o ato judicial de fornecer razões para justificar a decisão, optou-se neste trabalho pela palavra “motivação”, em detrimento da opção legislativa “fundamentação”. A escolha possui duas razões. A primeira é de ordem prática. A utilização do termo “motivação” coaduna-se com a terminologia empregada nos países de língua italiana (motivazione), francesa (motivation) e espanhola (motivación); nos países de língua inglesa, embora normalmente refiram-se a reasoned judgments ou giving reasons, também é utilizada, eventualmente, “motivation”. A segunda é de ordem teórica. Embora os termos tenham basicamente o mesmo significado, “fundamentação” transmite a ideia de que motivar uma decisão é simplesmente indicar os seus fundamentos, as razões que a suportam. O dever de motivar, porém, é mais do que isso. Motivar não é só dizer que a decisão é boa, mas que aquela era a única decisão que poderia ser tomada no processo; ou seja, que a decisão é a melhor que poderia ter sido tomada diante de todos os elementos colocados à disposição do juiz. Sendo assim, o instituto será referido neste trabalho como “motivação”.

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