O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A PUBLICIDADE NOS JULGAMENTOS ADMINISTRATIVOS FISCAIS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

May 22, 2017 | Autor: W. Fensterseifer | Categoria: Tax Law, Direito Tributário (Tax Law), Due process, Processo Administrativo, Devido Processo Legal
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O devido processo legal e a publicidade nos julgamentos administrativos fiscais de primeira instância

O DEVIDO PROCESSO LEGAL E A PUBLICIDADE NOS JULGAMENTOS ADMINISTRATIVOS FISCAIS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA The due process clause and the publicity in first instance administrative tax judgments Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 133/2017 | p. 221 - 248 | Mar - Abr / 2017 DTR\2017\730 Wagner Arnold Fensterseifer Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto de Estudos Tributários (IET) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Mediador do Grupo de Estudos em Direito Tributário da Escola Superior de Advocacia da OAB-RS. Advogado Tributarista em Porto Alegre. [email protected] Área do Direito: Tributário; Administrativo Resumo: A presente pesquisa aborda o tema da publicidade como subprincípio do devido processo legal e sua incidência no âmbito do Processo Administrativo Fiscal. Objetivando verificar se os julgamentos ocorridos nas Delegacias da Receita Federal de Julgamento são compatíveis com o texto constitucional, realizou-se uma breve síntese acerca do funcionamento do Processo Administrativo Fiscal, bem como um apanhado histórico sobre o princípio do devido processo legal. Constatou-se, pois, que o princípio do devido processo legal deve incidir e produzir efeitos no Processo Administrativo Fiscal, no qual o Poder Executivo realiza de forma atípica função jurisdicional. Como desdobramentos da noção de due process clause, o contraditório e a ampla defesa também devem ser respeitados no Processo Administrativo Fiscal, a partir do momento em que se torna litigioso e bilateral. Por fim, como corolário lógico do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito, tem-se o subprincípio da publicidade. A publicidade possui aspecto interno e externo à relação processual e seus efeitos podem ser imediatos ou mediatos, mas ela deve ser alçada ao maior patamar possível, sobre maneira nas relações envolvendo o Estado e o cidadão, sendo mais um dos instrumentos de defesa deste em relação àquele. Palavras-chave: Processo administrativo tributário - Devido processo legal - Publicidade - Delegacia da Receita Federal de Julgamento - Estado democrático de direito. Abstract: This research deals with the issue of publicity as sub-principle of due process and its impact under the Administrative Tax Procedure. To ascertain whether the judgments occurred in administrative tax procedures are compatible with the Constitution, was held a short summary about the operation of the Administrative Tax Procedure, as well as a historical overview on the principle of due process. As developments of due process clause, the contradictory and legal defense must also be respected in tax administrative proceedings from the moment it becomes litigious and bilateral. Finally, as a logical corollary of due process and the rule of the Democratic rule of law, the sub-principle of publicity arises. The publicity has internal aspect and external aspect of the procedural relationship, and its effects can be immediate or mediate, but it should be raised to the highest level, especially in the relations between the state and the citizen, it is another defense instrument of this in relation to that. Keywords: Administrative tax procedure - Due process - Publicity - Administrative tax judgments - Democratic rule of law. Sumário: 1Introdução - 2O processo administrativo fiscal no âmbito federal - 3O devido processo legal tributário - 4A violação do devido processo legal nas esferas de primeira instância administrativa - 5Conclusões - 6Referências bibliográficas Página 1

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1 Introdução Em 2014 foram impetrados pelas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, diversos Mandados de Segurança nas cinco regiões da Justiça Federal. Seu objetivo é bastante claro e definido: querem o fim dos “julgamentos secretos” no âmbito dos processos administrativos federais em 1ª instância. Tais ações causam certo alvoroço na imprensa 1 especializada, que vê com bons olhos a iniciativa da OAB. Conforme alegam os impetrantes, os julgamentos fiscais ocorridos a portas cerradas dentro das delegacias da receita federal de julgamento (DRJ's) sem divulgação de pauta de julgamentos, sem permissão para apresentação de memoriais, tampouco possibilidade de acompanhamento da sessão e realização de sustentação oral, evidenciam uma severa afronta ao Estado Democrático de Direito, à Constituição Federal e, de forma mais específica, ao princípio do devido processo legal. Dentro desse contexto, o presente artigo tem como objetivo verificar se, de fato, as alegações das seccionais da OAB são procedentes. Para tanto, serão testadas as seguintes hipóteses, com o objetivo de averiguar a procedência, ou não, da tese ventilada pela OAB em diversos estados da federação: (i) o princípio do devido processo legal incide nas relações processuais administrativas fiscais?; (ii) Sendo positiva a resposta ao questionamento anterior, a partir de que momento pode-se afirmar que a relação entre fisco e contribuinte tornou-se processual, passando a ser regida por princípios processuais específicos como o devido processo legal?; (iii) admitindo-se que o devido processo legal possui como subprincípios o contraditório e a ampla defesa, é possível afirmar que a transparência e publicidade dos julgamentos estaria albergada por algum desses conceitos?; (iv) os julgamentos de primeira instância no processo administrativo fiscal no âmbito federal violam a Constituição Federal ao desrespeitarem o princípio do devido processo legal? O presente estudo justifica-se pela atual necessidade de discussão e pesquisa em âmbito acadêmico acerca do princípio do devido processo legal nos processos administrativos fiscais, sobretudo no que diz respeito à publicidade dos julgamentos. O objetivo do trabalho consiste na verificação da aplicação do princípio do devido processo legal ao processo administrativo, mais especificamente, ao processo administrativo fiscal em esfera federal, a fim de que seja possível verificar se os julgamentos ocorridos nas Delegacias da Receita Federal de Julgamento violam, ou não, o texto da Constituição da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, será necessário um breve estudo a respeito do Processo Administrativo Fiscal no âmbito federal – seu procedimento, seu rito e os instrumentos colocados à disposição das partes para a construção dialética do veredicto administrativo. Também será preciso compreender, ainda que de forma breve e simplificada, o funcionamento do microssistema do Processo Administrativo Fiscal no âmbito federal, tanto em primeira quanto em segunda instância. O princípio do devido processo legal será abordado, primeiramente, de forma geral. Após, de forma mais específica, na figura de dois subprincípios dele decorrentes: o contraditório e a ampla defesa. O objetivo específico do artigo, portanto, é verificar se existe, de fato, violação às normas constitucionais em um processo administrativo fiscal cujos julgamentos de primeira instância ocorrem com portas fechadas dentro das Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ's) sem divulgação de pauta de julgamentos, sem permissão para apresentação de memoriais, tampouco possibilidade de acompanhamento da sessão e realização de sustentação oral. A fim de possibilitar uma resposta minimamente fundamentada, analisar-se-á a aplicação do subprincípio da publicidade, decorrente do devido processo legal e seus possíveis efeitos em um Estado Democrático de Direito. 2 O processo administrativo fiscal no âmbito federal Página 2

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Conforme enunciado no capítulo introdutório, o estudo proposto no presente artigo inicia-se por meio de uma breve e simplificada análise acerca do funcionamento do microssistema processual administrativo fiscal no âmbito federal. Em que pese a existência de uma fase de ação fiscal, de caráter não contencioso e unilateral, o presente estudo não discorrerá sobre os procedimentos existentes nessa fase do Processo Administrativo Fiscal. Essa opção justifica-se pelos objetivos delineados na introdução, haja vista que a preocupação do ensaio é com a incidência do princípio do devido processo legal no Processo Administrativo Fiscal e seus desdobramentos, o que, conforme será visto, pressupõe uma relação processual dialética com presença de duas 2 ou mais partes com interesses conflitantes. O Processo Administrativo Fiscal inicia-se com o lançamento tributário, o qual pode ser tipificado de três maneiras distintas: (i) direto ou de ofício; (ii) por declaração ou misto; e (iii) por homologação ou autolançamento. Todavia, somente nos dois primeiros casos é facultada ao contribuinte a oposição ao lançamento. E é exatamente com o ato de se opor ao lançamento tributário que nasce o Processo Administrativo Fiscal em sua fase contenciosa. Nesse sentido, confira-se a lição de James Marins:“A etapa contenciosa (processual) caracteriza-se pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses, isto é, transmuda-se a atividade administrativa de procedimento para processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato que, no seu entender, lhe cause gravame, como a aplicação de multa por suposto incumprimento de 3 dever instrumental”. Entretanto, o simples fato de haver bilateralidade no procedimento, ou seja, a existência de mais de uma parte com interesses conflitantes, não é suficiente para que se configure um processo. Na linha do exposto acima, é o inconformismo formal do contribuinte ante o ato de lançamento tributário, por meio do qual resiste administrativamente à pretensão arrecadatória da administração pública que dá o impulso inicial no Processo Administrativo Fiscal. É somente com o início do processo que passa a incidir o princípio constitucional do devido processo legal, cujos desdobramentos resultam nas ideias de ampla defesa e contraditório. Confira-se novamente, por oportuno, a doutrina de James Marins, que afirma não ser suficiente a mera bilateralidade do procedimento para caracterizá-lo como processo, sendo necessária a participação do contribuinte na atividade de formalização do tributo: “A mera bilateralidade do procedimento não é suficiente para caracterizá-lo como processo. Pode haver participação do contribuinte na atividade formalizadora do tributo e isso se dá, por exemplo, quando este junta documentos contábeis que lhe foram solicitados ou quando comparece ao procedimento para esclarecer esta ou aquela conduta ou procedimento fiscal que tenha adotado na sua atividade privada. Até esse ponto não se fala em litigiosidade ou em conflito de interesse, até porque o Estado ainda não formalizou sua pretensão tributária. Há mero procedimento que apenas se encaminha para a formalização de determinada obrigação tributária (ato de lançamento). Após essa etapa, que se pode mostrar mais ou menos complexa, praticado o ato de lançamento e portanto, formalizada a pretensão fiscal do Estado, abre-se ao contribuinte a oportunidade de insurgência, momento em que, no prazo legalmente fixado, pode manifestar seu inconformismo com o ato exacional oferecendo sua impugnação, que é o ato formal do contribuinte em que este resiste administrativamente à pretensão tributária do fisco. A partir daí instaura-se verdadeiro processo informado por seus peculiares princípios (que são desdobramentos do due process of law) e delimita-se o instante, o momento em que se dá a alomorfia procedimento processo 4 modificando a natureza jurídica do atuar administrativo”. O documento que instrumentaliza o lançamento tributário é chamado de Auto de Página 3

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Infração e é contra ele que o contribuinte deverá apresentar sua impugnação. Após a apresentação da Impugnação do contribuinte, petição formal por meio da qual o contribuinte apresenta as razões pelas quais entende que o Auto de Infração contra ele lavrado é contrário à legislação tributária, o Processo Administrativo Fiscal, já iniciado, será encaminhado para uma Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ). Necessário destacar aqui, ainda, os efeitos produzidos pela apresentação de impugnação de forma tempestiva. O principal deles, já mencionado anteriormente, é o de instaurar a fase litigiosa do procedimento. Como efeitos reflexos, a impugnação tempestiva gera a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, bem como a suspensão do prazo 5 prescricional para propositura, pela Fazenda Pública, da ação de execução fiscal. A respeito da forma de organização da primeira instância de julgamento, cumpre salientar que, nos termos da Portaria MF 341, as DRJ’s devem ser constituídas por turmas de julgamento, cada uma composta por cinco julgadores e dirigida por um deles, o qual recebe a denominação de presidente. O presidente de cada turma de julgamento cumula a função de dirigir a sessão de julgamento e a função de julgar propriamente dita. Nas DRJ’s, os julgadores são todos membros da carreira de Auditor Fiscal da Receita Federal e são indicados para ocupar o cargo de julgador ou presidente pelo Delegado da DRJ, sendo investidos no cargo por meio de nomeação do Secretário da Receita Federal. 6 O mandato é de dois anos, com possibilidade de recondução. Conforme afirma o presidente da 1ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Marcos Aurélio Pereira Valadão: “Em homenagem ao princípio da motivação, a decisão proferida pelos órgãos administrativos também deverá conter relato resumido do processo, fundamentação e conclusão, não se furtando de apreciar qualquer uma das razões apresentadas pela 7 defesa”. Por conseguinte, o Processo Administrativo Fiscal que se iniciou com a apresentação da irresignação do contribuinte, será analisado e julgado em primeira instância pela DRJ, que possui o dever de proferir decisão com relatório do processo, fundamentação e conclusão. Também é dever dos julgadores a apreciação de todas as razões de defesa do contribuinte, ainda que não exista previsão de meios processuais para que o contribuinte 8 exija a reconsideração ou a complementação da decisão. A decisão proferida em primeira instância no Processo Administrativo Fiscal pode determinar a conversão do feito em diligência ou a realização de perícia, caso entenda pela existência de alguma dúvida ou incerteza sanável pela autoridade que efetuou o lançamento. Após o retorno da diligência, o Processo Administrativo Fiscal será devidamente julgado pela DRJ. A decisão poderá ser favorável ou contrária ao contribuinte. No caso de ser favorável ao contribuinte, existe recurso de ofício obrigatório para a instância superior, mas esse recurso dependerá do montante total do crédito tributário. Somente será aplicável o recurso de ofício àqueles casos nos quais o crédito tributário superar o valor de alçada, que é definido mediante portaria do Ministério da Fazenda. No caso de decisão desfavorável ao contribuinte, ele será comunicado dessa decisão e terá prazo de 30 dias contados da ciência da decisão para apresentar Recurso Voluntário destinado ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). O CARF é o órgão administrativo paritário e colegiado criado para julgar os Processos 9 Administrativos Fiscais em segunda instância. Diz-se paritário, pois os conselheiros integrantes do CARF são representantes do fisco ou dos contribuintes, distribuídos de forma igualitária por cada uma das três seções, com quatro câmaras cada, compostas Página 4

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por turmas ordinárias e especiais. Ainda, existe a Câmara Superior de Recursos Fiscais, a qual possui em seu organograma três turmas e um Pleno. A presidência de cada uma das turmas é exercida por um conselheiro representante do fisco, ao passo que a vice-presidência é exercida por um representante do contribuinte. A sistemática de funcionamento do CARF está positivada na Portaria MF 343, de 09.06.2015. Destarte, o Recurso Voluntário interposto pelo contribuinte – ou o Recurso de Ofício – será julgado por alguma das turmas do CARF. Nessa fase do Processo Administrativo Fiscal o contribuinte poderá, finalmente, exercer seus direitos constitucionais ao devido processo legal, uma vez que poderá acompanhar a publicação da pauta de julgamentos por meio do Diário Oficial da União, poderá apresentar memoriais de julgamento aos conselheiros integrantes da turma que julgará seu Recurso Voluntário, poderá acompanhar a sessão de julgamento na sede do CARF em Brasília/DF, havendo previsão, inclusive, para sustentação oral. O maior reclame do contribuinte em relação à fase do Processo Administrativo Fiscal que tramita junto ao CARF possivelmente seja o fato de que, no caso de empate na sessão de julgamento, o voto de minerva (chamado pelo Regimento Interno do CARF de “voto de qualidade”) sempre será do presidente. Conforme já mencionado anteriormente, somente pode ocupar o cargo de presidente de turma do CARF conselheiro representante do fisco, ou seja, membro da carreira de Auditor da Receita Federal. Chegando-se ao fim do Processo Administrativo Fiscal, após ter sido proferida a decisão do Recurso Voluntário (ou do Recurso de Ofício), existe a possibilidade de serem apresentados embargos de declaração, dirigidos à própria turma que julgou o recurso, e Recurso Especial, dirigido à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). Os embargos de declaração seguem a lógica do Processo Civil, calcados nos termos do art. 535 e seguintes do Código de Processo Civil. O Recurso Especial, por sua vez, possui previsão expressa no Regimento Interno do CARF, nos arts. 67 a 71, e somente poderá ser interposto mediante comprovação analítica de divergência, ou seja, naqueles casos em que restar demonstrado que a decisão recorrida tenha empregado interpretação divergente da que lhe tenha dado outra câmara, turma de câmara, turma especial ou a própria CSRF. Após ter sido prolatada decisão final com trânsito em julgado, encerra-se o Processo Administrativo Fiscal. No caso de o contribuinte ter sido vencedor, ou seja, caso o contribuinte tenha seu recurso julgado procedente, ficará desobrigado de adimplir com a obrigação tributária, uma vez que o Auto de Infração não mais poderá subsistir. Por outro lado, caso o contribuinte não tenha logrado êxito em sua defesa fiscal, o Auto de Infração seguirá seu trâmite administrativo para ser inscrito em dívida ativa e posteriormente ajuizado para cobrança por meio de ação de execução fiscal. A decisão administrativa possui efeito vinculante em relação à Administração Pública, ou seja, caso o recurso manejado nas instâncias administrativas pelo contribuinte venha a ser julgado procedente, o processo será encerrado e não poderá voltar a ser discutido no Poder Judiciário. Em defesa do afirmado, confira-se a lição de Vittorio Cassone: “Considerando a sistemática da imposição tributária, que leva ao entendimento que a 'lesão ou ameaça a direito' inscritas no art. 5.º, XXXV, da Constituição Federal são suportadas somente pelo contribuinte, fica a Fazenda Pública impossibilitada de ir a juízo 10 pedir a anulação de decisão administrativa a ela contrária”. No mesmo sentido, afirma Kiyoshi Harada: “A chamada coisa julgada administrativa vincula a Fazenda Pública que proferiu a decisão. Permitir que ela pleiteie sua revisão judicial seria atentar contra o princípio da moralidade administrativa pois implicaria autodestruição do poder que ela exercitou Página 5

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validamente”.

A decisão administrativa, todavia, não possui efeito vinculante em relação ao contribuinte, no sentido de que ele poderá discutir o crédito tributário novamente junto ao Poder Judiciário. Por oportuno, colaciona-se o seguinte excerto, de autoria de Iso Chaitz Scherkerkewitz, segundo o qual: “A decisão favorável ao Fisco não vincula o contribuinte que poderá questioná-la perante o Poder Judiciário, isto porque, em consonância com o disposto no art. 5.º, XXXV, da CF (LGL\1988\3), é permitido a todos o ingresso no Poder Judiciário quando houver lesão 12 ou ameaça a direito, não podendo sequer existir uma lei que exclua tal possibilidade”. Portanto, é possível afirmar que a decisão definitiva do Processo Administrativo Fiscal forma coisa julgada em relação ao Fisco, mas não necessariamente em relação ao contribuinte. 3 O devido processo legal tributário Após ter sido realizada uma análise breve e simplificada acerca do funcionamento do microssistema processual administrativo fiscal no âmbito federal, passar-se-á ao estudo do princípio do devido processo legal e à verificação acerca de sua incidência, ou não, no Processo Administrativo Fiscal, sobretudo nos julgamentos proferidos em primeira instância pelas Delegacias da Receita Federal de Julgamento. Conforme visto no capítulo anterior, o julgamento do Processo Administrativo Fiscal no âmbito federal possui tratamento bastante diverso na primeira e na segunda instância. Enquanto, de um lado, o julgamento é realizado somente por membros de carreira da Receita Federal do Brasil, com reduzida previsão para participação ativa do contribuinte; de outro verifica-se um órgão de julgamento estruturado de forma diversa, composto por membros da sociedade representando os contribuintes e por membros de carreira da Receita Federal do Brasil, de forma paritária, com um Regimento Interno cuja sistemática garante segurança jurídica às partes. Também há, nos julgamentos de segunda instância, publicação de pautas de julgamento e sessões públicas, nas quais há previsão de entrega de memoriais e realização de sustentação oral. Em relação ao princípio do devido processo legal, será preciso analisar de forma bastante breve sua genealogia, a fim de se verificar se é possível afirmar que desse princípio decorre o dever de realização de julgamentos públicos, transparentes e acessíveis. 3.1 Breve histórico do princípio A 14ª emenda à Constituição Federal dos Estados Unidos da América estabelece a chamada due process clause. Segundo essa previsão constitucional, nenhum Estado poderá privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade ao arrepio do devido 13 processo legal. As origens dessa ideia podem ser encontradas nos textos dos principais 14 15 filósofos contratualistas da modernidade: Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau. A partir de uma ideia de contrato social estabelecido entre os cidadãos que cria um Estado soberano e altamente poderoso para que proveja a sua segurança e paz, surge também uma ideia de limitação a esse poder. Essa limitação diz respeito ao núcleo de direitos privados inviolável de cada cidadão: vida, liberdade e propriedade. Toda a atribuição de sentido a uma Teoria de Estado passa pela concepção de que a vida em sociedade sempre deverá ser melhor com a existência de um poder estatal organizado, ao qual se entregam algumas liberdades em troca de segurança e paz. Em uma análise mais contemporânea e atual acerca desse papel do Estado, é possível afirmar que os motivos e os princípios que permeiam o desenvolvimento das noções elementares de direitos fundamentais, âmbito no qual se deve inserir a ideia de devido processo legal, constituem núcleo instrumental da proteção do indivíduo frente ao poder Página 6

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soberano do Estado. Amiúde afirma-se que o devido processo legal é condição necessária para a intervenção estatal nesse núcleo duro de individualidade dos cidadãos. Essa ideia já foi trabalhada de forma bastante interessante no âmbito do direito processual penal e também no âmbito do processo civil, mas ainda não ecoa da mesma maneira na doutrina do direito tributário, havendo pouca produção científica a esse respeito. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 também assegurou como direito fundamental o respeito ao devido processo legal. Essa norma-princípio está consagrada no inciso LIV do art. 5º, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” As primeiras referências históricas à ideia de devido processo legal datam de 1215, quando promulgada a Magna Carta, documento no qual constava a seguinte passagem: “Nenhum homem livre poderá ser detido ou preso, nem que se lhe retirem bens, nem declarado fora da lei, nem prejudicado por qualquer outra forma, nem se procederá e nem se ordenará que se proceda contra ele, senão em virtude de um processo legal e 16 em conforme com a lei do País”. Todavia, o primeiro diploma normativo a utilizar expressamente o conceito de due process clause foi a lei inglesa denominada Statute of Westminster of the Liberties of London, de 1354. Posteriormente, no século XVII o princípio do devido processo legal passou a influenciar de forma bastante significativa as doutrinas jurídicas estadunidenses, conforme referido anteriormente. Assim, percebe-se que já há muito tempo os pensadores da Teoria do Direito e da Teoria do Estado preocupam-se com o devido processo legal como garantia fundamental dos indivíduos. Nesse longo interregno, houve grande evolução na teoria do devido processo legal. Nesse sentido, os principais doutrinadores do processo civil brasileiro reconhecem no princípio do devido processo legal o direito a um processo justo, que visa assegurar uma decisão também justa, sendo esse um dos elementos fundamentais do Estado 17 Constitucional. Nessa esteira, Fredie Didier Júnior sustenta igualmente que “um processo devido não é apenas aquele em que se observam as exigências formais; devido 18 é o processo que gera decisões jurídicas substancialmente devidas.” Se, inicialmente, o devido processo legal era compreendido tão somente como o direito à existência de um processo, hoje já não mais se admite o devido processo legal sem a existência de, no mínimo, duas características essenciais: o contraditório e a ampla defesa. Essas duas características que costumeiramente são classificadas pela doutrina como subprincípios decorrentes do devido processo legal, serão estudadas a seguir, com o claro objetivo delineado anteriormente, qual seja, a verificação da possível violação ao devido processo legal nos julgamentos realizados pelas Delegacias da Receita Federal de Julgamento na primeira instância administrativa fiscal. 3.2 Subprincípios 3.2.1 Ampla defesa e contraditório A Constituição Federal de 1988 estabelece no inc. LV do art. 5.º que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” . Tendo como núcleo de definição o texto constitucional, é preciso esmiuçar de forma analítica quais são as principais implicações e efeitos resultantes da aplicação das garantias do contraditório e da ampla defesa, com ênfase no Processo Administrativo Fiscal. Página 7

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É importante que se destaque, precipuamente, que as noções de contraditório e ampla defesa surgem como resultado de uma evolução do princípio do devido processo legal, que passou de uma concepção simplista (garantia de um processo ordenado) para uma concepção mais elaborada, consistente nas figuras do exercício pleno do contraditório e da garantia à ampla defesa. Na esteira desse pensamento, Eduardo P. Arruda Alvim afirma: “Essa concepção (do processo como etapa necessária para intervenção do estado nas esferas privadas dos cidadãos) veio atravessando um processo evolutivo, de forma tal que se passou a entender o devido processo legal não apenas como simples garantia de um processo ordenado, mas como compreensivo do direito a prévia citação para a ação e oportunidade de defesa. Passou-se a entender, igualmente, como compreendida no alcance semântico do princípio a idéia de que ninguém poderia ser preso sem justa 19 causa”. No mesmo sentido, o processualista Humberto Theodoro Junior reconhece diversos desdobramentos decorrentes do princípio do devido processo legal: “A garantia do devido processo legal, porém não se exaure na observância das formas da lei para tramitação das causas em juiz. Compreende algumas categorias fundamentais como a garantia do juiz natural (CF (LGL\1988\3). art. 5º. inc. XXXVII), e do juiz competente (CF (LGL\1988\3), art. 5º. inc. LIII), garantia de acesso a Justiça (CF (LGL\1988\3), art. 5º. inc. XXXV), da ampla defesa e do contraditório e a da fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, inc. IX). Faz-se necessário modernamente uma assimilação da idéia de devido processo legal a de processo justo”. 20

Assim, é preciso que se perceba o devido processo legal de forma bastante ampla e interdisciplinar, haja vista que se constitui em uma garantia que incide em todas as relações entre o Estado e seus súditos. Nessa toada, compreendendo o devido processo legal como a dualidade ampla defesa e contraditório, veja-se a afirmação da administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “O princípio da ampla defesa é aplicável em qualquer tipo de processo que envolva situações de litígio ou o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas físicas ou jurídicas (…). O princípio do contraditório, que é inerente ao direito de defesa, é decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, há de ser ouvida também a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta. Ela supõe o conhecimento dos 21 atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou de reação”. Daí pode-se inferir que nas situações em que houver relação de jurisdição entre o Estado e os cidadãos, entendida como a situação de litígio ou envolvendo poder sancionatório daquele, ocorre incidência direta e imediata do princípio do devido processo legal. Conforme já referido anteriormente, a noção de devido processo legal – due process clause – está diretamente ligada às filosofias e teorias de estado da modernidade liberal, segundo as quais o indivíduo possui um núcleo de direitos individuais sobre os quais o poder estatal, em regra, não deve incidir, sendo admitida essa incidência apenas em casos excepcionais. Seguindo essa linha de raciocínio, é necessário que se compreenda que a atividade jurisdicional do Estado não se dá somente por meio do Poder Judiciário, ainda que a regra seja essa. Em casos específicos e de forma atípica, ele é exercido pelo Poder Executivo e pelo Poder Legislativo. Fabiana Del Padre Tomé, com efeito, afirma que a ideia de jurisdição não é privativa do Poder Judiciário, podendo ser exercida de forma atípica pelo Executivo e pelo Legislativo. Nas palavras da autora: “A ideia de jurisdição não é privativa do Poder Judiciário. Sempre que o Executivo e o Página 8

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Legislativo agirem na composição de conflitos de interesse, estarão exercendo, atipicamente, função jurisdicional, a ela aplicando-se as garantias do devido processo legal, consistentes, segundo Augustin Gordillo, (i) no direito de ser ouvido e (ii) no direito de oferecer e produzir provas. Assim, efetuada a aplicação de norma tributária por autoridade administrativa, deve o destinatário do ato ser cientificado, possibilitando sua defesa. (...) Nos exatos termos referidos pelo Texto Constitucional, trata-se do direito ao “contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV), os quais constituem condição necessária para a validade do ato e do processo 22 administrativo instalado.” Por evidente que naqueles casos em que o Poder Executivo ou o Poder Legislativo estiver exercendo atipicamente função de jurisdição, sua atuação deve ser pautada pelos princípios que regem essa função, não sendo razoável pensar que um Processo Administrativo conduzido pelo Poder Executivo não precise respeitar os direitos e garantias próprios dos atos do Poder Judiciário. Por isso, é possível concluir que a ampla defesa e o contraditório devem ser respeitados e colocados em prática no âmbito do Processo Administrativo Fiscal. A respeito da importância do devido processo legal no âmbito do Processo Administrativo Fiscal, parte da doutrina defende que o princípio consiste em condição necessária para a própria existência do processo. Segundo essa linha de pensamento, o devido processo legal seria característica sine qua non de um regular Processo Administrativo Fiscal. Confira-se, por oportuno, a seguinte passagem, de autoria de Iso Chaitz Scherkerkewitz: “Processo administrativo tributário é um tema que está intimamente ligado com o devido processo legal. Aliás, todo processo administrativo tributário deve obedecer ao devido processo legal; portanto, melhor dizendo, é característica sine qua non de um regular 23 processo administrativo tributário a obediência ao devido processo legal”. Portanto, há consenso doutrinário a respeito da necessidade de observância do devido processo legal no Processo Administrativo Fiscal. Destarte, é preciso que se compreenda o funcionamento do contraditório e da ampla defesa dentro do sistema administrativo de aferição da justiça e legalidade fiscal. Abordar-se-á, a seguir, o princípio do contraditório. A noção de que o contraditório deve incidir ao longo de todo o Processo Administrativo Fiscal resulta em uma necessidade de que o contribuinte seja devidamente intimado e informado acerca de toda e qualquer alegação/afirmação dos agentes do Fisco. Mais do que isso, a garantia do contraditório deve permitir que o contribuinte se manifeste em relação a toda e qualquer alegação/afirmação dos agentes do Fisco. O contrário também é verdadeiro, haja vista que o contraditório incide sobre a relação processual. Os agentes do Fisco devem ter vistas e direito de manifestação acerca de toda e qualquer alegação/afirmação do contribuinte. Subjaz aqui uma ideia de lealdade processual, por meio da qual as partes em conflito colaboram entre si para a aferição da justiça e legalidade fiscal. Nesse sentido, o processualista Hermes Zaneti Júnior leciona que o direito ao contraditório vai além do direito de se manifestar nos autos, devendo ser compreendido como o direito de influenciar a decisão que será tomada. Confira-se o excerto colacionado: “É justamente no contraditório, ampliado pela Carta do Estado Democrático brasileiro, que se irá apoiar a noção de processo democrático, o processo como procedimento em contraditório, que tem na sua matriz substancial a ‘máxima da cooperação’ Página 9

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(Kooperationsmaxima) (...) O contraditório surge então renovado, não mais unicamente como garantia do direito de resposta, mas sim como direito de influência e dever de 24 debate”. O ínclito doutrinador Hugo de Brito Machado, com a clareza didática que lhe é peculiar, define contraditório nos seguintes termos: “Por contraditório entende-se a garantia de que nenhuma decisão ocorrerá sem a manifestação dos que são parte no conflito. No processo administrativo fiscal a garantia do contraditório quer dizer que o contribuinte tem direito de manifestar-se sobre toda e qualquer afirmação dos agentes do Fisco, antes da decisão. E também que os agentes do Fisco devem ser ouvidos sobre a defesa oferecida pelo contribuinte. Assim, se em face da impugnação do auto de infração, ao prestar informações, o agente do Fisco faz qualquer afirmação nova, não contida no auto de infração, ou oferece qualquer documento, sobre aquela afirmação, e sobre aquele documento deve ser ouvido o contribuinte. Nada que seja relevante para o julgamento pode ser colocado nos autos do processo por uma das partes, sem que a outra tenha conhecimento, e tenha 25 oportunidade de sobre aquilo manifestar-se, antes do julgamento”. A garantia de ampla defesa, por sua vez, determina que sejam colocadas à disposição do contribuinte todas as possibilidades de defesa previstas em lei, existindo a segurança de que sempre lhe serão ofertadas as possibilidades de demonstrar que o crédito tributário 26 constituído contra ele é indevido. Conclui-se, portanto, que o devido processo legal é uma garantia existente em praticamente todos os estados liberais modernos por meio da qual se garante aos cidadãos o direito de que exista um processo organizado e justo pelo qual o Estado precisará passar sempre que for agir de modo a interferir nas esferas privadas de liberdade dos cidadãos. Essas esferas privadas compreendem o núcleo duro da existência digna dos cidadãos: liberdade, propriedade e vida. Por conseguinte, sendo o Processo Administrativo Fiscal um procedimento contencioso por meio do qual o Estado pretende interferir na propriedade dos cidadãos, é preciso que, necessariamente, sejam obedecidas as exigências do devido processo legal, compreendido como contraditório e ampla defesa. 3.2.2 Publicidade Por opção metodológica e didática, a noção de publicidade está inserida nesse artigo dentro do capítulo referente ao princípio do devido processo legal. Entretanto, é imperioso destacar que a noção de publicidade que será analisada a seguir não se restringe à função de princípio decorrente do devido processo legal, mas vai além, flertando com a ideia de fortalecimento das instituições democráticas e até mesmo do Estado Democrático de Direito. O processualista italiano Giuseppe Chiovendaafirmou que existem duas formas de se compreender a publicidade do processo: a admissão de terceiros, ou seja, do público para assistir as atividades processuais e a necessidade de que toda atividade processual 27 seja realizada na presença de ambas as partes. É possível afirmar, seguindo a lógica da dicotomia apontada pelo histórico autor, que a publicidade na relação processual atua sob dois aspectos diferentes: publicidade interna e publicidade externa. A publicidade interna incide sobre as partes envolvidas diretamente no processo e seus procuradores, ao passo que a publicidade externa é destinada a terceiros alheios ao conflito processual, ao público em geral. Quanto à publicidade interna, afirma-se que a sua incidência deve ocorrer da forma mais ampla possível, até mesmo por conta de sua relação direta com a efetividade da garantia do contraditório, haja vista que a legítima participação e possibilidade de reação Página 10

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das partes do processo estão condicionadas, obviamente, à ciência dos atos que lhes 28 dizem respeito. No que diz respeito à publicidade em seu aspecto externo, verifica-se que a finalidade é diversa, na medida em que opera com vistas ao público geral. A ideia é que se permita o controle dos atos do Poder Estatal, esteja ele atuando por meio de seu braço Judiciário, Executivo ou Legislativo, por parte do cidadão comum. A doutrina de outro processualista italiano, Francesco Carnelutti, destaca a distinção entre efeitos imediatos e mediatos da publicidade. Afirma o autor que existe,como efeito imediato da publicidade processual, a permissão ao público de acessar o local em que se realizam os atos processuais, de modo que possam ouvir e ver tudo o que ali ocorrer. Por evidente, essa publicidade está limitada ao espaço físico onde os atos processuais 29 estejam sendo realizados, que dificilmente excederá o número de 200 pessoas. De outra banda, os efeitos mediatos da publicidade processual são aqueles promovidos pelo contato indireto do público interessado com o conteúdo do processo. Como exemplo de publicidade mediata de atos processuais pode-se fazer referência aos bancos de jurisprudência do Conselho Administrativo Fiscal, disponíveis no sítio eletrônico do órgão. No Brasil, o ordenamento jurídico positivo consagra a publicidade processual interna e externa, na Constituição Federal, em seu art. 5º, LX, o qual estabelece que: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Trata-se de previsão constitucional da publicidade dos atos processuais tanto internos quanto externos, que poderão produzir efeitos imediatos e mediatos, conforme visto. Mais adiante, o texto constitucional também estabelece, em seu art. 93, IX, que: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” . Em que pese o texto da constituição somente se manifeste de forma expressa acerca da publicidade nos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário, é possível afirmar que no caso do Processo Administrativo Fiscal a regra constitucional também deve ser aplicada, haja vista estar sendo exercida função judiciária atípica por parte do Poder Executivo, conforme visto anteriormente. Destarte, é possível afirmar que o devido processo legal incide no Processo Administrativo Fiscal, juntamente com as garantias a ele correlatas, o contraditório e a ampla defesa. Também é possível afirmar que a publicidade, em sua relação com o devido processo legal, é capaz de produzir efeitos em relação às partes envolvidas diretamente na relação processual, bem como em relação à sociedade, que tem o poder/dever de fiscalizar e acompanhar as atividades dos órgãos julgadores, sejam eles judiciais ou administrativos. Por esse motivo, a publicidade deve ser obedecida e respeitada nos julgamentos administrativos, sob pena de violação constitucional. 4 A violação do devido processo legal nas esferas de primeira instância administrativa No presente capítulo, após ter sido analisado em linhas gerais o funcionamento do Processo Administrativo Fiscal em âmbito federal e a necessidade de obediência ao devido processo legal ao longo de todo esse Processo, devendo ser dada plena vigência ao contraditório e a ampla defesa, bem como à publicidade, em seu aspecto interno e externo, com seus efeitos mediatos e imediatos, é possível passar à análise do cerne do presente artigo: a violação do devido processo legal nas esferas de julgamento em primeira instância administrativa fiscal. Página 11

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Conforme visto anteriormente, a incidência do devido processo legal no Processo Administrativo Fiscal é uma condição necessária para a existência do processo. Sendo possível afirmar, que os julgamentos secretos ocorridos nas Delegacias da Receita Federal de Julgamento violam o devido processo legal na medida em que não são capazes de assegurar direitos como: (i) intimação dos contribuintes e respectivos procuradores para o acompanhamento das sessões de julgamento (publicidade interna); (ii) permissão para a entrega de memoriais (ampla defesa e contraditório); (iii) autorização de sustentação oral (ampla defesa); (iv) requisição de provas (ampla defesa); (v) participação em debates (publicidade, contraditório e ampla defesa). Enfim, todos os atos imprescindíveis à hígida consecução dos ditames constitucionalmente positivados da ampla defesa e do contraditório, bem como do princípio da publicidade. O autor da epígrafe desse artigo, Eurico Marcos Diniz De Santi, principal pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV, redigiu parecer consultivo a pedido das seccionais da OAB dos estados do Rio de Janeiro, Distrito Federal e Santa Catarina. No referido parecer, o tributarista teceu fortes críticas à sistemática dos “julgamentos secretos” realizados em todo país pelas Delegacias da Receita Federal de Julgamento. Com a capacidade de síntese e profundidade que lhe são peculiares, o autor afirma que: “Informações coletadas por servidores públicos, à custa do público, são propriedade do público, assim como cadeiras, prédios e outros bens materiais usados pelo governo e de propriedade pública. Além desse argumento fundamental, outras seis balizas sustentam a ampla publicidade dos julgados das DRJs: (i) não é possível a compreensão do julgamento de segunda instância sem o amplo acesso aos julgamentos de primeira instância, o que tornaria a prática atual do Fisco uma ocultação do próprio objeto do julgamento; (ii) a divulgação das decisões de primeira instância aumenta o fluxo de informação sobre a legalidade prática usada pela administração, o que aumentaria a compreensão do contribuinte sobre seus critérios; (iii) a publicidade dos julgamentos aumenta o controle social da administração pública; (iv) a ampla publicidade dos julgados democratiza o entendimento, fazendo com que não apenas grandes escritórios que trabalham em larga escala tenham visão privilegiada do entendimento dos julgados; (v) a participação dos advogados nos julgamentos amplia o diálogo entre o público e o privado, atendendo ao princípio da ampla defesa e revelando que (vi) o problema do contencioso é a má qualidade dos autos de infração, combinada com a complexidade da legislação tributária 30 e a omissão do Fisco em revelar seus critérios”. Em que pese todas as razões até aqui apresentadas para que se considere uma violação ao devido processo legal o fato dos julgamentos administrativos fiscais de primeira instancia serem realizados a portas cerradas, as ações promovidas pela OAB em diversos Tribunais Regionais Federais do país não têm obtido êxito, ao menos em sua grande maioria. A seguir, serão analisados alguns dos acórdãos proferidos sobre o tema, a fim de se averiguar qual é a fundamentação utilizada para defender a manutenção da forma de funcionamento dos julgamentos administrativos fiscais de primeira instância. Após, será possível realizar juízo crítico acerca das decisões analisadas. O primeiro acórdão a ser analisado foi proferido pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e trata de Mandado de Segurança Preventivo impetrado pela 31 Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Paraná. A tese sustentada pela OAB-PR, em síntese, alega violação ao princípio do devido processo legal e da ampla defesa na medida em que os julgamentos no bojo dos processos submetidos à DRJ, não garantem direitos como (i) intimação dos contribuintes e respectivos procuradores para o acompanhamento das sessões de julgamento, (ii) Página 12

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permissão para a entrega de memoriais, (iii) autorização de sustentação oral, (iv) requisição de provas, (vi) participação em debates, (vii) suscitação de questões de ordem. A Terceira Turma do TRF4, todavia, entendeu que não havia procedência na tese, denegando a ordem. Os principais fundamentos empregados na decisão são os seguintes: (i) a apreciação realizada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento não representa fase de julgamento recursal e sim a finalização do procedimento administrativo, sendo que suas deliberações são de natureza interna, nos termos do art. 25 do Decreto 70.235/72, com redação dada pela Medida Provisória 2158-34/01; (ii) pelo Princípio da Legalidade, a vontade da Administração Pública é definida pela lei e dela deve decorrer, ou seja, há uma relação de submissão do Estado à lei, constituindo-se em uma das principais garantias individuais, posto que a lei define e estabelece os limites de atuação do Estado; (iii) portanto, a falta de publicação prévia das pautas de julgamento, bem como a não autorização para que as partes e seus advogados compareçam para assistir às sessões de julgamento nas Delegacias da Receita Federal não violam o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal, por falta de previsão legal. O segundo acórdão analisado, também proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, tratou de apelação cível em Mandado de Segurança impetrado pela Ordem dos 32 Advogados do Brasil – Secção Santa Catarina. Na ocasião, a 4ª Turma do TRF4 entendeu que: “Não se verifica cerceamento de defesa, na medida em que no julgamento das DRJ, onde resta garantido ao recorrente expor todas as razões de discordância e conhecer todos os fundamentos por que eventualmente não foi acatada a sua insurgência - é apenas o primeiro passo previsto dentro do processo administrativo fiscal federal, restando, ainda, a segunda instância e a especial, completamente fora da estrutura da Secretaria da Receita Federal do Brasil e cujas turmas de julgamento são definidas por composição paritária (metade por servidores públicos e outra metade por representantes da sociedade civil). Nas duas instâncias seguintes, é possível a participação do contribuinte ou de seus representantes legais, inclusive por via de sustentação oral.” Portanto, o posicionamento adotado pela Turma, no acórdão de relatoria do Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, ainda que tenha reconhecido não haver espaço para contraditório, ampla defesa e publicidade nos julgamentos das DRJs, julgou não haver violação aos referidos princípios, porquanto as instâncias superiores de julgamento administrativo garantem de forma mais efetiva os aludidos princípios. O Mandado de Segurança impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil – Secção Rio de Janeiro até o presente momento foi a que mais se aproximou de um resultado positivo. A 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro deferiu a medida liminar pleiteada, que posteriormente foi atacada por Agravo de Instrumento da União Federal. Posteriormente, foi proferida sentença de parcial provimento, nos seguintes termos: “Julgo procedente em parte o pedido determinando que as autoridades coatoras passem a designar dia, hora e local para a realização dos julgamentos administrativos fiscais de primeira instância, intimando-se as partes e esclarecendo da possibilidade do seu comparecimento para assistir ao julgamento e, em existindo advogados, os mesmos também devem ser intimados, podendo ofertar questões de ordem sobre aspectos de fato da causa, não podendo exercer sustentação oral por falta de previsibilidade no caso, sendo que os efeitos da presente decisão deverão ocorrer em trinta dias e aplicados aos processos que tiverem inicio ao fim do referido prazo (Processo n. Página 13

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0000113-91.2014.4.02.5101 (2014.51.01.000113-7).” A União apelou da decisão, todavia, a apelação ainda não teve acórdão publicado, muito embora já tenha sido julgada e já se conheça seu resultado. O relator do processo no TRF2, Desembargador Luiz Antônio Soares, e o presidente da 4ª Turma, Desembargador Ferreira Neves, votaram pelo provimento da apelação para reforma da sentença, denegando a ordem. A Desembargadora Letícia dos Santos Mello foi a única a proferir voto favorável, tendo mencionado que não se pode mais admitir julgamentos sigilosos em um Estado democrático de direito. Os fundamentos e lições doutrinárias expostas no presente artigo não permitem que os acórdãos acima analisados não sejam alvo de fortes e motivadas críticas. A publicidade, o devido processo legal, e a ampla defesa, mormente nos casos envolvendo o cidadão e o Estado, devem ser alçados ao grau máximo de relevância e pertinência, uma vez que estão inseridos em uma ideia de Direitos Fundamentais negativos, por meio dos quais o cidadão pode se proteger do poder ilimitado do Estado. A modernidade, em sua face posterior as duas grandes guerras, fez emergir o Estado Democrático de Direito, no qual o império das leis possui supremacia sobre o império 33 dos homens, de modo que os princípios basilares gravados no texto da Constituição da República não podem e não devem ser relativizados ou minimizados. Novamente é relevante citar trecho do parecer de Eurico Marcos Diniz De Santi, no qual refere ser juridicamente insustentável que a Administração se esquive de tornar públicos seus próprios critérios de interpretação e concretização do direito: “Juridicamente é insustentável e moralmente comprometedor que a Administração Tributária oculte seus atos de aplicação, julgamento e decisão realizados nas esferas de 1ª instância administrativa, esquivando-se de tornar públicos seus próprios critérios de interpretação e concretização do direito. A publicidade de julgamentos públicos é regra no ordenamento jurídico atual. A exceção é o sigilo que precisa de fundamento legal para se justificar em casos expressos que envolvam a segurança da sociedade e a segurança do Estado, conforme prescreve o artigo 5°, inciso XXXIII, da CF88, que foi regulamentado pelo artigo 3°, inciso I, da Lei de Acesso a Informação, segundo a qual a transparência é regra e o sigilo só é admitido 34 em casos motivados expressamente”. Assim, é possível afirmar que as decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Federais até o presente momento equivocaram-se ao deixarem de considerar que a publicidade dos julgamentos é a regra, sendo exceção o sigilo. Em outras palavras, para que um julgamento público seja realizado a portas fechadas é necessário que se justifique os motivos pelos quais esse julgamento não poderá ser acompanhado pelo público em geral. Ao chancelar a prática das DRJ’s e permitir os “julgamentos secretos” de primeira instância administrativa, o Tribunal acaba por converter uma exceção em regra, de forma contrária aos preceitos constitucionais. Ademais, parece que o ordenamento jurídico pátrio ainda não conseguiu amadurecer de forma razoável a ideia de que a publicização dos atos de Estado em uma democracia só gera efeitos positivos. O destinatário da norma, do ato, do julgamento ou de qualquer outro tipo de manifestação estatal deve ser visto como participante ativo do processo hermenêutico e fiscalizatório. Na esteira desse pensamento, veja-se o seguinte excerto de Peter Häberle: “Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da Página 14

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interpretação da Constituição”.

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Para Norberto Bobbio, não é possível que se conceba uma democracia com ausência do 36 mais alto respeito pelo instituto da transparência do poder. Ainda sobre os efeitos positivos e socialmente benéficos de um Estado Democrático com altos níveis de transparência e informação, afirma Bruno Miragem: “(...) o maior nível de informação estimula e qualifica, igualmente, a participação da população nos processo de conhecimento e decisão. Trata-se, em última análise do surgimento de uma democracia informacional, caracterizada pela redução da distância entre a Administração e o administrado em face, especialmente, da menor complexidade 37 e maior acessibilidade do cidadão em sua interlocução com o Poder Público”. A luz da alegoria de John of Salisbury, a Administração Pública brasileira precisa ter a humildade de subir nos ombros de gigantes para poder enxergar mais longe e perceber que a relação entre Fisco e Contribuinte deve ser mais harmoniosa, transparente, pública e cooperativa, de modo que os objetivos de ambos os envolvidos seja a perseguição da verdadeira justiça fiscal. A publicidade, nesse contexto, deve ser alçada a um patamar muito mais alto do que ocupa atualmente no âmbito do Processo Administrativo Fiscal, haja vista que é por meio dela que será possível alcançar maior transparência, que conduzirá a maior eficiência e confiança mútua entre os atores envolvidos nesse tipo de procedimento. 5 Conclusões Conforme narrado na introdução desse artigo, no ano de 2014 diversas seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil impetraram mandados de segurança buscando junto ao Poder Judiciário a correção de uma grande vicissitude do Processo Administrativo Fiscal: os “julgamentos secretos” na primeira instância administrativa. Em que pese nenhuma dessas ações tenha conseguido alterar a forma de julgamento das Delegacias da Receita Federal de Julgamento, até o presente momento, não se pode ignorar o fato de que a discussão foi devidamente fomentada. A provocação da Ordem dos Advogados é extremamente salutar e se junta a projetos de pesquisa como o Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas em uma hercúlea tentativa de reorganização institucional no Brasil no que tange à justiça fiscal. O princípio do devido processo legal, desde seus primórdios, está calcado na ideia de proteção dos cidadãos (súditos) em relação ao Estado (soberano), o que a doutrina constitucional costuma chamar de Direitos Fundamentais Negativos, ou de primeira geração. Esse princípio, por ser instituto basilar de todo o Estado Democrático de Direito, deve incidir nos processos realizados pelo Poder Judiciário, como não poderia deixar de ser, mas também deve incidir em todo e qualquer procedimento administrativo por meio do qual o Estado pretenda interferir em alguma das esferas individuais do cidadão: liberdade, propriedade e vida, conforme verificado. Nesse contexto, a publicidade, por força de sua aplicação como desdobramento do devido processo legal, deve ser aplicada aos julgamentos administrativos ocorridos nas Delegacias da Receita Federal do Brasil. Ao se dar a maior incidência possível ao princípio da publicidade, garantir-se-á o exercício da cidadania por parte do público geral, que poderá estar mais informado e poderá fiscalizar de forma mais próxima a atuação da Administração Pública. Também nesse sentido, a publicidade do Processo Administrativo Fiscal aumenta as garantias do contribuinte, protegendo-o de arbitrariedades e de tratamentos desiguais. Como conclusões do artigo, com base nos fundamentos e argumentos analisados tem-se que: Página 15

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(i) o princípio do devido processo legal incide em todas as relações processuais em um Estado Democrático de Direito, dificilmente podendo ser excepcionado, somente em casos extremos e sob considerável ônus argumentativo; (ii) o devido processo legal incide na relação processual fiscal desde o momento em que ela se torna controvertida e bilateral, todavia, não se pode deixar de considerar a necessidade de sua observância também ao longo do procedimento unilateral do Processo Administrativo Fiscal, sob pena de nulidade; (iii) como visto no terceiro capítulo do artigo, o princípio do devido processo legal contém subprincípios, dentre eles destaca-se o contraditório, a ampla defesa e a publicidade; (iv) a importância e relevância da publicidade no Processo Administrativo Fiscal decorre tanto de seu aspecto interno quanto de seu aspecto externo. Por um lado, é norma garantidora da vedação de arbitrariedades e desigualdades, e por outro, assegura a possibilidade de controle dos atos estatais pelo público geral. Os efeitos da boa aplicação da publicidade na Administração Pública são inúmeros, podendo-se destacar os seguintes: aumento da colaboração entre contribuintes e entre eles e o fisco, aumento da confiança na relação fisco/contribuinte, somatório de esforços em busca da justiça fiscal, fortalecimento das instituições e, por consequência, do Estado Democrático de Direito; e (v) os julgamentos administrativos de primeira instância realizados ao arrepio do devido processo legal e da publicidade violam o texto constitucional, na medida em que ignoram as disposições que garantem direitos fundamentais aos contribuintes. Finaliza-se o presente artigo trazendo-se à colação mais uma vez trecho do parecer elaborado pelo Prof. Eurico Marcos Diniz De Santi: “É momento de repensar modelos ultrapassados em que o direito era realizado secretamente em ambientes obscuros e pouco democráticos: é hora dos agentes públicos abraçarem as causas da sociedade e estes serem abraçados por esta pelo 38 relevo e estimo que prestam ao Estado de Direito”. Parafraseando o autor citado, entende-se que o atual estado da arte nas teorias de estado, nas teorias de processo e na teoria tributária não é mais compatível com práticas obscuras e secretas no âmbito da Administração Pública. A grande evolução do Estado em direção à era dos Estados Democráticos de Direito com ampla participação e protagonismo dos cidadãos, que precisam estar minimamente informados para poderem se inserir no debate político, jurídico e fiscal, indica que a defesa da publicidade no Processo Administrativo Fiscal é a defesa da democracia, da boa governança e da justiça fiscal. 6 Referências bibliográficas ABDO, Helena Najjar. A garantia da publicidade do processo e a divulgação de atos processuais pela mídia: limites e precauções atinentes ao processo civil. Anais do XVII Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do CONPEDI - Salvador. Florianópolis SC: Fundação José Arthur Boiteux, 2008. ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda. Devido Processo Legal e o Direito Tributário. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 36, 2001. BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: Uma Defesa das Regras do Jogo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1986. CASSONE, Vittorio. Processo administrativo tributário. Ives Gandra da Silva Martins (Coord.). São Paulo: RT/Centro de Extensão Universitária, Pesquisas Tributárias Nova Série, n. 5: 1999. Página 16

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1 Por exemplo, no veículo eletrônico ConJur [http://www.conjur.com.br/2014-jan-18/oab-rj-questiona-justica-julgamentos-secretos-receita-federal] [http://www.conjur.com.br/2014-jun-17/oab-prepara-chuva-acoes-julgamentos-secretos-receita]; [http://www.conjur.com.br/2014-set-11/oab-mg-apresenta-acao-sessoes-secretas-receita]. 2 O conceito de lide no processo foi trabalhado por diversos autores clássicos, tais como Enrico Tulio Liebman, Mauro Cappelletti, Francesco Carnelutti, dentre outros. 3 MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001. p. 162. 4 MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001. p. 164. 5 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira; Et al. Estudo sobre o contencioso administrativo fiscal da federação brasileira: problemas e soluções. Estudos do Fórum Fiscal dos Estados. 1. ed. Brasília - DF: ESAF, 2013, v. 1, p. 13-19 e p. 29. 6 Conforme determina a Portaria MF 341, de 12 de julho de 2011, em seus arts. 3º e 4º. 7 VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira; Et al. Estudo sobre o contencioso administrativo fiscal da federação brasileira: problemas e soluções. Estudos do Fórum Fiscal dos Estados. 1. ed. Brasília - DF: ESAF, 2013, v. 1, p. 13-196; p. 30. 8 Portaria MF 341. Art. 22. Da decisão de 1ª (primeira) instância não cabe pedido de reconsideração. 9 O CARF é um órgão colegiado paritário criado pela Medida Provisória 449, de 03.12.2008, convertida na Lei 11.941, de 27.05.2009. 10 CASSONE, Vittorio. Processo administrativo tributário. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: RT/Centro de Extensão Universitária, Pesquisas Tributárias Nova Série, n. 5: 1999. p. 380. 11 HARADA, Kiyoshi. Processo administrativo tributário. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: RT/Centro de Extensão Universitária, Pesquisas Tributárias Nova Série, n. 5: 1999. p. 372. 12 SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Processo Administrativo Tributário. Revista Tributária e de Finanças Públicas. vol. 43. mar./2002. p. 17. 13 “(…) shall any State deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law.” 14 HOBBES, Thomas. Leviathan. Penguin Books Limited, 1985. 15 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Trad.: Tiago Rodrigues da Gama. 1. ed. São Paulo: Russel, 2006. 16 Texto da Magna Carta, do Rei João-sem-Terra, 1215. No texto original, em inglês: No free man shall be seized or imprisoned, or stripped of his rights or possessions, or outlawed or exiled, or deprived of his standing in any other way, nor will we proceed with force against him, or send others to do so, except by the lawful judgement of his equals or by the law of the land. 17 SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Página 18

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direito constitucional. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 704. 18 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, Volume 1 – Introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. 15ª edição. Salvador: JusPODIVM, 2013. p. 50. 19 ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda. Devido Processo Legal e o Direito Tributário. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 36, 2001. p. 15. 20 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, 36. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 22. 21 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 552. 22 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Processo Administrativo Fiscal In: DE SANTI, Eurico Marcos Diniz (Coord.). Curso de Especialização em Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 557. 23 SCHERKERKEWITZ, Iso Chaitz. Processo Administrativo Tributário. Revista Tributária e de Finanças Públicas. vol. 43. mar./2002. p. 105. 24 ZANETI JR., Hermes. Processo Constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 191. 25 MACHADO, Hugo de Brito. O devido processo legal administrativo tributário e o mandado de segurança. In: Processo administrativo fiscal. ROCHA, Valdir de Oliveira. (Coord.). São Paulo: Dialética, 1995. p. 83. 26 Idem, ibidem. 27 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil, v. 3. Trad.: da 2. edição italiana: J. Guimarães Menegale. Notas: Enrico Tullio Liebman. São Paulo: Saraiva, 1965. p. 88. 28 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. 1. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 234. 29 CARNELUTTI, Francesco. La pubblicità del processo penale. Rivista di diritto processuale, 1955. In: ABDO, Helena Najjar. A garantia da publicidade do processo e a divulgação de atos processuais pela mídia: limites e precauções atinentes ao processo civil. Anais do XVII Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do CONPEDI Salvador. Florianópolis - SC: Fundação José Arthur Boiteux, 2008. p. 6. 30 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Estudo, Investigação e Análise. Kafka, alienação e deformidades da legalidade: em defesa da ação da OAB contra julgamentos públicos secretos. Parecer consultivo: 2014. p. 19. 31 TRF4, AC 5049862-61.2014.404.7000, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva. 32 TRF4, AC 5032645-84.2014.404.7200, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle. 33 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. 34 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Estudo, Investigação e Análise. Kafka, alienação e deformidades da legalidade: em defesa da ação da OAB contra julgamentos públicos Página 19

O devido processo legal e a publicidade nos julgamentos administrativos fiscais de primeira instância

secretos. Parecer consultivo: 2014. p. 20. 35 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional – a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1997. p. 15. 36 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. p. 10. 37 MIRAGEM, Bruno. A nova administração pública e o direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. apud DE LA RUE, Letícia Almeida. A lei de acesso à informação no Poder Legislativo brasileiro dentro do contexto da sociedade informacional: perspectivas para a democracia. In: CONPEDI. Direito e novas tecnologias . Florianópolis, 2013. 38 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Estudo, Investigação e Análise. Kafka, alienação e deformidades da legalidade: em defesa da ação da OAB contra julgamentos públicos secretos. Parecer consultivo: 2014. p. 23.

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