O devir puta dos cuidados: trânsitos entre mercado do sexo, noções de cuidado e \"deficiências\"

June 9, 2017 | Autor: Carolina Ferreira | Categoria: Cuidado
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Pesquisa financiada atualmente pela Fapesp/Cnpq (Ferreira, 2014), no entanto parte desta reflexão surgiu ao longo de minha pesquisa de pós-doutorado em Barcelona, financiada pela Capes/DGU (Ferreira, 2013). Agradeço a Jordi Rocca e a Yolanda Bodoque da Universitat Rovira y Virgili – Tarragona. Ainda, agradeço imensamente a Adriana Psicitelli pelo acompanhamento carinhoso e pelos diálogos estabelecidos durante todo o processo, além de proporcionar a oportunidade de participar do grupo de estudos e supervisão de estudantes e pesquisadores ligados a sua linha de pesquisa no Pagu, onde recebi sugestões fundamentais na apresentação do primeiro texto da pesquisa, em especial a: Iara Beleli, Antônia Pedroso (nos encontros de congressos), Zé Miguel, Laura Lovenkrow, Natália Corazza, Carol Padaju, Aline Tavares, Paula Luna e Ana Paula, e com carinho especial a Paula Togni. A Regina Fachinni e Isadora França pelo incentivo, ideias e conversas motivadoras, e a Bibia Gregori por sempre ser uma fonte de inspiração, pela atencao e carinho com que tem supervisionado esta pesquisa.

A partir das décadas de 60 e 70, a atuação política de pessoas com deficiência deu novos contornos ao debate ao afastar o peso de saberes e poderes biomédicos sobre o tema, e focar a compreensão do fenômeno social das deficiências. Esta perspectiva, que convencionou-se chamar de modelo social da deficiência, trata de explica-la como consequência direta de um marco social discriminatório. De acordo com este argumento, a deficiência não é apenas um estigma que a pessoa carrega, mas sim resultado da exclusão e opressão social exercida sobre ela ao ver negado o apoio que necessita. Além disso, as visões derivadas do modelo social permitiram perceber como a desvantagem social imposta pela deficiência não era uma sentença da natureza, mas uma expressão da opressão pelo corpo considerado anormal (Diniz, Santos e Pereira 2009). Ainda, no âmbito desta produção considera-se que a virada argumentativa da deficiência como tragédia pessoal para a deficiência como matéria de justiça social foi o que permitiu o deslocamento dos saberes biomédicos para os saberes sociais (Barnes et al., 2002; Diniz, Santos e Pereira 2009).
"Não estamos acostumados a pensar que as pessoas que são atendidas, sabem o que querem e sabem o que deve ser feito e como, na relação de cuidado" (Vega, 2009).
Os diálogos entre estes campos tem produzido (re)definições conceituais e categorias analíticas no âmbito de teorias e filosofias da diferença, por exemplo a emergência da Crip Theory. Nos últimos vinte anos no debate sobre deficiências e interseccionalidades a Crip Theory emergiu principalmente nos Estados Unidos, como campo disciplinar do encontro entre os disability studies e o campo feminista e queer no marco da crítica ao conceito de gênero e descentramento de sujeitos políticos com a finalidade de estabelecer perspectivas radicais de analise ligadas as normatividades referentes ao gênero, corpo e sexualidade. O termo Crip que em inglês significa asqueroso, rastejante é empregado a partir de usos estratégicos da injúria, tal como queer. Este conjunto de reflexões tem problematizado dinâmicas de exclusão e produção de desigualdades ligadas aos impedimentos corporais diante de concepções que relacionam o corpo à aptidão e disponibilidade para o trabalho, bem como o classifica a partir da variação de uma suposta condição normal
Termo utilizado neste contexto, principalmente no meio ativista, para referir-se a noção de deficiência.
No campo da sexualidade, a partir da década de 80, despontaram na Europa propostas de acompanhamento e de serviços pagos no âmbito pedagogico-afetivo-sexual, direcionados a pessoas com deficiência. Neste contexto, por exemplo, na Alemanha a penetração foi proibida, na Bélgica surgiram serviços de masturbação em algumas cidades, sem formação de profissionais ou qualquer tipo de formalização legal (ainda que, hoje em dia, eles não existam mais). Tais práticas e serviços ficaram conhecidos como "assitência sexual"e atualmente são vigentes e autorizados formalmente na Suiça, Bélgica, Alemanha, Austria, Holanda, Dinamarca e Japão(neste último este serviço se chama "white hands"). Na Itália e na França a assistência sexual está proibida, ainda que seja tema de acaloradas discussões públicas. Em março de 2013, o Comitê Consultivo Nacional de Ética Francês(CCCNE) consultado por organizações relacionadas ao tema das deficiências, em março de 2013, deu um parecer desfavoravel a assistencia sexual. Na Espanha, o debate sobre a assistência sexual surge em 2011, a partir do coletivo SEX ASISTENT, criado por Silvina Peirano, reconhecida orientadora sexual argentina especialista em discapacidades, que esteve em Barcelona durante um período.
O Movimento de Vida Independente (MVI) é um movimento social, surgido no marco das lutas pelos direitos civis nos Estados Unidos, na década de 60. Influenciado por reivindicações contemporâneas a ele, principalmente o movimento negro norte-americano, grupos de pessoas com diferentes "discapacidades" passaram a reivindicar direitos civis, a (des) institucionalização e a (des) medicalização de suas vidas e de seu entorno. Neste contexto surge o modelo sócio-político da discapacidade que trata de explica-la como consequência direta de um marco social discriminatório. De acordo com este argumento, a discapacidade não é um estigma que a pessoa carrega, mas sim resultado da exclusão e opressão social exercida sobre ela ao ver negado o apoio que necessita. Posteriormente o movimento se internacionalizou, e em 2001 no estado Espanhol, cria-se El Foro de Vida Independiente y Divertad (FVID), como espaço virtual de reinvindicação e debate. Neste contexto, emerge o modelo da diversidade funcional como herdeiro do modelo social da discapacidade, que além da luta, no marco dos direitos humanos, para garantir as mesmas oportunidades a todos, também celebra o valor positivo e a dignidade da diversidade humana, principalmente aquela que deriva de corpos que funcionam de maneira diferente, neste sentido, adotou-se o termo diversidade funcional com fins simbólico-políticos. Em 2006, em Catalunya, membros do FVID criaram o "projecto de vida independiente", uma espécie de experimento-político piloto, dirigido e gestionado por integrantes do Foro e com financiamento público (Comunidad Autonoma; ayuntamiento).
Neste texto optei por não descaracterizar totalmente algumas de minhas interlocutoras que atuam de maneira diferente, no que poderíamos considerar redes de protagonismo do trabalho sexual (inclusive, a partir de sentidos diferentes desta atuação, e consequentemente produtora de noções diferentes de noções neste campo). Além das conversas pessoais que mantive, utilizo material de suas biografias amplamente divulgadas no contexto espanhol. Assim, embora tenha fantasiado seus nomes, algumas referências são facilmente reconhecíveis. Entendo que são figuras públicas relevantes para falar de um campo.
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O devir puta dos cuidados: trânsitos entre mercado do sexo, noções de cuidado e deficiências.
Carolina Branco de Castro Ferreira
Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais /UNICAMP/Brasil
Pesquisadora pós-doc ligada ao Núcleo de Estudos de Gênero Pagu/UNICAMP/Brasil
[email protected]
Introdução
Nesse texto procuro entender dinâmicas e disposições emocionais e afetivas presentes na relação entre deficiências, cuidados e sexualidade. As relações que podem ser estabelecidas entre estes âmbitos, obedecem a diferentes malhas de regulações e regimes normativos, dependendo da perspectiva adotada e/ou dos atores que se escolhe eleger. Nesse momento, abordarei a produção de cuidados relativa aos cruzamentos entre sexualidade e deficiência, nos quais trocas entre sexo-dinheiro assumem certa centralidade, a partir de material etnográfico coletado sobre o tema na cidade de Barcelona durante o ano de 2013. Buscarei compreender as redes de relações que compõem este cenário e as conexões presentes entre alguns atores neste contexto.
Pelo menos nos últimos 30 anos, a noção de cuidado e do trabalho de cuidado tem sido um eixo de discussão relevante no âmbito do debate feminista. Nesse contexto, tais temas têm sido tratados a partir de uma heterogeneidade de perspectivas e campos disciplinares (psicologia moral, ciência política, sociologia, antropologia filosófica, alguns setores ligados à saúde e etc), bem como tem buscado pensa-los como prática e como disposição, produtoras de moralidades que invoca diferentes significados, diferentes contextos e múltiplas relações de poder, nos quais o argumento político ao redor do care tem sido privilegiado. O foco tem sido abordar a dimensão política das ações cotidianas do cuidar, no qual esta atividade ocupa um lugar central na vida humana, servindo como base para repensar o terreno da moral e da vida política. (Tronto, 2009).Nessa perspectiva, a dimensão moral se apresenta na ideia de que o cuidar se relaciona a uma passagem do dilema da autonomia ou dependência para a interdependência humana, deslocando a questão da vulnerabilidade de alguns sujeitos para a de condição humana em geral. Ainda, tal abordagem tem tomado o care como trabalho, questionando determinismos sociológicos e chamando atenção para questões e sujeitos invisibilizados da atividade laboral.
No trabalho etnográfico em Barcelona, chamava minha atenção, em alguns contextos, como a sexualidade de pessoas com deficiência era percebida em termos de produção de cuidados. Não era raro, que estes cuidados se conformassem na relação entre redes familiares, instituições e mercado do sexo na cidade. O material etnográfico que apresento trata dos modos de conexão entre estas redes, e da percepção dos sujeitos nelas envolvidos. O objetivo é buscar compreender a produção de noções e estilos de cuidados, quais os sujeitos envolvidos nestas dinâmicas, bem como em que circunstâncias e com que finalidade operam evitando as armadilhas de explicações generalistas e essencializadoras sobre o tema e as atividades relativas aos cuidados.
Tenho tentado dialogar com dois conjuntos de reflexões no campo de debates sobre o care. Primeiro, dentre as diversas facetas, descrições e definições que o care pode assumir, bem como de debates e diálogos que pode suscitar, a interface entre feminismos e estudos sobre a deficiência, tem tido considerável destaque, bem como tem sido alvo de vários contenciosos, sobretudo a partir da década de 90. Em vertentes do ativismo relacionado ao modelo social da deficiência e parte da produção relacionada ao tema das deficiências, a noção de cuidado tem sido problematizada, criticada e, às vezes vista com suspeita, desafiando as chaves conceituais do argumento de uma "ética do cuidado". De acordo com esta crítica o cuidado não é uma relação social que deva ser valorizada. Ao contrario, ele é associado ao confinamento das pessoas com deficiências e ao escrutínio médico. Neste contexto, é mais comum encontrar a noção de cuidados como "ajudas" e ou "suportes". Estas críticas colocam em perspectiva as diferenças entre sujeitos, realidades e estilos de cuidados, muitas vezes, dada uma concepção hegemônica de cuidado como "cuidado de idosos e de crianças". Neste campo o Feminist Disability Studies tem sido uma referência, para pensar "as políticas de interpretação das necessidades" (Fraser, 1989) de sujeitos. Além disso, o debate feminista sobre este tema também merece destaque por questionar e pensar, a partir de instrumentos desnaturalizadores de noções da vida social, a relação entre deficiência e gênero, bem como por apontarem a pouca preocupação dos feminismos com a questão da deficiência, e dos movimentos de pessoas com deficiência em relação a outras categorias identitárias (Mello e Nuenberg, 2012). O segundo campo de debates que tenho tentado dialogar, envolve abordagens com intuito de desenvolver definições mais abrangentes do trabalho do care, tal que inclua, por exemplo, serviços sexuais como modalidades especificas do trabalho de cuidado.

2. Mercado do sexo e redes de cuidados
A reflexão que desenvolvo aqui é caudatária dos desdobramentos de minha pesquisa de pós-doutorado realizada em Barcelona durante o ano de 2013. Naquele ano, com a repercussão do filme As sessões despontou com força no âmbito público-midiático a discussão sobre a importância, legitimidade e "necessidade" da figura da/o assistente sexual, cujo papel seria desempenhar um serviço pago de acompanhamento afetivo-erótico-sexual dirigido a pessoas ou casais com "diversidade funcional" . O encontro entre a repercussão/sucesso do filme com a proposta da assistência sexual deu corpus ao debate sobre sexualidade e deficiência como um tema de justiça e de cidadania sexual de pessoas com diversidade funcional, produtor de economias morais subjacentes às trocas no mercado do sexo naquele contexto.
Ao passar a frequentar eventos sobre o tema, percebi que o projeto da assistência sexual em Barcelona era disputado por alguns grupos e atores, e produzia contenciosos ao redor de concepções de cuidados, sujeito político, corporalidades, mercado do sexo, convenções eróticas e direitos sexuais. Basicamente neste debate estavam atuantes do Movimento de Vida Independente (MVI), organizações e protagonismos de trabalhadoras sexuais, especialistas ligados a saberes biomédicos e "psi" (psicopedagogos, psicólogos, terapeutas "alternativos" – principalmente tantra- sexólogos, especialistas em reabilitação e etc.) e grupos transfeministas.
Minha entrada nesta rede de contenciosos, debates e alianças relativos aos sentidos e protagonistas da assistência sexual em Barcelona se deu por meio das conversas mantidas com Neira, mulher, trabalhadora sexual que exerce um protagonismo importante no campo de direitos humanos e regulamentação do trabalho sexual na Espanha. Antes da efervescência do debate da assistência sexual no ano de 2013 em Barcelona, Neira já em 2010 se definia como assistente sexual:
Aunque ha sido muy duro, mi mayor crecimiento personal ha sido desde que soy puta. Lo normal es que, cuando se oye hablar de putas o prostitución, ni siquiera pase por la mente la idea de que puede haber situaciones buenas y loables, y la más especial de todas es, sin ningún género de dudas, mi relación con las personas – hombres – que tienen discapacidades, tanto físicas como psíquica.(…) Cuando ya me independicé, decidí que me especializaría en atender este coletivo. Me tuve que espabilar bastante porque si ya la sexualidad humana es algo desconocido y tabú, la sexualidad de las personas discapacitadas todavía lo es más, ya que existe la falsa creencia de que no tienen necesidades sexuales, por lo menos, entre la mayoría de la gente que yo conocía y conozco, tanto en el ámbito de la prostitución como fuera. Lo primero que hice fue mirar en la publicidad si se ofertaban estos servicios y vi que no. Después acudí a algunas escasas asociaciones que había y que me costó mucho encontrar por aquel entonces (hablo del año 1995). Los principios fueran muy duros, tanto que estuve a punto de tirar la toalla, porque si bien algunos terapeutas educaban a los progenitores para mentalizarlos de que sus hijos/hijas tenían necesidades sexuales, las reticencias venían porque era puta. Era inevitable que pensaran: " Como va a estar mi hijo con una puta? Y si le pasa una enfermedad? Poco a poco, me fui dando a conocer e insertando anuncios en los que especificaba: "Atiendo a personas con cualquier tipo de discapacidad" (Montse Neira – em sua biografia - Una Mala Mujer, 2012)
Também participei durante seis meses do coletivo Sex Asistent Catalunya, que na época funcionava como uma espécie de "grupo de trabalho" sobre o tema da assistência sexual. O coletivo se constituiu a partir de oficinas de sensibilização ministradas por Silvina Peirano, por pessoas com níveis altos de escolarização, casa e carros próprios (adaptados), naquela época estavam empregadas e/ou mantinham alguma função ou projeto remunerado (pertencentes a classes médias?). Na época em que participei contava com a presença de três homens em torno de 40 a 45 anos, nascidos na Catalunia ou no Estado Espanhol, moradores de Barcelona ou arredores, consideravam-se como pessoas com diversidade funcional e tinham experiência no ativismo sobre este tema. O grupo também era composto por seis mulheres, com variação de idade de 30 a 35 anos, nascidas na Catalunya, moradoras de Barcelona e arredores. A maioria eram psicólogas ligadas ao campo da sexologia e de terapias holísticas (tantra, "taper sex"). Aquelas que se identificavam como mulheres com deficiência atuavam no campo artístico (atrizes e dançarinas). Também, foi interessante notar neste período que muitas das mulheres que passaram a se aproximar do grupo justificavam sua participação por já terem sido namoradas e ou esposas de homens com deficiência. Na fala delas, a experiência do envolvimento afetivo-sexual com homens com deficiência legitimava a participação no grupo.
As derivas que fiz por estas redes que articulavam deficiência e sexualidade, permitiram perceber que trocas entre sexo-dinheiro e pessoas com deficiência, nem sempre eram denominadas de assistência sexual, e aconteciam no âmbito do mercado do sexo, em locais ( principalmente "pisos") que ofereciam e anunciavam serviços sexuais especializados para atender homens com deficiência. Um dos serviços mais conhecidos nesse sentido, é a casa da Sr. Hollywood. Conversamos em sua casa, que ao mesmo tempo era o local para os encontros entre clientes e trabalhadoras sexuais. O apartamento localiza-se em uma região central de Barcelona (example), em um prédio como qualquer outro da vizinhança - o código é o da discrição. Ao chegar fui atendida, por uma mulher responsável pelos serviços domésticos na casa: ela tinha aproximadamente 50 anos, cabelos castanhos, pele relativamente clara, e um acento ao falar castelhano que não identifiquei.
Adentrei o apartamento e passei a seguir esta mulher que me dizia: "passa, passa"! O piso está disposto de maneira que os que entram ali sem a intenção de contratar os serviços, não conseguem visualizar os quartos e os locais para os encontros. Passei por duas salas com muitas luminárias, móveis com bibelôs, sofás e cadeiras estofadas, e cortinas de tecidos volumosos que compunham um ambiente de cores avermelhadas, terrosas e com toques de dourado. Nas paredes não faltavam retratos de Mariliyn Mooroe, Rita Hayworth, Sofia Loren, Brigite Bardo, Audry Hapborn - as "divas" do cinema dos 40 aos 60 estavam muito bem representadas, junto aos cartazes dos filmes que consagraram estas atrizes. Misturado a tudo isso, estava fotos da senhora Hollywood em entrevistas a revistas e periódicos de bastante circulação na Catalunia. Cheguei a uma pequena biblioteca, conduzida pela senhora da porta, que ofereceu-me algo como agua ou café. Sentei em uma poltrona grande, estofada com tecido de detalhes de pele de zebra, e rapidamente fui advertida por minha cicerone que não me sentasse ali, apontando para o sofá de dois lugares a frente. O lugar estava repleto de livros de literatura universal e coleções completas da história da Catalunia. A Sr. ?? é uma mulher de aproximadamente 60 a 65 anos, cabelos loiros e está sempre muito bem arrumada em suas apresentações públicas. Em nossa conversa não foi diferente, ela levava nos olhos maquiagem de cor azul-acinzentado, vestia um conjunto negro de camisa de manga longa e calça comprida com brilhos bordados na gola. Os cabelos impecavelmente arrumados em um coque clássico, de forma que a parte da frente do penteado desenhava uma franja "afofada", num estilo "clássico cabelo dos 60". Durante nossa conversa gesticulava com as mãos, e pedia licença, pois o telefone não parava de tocar:
Ya, nosotros tocamos hace dos años el tema de los discapacitados. Esta muy bien porqué veo que en España o en Cataluña, si como en Suecia dicen que las señorita que tienen que hacer señores con problemas tienen que tener una preparación, siempre creo que las nuestras tienen esta ternura, este algo especial y pueden llevar muy bien con estos muchachos que creo que ha sido una suerte para ellos poder encontrar un sitio donde comportarse como otros señores con las necesidades propias que son las necesidades del sexo. Nos ha costado un poco introducirnos en el tema de los discapacitados porqué han habido bastantes problemas, tal vez con las instituciones, que les han costado un poco de entender, con las familias... Aquí un día vino un matrimonio a traerme al hijo y muy bien, lo estamos llevando muy bien. Me siento feliz después de tantos años de haber hecho felices a tantísimas personas(…). Yo tuve la buena suerte, yo creo que las buenas ideas surgen de otras personas, pero pueden salir perfectas. En este caso conocí a una persona que estaba en la Gudman, que es el sitio más importante de Barcelona donde atienden a todas las personas con discapacidad, entonces gracias a esta persona, comentarlo, hablarlo, pues empezamos a tratar todos estos temas de las instituciones, y vinieron para acá y fue gracias a la idea de este señor que me habló de este tema cuando pensé pues, nosotras lo podemos hacer perfectamente, y naturalmente pues el comportamiento de ellos, tengo algunos mails de estos muchachos que han venido, que son tan bonitos, ahora no me acuerdo bien lo que dicen pero están tan bonitos que estoy muy contenta, sí. O sea que la idea surgió un poco por mediación de este señor que está en la Gudman, que en Gudman como son un poco del Opus, quieren que este tema esta quieto y no quieren tocarlo que me parece muy bien. Pero entonces hay muchas asociaciones en las que hemos estado que se sientes felices.
Ha no campo de debates sobre os cuidados, ha tentativas de desenvolver definições mais abrangentes do trabalho do care, tal que inclua, por exemplo, serviços sexuais como modalidades especificas do trabalho de cuidado. Nesta linha de argumentação, Parreñas (2012) ao discutir a remuneração do flerte por parte de acompanhantes filipinas no Japão, chama a atenção para a importância de incluir sistemas matrimoniais e de saúde para pensar nas redes institucionais de care. Além disso, ela aponta para a importância em não reduzir as tarefas de cuidado apenas como trabalho, chamando atenção para a necessidade de situa-las em outros tipos de relações, como as de amizade ou parentesco. Ainda, para a autora é importante considerar as distinções que operam em trocas de sexo-dinheiro considerando o contexto e dinâmicas destas trocas, bem como as diferentes gradações e noções de intimidade sexual produzidas em determinadas interações.
No trecho de minha entrevista com a Sr. Hollywood 'e possivel perceber de modo etnográfico, algumas conexões entre mercado do sexo, serviços de cuidado e reabilitação de pessoas com deficiência, instituições e relações familiares. Gutman, expressão mencionada no trecho, 'e o maior hospital da Catalunia, na 'aerea de neuroreabilitacao. Chamarei a conexao destes campos de itineracao em busca de cuidados (Bonett, 2014). O conceito de itineracao e caudatário das reflexões de Ingold, e seria um movimento para frente e que envolve criatividade e improvisação. A itineração não conectaria pontos, mas consistiria em um sistema aberto de improvisações (porque acontecem no desenrolar da ação) e ao longo da qual a vida é possível. As itinerações não se dão em um mundo em rede que preexiste, mas em uma malha de linhas de vida que se produzem na mesma itineração.
Ao seguir as redes que se co-produziam nestas itineracoes em busca de cuidados, que envolvem cuidados sexuais, a partir da relação das pessoas e das informações que umas davam das outras, pude conversar com profissionais e com pessoas assistidas por uma instituição em Barcelona que gerencia pisos comunitários para pessoas com deficiência, oferece talleres para este público e também atua de forma tutelar a sujeitos. Essa instituição tem várias unidades na cidade de Barcelona, estive em um deles que ocupava um prédio térreo com escritórios para administração e algumas salas para atividades de arte educação. Ali, conversei com Carla umas das técnicas responsáveis pelo gerenciamento daquela unidade. Era um dia de semana pela manhã e os funcionários se acomodavam em suas mesas e iniciavam seus afazeres, em meio ao cheiro de café que saia do fundo sala. Funcionários e pessoas assistidas pela instituição entravam e saiam do local. Carla é catalã, magra, alta, olhos escuros, cabelos castanhos e longos. Usava calça jeans, blusa tipo moletom.(...). Foi a Sr. Hollywood quem facilitou o contato com ela. Rapidamente descobri que Carla juntamente com outros profissionais que se ocupam do tema das deficiências tem produzido materiais importantes referentes a deficiências e sexualidade. Também ela compõem um comitê de ética aplicada na prefeitura de Barcelona e havia lançado um documento referente a questões éticas que envolvem relações afetivas e sexuais em instituições:
Dentro de la sexualidad hay múltiples intervenciones. Lo de ir a la señora Rius sólo es una pequeña parte de personas que tienen esta demanda, la mayor parte de las personas no tienen esta demanda. Los que tienen esta demanda, ahora tenemos la Señora Rius que es fantástico, está todo bien allí, es todo muy agradable y nos tratan muy bien (...) Hay tantas sexualidades como personas entonces cada uno tiene sus cosas, ¿no? Hay parejas que necesitan algún tipo de ayuda para la satisfacción de ella por las limitaciones físicas de él… no sé, hay personas que necesitan ayuda para la auto-excitación, para aprender a masturbarse bien… es muy variado, no todos los momentos de la vida son muy variados (...) Hay tantas sexualidades como personas entonces cada uno tiene sus cosas, ¿no? Hay parejas que necesitan algún tipo de ayuda para la satisfacción de ella por las limitaciones físicas de él… no sé, hay personas que necesitan ayuda para la auto-excitación, para aprender a masturbarse bien… es muy variado, no todos los momentos de la vida son muy variados (...) Sí, entonces claro, lo de ir a la señora Rius lo hacemos pero de todos los usuarios es un pequeño porcentaje. Porque la señora Rius también ofrece servicio para chicas pero de momento no tenemos ninguna chica que se haya decidido a ir
A dimensão da sexualidade de pessoas com deficiência era percebida como uma pratica de cuidado, isso aparecia nos diálogos que mantive com trabalhadoras sexuais que comentavam sobre o fato de mães e irmãos acompanharem homens a pisos, e também aparece claramente neste trecho na conversa com Carla:
Es como ir a la señora Rius, hay personas que no quieren ir o sí que es cierto que hay personas que van con cierta regularidad. Pero también hay personas que dicen "yo fui hace quince años y me gustaría ir otra vez". Entonces se pregunta dentro del equipo si hay alguien que esté dispuesto a acompañarle a la señora Rius y generalmente hay, no hace falta buscar un profesional de fuera, normalmente la gente de dentro ya tiene la idea de "pues igual que le acompaño al médico, pues le acompaño a la señora Rius, no hay mayor problema". Pero tampoco hacemos nada para formar a la gente para hacer un trabajo (...) por ejemplo, esta persona vemos que si se masturba el pene está todo rojo y se hace daño, entonces buscamos ayudarle de otras formas y buscamos asesoramiento en una persona del país vasco que le dice que se ponga guantes… y siempre intentando coger la mano de la persona, no con la mano del asistente. Y se intentó. Bueno, alguno salió bien y alguno no salió bien y sigue haciéndolo mal… Pero siempre que se quiere intervenir la persona se corta entonces está difícil, quizá ahí sí que podemos necesitar un asistente sexual que nos ayude. Pero son cosas tan puntuales que yo no sabría buscar una formación. Porque depende del momento de lo que se ve, si dentro del equipo de educadores de aquel chico o chica, hay alguien dispuesto a hacer lo que sea y generalmente sí que hay. Siempre que hemos necesitado a alguien, hay alguien dispuesto. A veces me preguntaban ¿qué hacéis aquí cuando contactáis al personal? ¿Preguntáis si estará dispuesto a ayudar a masturbarse a alguien? Pues no, ni se me ocurriría. Tampoco le pregunto si estaría dispuesto a limpiar el culo a nadie y aquí se limpian culos. Por eso que participar en una reunión puedo, pero no hacemos cosas extraordinarias, hacemos cosas normales. No tenemos una formación específica. A veces si hiciera falta ayuda para algo pues la buscamos, igual que buscamos si hay que enseñar a alguien a que se masturbe mejor vamos a preguntar a un profesional cómo hacerlo para no hacer ninguna barbaridad.
(¿Y alguna vez puede pasar que un educador SEA la persona que ayude en ese proceso de masturbación?) A enseñarle. Sí. Ayudar nunca, es decir, nosotros enseñamos a, no masturbamos. Porque este es otro servicio ya sexual, no de asistente. A mí este ya me parece un servicio de trabajador sexual así que si quiere esto que se vaya a la señora Rius. Aquí está la parte de aprendizaje. Si tú necesitas aprender esto nosotros te ofrecemos un apoyo, si tú necesitas aprender a como secarte los pies, te ofrecemos este apoyo; pero si tú necesitas que te masturben, aquí no hacemos este servicio.( Entiendo. Buscaremos a otra persona que lo haga y podemos acompañarte.)Sí, porque si no se crea mucha confusión. Y aquí somos facilitadores de apoyo pero no somos un servicio sexual. Porque tú piensa que en los pisos hay una conexión muy estrecha. La parte emocional es muy fuerte y no se puede. No se puede confundir. (¿Te refieres a la relación entre educadores, cuidadores y las personas que viven en los pisos?) Sí. Los lazos son muy fuertes. Porque tú ves a las personas en sus momentos más íntimos de cada día, ¿sabes? Cuando te acuestas, cuando te levantas, si se ha masturbado, si ha vomitado… es la parte más íntima de la vida de las personas y los lazos son muy fuertes. Por eso es que las cosas tienen que estar en su sitio, ¿sabes? Una cosa es enseñar, ofrecer un apoyo. Igual que si vemos a alguien que se masturba en el comedor, pues esto no es una conducta adecuada o si lo vemos que se masturba en la parada de autobús, no, necesitas un sitio íntimo, pues dirigimos al baño o a la habitación. Es sentido común. Lo que es más normal. Bueno, que me enrollo mucho.
Referencias
BONETT, Otavio. Itineracoes e malhas para pensar os itinerários de cuidado. A propósito de Tim Ingold. Sociologia&Antropologia. Rio de Janeiro: vol.4, 2, outubro, 2014.
Ferreira, Carolina Branco de Castro. Produção de corpos e cuidados: deficiências, erotismos e mercado do sexo.Fundação de Amparo a Pesquisa de São Paulo –FAPESP - Projeto de Pesquisa de Pós- Doutorado, 2014
FERREIRA, Carolina Branco de Castro. "Yes, we fuck": sexualidade, "diversidade funcional" e mercado do sexo. Apresentação no V Congresso da Associação Portuguesa de Antropologia, Vila Real, 2013.
FERREIRA, Carolina Branco de Castro. CÓDIGOS DE GÊNERO E SEXUALIDADE ENTRE CONSUMIDORES DE MERCADOS DO SEXO NA ESPANHA. RELATÓRIO. Relatório Final referente à Bolsa de Estágio Pós-doutoral inserida no projeto de Cooperação Internacional (CAPES/DGU, processo 1237/11), 2014.
PARREÑAS, Rhacel Salazar. O trabalho de care das acompanhantes. Imigrantes filipinas em Tóquio. In: : HIRATA, Helena; GUIMARÃES, Nadya Araujo. (orgs.) Cuidado e Cuidadoras: as várias faces do trabalho do care. São Paulo: Atlas, 2012
Tronto, Joan. (1993). Moral boundaries: a political argument for an ethic of care. Londres: Routledge.
VEGA, Cristina. Encuentros y encontronazos: para un diálogo entre DIVERSAS funcionales y domésticas, 2009 (mimeo)





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